R E F L E X Õ E S S O B R E A
C O M P L E X I D A D E D A G E O G R A F I A
G E O G R A F I A
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Reflexões sobre a complexidade da Geografia
Referências
S U M Á R I O
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A Geografia é uma ciência muito especial: às vezes,
extremamente desconcertante, angustiante, frustrante, prazerosa, e porque não? Gozosa. É uma ciência viva, se ela for sentida realmente com a vida. E é certo que, para ser entendida, tem que ser por um caminho articulado. É o que os geógrafos procuram construir: um discurso que diga do espaço, ou melhor, que afirma um dos enigmas fundamentais da vida, a relação do humano com o
espaço. O humano é um enigma topológico, sobre o qual devemos nos questionar: onde verdadeiramente ele se
encontra? Em que lugares se manifesta? Onde está o humano? Diferentemente das visões topográficas
exteriorizadas pelos conteúdos fixos dos mapas, trata-se também de descrever a existência dos humanos como relacional.
Vamos, então, tentar aqui usar o que já é conhecido na Universidade, porque por via desse conhecimento pode- se enfocar aspectos que pareçam, pelo menos ciência.
A Geografia sustenta que a noção do espaço é sabedoria, não depende da Geografia existir ou não. A sabedoria foi aquilo que até possibilitou a identificação dos primeiros alimentos, se fez a domesticação de plantas e animais, e daí nasceram as rotas.
A sabedoria pode nem depender da alfabetização! E é
claro que ela não depende. A sabedoria foi aquilo que até possibilitou o surgimento das primeiras letras e números, que serviram para se fazer a escrita, daí surgiu a
alfabetização. A transmissão de algumas informações, antes mesmo do surgimento da ciência, que se localiza no espaço e tempo.
Reflexões sobre a
complexidade da Geografia
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A Geografia pode visualizar as coisas no ponto mais recuado possível, de onde elas possam nascer e abrir
espaço para que vejamos os primórdios das sociedades, seu trajeto, às técnicas e a transformação dos territórios, ou seja, do “meio natural” ao “meio técnico científico-
informacional” (Santos, 2002). Isso pode ser observado de maneira verdadeiramente artesanal, por quem já tem
uma experiência com a leitura do espaço, como fizeram nossos Mestres Milton Santos e Aziz Ab’Saber, entre
outros tantos.
Até hoje, tem acontecido dessa leitura ter que reconhecer que isso que vem da ação da sociedade, ação
transformadora do homem, traz sempre, alguma coisa
dessa sabedoria, desse saber, que escreve uma linguagem sobre o território, quase sempre inconsciente – e esse é
um saber que reconhecemos. Com isso, eventualmente, aquele que está decifrando a linguagem do humano, que está relacionada ao topos - se é alguém dedicado, que
estuda, que articula, que produz - vai tentar produzir coisas que possam ir se aperfeiçoando, a partir desse saber nem sempre consciente, que, revelado, em
pequenos momentos, pode ser transformado, pode ser conhecimento.
Quanta gente, hoje, saí por aí prometendo resolver
problemas, pregando soluções econômicas, políticas ou sociais. Isso, não tem nada a ver com a Geografia. Por
outro lado, a Geografia não está aqui para derrubar os padrões, nem para fazer contracultura.
Para a geografia, trata-se de dar margem a que essas questões possam ser reconhecidas e denunciadas. Ela não está trazendo solução para ninguém, Mas ela é um instrumento, que trazemos aqui, extremamente potente, de mostrar a grandeza da nossa miséria e dos problemas nos quais nos debruçamos.
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Sabemos também que é do desejo de alguns humanos, que fazem ciência, obsessivamente ter algo para ofertar, seja um conjunto de procedimentos para capitalizados, ou para a gestão do Estado se dar bem, veja a Geografia lógico-formal – que é o sonho de alguns geógrafos – ela teve que ir para uma região onde ela é hoje, uma área técnica de uma coisa chamada engenharia – a saber, o que é isso, a engenharia? Uma área de aplicação de
resultados tecnológicos da ciência. Ela, a engenharia,
mesmo a engenharia ambiental, não é uma ciência; visto que seus efeitos vão ser dirigidos para o consumo.
De tal modo que a Geografia permite muito, inclusive
dizer que a engenharia, seja cartográfica, ambiental ou de planejamento urbano, não tem como absorver o saber
que vem de Estrabão: a geografia parece ser, como
algumas outras ciências, também do domínio da filosofia.
Mais de um fato nos autoriza a pensar assim, pois os
primeiros autores que ousaram tratar da geografia eram precisamente filósofos: Homero, Anaximandro de Mileto Hecateu, Eratóstenes (Lencioni, 1999).
Qualquer coisa desse saber, que cai dentro dos campos voltados para o planejamento (engenharias), transforma- se em instrumento, seja o instrumento tecnologicamente construído, seja o instrumento conceitual, que também é tecnológico, pois opera, por exemplo, como um GPS
(Global Position Sistem).
Para Porto-Gonçalves (2002), a geografia ganha aqui uma qualidade importante na medida que a diferencia. Esses diferentes modos de nomear/fazer – investem o mundo de significações, emprestam sentido à vida, sem o que o mundo não é mundo. A espécie humana não só bebe
água como diz água, ritualiza-a, sacraliza-a, idolatra-a,
estetiza-a, cientifiza-a. Nossa corporeidade biológica nos impele a buscar fora de nós mesmos o alimento, inclusive a água. Deste modo, o trabalho, o fazer, se impõe
buscando soluções.
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A Geografia está, portanto, para além dos planejamentos e engenharias e aquém deles também. Ela é tão
engenharia, que esta se arrebenta com a Geografia (vejam os sistemas de informações geográficas, e, o contrário disso, a discussão filosófica que existe na
geografia em torno do espaço social); o mesmo acontece com as ciências sociais, que somente agora vêm
trabalhando com as nossas velhas e sempre presentes questões territoriais e espaciais. Há várias razões
historicamente compreensíveis para a recusa de um diálogo mais caloroso entre a Geografia e as ciências
sociais em sentido estrito, sobretudo para os cientistas do social que se colocam de um ponto de vista crítico: a
redução naturalista que acompanhou a geografia muito tempo, o privilégio dado ao tempo em relação ao espaço na tradição do mundo ocidental e a instrumentalização do saber pelo colonialismo e pelo imperialismo por meio da geopolítica, entre outros (Porto-Gonçalves, 2002).
A geografia é isso que tenta fazer a leitura do espaço
chegar onde ela, a leitura do espaço, não chega. Sabemos que a sala de aula é um desses lugares. Assim, teimamos em construir, nas palavras de Porto-Gonçalves, já citado, a
“geograficidade do social”:
A materialidade do espaço geográfico é, sempre, sign-ificada, design-ada, posto que é, sempre, apropriada, até mesmo
pela palavra. Os homens só se apropriam do que faz sentido para suas vidas e esse sentido é, sempre, criação social, e não das coisas em si por si mesmas. Afinal, dar
nomes próprios já é se apropriar e, assim, partilhar em comum um espaço de
existência, um espalho de significações, uma comunidade de destino (Porto-
Gonçalves, 2002, p.10).
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O conhecimento geográfico deve ter por objetivo a
possibilidade de tornar claros esses signos, pois é isso o que os lugares revelam ao humano sobre seu destino e sua condição. Nesse sentido, torna-se claro que a
Geografia não é a ciência da mera descrição dos
elementos terrestres ou somente das coordenadas
geográficas que servem de orientação aos humanos. Ela é uma obra aberta para o humano num planeta de
encantamento misterioso e incerto (Silva e Galeno, 2004).
Nesse sentido, a Geografia não para de se fazer. Ela nos faz ver a materialidade das coisas deste mundo.
Apresenta-nos uma representação do real, em que se vê o construto do social. Daí ela se apresentar como uma
linguagem que tenta nos dizer como é possível que este saber faça sua operação sobre os indivíduos que tecem amarrações de sua organização espacial.
LENCIONI, Sandra. Região e Geografia. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1999.
SANTOS, Milton. A Natureza do espaço. São Paulo. Editora Universidade de São Paulo, 2002.
MELLO, Humberto H. Souza. Onde a palavra não chega. In.
Revista Bric a Brac. Brasília, 1990/91.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Trabalho apresentado no Seminário Internacional “Conflito Social, Militarización y Democracia em América Latina. Buenos Aires,
Argentina entre 17 e 18 de setembro de 2002. Clacso e Agência Sueca de Desarrollo Internacional.
SILVA, Aldo Dantas da e GALENO, Alex. (orgs). Geografia ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, 2004.