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Democracia, crescimento econômico e desenvolvimento humano sustentável

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – DCJS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

JULIANE STRADA

DEMOCRACIA, CRESCIMENTO ECONÔMICO E

DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL

Ijuí (RS), 2015

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JULIANE STRADA

DEMOCRACIA, CRESCIMENTO ECONÔMICO E

DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos. Área de concentração: Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Dra. Elenise Felzke Schonardie

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Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB-10/1845.

.

S895d Strada, Juliane.

Democracia, crescimento econômico e desenvolvimento humano sustentável / Juliane Strada. – Ijuí, 2015. –

117 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Elenise Felzke Schonardie”.

1. Direitos humanos. 2. Desenvolvimento humano. 3. Crescimento econômico. 4. Democracia. I. Schonardie, Elenise Felzke. II. Título.

CDU: 342.7

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DEMOCRACIA, CRESCIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL

elaborada por

JULIANE STRADA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Elenise Felzke Schonardie (UNIJUÍ): ____________________________________

Prof. Dr. Neuro José Zambam (IMED): ___________________________________________

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores doutores Domin-gos Benedetti Rodrigues e João Telmo de Oliveira Filho, pelo incentivo e dedicação.

Aos professores do curso de Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, em especial ao professor doutor Gilmar Antonio Bedin, conselheiro e apoiador incondicional.

Aos colegas e funcionários, em especial à secretária Janete Sloczinski Guterres, pela sua paciência e amizade.

À orientadora, professora doutora Elenise Felzke Schonardie, pela sua dedicação e colaboração, sem as quais não seria possível a realização desta pesquisa.

Um agradecimento especial aos meus pais, Jamila e Selvino Strada, por não mediram esforços para me conceder a oportunidade de conquistar meus objetivos.

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“Uma sociedade só será democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha que se vender a alguém”.

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RESUMO

A democracia, no regime capitalista, proporciona vários níveis de desenvolvimento, podendo chegar à instabilidade nos países em desenvolvimento. A relação entre desenvolvimento humano e crescimento econômico torna-se interdependente, representando fatores importantes para o Estado nacional que se encontra num processo de globalização econômica que traz severas consequências sociais. Há a necessidade de um resgate ético no processo economicista para fomentar a proteção jurídica ao meio ambiente. A Economia Ecológica demonstra-se como uma alternativa viável para o desenvolvimento humano, uma vez que ela se configura num marco teórico e de ação política na busca pela valoração das condições ecológicas do desenvolvimento. Assim, tendo como método de abordagem a dialética e como de procedimento o histórico e o interpretativo por meio da pesquisa bibliográfica, o presente estudo conclui que pode haver desenvolvimento sem a degradação do ambiente, a partir de uma nova concepção da ordem econômica com vistas à construção de uma próspera sociedade.

Palavras-chave: Democracia. Desenvolvimento humano sustentável. Crescimento econômico. Economia ecológica.

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ABSTRACT

Democracy under capitalism provides various levels of development, being able to get to the instability in developing countries. The relationship between human development and economic growth becomes interdependent, representing important factors for the nation state that is in a process of economic globalization that brings severe social consequences. There is need for an ethical bailout in economistic process to provide legal protection to the environment. The Ecological Economics is demonstrated as a viable alternative to human development, since it sets a theoretical framework and political action in the search for valuation of ecological conditions of development. Thus, with the approach of the dialectic method and as the historical and interpretative through literature this research concludes that there may be development procedure without environmental degradation within a new conception in the economic order to build a society with prosperity.

Key words: Democracy. Sustainable human development. Economic growth. Ecological economics.

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LISTAS DE SIGLAS

C40 – Cities Climate Leadership Group

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento

CFC – Clorofluorcarbono

CH4 – Metano

CO2 – Dióxido de carbono

DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICLEI – Local Governments for Sustainability

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

N2 Óxido nitroso

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONU – Organização das Nações Unidas

PIB – Produto Interno Bruto

PNB – Produto Nacional Bruto

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO ... 13

1.1 O regime democrático nos Estados em desenvolvimento ... 14

1.2 O desenvolvimento humano no Estado Democrático ... 25

1.3 As referências jurídico-constitucionais garantidoras da compatibilização entre a proteção ambiental e o desenvolvimento: do caminho internacional ao nacional ... 34

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO VERSUS CRESCIMENTO ECONÔMICO ... 45

2.1 O direito ao desenvolvimento sob a ótica dos Direitos Humanos ... 46

2.2 O processo de globalização econômica e suas imbricações sociais... 58

2.3 O resgate da ética no processo econômico ... 67

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS, ECONOMIA ECOLÓGICA E O DESENVOL- VIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL ... 76

3.1 O ambiente como bem jurídico em ascensão aos Direitos Fundamentais e sua proteção pelos Estados nacionais ... 77

3.2 O direito ao desenvolvimento e os desafios da sustentabilidade ambiental ... 87

3.3 Economia ecológica como alternativa democrática à realização do desenvolvimento humano sustentável ... 95

CONCLUSÃO ... 107

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INTRODUÇÃO

O mundo é, em grande parte, o resultado das transformações que ocorreram a partir da Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776; da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, as quais deram origem aos direitos de liberdade, igualdade, justiça, paz e espírito de fraternidade. Iniciou-se, nesta época, a ideia de um progresso voltado ao avanço da ciência e da tecnologia. Para muitos significava a realização de sua liberdade individual; já para outros o despertar do ideal democrático socialista.

A incansável busca pelo poder e riqueza, juntamente com a atrocidade das duas grandes guerras mundiais do século passado, levaram o mundo a um cenário de desigualdades sociais, fome e miséria, afastando-se do ideal de progresso. O tão almejado avanço das lutas sociais era embasado na construção de uma equidade social, aliada ao crescimento econômico que garantiria a dignidade dos seres humanos.

O que ainda se percebe, porém, é que o homem não conseguiu ultrapassar a barreira de seus antigos dilemas, mesmo com todas as conquistas e avanços dos Direitos Humanos. As políticas adotadas ao longo dos últimos séculos serviram de base para a reconstrução dos países, fortalecendo a democracia e, consequentemente, para a organização política e social do Estado. A adoção do regime democrático pela grande maioria dos Estados exerceu um fundamental papel na vida humana, e os países melhor organizados lograram uma democracia mais consolidada e com maior qualidade.

A exemplo desses países – em geral foram as nações desenvolvidas as primeiras a consolidar as suas democracias – aqueles em desenvolvimento iniciaram seu processo de transformação democrática ao longo da década de 1970, muitos sob forte intervenção de regimes autoritários, juntamente com o processo de constitucionalização que, no caso brasileiro, apenas veio a se concretizar no final dos anos 80. Um número expressivo das novas constituições deu maior tutela jurisdicional à proteção ambiental, passando o meio ambiente a ser considerado um direito fundamental. Para tanto, passou-se a formular diversos instrumentos jurídicos internacionais que têm por objetivo criar normas que orientam as ações humanas no processo de produção e reprodução da vida social.

Não foi, contudo, somente o meio ambiente que obteve a garantia da tutela das novas constituições e instrumentos internacionais. O direito ao desenvolvimento também foi tema de Declarações e Pactos Internacionais, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, e seu Protocolo de San Salvador.

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Ali se encontra o comprometimento dos Estados-partes na adoção de medidas que levem à efetividade dos direitos decorrentes das normas econômicas, sociais e culturais. Somente um Estado desenvolvido é capaz de proporcionar uma melhor distribuição de renda, garantindo à população condições de igualdade no que tange aos seus direitos básicos, como saúde, educação, moradia e estabilidade social e econômica. Para ser um Estado democrático, no entanto, não basta ter um bom desenvolvimento econômico, com excelentes taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), um Congresso, a divisão dos poderes e o direito ao sufrágio. A democracia vai muito além disso. É necessário considerar o impacto da democracia e das liberdades políticas na vida do indivíduo. Neste sentido, mesmo um Estado social consolidado não consegue se ver livre das crises que assolam a humanidade. A sociedade, na busca constante pelo lucro e pelo poder, desencadeou uma rede de mazelas sociais. Os valores de mercado passaram a desempenhar um papel cada vez maior na vida social, elevando as desigualdades e desencadeando um processo mundial de falta de saúde, alto índice de mortalidade, fome, sede, desequilíbrio ecológico, corrupção generalizada, dentre outros.

A perda da moral e da ética para o alcance dos objetivos econômicos ultrapassa qualquer noção de bom senso. Há vários séculos que a ética e a política andam afastadas uma da outra, mas no sistema econômico vigente parece que a ética segue caminho oposto ao da política e da economia. Não bastasse isso, o processo de globalização impõe uma lógica ainda mais rigorosa de competitividade e distinção entre os Estados e os indivíduos.

A globalização não pode ser vista como um fenômeno negativo. Há séculos que ela vem contribuindo para o progresso do mundo por meio da difusão do conhecimento, das culturas, do comércio, etc. Na verdade, ela é um processo histórico que ao mesmo tempo em que integra, separa, ou seja, ela integra as diversas nacionalidades ao mesmo tempo em que fragiliza as fronteiras dessas nações. Apesar disso, ela corresponde ao idealismo que se busca. Ficam evidentes os desafios impostos pela globalização, mas que devem ser enfrentados para uma reestruturação do sistema.

Um dos exemplos da necessidade de reestruturação foi a crise financeira de 2008. Com ela, um dos aspectos que ficou demonstrado é que o modelo econômico e social adotado até então é ineficaz no que tange à capacidade de gerenciamento da sustentabilidade financeira, econômica, social e ambiental. O mundo parece responder somente aos imperativos econômicos, à exploração dos seres humanos e à degradação ambiental, deixando de lado as considerações éticas que afetam o comportamento humano. Há, no entanto, várias maneiras de repensar o modo como se vive.

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Neste sentido, a economia ecológica e a ecologia política se destacam como alternativas democráticas na busca do desenvolvimento humano. Com uma maior consciência dos problemas sociais, econômicos e ecológicos os indivíduos e os Estados buscam uma mudança de comportamento que valorize as condições ecológicas do desenvolvimento. A economia ecológica busca unir a economia e a ecologia às ciências sociais, humanísticas e naturais para desenvolver métodos eficientes de crescimento econômico e preservação dos ecossistemas.

Ademais, a economia ecológica representa uma evolução do pensamento econômico tradicional, pois diferentemente deste, procura recuperar os elementos qualitativos contidos no ideal de progresso com a adaptação das formas de produção e modelos sociais sustentáveis. A economia ecológica, juntamente com a ecologia política, permite viabilizar o desenvolvimento sustentável com condições de alcançar o progresso econômico e social, bem como contribuir para a concretização dos direitos humanos.

Neste contexto, esta pesquisa tem o objetivo de analisar as imbricações sociais e jurídicas entre a democracia e o desenvolvimento, com vistas à implementação de uma proposta de economia ecológica que busque o desenvolvimento sustentável. A investigação propõe a análise da democracia nos países ocidentais desenvolvidos, comparando-os com os países em expansão. Analisa, também, as consequências do processo de globalização econômica na obtenção de um desenvolvimento humano capaz de resgatar a ética e firmar um comprometimento com o meio ambiente. Procura, também, demonstrar que a partir de uma nova concepção econômica pode haver desenvolvimento sem que haja o esgotamento dos recursos naturais, propiciando, inclusive, a construção de uma próspera sociedade. Assim, busca-se saber se a economia ecológica se configura numa alternativa para o desenvolvimento humano sustentável, uma vez que ela permite a abertura de fronteiras interdisciplinares, com diferentes campos científicos para a valoração das condições ecológicas do desenvolvimento. No intuito de relacionar o estudo à linha de pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos, e vinculado à proposta do Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, esta pesquisa bibliográfica usa a dialética como método de abordagem, e como de procedimento o histórico e o interpretativo.

O primeiro capítulo tem por finalidade analisar o regime democrático nos Estados em desenvolvimento, e demonstrar a maneira como se dá o crescimento humano com a análise dos instrumentos jurídicos disponíveis para garantia da proteção ambiental e do avanço como um todo.

Já o segundo capítulo trata do direito ao desenvolvimento sob a ótica dos Direitos Humanos, baseado no Protocolo de San Salvador, documento internacional adicional ao Pacto

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de San José da Costa Rica, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais que ressalvam o ideal do ser humano à liberdade. Também é analisado o processo de globalização na economia e suas imbricações sociais e o mal-estar gerado na sociedade que fica dividida entre sociedades metropolitanas e coloniais. Esta divisão acentua as exclusões e gera a necessidade de se resgatar a ética e a moral para dar condições favoráveis à vida e não à sobrevivência.

No último capítulo se verificam as maneiras de repensar o modo como se vive e colaborar para a construção de um meio ambiente saudável. O meio ambiente posto como bem jurídico de direito fundamental cria soluções efetivas de crescimento com sustentabilidade. A melhora do sistema jurídico proporciona maior proteção ao ambiente e ao indivíduo, e a economia ecológica, junto com a ecologia política, demonstra ser uma alternativa democrática na busca do desenvolvimento humano sustentável. O desenvolvimento transcende a via do crescimento econômico e necessita de vários tipos de conhecimentos para alcançar novas formas de vida social e diversidade nos projetos culturais e, neste aspecto, a economia ecológica tem se demonstrado eficaz.

1 DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

O mundo, em meados da segunda década do século 21, se apresenta com alguns dilemas significativos, como: desigualdades econômica, social e ecológica envolvendo a maioria dos

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seres humanos na mais absurda miséria. Não se pode esquecer, contudo, que nos dois últimos séculos ocorreram transformações quase que inimagináveis na busca de uma sociedade democrática, livre e igual, mas que ainda possui uma concepção muito modesta da democracia com qualidade.

A democracia, pode-se afirmar, é sinônimo de organização política e social do Estado, capaz de proporcionar igualdade e liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O regime democrático exerce um papel fundamental na vida humana mediante a criação de oportunidades de as pessoas participarem da “construção” política e social para reivindicar suas necessidades econômicas e de bem-estar, capazes de lhes proporcionar uma vida digna.

Assim, o presente capítulo tem por finalidade analisar o regime democrático nos Estados em desenvolvimento, bem como demonstrar a maneira como se dá o crescimento humano nessas nações, com a análise dos instrumentos jurídicos disponíveis para garantia da proteção ambiental e do avanço como um todo.

1.1 O regime democrático nos Estados em desenvolvimento

Ao se falar em democracia presume-se a existência de uma sociedade como objeto da justiça. Para Rawls (2000, p. 3), a concepção de justiça, na perspectiva do contrato social, tem certa primazia reguladora em relação aos princípios, entendendo-se como estrutura básica a maneira pela qual as instituições sociais se estruturam em um sistema único, consignando direitos e deveres fundamentais que arranjam a distribuição de vantagens resultantes da cooperação social. Fazem parte dela a constituição política, as formas de propriedade admitidas, a organização da economia e a natureza da família.

Ao voltar à época da Grécia Antiga clássica, encontram-se elementos de uma organização política que atendia aos interesses sociais. Desde então, esta organização social vem evoluindo e contribuindo na busca pela igualdade. Para Silva Filho (2014, p. 26-30), a democracia surgida naquela época designava uma forma de governo que se diferenciava da tradição personalista do domínio público, e que nos séculos VI ao IV a.C. resultou na projeção de mudanças comportamentais com profundas repercussões políticas e sociais para além da época, chegando-se ao conceito de que a democracia traz para a humanidade uma nova perspectiva, cujo desejo de igualdade não é mais um mero elemento secundário do relacionamento humano.

No mundo moderno tenta-se conceber uma democracia constitucional, em que um dos seus fins, para Rawls (2000, p. 245), consiste em oferecer uma concepção política da justiça

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que não forneça, meramente, um fundamento à justificação das instituições políticas e sociais sobre o qual deva ficar de acordo a opinião pública, mas sim, que contribua, efetivamente para garantir estabilidade de uma geração a outra.

Não basta afirmar que se tem um regime democrático pelo simples fato da queda da ditadura, acreditando que a democracia seja um autogoverno do povo. Faz-se necessário considerar o funcionamento dessa estrutura no que diz respeito à capacidade de participação política e social, às condições de reivindicar as necessidades econômicas e de dignidade.

[...] al contemplar los modelos de democracia – passados, presentes y posibles – debemos estar muy atentos a dos cosas: lo que presuponen acerca de toda la sociedade em que há de actuar el sistema político democrático y lo que presuponen acerca del caráter esencial de las personas que han de hacer que funcione el sistema (lo cual, evidentemente, em um sistema democrático, significa la gente em general, y no sólo uma classe governante o dirigente). Es posible que decir “la sociedade em que há de actuar el sistema político democrático”, parezca sugerir que no hay más que um sistema político al que se pueda calificar de democrático, que la democracia no es más que um mecanismo para elegir y autorizar a gobiernos o, de la forma que sea, lograr e promulguen leyes y se adopten decisiones políticas. Pero debemos tener presente que es mucho más frecuente, y simpre lo há sido, concebir la democracia como mucho más que eso. (MACPHERSON, 2003, p. 15).

Ensina-nos a história que os caminhos percorridos para se chegar à democracia são complexos, e que a democracia como autogoverno do povo é um mito, segundo Bobbio (2013, p. 23-24). Para ele, em todos os Estados, quem governa, no sentido de tomar decisões, é sempre uma minoria. Deve-se, no entanto, pensar a democracia pelo modo como as minorias emergem, governam e caem; verificar se depois de autoconstituídas elas se impõem ou se propõem; observar a relação entre minoria e maioria, levando em consideração a formação da classe dirigente, ou seja, sua legitimidade de poder; a submissão de um controle que permita a renovação periódica de consulta por meio de eleições; e a existência de, pelo menos, duas classes políticas em concorrência com a sua alternância no poder.

Nesta mesma ótica, Touraine (1994, p. 8) afirma que não foi a miséria a maior desgraça que afetou a Europa no século 20, mas sim, o totalitarismo. “[...] fechamo-nos numa concepção modesta da democracia, definida como um conjunto de garantias contra a chegada ao poder ou à manutenção nele de dirigentes contra a vontade da maioria.”

Estes aspectos levam à verificação de que para a existência de um Estado democrático há a necessidade de um processo eletivo que rompa com a hegemonia do poder hereditário, dando legitimidade ao poder por meio do voto do cidadão. O consenso obtido nas eleições deve ser fiscalizado e submetido à periodicidade, uma vez que a democracia exige alternância de poder, caso contrário se configuraria um regime autoritário.

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Segundo Bresser-Pereira (2014a, p. 4), um regime político democrático deve ser, em termos de forma de governo e de forma de organização econômica e social, um socialismo democrático que leva em conta a participação e a igualdade econômica. Sob esta ótica pode-se afirmar que só haverá um real regime democrático se as liberdades básicas forem efetivas para todos, o que também é confirmado por Sen (2010, p. 31):

[...] a liberdade política e as liberdades civis são importantes por si mesmas, de um modo direto; não é necessário justificá-las indiretamente com base em seus efeitos sobre a economia. Mesmo quando não falta segurança econômica adequada a pessoas sem liberdades políticas ou direitos civis, elas são privadas de liberdades importantes para conduzir suas vidas, sendo-lhes negadas a oportunidade de participar de decisões cruciais concernentes a assuntos públicos. Essas privações restringem a vida social e a vida política, e devem ser consideradas repressivas mesmo sem acarretar outros males (como desastres econômicos). Como as liberdades políticas e civis são elementos constitutivos da liberdade humana, sua negação é, em si, uma deficiência.

Até meados da década de 1970 grande número de países ao redor do mundo vivia sob um regime ditatorial autoritário que acentuava a injustiça e a desigualdade. Já na década de 1980 iniciou-se a transição para um regime democrático com a institucionalização do Estado de Direito, e os países que melhor se organizaram como nação lograram êxito na consolidação de suas democracias.

Para Bedin (2010, p. 173), o Estado sujeito ao direito é aquele em que o poder político não é livre, transcendente a toda e qualquer legislação, pois está subordinado a pressupostos axiológicos reconhecidos por uma Constituição. A legalidade das normas jurídicas deve estar sempre referida ao aspecto de legitimidade, uma vez que sem a dimensão de legitimidade as normas não constituem direito em sentido técnico específico, configurando-se o uso da força dos grupos detentores do poder ao invés da materialização da consciência jurídica de uma sociedade num determinado momento histórico.

Nas sociedades em desenvolvimento percebe-se, ainda, uma forte tendência ao patrimonialismo, com um governo, em princípio, oligárquico, onde a alternância de poder significa a perda de riqueza e renda ao derrotado. E para que se tenha uma democracia com qualidade é essencial o uso de dois critérios: a participação e a igualdade econômica.

Quando se fala em igualdade econômica está se referindo a países que abandonaram a

prática do patrimonialismo – em todos os sentidos1 –, desaparelharam o Estado e buscaram

1 “Patrimonialismo dos políticos, sob a forma de utilização dos governos eletivos para usufruto de vantagens

econômicas, concessão de favores, vantagens ao setor privado, manipulação dos recursos orçamentários, nepotismo, legislação em causa própria etc; patrimonialismo do funcionário público, sob forma de utilização das funções públicas de fiscalização, repressão e regulamentação para a obtenção de vantagens, como propinas e comissões; patrimonialismo privado, sob a forma de apropriação de recursos públicos pelos agentes privados,

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realizar uma “revolução” capitalista, transformando a economia em uma economia de mercado e proporcionando certo grau de oportunidade a todos os grupos sociais.

Não se está afirmando que somente os países que realizaram suas transformações capitalistas sejam detentores de democracias com qualidade. Não se pode, no entanto, desprezar o fato de que, em tese, os países desenvolvidos possuem uma democracia de melhor qualidade e mais consolidada do que os países em desenvolvimento. A visão adotada por Sen (2010, p. 32-43) permite a liberdade de ações e decisões, como as oportunidades reais que as pessoas têm. O autor afirma que há uma perda social ao se negar às pessoas o direito de interagir economicamente umas com as outras. Uma política que restringe as oportunidades de mercado acaba restringindo a expansão de liberdades geradas por este sistema, principalmente no que tange à prosperidade econômica em geral. Não se pode esquecer, contudo, que para haver as

liberdades há a necessidade, em alguns casos, da regulamentação do mercado2.

Tanto o processo de democratização quanto a melhoria da qualidade da democracia mostram que a sociedade não está totalmente subordinada à lógica do capital. A construção do Estado moderno ultrapassa os interesses do capital e passa a se identificar com o progresso ou com o desenvolvimento humano na medida em que a sociedade e o Estado se tornam democráticos; na medida em que a diferença de poder político entre as pessoas e entre as classes sociais se reduz em cada sociedade capitalista. Se, no entanto, as desigualdades econômicas aumentam, a democratização perde fôlego, e a construção do Estado só ganha sentido se for feita para tornar o Estado o instrumento por excelência de ação coletiva da nação. Sua legitimação deriva de sua capacidade de garantir a segurança e de promover o desenvolvimento econômico dessa nação (BRESSER-PEREIRA, 2014a, p. 8).

Apesar da aceitação normativa da democracia como forma de governo, permanece um ceticismo sobre sua eficácia nos países pobres. Também, não se pode afirmar que a democracia como está se apresentando é representativa, ou seja, se corresponde realmente aos anseios dos cidadãos. Para Morin (2013, p. 81), a democracia é um sistema frágil que pode levar a crises, sendo a via democratizante longa e aleatória, que não basta, apenas, ter um parlamento

através de licitações viciadas, créditos subsidiados, indenizações desproporcionais, etc; patrimonialismo fiscal, repressivo e jurídico, sob a forma de manipulação do sistema policial, fiscal e judiciário, através de mecanismos ilegais, para assegurar a impunidade e obstrução da justiça; patrimonialismo negativo, sob a forma do uso do poder político para prejudicar ou discriminar pessoas ou grupos sociais específicos e que estão em busca de ampliação de seus espaços de direitos e de poder.” (SORJ apud BEDIN, 2010, p. 181, grifos nosso).

2 “A melhoria da qualidade da democracia depende tanto da força e do dinamismo de sua sociedade civil quanto

do Estado se tornar capaz. É a integração ou a interpretação da sociedade civil e da burocracia eleita e não eleita do Estado que garante legitimidade e capacidade para o Estado, e possibilita que esse Estado não apenas promova o desenvolvimento econômico, mas também o desenvolvimento econômico no quadro de uma democracia com qualidade cada vez melhor.” (BRESSER-PEREIRA, 2014a, p. 7).

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resultante de eleições e a separação dos poderes. É necessária uma pluralidade de concepções e de opiniões antagônicas na arena política, de liberdade de imprensa, de mídias e de opiniões, de respeito aos direitos individuais, de proteção das minorias de ideais ou de origens, o que é confirmado por Rawls (2000, p. 144):

Cada pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades básicas iguais para todos, que seja compatível com um mesmo sistema de liberdades para todos. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer as duas condições: a) elas devem primeiro ser ligadas a funções e a posições abertas a todos, em condição justa (fair) igualdade de oportunidades; b) devem proporcionar o maior benefício aos membros mais desfavorecidos da sociedade.

O regime democrático é uma forma de vida política que proporciona liberdade ao maior número possível de indivíduos, protegendo e reconhecendo a diversidade, uma vez que ela é a luta dos sujeitos contra a lógica dominadora dos sistemas (TOURAINE, 1994, p. 22-23). Ainda segundo o autor, é preciso levar em conta que uma política de classe só é democratizante se for associada ao reconhecimento dos direitos fundamentais que limitam o poder do Estado e a defesa da cidadania: “A democracia define-se uma vez mais pela interdependência de três princípios: a limitação do poder, a representatividade e a cidadania, e não pela dominação de um só deles.” (TOURAINE, 1994, p. 131-132).

Há, no entanto, uma dificuldade da democracia encontrar um ponto de equilíbrio entre a vocação do homem para a liberdade e a necessidade absoluta em que se encontra pela sobrevivência. É necessário, portanto, instituir uma sociedade com poder eficiente, uma vez que o método democrático resolve o problema da legitimidade do poder, mas isto em si não basta. “Um poder legítimo que não fosse eficiente deixaria, cedo ou tarde, de ser um poder.” (BOBBIO, 2013, p. 35-36).

Ao considerar Bobbio (2013), os elementos imprescindíveis de uma democracia são: o princípio do consenso, o princípio da responsabilidade política e a mobilidade da classe dirigente. Daí levanta-se a hipótese de uma democracia direta, participativa, onde os cidadãos ajudam, efetivamente, na tomada das decisões; decidem as deliberações coletivas e não delegam, simplesmente, poderes aos seus eleitos.

Para Morin (2013, p. 82) seria necessário conceber e propor as modalidades de uma democracia participativa, principalmente em escalas locais, a exemplo da experiência local de Porto Alegre, que teve a participação dos cidadãos no exame do orçamento municipal, mediante debates públicos em escala local ou regional, submetendo aos cidadãos os projetos passíveis de controvérsia. O autor afirma ainda que a democracia participativa pode ensejar conselhos

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periódicos de bairro e de comunidade, assim como a forma de júris cidadãos que selecionam eleitos e especialistas em projeto de interesse público, favorecendo o despertar e redespertar dos cidadãos, inseparáveis de uma regeneração do pensamento político.

O poder do povo significa a capacidade de o maior número viver livremente, quer dizer, de construir a sua vida individual associando aquilo que se é e aquilo que se quer ser, resistindo ao poder em nome, ao mesmo tempo, da liberdade e da fidelidade a uma herança cultural. (TOURAINE, 1994, p. 23).

É oportuno ressaltar que o Estado brasileiro prevê a participação popular em seu art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988 (CF/88): “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Sen (2011, p. 444) leva o assunto da participação para esfera global. Para ele, o desafio, hoje, é fortalecer o processo participativo já operante. Para isso, porém, há necessidade de se buscar a justiça global em larga medida com uma agitação pública ativa, além do comentário das notícias e o debate aberto.

Não se pode, contudo, separar a cultura democrática da cultura política, uma vez que a cultura democrática não pode existir sem uma reconstrução do espaço público e sem o regresso ao debate político. “Não há democracia sem vontade da maioria de exercer o poder, pelo menos indiretamente, de se fazer ouvir e de ser parte interessada nas decisões que tocam à sua vida.” (TOURAINE, 1994, p. 213).

Deve-se levar em conta, também, que o regime democrático só avança à medida que for conquistando os espaços ocupados por regimes não democráticos, o que soa como uma dicotomia confusa: países democráticos querendo impor este sistema aos países que a ele se opõem. A semântica da imposição é totalmente às avessas da democracia.

Ao ponderarmos os prós e os contras da democracia, devemos reconhecer devidamente que o fascínio pela governança participativa apareceu e reapareceu, com certa consistência, em diferentes partes do mundo. Não foi certamente uma força irresistível, mas em muitas partes do mundo desafiou, de maneira persistente, a crença irrefletida do autoritarismo como objeto inamovível. Em sua elaborada forma institucional, a democracia pode ser muito nova no mundo – é praticada por não mais do que duzentos anos; contudo, como observou Tocqueville, ela expressa uma tendência na vida social com uma história mais longa e difundida. Os críticos da democracia – não importando quão vigorosamente a rejeitem – precisam achar alguma forma de enfrentar o profundo fascínio pela governança participativa, que continua sendo relevante atualmente e muito difícil de erradicar. (SEN, 2011, p. 357-358).

Em muitos países da América Latina o enfraquecimento de partidos e sistemas partidários, juntamente com a influência dos meios de comunicação, fez com que as eleições

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nacionais passassem a ser competitivas. Um número razoável dessas democracias sobreviveu a graves crises de vários tipos. Isso, no entanto, não fortaleceu e nem aumentou a confiança nos partidos e nos congressos. Uma grande maioria dos latino-americanos expressa desconfiança, e muitos não confiam neles de forma alguma. Mesmo com críticas, muitos latino-americanos estão preparados para exigir, energicamente, vários direitos (O’DONNELL, 2011, p. 186).

Tamanha desconfiança e exigência, porém, não é privilégio dos latino-americanos. Toma-se como exemplo o movimento de 15 de maio de 2011, na Espanha, chamado de “Movimento 15-M”, em que o povo foi às ruas reivindicar mudanças na política e na sociedade espanhola, sob a alegação de que os partidos políticos não o representam na medida em que tomam medidas que não correspondem aos anseios da população. Também em julho de 2011, em Nova York, foi lançada, pelo grupo ativista canadense Adbuster Media Foundation, a proposta de um movimento contra a influência corporativa no processo democrático, a crescente desigualdade econômica e a falta de medidas legais por trás da crise financeira global – Occupy Wall Street. Em 17 de setembro (data que se comemora o Dia da Constituição dos Estados Unidos) o povo tomou as ruas de Manhattan, colocando-se sob o slogan “somos os 99%”, criticando o fato de o 1% mais rico da população definir as leis e regras que regem a economia global e que afetam a vida de todos (ARAÚJO, 2015).

Quanto a este aspecto, Sen (2011, p. 360) fundamenta que deve ser reconhecido o papel da argumentação pública para a compreensão da justiça, uma vez que leva a uma ligação entre a ideia de justiça e a prática da democracia. Na filosofia política contemporânea a ideia de que a democracia é mais bem vista como “governo por meio do debate” ganhou ampla aceitação, mas ainda colide com as discussões contemporâneas sobre a democracia e seu papel em termos mais antigos e mais rigidamente organizacionais.

Quando a democracia é vista na perspectiva mais ampla da argumentação pública, indo além das características institucionais específicas que surgiram com força singular na Europa e na América nos últimos séculos, temos de reavaliar a história intelectual da governança participativa em diferentes países de muitas partes do mundo – não apenas da Europa e América do Norte. Os separatistas culturais, que criticam a afirmação da democracia como um valor universal, costumam apontar o papel único da Grécia antiga, especialmente da Atenas clássica, onde no século VI a.C. surgiu um sistema específico de votação. [...] Mas ver essa experiência como prova evidente de que a democracia é essencialmente “europeia” ou “ocidental” merece uma análise muito mais crítica do que tende a receber. É particularmente importante compreender que até mesmo o eixo da democracia ateniense tinha mais a ver com o clima de discussão pública do que com a mera votação. Embora a votação secreta certamente tenha nascido na Grécia, a tradição do debate público (muito forte em Atenas e na Grécia antiga) teve uma história muito mais ampla. (SEN, 2011, p. 363).

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Nem mesmo os defensores da democracia se atreveriam a dizer que o regime democrático pudesse promover o desenvolvimento e bem-estar social, pois se encontravam sob as nuvens da ideia de que o autoritarismo era mais bem sucedido na promoção do crescimento econômico, bastava olhar para os sistemas dos países do Leste Asiático.

Mas, paralelamente, sob pressão dos movimentos sociais, de opinião pública e de cidadania, assiste-se, em numerosos países, à consolidação dos Estados de Direito, ao fortalecimento das garantias das liberdades negativas (freedom from) e à ampliação das liberdades positivas (freedom for) (SACHS, 2007, p. 350).

Baseados nesta análise percebe-se a importância do crescimento econômico como um garantidor das liberdades que vai além das liberdades políticas e civis, isso porque o crescimento econômico leva ao próprio crescimento do Estado, tornando-o capaz de garantir receita pública na utilização de fins sociais.

Temos razão para nos interessar pelo crescimento econômico, mesmo nos termos bastante limitados do crescimento do PNB ou do PIB per capita, já que o aumento de renda real pode abrir caminho para algumas realizações muito importantes; por exemplo, a conexão geral entre o crescimento econômico e a remoção da pobreza está hoje razoavelmente bem estabelecida, sendo complementada por considerações distributivas. Além de gerar renda para muitas pessoas, um processo de crescimento econômico tende a expandir o tamanho da receita pública, que pode ser usada para fins sociais, como escolas, assistência médica e à saúde e outros serviços que melhoram diretamente as vidas e as capacidades das pessoas. (SEN, 2011, p. 381).

O Brasil e o México conseguiram fortalecer suas nações ao realizar suas revoluções industrial e capitalista a partir da crise de 1930. Deixaram de ser oligárquicos, não para serem liberais, mas para serem populistas e desenvolvimentistas. Populistas porque a forma de participação popular é proporcionada por líderes populistas que estabelecem uma relação direta entre eles e as classes populares. Desenvolvimentistas porque os países que realizaram sua revolução capitalista entre os séculos 18 e 19, e hoje são ricos, o fizeram no quadro do desenvolvimentismo – organização econômica e social do capitalismo, onde o Estado desempenha um papel econômico chave, mas é o mercado quem coordena os setores competitivos da economia (BRESSER-PEREIRA, 2014a, p. 14).

Deve-se, no entanto, dar especial atenção ao conteúdo do que pode ser chamado de “desenvolvimento”, uma vez que a sua avaliação não pode ser dissociada da vida que as pessoas podem levar e da verdadeira liberdade de que desfrutam. O desenvolvimento não pode ser visto apenas em relação ao melhoramento de objetos inanimados de convivência ou da industrialização, embora sejam fatores importantes como meios para fins reais. Estes valores

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dependem do impacto que proporcionam na vida e na liberdade das pessoas envolvidas, e constituem-se na ideia central do desenvolvimento (SEN, 2011, p. 380-381).

O crescimento econômico, puro e simples, gera um aumento das necessidades econômicas básicas e colocam em questionamento a possibilidade de as liberdades civis e políticas o estarem “podando”, a exemplo dos países de regime autoritário, que se sobressaíram no ritmo de crescimento econômico. Sen (2010, p. 195), no entanto, demonstra que quanto maior e mais intensas forem as necessidades econômicas, mais aumenta a urgência nas liberdades políticas, levando em consideração a importância direta na vida humana de uma preeminência dos direitos políticos e civis básicos; seu papel instrumental de aumentar o grau em que as pessoas são ouvidas ao se expressarem na defesa de suas reivindicações políticas; e

o papel construtivo na conceituação de necessidades3.

Como já mencionado a qualidade da democracia é diretamente relacionada ao grau de igualdade econômica. O processo de democratização com uma melhor qualidade da democracia vai depender das sociedades capitalistas não ficarem subordinadas à lógica do capital, quer dizer, a criação do Estado de Direito só ocorrerá se este garantir a segurança e a promoção do

desenvolvimento econômico para a redução das desigualdades sociais4.

Diante deste diapasão, percebe-se que os países não estão conseguindo oferecer à população uma qualidade democrática, uma vez que a riqueza se acumula nas mãos de poucos, e a miserabilidade cresce em ritmo frenético. Segundo Jackson (2013, p. 14-15), em torno de um bilhão de pessoas vive com menos de US$ 1,00 por dia; 1/5 da população mundial recebe apenas 2% da renda mundial; os 20% mais ricos recebem 74% da renda mundial. São estas disparidades que caracterizam ricos e pobres e que são inaceitáveis do ponto de vista humanitário e democrático.

Com base nesses dados pode-se retomar Bobbio (2013, p. 22) ao questionar se existe, hoje, democracia na Itália. Pode-se reformular esta questão para saber da existência, ou não, de

3 “Ao julgar-se o desenvolvimento econômico não é adequado considerar apenas o crescimento do PNB ou de

alguns outros indicadores de expansão econômica global. Precisamos, também, considerar o impacto da democracia e das liberdades políticas sobre a vida e as capacidades dos cidadãos. É particularmente importante, neste contexto, examinar a relação entre, de um lado, direitos políticos e civis e, de outro, a prevenção de grandes desastres (como as fomes coletivas). Os direitos políticos e civis dão às pessoas a oportunidade de chamar a atenção eficazmente para necessidades gerais e exigir a ação pública apropriada. A resposta do governo ao sofrimento intenso do povo frequentemente depende da pressão exercida sobre esses governos, e é nisso que o exercício dos direitos políticos (votar, criticar, protestar, etc.) pode realmente fazer diferença. Essa é uma parte do papel ‘instrumental’ da democracia e das liberdades políticas.” (SEN, 2010, p. 198-199).

4 “A construção do Estado só ganha sentido na medida em que ela é feita para tornar o Estado o instrumento por

excelência de ação coletiva da nação. [...] a capacidade do Estado, a qualidade da democracia em cada momento e o processo histórico de democratização podem ser avaliados da mesma forma como se avalia o progresso ou o desenvolvimento humano de um país.” (BRESSER-PEREIRA, 2014, p. 8).

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democracia nos países que se dizem democráticos. A resposta parece ser positiva. Ainda segundo o autor, “a democracia é certamente a mais perfeita das formas de governo [...]”, uma vez que resolve o problema da legitimidade de poder, mas é necessário que além de legítimo seja eficiente. A dificuldade da democracia está em encontrar uma solução satisfatória entre a vocação do homem para a liberdade e a necessidade em que se encontra. É a eterna busca pela fórmula da estabilidade, pois quando se fala em democracia se fala em certo ideal a ser perseguido: a igualdade.

Se queremos não apenas compreender o que é a democracia, mas dar-lhe uma justificação, se queremos passar, como diria o filósofo, do juízo de fato ao juízo de valor, devemos, depois de ter discorrido sobre os meios, discorrer, mesmo que brevemente, também sobre o fim. O fim que nos move quando queremos um regime organizado democraticamente é, numa única palavra, a igualdade. Assim podemos definir a democracia, não mais com relação aos meios, mas relativamente ao fim, como o regime que visa realizar, tanto quanto possível, a igualdade entre os homens. (BOBBIO, 2013, p. 38).

Percebe-se que o sistema democrático é essencial para o processo de desenvolvimento, apesar das limitações a ele impostas. As liberdades civis e políticas são as mais evocadas pelo cidadão no que tange à cobrança de seus direitos e à manifestação de suas insatisfações perante os seus eleitos. Mas isso só não basta. São necessárias condições econômicas e sociais para transformar um Estado num Estado capaz.

Seria utópico demais pensar um mundo desenvolvido sem qualquer tipo de privação de liberdade, igualdade e segurança. O que se pode buscar, todavia, com um sistema realmente democrático, é que sejam dadas as liberdades essenciais ao ser humano. Sempre existirá a classe de empresários, a classe de profissionais e de trabalhadores, isto é inerente ao sistema capitalista, mas o que se busca é a igualdade de condições que permitam as pessoas fazer escolhas, ter oportunidades de se desenvolver, sem ter, necessariamente, que escolher entre as liberdades ou a satisfação econômica.

A distribuição desigual atrapalha o desenvolvimento, pois não permite o empoderamento das classes mais baixas a exercer a pressão pela mudança. Parece óbvio que uma classe trabalhadora, oprimida e sem uma educação adequada, possa escolher a satisfação das suas necessidades básicas, não se importando com suas liberdades. Esta falta de liberdade e de igualdade cria, de certa forma, um caos entre culturas que beneficiam os “vendedores de ilusão”, ou seja, quem detém o poder exerce grande influência sobre o papel instrumental da política, ficando o pobre cada vez mais marginalizado.

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Com razão valorizamos a liberdade formal e a liberdade substantiva de expressão e ação em nossa vida, não sendo irracional que seres humanos – criaturas sociais que somos – valorizem a participação irrestrita de atividades políticas e sociais. Além disso, a formação bem informada e não sistematicamente imposta de nossos valores requer comunicação e diálogo abertos, e as liberdades políticas e direito civis podem ser centrais para esse processo. Ademais, para expressar publicamente o que valorizamos e exigir que se dê a devida atenção a isso, precisamos de liberdade de expressão e escolha democrática. (SEN, 2010, p. 200-201).

Tanto as liberdades políticas como os direitos civis são substanciais na construção de uma democracia forte e com qualidade, todavia, é sempre muito mais difícil implementar estes direitos nos países que não possuem uma economia desenvolvida. É de suma relevância um crescimento econômico aliado ao desenvolvimento para a construção de uma “sofisticação” produtiva, onde o sistema educacional consiga qualificar os indivíduos e, assim, capacitá-los para uma democracia participativa na direção da solidificação do processo democrático, assegurando o direito à igualdade, liberdade, justiça social, além da erradicação da miséria.

A política instaurada no sistema democrático só terá utilidade se servir para melhorar as condições de vida do indivíduo, caso contrário, é um mero exercício de poder e de opressão. O que se espera da democracia é que a governança seja instruída em consonância com a participação do cidadão, onde este não tenha que escolher entre atender suas necessidades básicas ou exercer seu direito de liberdade.

Só o reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar a existência real de cada um deles, já que, sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais, e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais, e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação. Esta ideia de necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto ao conceito e a realidade dos conteúdos dos direitos humanos, que de certa forma está implícita na Carta das Nações Unidas, se compila, amplia e sistematiza em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembleia Geral, em 1966. (BEDIN; NIELSSON, 2013, p. 46).

Em resumo, para que se possa confirmar a existência da democracia, é necessário, além de eleições limpas e o direito ao sufrágio, garantir princípios legais e morais da sociedade, proporcionando liberdades básicas, inerentes à dignidade da pessoa, e que sejam estendidas a todos os indivíduos. Para isto, faz-se necessário fortalecer o Estado no sentido de promover o desenvolvimento econômico do país, juntamente com uma sociedade organizada, tanto social como politicamente.

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1.2 O desenvolvimento humano no Estado Democrático

A ideia de universalidade da natureza humana remete ao surgimento do cristianismo, mas as transformações dessas ideias em instituições políticas ocorreram somente na Idade Moderna, com o jusnaturalismo, que foi a primeira expressão politicamente relevante nas declarações de direito do fim do século 18 (BOBBIO, 2004, p. 204). Até então o Estado era concebido como o centro do poder político. Esta ideia perpetrou-se até o surgimento de um novo modelo que concebeu o indivíduo como o centro da sociedade moderna.

Ainda segundo Bobbio (2004, p. 109), da concepção individualista da sociedade nasceu a democracia moderna (a democracia no sentido moderno da palavra), que deve ser corretamente definida como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os indivíduos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais. Um delas, contudo, é fundamental – a que atribui a cada um, do mesmo modo como a todos os outros, o direito de participar livremente na tomada de decisões coletivas, ou seja, que obrigam a toda a coletividade, uma vez que a democracia moderna repousa na soberania dos cidadãos.

A partir de então o conceito de democracia projeta para a humanidade uma nova perspectiva: a de igualdade, deixando de ser um elemento secundário do relacionamento humano e passando a integrar o centro das preocupações filosóficas, mediante a projeção de um novo arcabouço jurídico que vem se aperfeiçoando ao longo do tempo (SILVA FILHO, 2014, p. 30).

Toda esta transformação se deu pela ascensão da burguesia que rompeu com a ideia de que o homem é um sujeito possuidor de deveres para ser um sujeito detentor de direitos, e fez com que o Estado acolhesse suas exigências no sentido de delimitar o poder tradicional. Para Bedin (2002, p. 19), os séculos 17 e 18 são vistos como um divisor de águas entre o modelo organicista ou holista, em que a figura deôntica privilegiada era o dever (os indivíduos tinham a obrigação da obediência às leis e ao soberano), e o modelo individualista ou atomista da sociedade, que foi o triunfo do individualismo. Esta é, portanto, a passagem da sociedade tradicional para a moderna.

Pode-se afirmar que a fase inicial da modernidade se deu com o surgimento dos direitos do homem, e é a partir da elaboração de documentos, carregados de boa dose revolucionária, que ocorreram as primeiras declarações desses direitos. Os textos das Declarações de Direitos, como a de 1776 (Declaração da Virgínia), e a de 1789 (Declaração da França) não ficaram restritos aos Estados Unidos e França, mas se expandiram para toda a comunidade internacional. Para Douzinas (2009, p. 99), a inauguração simbólica e o marco inicial da modernidade

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ocorreram mediante a aprovação das Declarações, e o encerramento simbólico foi situado na queda do Muro de Berlin, em 1989. Os princípios das Declarações foram tão revolucionários na história das ideias quanto o foram as revoluções na história da política. Diz ainda Douzinas (2009, p. 99) que, “se a modernidade é a época do sujeito, os direitos humanos coloriram o mundo à imagem e semelhança do indivíduo.”

A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, que serviu de base para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, garantiu o direito de resistência contra a opressão. Já a Declaração da Virginia defendia uma sociedade livre da intervenção do Estado, e ambas sustentavam os direitos de liberdade, os direitos sociais, econômicos, culturais, coletivos e de soberania nacional. Afirmavam que as limitações e restrições do exercício dos direitos devem ser atribuídas a partir da elaboração de leis por entidades democraticamente eleitas. Para Bobbio (2004, p. 29), “a liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser.” Complementa afirmando que o problema mais grave com relação aos direitos humanos não é, necessariamente, sua fundamentação, mas sim a sua proteção.

Neste sentido, Bedin (2003, p. 124-125) refere que desde as primeiras Declarações de Direitos a luta pelos direitos humanos tem progredido de forma extraordinária, sendo enriquecida pelas várias gerações de direitos. Pode-se até falar em uma evolução expansiva dos direitos humanos como uma história sem fim, onde é possível, de tempos em tempos,

acrescentar um conjunto de novos direitos5.

Os direitos de primeira geração são os estabelecidos contra o Estado, também chamados de direitos negativos, pois limitam o poder do Estado. Já os de segunda geração estabelecem uma ação positiva do Estado. São tidos como de tradição socialista num natural desdobramento

5 “Los derechos humanos nacen, como notorio, com marcada impronta insdividualista, como liberdades

individuales que configuran la primera frase o generación de los derechos humanos [...]. Esos movimentos reivindicativos evidenciarán la necessidade de completar el catálogo de los derechos y libertades de la primera generación com uma segunda generación de derechos: los derechos económicos, sociales y culturales. Estos derechos alcanzarán su paulatina consagración jurídica y política em la sustitución del Estado liberal de Derecho por el Estado social de Derecho [...] em la primera los derechos humanos vienem considerados como derechos de defesa de las libertades del individuo, que exigen la autolimitación e la injerencia de los poderes públicos em la esfera privada y se tutelan por su mera actitud passiva y de vigilância em términos de policía administrativa; en la segunda, correspondientes a los derechos económicos, sociales y culturales, se traducen em derechos de participación, que requieran uma política activa de los poderes públicos encaminhada a garantizar su ejercicio, y se realizan através de las técnicas jurídicas de las prestaciones y los servicios públicos. La estratégia reivindicativa de los derechos humanos se presenta hoy com rasgos inequívocadamente novedosos al polarizarse em torno e temas tales como el derecho a la paz, los derechos de los consumidores, el derecho a calidade de vida, o la libertad informática. En base a ello, se abre passo, com intensidade creciente, la convicción de que nos hallamos ante uma terceira generación de derechos humanos [...].” (PÉREZ LUÑO, 1989).

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dos direitos de primeira geração. Os de terceira geração são os direitos coletivos e de soberania nacional. São exemplos os direitos à infância, ao meio ambiente, à cidade. Segundo Douzinas (2009, p. 127), a primeira geração é denominada de direitos “azuis”, simbolizando a liberdade individual; a segunda geração são os direitos “vermelhos”, devido às reivindicações de igualdade e garantias de um padrão de vida decente; a terceira geração é denominada de direitos “verdes”, os direitos à autodeterminação e ao meio ambiente.

O maior compromisso das Declarações era o de proporcionar um sistema político que garantisse os direitos, dentre outros, à liberdade e à igualdade. Esses direitos reproduzem grande importância, pois são os que darão fundamento à construção da democracia moderna, uma vez que estabelecem a distinção entre a esfera pública e a privada. Para Bedin (2002, p. 43), a distinção entre as esferas é uma das características fundamentais da sociedade moderna, e é a partir dela que se estrutura o pensamento liberal e o pensamento democrático.

O reconhecimento dos direitos dos homens foi um marco na História, que ainda hoje, passados mais de 200 anos continua sendo uma das maiores conquistas da humanidade. Mesmo com todas estas transformações da passagem do Estado de natureza para um Estado de civilização, com o incremento de uma ordem jurídica baseada nos direitos do homem, o mundo não conseguiu se livrar das atrocidades das guerras, do genocídio e do extermínio, que ainda hoje são motivo de desalento na comunidade internacional.

Nunca se multiplicaram tanto os profetas de desventuras como hoje em dia: a morte atômica, a segunda morte, como foi chamada a destruição progressiva e irrefreável das próprias condições de vida nesta terra, o niilismo moral ou a “inversão de todos os valores”. O século que agora chega ao fim já começou com a ideia do declínio, da decadência, ou, para usar uma metáfora célebre, do crepúsculo. (BOBBIO, 2004, p. 202).

Parte desses infortúnios é consequência do fato de que os direitos humanos só são exercidos no âmbito do Estado que os reconhece, e mesmo sendo reconhecidos, não conseguiram erradicar as injustiças e as desigualdades sociais, tanto no que tange aos direitos civis, políticos, como também em relação às condições de vida material.

Para Bedin (2010, p. 173) é necessário o reconhecimento de um Estado de Direito capaz de configurar um estado moderno garantido por características essenciais, como: um Estado subordinado ao império do direito, que reconhece os direitos fundamentais, que respeita os princípios da razoabilidade e da legalidade, respondendo pelos danos que provoca e que atingem a esfera jurídica dos particulares. Um Estado de Direito também deve garantir a via judiciária, proporcionando segurança e confiança aos indivíduos, estruturado a partir da divisão

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dos poderes. Deve ser um Estado de liberdade e igualdade que respeita e incentiva os processos de autonomia do cidadão; um Estado democrático e republicano alicerçado na soberania

popular e na defesa e cuidado com o bem público, com a coisa pública6.

Douzinas (2009, p. 182) sugere, ainda, que enquanto o Estado de Direito implica a possibilidade de opor direito ao poder, a política dos direito humanos vai além: “ela testa e aceita os direitos que ainda não foram estabelecidos, sua lógica se estende para áreas de atividades que o Estado não pode inteiramente dominar e seus limites permanecem abertos a novas contestações e expansões.”

Pode-se afirmar, assim, que a democracia está alicerçada tanto nas regras adotadas como no modo de o cidadão usufruir das oportunidades criadas, gerando um grau de estabilidade e segurança ao defender as áreas negligenciadas de oportunidade social. Para Sen (2010, p. 205), a democracia cria uma oportunidade que está relacionada à “importância instrumental” e ao seu “papel construtivo”. Reforça, contudo, a ideia de que as oportunidades são aproveitadas se se levar em conta o vigor da política multipartidária e o dinamismo dos argumentos morais e da formação de valores, uma vez que o ativismo dos participantes políticos é eficaz na prevenção da fome coletiva e na condenação dos governos flagrados à sua permissão.

A democracia permite que a opinião pública tenha influência nos processos de governo, fazendo com que se garantam os direitos sociais fundamentais. Por intermédio do processo de democratização o Estado deixa de ser um mero instrumento das classes dominantes para servir aos interesses das classes populares, ou seja, a democratização não se restringe ao Estado, mas sim à nação e à sociedade civil, reduzindo as desigualdades entre os indivíduos (BRESSER-PEREIRA, 2014a, p. 6).

Do ponto de vista das ciências sociais, a elaboração da nova Carta Magna brasileira enfatiza o auge das mobilizações em torno da cidadania. A maioria das lutas sociais, sob o ponto de vista político, alicerçava-se no empenho pela democracia, fosse ela de forma indireta, reivindicando políticas sociais distributivas; ou de forma direta, endossando emendas populares à Constituição (RUSCHEINSKY, 2009, p. 70).

Neste processo as possibilidades de reivindicações públicas sobre questões de desigualdade social começam a ser mais utilizadas. Há muito mais ação dos movimentos

6 “Estado de Direito como sendo um Estado subordinado ao direito, que defende os direitos fundamentais e a

segurança de seus cidadãos e que tem por base o princípio da razoabilidade, da responsabilidade por seus atos e do respeito pela via judicial. Além disso, estrutura-se a partir da divisão dos poderes e da descentralização de suas atividades, sendo a sua administração orientada pelo princípio da legalidade e voltada à supremacia dos princípios da liberdade e da igualdade, sem nunca afastar o fundamento popular do poder e a defesa do bem público.” (BEDIN, 2010, p. 177-178).

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organizados baseados em exigências de direitos humanos, como direito à educação básica, à alimentação, aos cuidados básicos de saúde, à “garantia do emprego” e garantias de preservação do meio ambiente, uma vez que a liberdade democrática pode, certamente, ser utilizada para promoção da justiça social e favorecimento de uma política melhor e mais justa (SEN, 2011, p. 385-386).

Somente uma ação política coletiva pode equacionar a igualdade e as liberdades dos homens. É a igualdade que proporciona a liberdade, uma vez que o ser humano tem, como uma de suas características, a construção coletiva da liberdade individual. A emancipação política não pode ser dada, mas sim alcançada pela comunidade e em comum ação com os outros.

Em particular, na América Latina, a década de 80 redimensionou todas as áreas tradicionais de reflexão política. “A democracia, que havia operado como bandeira aglutinante das aspirações proscritas pela ditadura, converteu-se em conceito articulador de uma nova teoria política e obrigou a reformulação das questões de ordem, da obrigação política e do conceito mesmo de política.” (VALDÉS, 2012, p. 39).

Constatações empíricas confirmam a evolução das sociedades com o processo democrático, no entanto, muitos países, e dentre esses, muitas pessoas – as mais vulneráveis – permanecem excluídas dos benefícios da democracia, o que se torna num dos principais desafios a serem enfrentados na democracia contemporânea.

Os instrumentos de que as pessoas dispõem para manifestar a sua vontade, seu descontentamento, suas necessidades e seu apoio reafirmam o valor intrínseco da democracia. Entretanto, é necessário sublimar que muitos países e, nestes, muitas pessoas, especialmente as mais pobres, permanecem excluídas dos benefícios da democracia. Esse é um dos principais desafios que as democracias contemporâneas precisam enfrentar. (ZAMBAM, 2012, p. 213).

Para evitar tal situação, o Estado deve assumir uma postura mais ativa e protetiva a fim de garantir, substancialmente, o princípio da igualdade. Este é um princípio da justiça que deve ser posto em prática, uma vez que, quando o Estado assume a forma democrática, o seu objetivo é a igualdade, não somente para limitar a ação estatal, e com isso os abusos, mas também para transformar a comunidade. A lei, no Estado Democrático de Direito, deixa de ter um mero caráter de sanção ou promoção para assumir um caráter de reestruturação das relações sociais (MADERS, 2012, p. 218-219).

Essas relações sociais constituem o desenvolvimento humano, que se dá por meio da aprendizagem social e da capacidade de adaptação que o ser humano possui de se reinventar a

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cada momento histórico, buscando organizar de forma civilizada a garantia de seus direitos. E isto só se dará dentro de um Estado democrático que garanta o exercício da cidadania.

Quando falamos do desenvolvimento em termos de libertação, estamos diante de algo mais que uma simples metáfora. Na realidade, ele passa pela libertação humana com relação à opressão material, o que supõe a partilha equitativa dos bens e a superação de todos os entraves que impedem seu desabrochar, na busca de uma melhor situação. Na verdade, desenvolvimento e democratização se confundem enquanto processo histórico. (SACHS, 2007, p. 353, grifos do autor).

Para Ruscheinsky (2009, p. 93), um dos elementos básicos da cidadania é a possibilidade de participação efetiva da sociedade na consolidação de suas relações sociais. Ainda segundo o autor, “nas palavras de Dahrendorf (1992, p. 45), o ímpeto do princípio da cidadania começa com a criação das unidades políticas dentro das quais os direitos civis e a participação política e cívica tornaram-se elementos necessários da constituição.”

Ao longo da História o desenvolvimento humano se deu nas sociedades que buscaram concretizar seus objetivos, como segurança, liberdade, ascensão material e redução das injustiças sociais. É preciso, porém, ter cuidado com esta afirmação, pois muitos países, denominados desenvolvidos por serem industrializados, possuem alto índice de exclusão social, ou seja, o crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento humano.

O fato de desenvolvimento não ser sinônimo de crescimento econômico não deveria ser interpretado como uma oposição entre crescimento e desenvolvimento, já que são necessárias taxas mais elevadas de crescimento econômico para acelerar a reabilitação social, uma vez que é mais fácil redistribuir bens e renda com os incrementos do Produto Nacional Bruto (PNB), do

que numa economia em processo de estagnação (SACHS, 2007, p. 380)7.

Zambam (2012, p. 216) também afirma que nas sociedades onde existem graves desigualdades econômicas, e nos países dominados por governos ditatoriais, as situações de vulnerabilidade social estão presentes com maior intensidade. Estas situações não possuem justificativa moral em qualquer contexto que ocorram. Todas as discriminações – raciais, religiosas, sexuais – caracterizadas como “questão de gênero”, devem ser abordadas com base nas contribuições oferecidas pelas sociedades democráticas, integradas ao princípio da sustentabilidade.

Desenvolvimento sustentável indica uma preocupação interdependente com: a promoção do bem-estar humano; a satisfação das necessidades básicas; a proteção do

7 Os índices sugeridos como PNB, PIB e GINI serão tratados no segundo capítulo, onde se discorrerá sobre o tema

do desenvolvimento humano e do crescimento econômico. Verificar-se-á, também, o índice hoje utilizado para medir o desenvolvimento, e qual tem retratado a real condição do desenvolvimento humano.

Referências

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