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Legitimidade do parquet na defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos, notadamente os disponíveis, a luz do CDC e da CF 88

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Curso de Bacharelado em Direito

DANIEL RICHARD DE SOUZA

LEGITIMIDADE DO PARQUET NA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, NOTADAMENTE OS DISPONÍVEIS, A LUZ DO CDC E

DA CF 88

BRASÍLIA 2019

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LEGITIMIDADE DO PARQUET NA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, NOTADAMENTE OS DISPONÍVEIS, A LUZ DO CDC E

DA CF 88

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Orientadora: Professora Betina Günther Silva

BRASÍLIA 2019

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LEGITIMIDADE DO PARQUET NA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, NOTADAMENTE OS DISPONÍVEIS, A LUZ DO CDC E

DA CF 88

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Orientadora: Professora Betina Günther Silva

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O presente estudo objetiva analisar a legitimidade do Ministério Público para defender os interesses individuais homogêneos disponíveis. Para tanto, empregando como metodologia a revisão de literatura em doutrinas, legislações e jurisprudências pertinentes ao tema em análise, inicialmente foram examinadas algumas das várias acepções do termo interesse, analisando-se pormenorizadamente as características e as peculiaridades de cada uma das três espécies de interesses, quais sejam: difusos, coletivos e individuais homogêneos. Também, foram examinadas as prerrogativas e garantias conferidas ao MP pela Constituição Federal, atendo-se, especificamente, à análise do artigo 127 e 129, incisos III e IX da Lei Maior. E, com base na doutrina e jurisprudência pertinente ao tema, foi analisada a legitimidade do MP na defesa de interesses individuais homogêneos disponíveis, apresentando as diferentes correntes acerca do tema e o principal argumento utilizado por aqueles que sustentam que o MP não possui legitimidade para defender esses direitos, qual seja: a não menção a interesses individuais homogêneos pelo art. 129, III da Constituição Federal. Concluiu-se ao final do estudo que o Ministério Público possui legitimidade para ingressar com ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos porque estes, conquanto sejam ontologicamente divisíveis e por vezes disponíveis, coletivamente considerados são dotados de relevância social, ou, em outras palavras, concernem ao interesse social, na medida em que a tutela deles contribui para o progresso material e moral da sociedade.

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defend the homogeneous individual interests available. To do so, the methodology used was that of a compilation of the literature, review of current doctrines, legislation and jurisprudence pertinent to the topic under analysis. Some of the various meanings of the term interest were initially examined, analyzing in detail the characteristics and peculiarities of each of the three species of interests, which are: diffuse, collective and individual homogeneous. Also, the prerogatives and guarantees bestowed upon the PM by the Federal Constitution were examined, specifically considering the analysis of articles 127 and 129, items III and IX of the Major Law. Based on the doctrine and jurisprudence pertinent to the topic, the PM's legitimacy in the defense of homogeneous individual interests was analyzed, presenting the different main theories about the theme and the main argument used by those who maintain that the PM does not have the legitimacy to defend these rights, namely: the non-mention of homogeneous individual interests by art. 129, III of the Federal Constitution. It was concluded at the end of the study that the Public Prosecutor's Office has the legitimacy to join a civil action suit in defense of homogeneous individual interests because these, while ontologically divisible and sometimes available, collectively considered are endowed with social relevance, or, in other words , concern the social interest, insofar as their tutelage contributes to the material and moral progress of society.

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CDC - Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal

LACP - Lei de Ação Civil Pública

LONMP - Lei Orgânica do Ministério Público MP - Ministério Público

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INTRODUÇÃO ... 8

1 ACEPÇÕES DO TERMO INTERESSE ...13

1.1 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS ...13

1.2 ACEPÇÕES DE MAIOR RELEVÂNCIA ...14

1.2.1 A dúplice terminologia trazida pelo CDC ...16

1.3 ESPÉCIES DE INTERESSE ...17

1.3.1 Interesses difusos ...18

1.3.2 Interesses coletivos ...19

1.3.3 Interesses individuais homogêneos ...21

2 O MINISTÉRIO PÚBLICO ...25

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO DO CDC (ART. 82) ...27

2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ...277

2.2.1 Instituição Permanente ...299

2.2.2 Instituição essencial à função jurisdicional do Estado ...300

2.2.3 Defesa da Ordem Jurídica ...322

2.2.4 Defesa do Regime Democrático ...333

2.2.5 Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis ...333

2.2.6 Outras funções institucionais e garantias constitucionais ...399

3 A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ...41

3.1 AS DIFERENTES CORRENTES ACERCA DO TEMA ...42

3.2 LEGITIMIDADE PARA DEFENDER INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ...43

3.2.1 Da legitimidade da defesa dos direitos individuais homogêneos a partir de repercussão significativa ...44

3.2.2 Legitimidade do Ministério Público para as ações que visam a tutela dos direitos individuais homogêneos disponíveis, vistos os reflexos em interesses sociais relevantes ...48

3.3 ILEGITIMIDADE PARA DEFENDER INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ...52

3.3.1 Da não menção a interesses individuais homogêneos pelo art. 129, inc. III da Constituição Federal ...52

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INTRODUÇÃO

Desde a Revolução Industrial ocorrida em meados do século XVIII, a sociedade vem passando por transformações profundas que indicam o “colapso do individualismo jurídico” e o “esvaziamento de uma concepção burguesa de direito edificada em torno da noção de direito subjetivo”1. Os sistemas jurídicos fundados na tutela ao indivíduo, isto é, nas “querelas do tipo `Tício versus Caio`”2 viram-se obrigados a se adaptarem a uma sociedade muito mais complexa, marcada por intensos processos de crescimento demográfico, urbanização e industrialização e na qual as relações pessoais tendem a se dirimir.

Nessa sociedade, denominada de “massas”, “a uniformidade social prevalece sobre a universidade”, porquanto o homem, enquanto indivíduo isolado e tragado pela roda-viva dos grandes grupos, classes e categorias, passa a ser tratado em termos uniformes, seja formalmente ou materialmente3. Em virtude dessas transformações, alteram-se também valores e afloram interesses de outra ordem, referentes a todo um grupo ou coletividade, e aos quais, também, os sistemas jurídicos tiveram de se adaptar de modo a protegê-los.

Isso porque a legislação então vigente, marcada profundamente pelo liberalismo individualista, não reconhecia que muitos desses interesses pudessem ser juridicamente protegidos, razão pela qual não possuía instrumentos jurídico-processuais suficientes para garantir sua tutela.

Foi, então, diante dessa realidade, que o Brasil presenciou, na década de oitenta, um processo de importantes inovações legislativas referentes à tutela coletiva desses “novos” interesses, dentre as quais destaca-se a Lei 7.347/854, a Constituição Federal de

1 FARIA, José Eduardo (Org.). A crise do Direito numa sociedade em mudança. Brasília: editora

Universidade de Brasília, 1998, p.13.

2 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 8. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2013. p.86.

3 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coordenadora). A tutela dos

interesses difusos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1984. p. 154

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1988 e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990)5, tendo essa última legislação trazido importantes inovações em matéria de defesa coletiva.

Vê-se, por conseguinte, que o Brasil acompanhou a necessidade percebida mundialmente de se defender coletivamente os denominados interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos, sendo nossa legislação, inclusive, uma das mais

avançadas acerca desse tema, visto que o legislador brasileiro encontrou soluções próprias e claras para certos problemas que ainda hoje intrigam os processualistas estrangeiros6.

Mesmo assim, vários são os percalços encontrados pelos juristas ao analisarem casos concretos envolvendo demandas coletivas, principalmente quando as mesmas são promovidas pelo Ministério Público. Isso porque, sendo o Parquet um órgão constitucional, previsto e imposto pela Constituição Federal (CF), os juristas veem-se obrigados a interpretar a lei infraconstitucional, notadamente o CDC, à luz da Lei Maior, o que nem sempre é feito de forma uniforme, especialmente quando se está diante de conceitos abstratos como “interesse público”, “interesse social” e “indisponibilidade”, entre outros utilizados pelo legislador ao se referir ao órgão ministerial.

Sendo assim, analisa-se no presente trabalho as diversas exegeses sustentadas pela doutrina e pela jurisprudência acerca da legitimidade do MP para defender interesses coletivos disponíveis, como certa parcela de direitos dos consumidores. Vê-se, portanto, que a análise que se pretende realizar estará adstrita à esta categoria de direitos coletivos, como os individuais homogêneos, até porque não há quaisquer divergências acerca da legitimidade ministerial para proteger interesses difusos, dadas as próprias características desta espécie de interesses.

A restrição à seara do consumidor foi determinada uma vez que permite trazer vários exemplos que afetam o dia-a-dia dos indivíduos e que podem reunir um grande quantitavo de pessoas. Oportuno informar que, no entanto, embora o tema seja analisado à luz do CDC, será, ao final, apresentado o posicionamento pessoal do autor dessa

5 Lei 8.078, de 11.09.1990, publicada no D.O.U. de 12.09.1990, e regulamentada pelo Decreto nº2.181, de

20.03.1997.

6 GOUVEIA, Marcos Antônio Maselli de Pinheiro. A legitimidade do ministério publico para a defesa de

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pesquisa acerca da defesa coletiva pelo Parquet de outros interesses disponíveis que não os de consumidores, fazendo-o, contudo, de forma bem genérica. Aliás, também de forma genérica serão as menções aos instrumentos processuais utilizados pelo Ministério Público (MP) para defender coletivamente interesses coletivos e individuais homogêneos, vez que o presente estudo se limita a uma análise de âmbito material e não processual.

Analisadas essas exegeses, a pergunta que se pretende responder ao final deste trabalho é: o Ministério Público possui legitimidade para defender os interesses individuais homogêneos disponíveis?

A fim de adquirir embasamento para responder a esse questionamento, investiga-se nos capítulos iniciais, algumas questões fundamentais relacionadas ao tema. Assim é que, no Capitulo 1, foram examinadas algumas das várias acepções do termo interesse, dentre as quais interesse (i) simples; (ii) jurídico, (iii) individual; (iv) privado; (v) público; (vi) social e (vii) geral, vez que as mesmas são frequentemente mencionadas ao longo deste estudo. Optou-se por acompanhar a linguagem utilizada pela doutrina majoritária que trata do tema em comento, adotando-se a expressão “interesse” no estudo dos interesses metaindividuais.

Nesse mesmo Capítulo, foram analisadas pormenorizadamente as características e as peculiaridades de cada uma das três espécies de interesses definidas pelo legislador ordinário no artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III do CDC, quais sejam: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

No Capítulo 2 foram examinadas as prerrogativas e garantias conferidas ao MP pela Constituição Federal, atendo-se, especificamente, à análise do artigo 127 e 129, incisos III e IX da Lei Maior.

Por fim, no Capitulo 3, com base na doutrina e jurisprudência pertinente ao tema, foi analisada a legitimidade do MP na defesa de interesses individuais homogêneos disponíveis, apresentando as diferentes correntes acerca do tema e o principal argumento utilizado por aqueles que sustentam que o MP não possui legitimidade para defender esses direitos, qual seja: a não menção a interesses individuais homogêneos pelo art. 129, III da Constituição Federal.

Feito isso, obteve-se os instrumentos necessários para responder ao questionamento proposto nesta pesquisa.

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Por fim, no que tange à metodologia adotada para a elaboração do presente estudo, optou-se pela utilização dos métodos dedutivo-aplicado e da revisão de literatura em doutrinas, legislações e jurisprudências que se debruçam sobre o tema em análise.

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1 ACEPÇÕES DO TERMO INTERESSE

A doutrina jurídica brasileira focada na temática dos interesses metaindividuais estuda os vários sentidos da palavra interesse. Isto é salutar para se compreender a proteção de interesses jurídicos abrangentes surgidos com a sociedade de massa e com a globalização.

Através do estudo do signo “interesse”, esclarecer-se-á o cerne do presente trabalho, qual seja o conteúdo do termo “interesse social”, cuja proteção foi incumbida ao Ministério Público (doravante MP) pela Constituição Federal7.

1.1 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS

Há divergências na doutrina sobre qual a melhor terminologia a ser empregada ao se abordar os interesses transindividuais: seriam esses interesse ou direito?

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes identificou em Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim, James Martins e Humberto Quiroga Lavié o posicionamento de que as expressões não são sinônimas, pois o “interesse” antecederia a formação do direito subjetivo. O interesse, ao considerar um dano ainda por ocorrer, é protegido judicialmente através de tutela preventiva. Diversamente, o direito encontra o dano posto, existente, verificado na realidade8.

Para Marcelo Menezes Vigliar o termo direito traz uma grande carga de individualismo, o que não se observa nos interesses, os quais trazem ínsitos a ideia de coletividade9.

7 Constituição Federal de 1988: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

8 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. 4. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 209.

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Luiz Fernando Bellinetti entende que é melhor a utilização da expressão interesse, pois a palavra direito é francamente subjetivista e individualista, vinculada à concepção tradicional de relação jurídica, que consoante o doutrinador deve ser superada para que se possa tratar de interesses coletivos10.

Kazuo Watanabe considera inexistir diferença entre interesse e direito:

Os termos ‘interesses’ e ‘direitos’ foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles11.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) - Lei 8.078 de 11.09.1990, em seu art. 81, corrobora o posicionamento de Watanabe, pois dispõe que a defesa do consumidor em juízo ocorrerá quando se tratar de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Conclui-se, quanto ao problema da utilização do termo “direito” ou “interesse”, que ontologicamente não existe diferença entre um e outro para fins de análise dos interesses metaindividuais.

Sendo facultativo o uso de uma ou outra palavra, e considerando-se que a filosofia da linguagem direciona as conclusões externadas neste trabalho, opta-se por adotar a expressão “interesse” no estudo dos interesses metaindividuais.

1.2 ACEPÇÕES DE MAIOR RELEVÂNCIA

Rodolfo de Camargo Mancuso destaca o caráter polissêmico do interesse: discorre sobre o interesse no plano ético, no plano jurídico, na acepção laica e na acepção técnica12.

10 BELLINETTI, Luiz Fernando. Definição de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais

homogêneos. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Org.). Estudos de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 666-671.

11 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Bookseller, 2012. p. 819. 12 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 8. ed. São

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Para Gerhard Köbler o significado da palavra interesse, na acepção jurídica, é indeterminado. Seu conteúdo deve ser aferido com base no sentido e na finalidade da norma legal13.

Tais entendimentos concluem senão pela inviabilidade de se determinar uma única definição para a palavra interesse. Sendo assim, passa-se a discorrer sobre algumas perspectivas de análise, em especial na acepção jurídica.

Hugo Nigro Mazzilli14 estuda o interesse na superação da dicotomia interesse público e interesse privado. Afirma que se distinguia interesse público, cujo titular era o Estado, de interesse privado, cujo titular era o indivíduo, da seguinte forma:

[...] o interesse público consiste na contraposição do interesse do Estado ao interesse do indivíduo (como ocorre no Direito Penal, que contrapõe o ius puniendi do Estado ao interesse de liberdade do indivíduo), enquanto o interesse privado contrapõe os indivíduos em seu inter-relacionamento (como nos contratos do Direito Civil)15.

A cultura jurídica atual não permite mais que se afirme categoricamente que o interesse público restringe-se ao Estado enquanto pessoa jurídica, mas igualmente abrange “os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, os interesses coletivos, os interesses difusos etc.”16 Assim, destaca o doutrinador que atualmente os interesses podem ser agrupados numa tricotomia: (i) interesse público primário (bem geral da população); (ii) interesse público secundário (interesse das pessoas jurídicas que integram o aparato estatal) e, por fim, (iii) interesse privado.

Luiz Fernando Bellinetti define o interesse como a “[...] relação de reciprocidade entre um indivíduo e um objeto que corresponde a uma determinada necessidade daquele.”17 Tal relação pode ser analisada numa perspectiva individual ou coletiva. Na perspectiva coletiva, assevera que interesse coletivo não diz respeito ao interesse de

13 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. 2 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 205.

14 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros

interesses difusos e coletivos. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 40.

15 Ibidem p. 41. 16 Ibidem, p. 41-42.

17 BELLINETTI, Luiz Fernando. Definição de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais

homogêneos. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Org.). Estudos de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 666-671.

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uma pessoa jurídica, nem tão pouco da somatória dos interesses de um determinado grupo de pessoas, mas em essência a síntese de interesses individuais.

Interesse coletivo para o doutrinador “significa uma utilidade indivisa (não necessariamente indivisível) que pode ser ao mesmo tempo compartilhada por todos os membros do grupo. É nesse patamar que devem ser situados os interesses coletivos em sentido amplo [...]”18.

Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, ao analisar o interesse na perspectiva de relação entre pessoa e objeto, conclui ser o interesse social aquele cujos titulares não são obrigatoriamente toda a sociedade, mas parcela significativa da coletividade, preservada a indeterminação das pessoas, pois do contrário estar-se-ia na órbita do interesse coletivo.

Referente ao objeto do interesse social, este coincide com os bens, valores e princípios que são importantes para assegurar a qualidade de vida em sociedade.

Por fim, anota que o interesse social não apresenta unanimidade de finalidades. A defesa do interesse social raramente vai ser considerada como uma defesa que se estende a toda a sociedade, pois esta não equivale a um bloco coeso e monolítico, com reivindicações homogêneas. Pelo contrário, a sociedade é bastante setorizada, cada segmento defendendo seus interesses19.

1.2.1 A dúplice terminologia trazida pelo CDC

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seus artigos 81, 83 e 103, parágrafo 1º, utiliza-se da dupla terminologia interesses e/ou direitos para se referir a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. O legislador parece ter desejado ser o mais abrangente possível, “no propósito, quiçá, de prevenir a formação de eventual

18 BELLINETTI, Luiz Fernando. Definição de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais

homogêneos. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Org.). Estudos de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 666-671.

19 FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Considerações sobre interesse social e interesse difuso.

In: MILARÉ, Édis (Coord.). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 59-72.

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jurisprudência de índole restritiva quanto a extensão e compreensão do objeto das ações codificadas”20. O que não preveniu, todavia, foi o surgimento de posições divergentes acerca da utilização dessa dúplice terminologia.

Há autores que buscam demonstrar a falha do referido dispositivo legal ao não empregar terminologia rigidamente adequada, porquanto consideram que direitos e interesses não se confundem, dentre eles Rodolfo de Camargo Mancuso21, Paulo de Bessa Antunes22 e Eduardo Arruda Alvim23. Por outro lado, há aqueles que buscam justificar doutrinariamente a dúplice terminologia adotada pelo CDC, alegando haver verdadeira sinonímia entre interesse e direito, tendo em vista que os interesses ganham o status de direito a partir do instante em que começam a ser protegidos pelo ordenamento jurídico, desaparecendo, por conseguinte, qualquer razão prática ou teórica para diferencia-los24.

1.3 ESPÉCIES DE INTERESSE

Como visto, os interesses, de forma geral, podem ser difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Cada uma dessas categorias será mais bem detalhada a seguir.

20 OLIVEIRA, Juarez de. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva,

1991, p.67.

21 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 8. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

22 ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito Ambiental. 19. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2017.

23 ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre o processo das ações coletivas. In: MAZZEI, Rodrigo Dias;

NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Processo Civil Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

24 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

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1.3.1 Interesses difusos

Prevê o art. 81, paragrafo único, I, do CDC, que os interesses difusos são transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

O legislador, ao afirmar que o interesse difuso é transindividual, acabou por determinar a espécie do direito pelo seu aspecto subjetivo, qual seja, o titular dele.

Como bem lembra o professor Flávio Tartuce, “o direito transindividual, também chamado de metaindividual ou supraindividual, é aquele que não tem como titular um indivíduo”25. Segue ainda o professor Flávio, segundo o estimado Teori Albino Zavascki (2006, p. 42, APUD TARTUCE, 2014, p. 597) “é direito que não pertence à administração pública e nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo”26.

Vemos, portanto, a partir das análises supracitadas, que no caso dos interesses difusos, o titular é a coletividade, representada por sujeitos indeterminados e indetermináveis.

Por exemplo, numa lesão ao meio ambiente, cada indivíduo será “credor” do poluidor, estabelecendo-se aí relações jurídicas incontáveis entre os sujeitos ativos

indetermináveis e o

sujeito passivo poluidor.

Na esfera processual, o pedido veiculado dá ensejo a uma sentença certa e líquida. A decisão sobre interesses difusos traz identificados todos os elementos que integram a obrigação, a saber: “o an debeatur (existência da obrigação do devedor), o quis debeatur (identidade do sujeito passivo da obrigação), o quid debeatur (natureza da

25 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce,

Daniel Amorim Assumpção Neves. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: método, 2014, p. 597.

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prestação devida), o cui debeatur (titular do direito) e o quantum debeatur (qual é a prestação a que faz jus)”27.

Na tutela dos interesses difusos o pedido é direcionado à coletividade indivisível, não aos indivíduos de forma direta. Demanda que visa condenar poluidores a limpar o mar sujo de óleo, ou que pleiteia a condenação do carvoeiro a reflorestar a mata, são exemplos de ações que tutelam interesse difuso, eis que objetivam proteger o meio ambiente, cuja titularidade é atribuída a todos indistintamente.

1.3.2 Interesses coletivos

Assim como os interesses difusos, os coletivos são transindividuais (meta ou supraindividual), vez que seus titulares não são indivíduos. Os titulares dos interesses difusos seriam a coletividade, já os dos coletivos, uma comunidade, determinada por um grupo, classe e categoria de pessoas.

Da mesma forma, no aspecto material, o interesse coletivo stricto sensu pode ser analisado pelo ponto de vista do objeto, da titularidade e da ligação entre os titulares.

O bem jurídico do interesse coletivo estrito é divisível na perspectiva ontológica, porém tutelado no processo de forma indivisível. A titularidade, como já dito, é indeterminada, mas determinável (a partir de um grupo ou classe de pessoas). É originado em virtude de situação fática lesiva. Os titulares já estão vinculados entre si, ou com a parte adversária, em decorrência da relação jurídica (estrita) base preexistente à lesão28.

Cabe ressaltar que são duas as relações jurídicas-base que ligarão sujeito ativo e passivo em matéria de direito coletivo, como bem ensina o doutrinador e professor Rizzatto Nunes:

a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos pertencentes a Associação

27 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.78.

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de Pais e Mestres; os Associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe etc.;

b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc29.

Exemplificativamente, a ação que visa condenação de específica instituição de ensino a recalcular o reajuste das mensalidades escolares, em benefício de todos os seus alunos, veicula interesse coletivo estrito30.

Nota-se que mesmo antes da lesão (reajuste acima dos parâmetros legais) havia prévia relação jurídica estrita, formalizada por contrato de prestação de ensino, entre os estudantes (grupo) e aquela escola.

Essa é a principal característica do interesse coletivo: “a tutela é direcionada a um grupo que preexistia à lesão”31.

Impende anotar que a vinculação entre os titulares, além da relação jurídica estrita base preexistente à lesão, ocorre também em função da situação fática lesiva.

Conquanto o pedido seja direcionado à coletividade indivisível, ele visa em última análise beneficiar indivíduos particularmente considerados.

Resta claro e, de certa forma, costumeiro tratar o direito coletivo como mais organizado que o difuso, precipuamente por haver um nexo mais claro, qual seja, uma relação jurídica base que torna determináveis os sujeitos que serão beneficiados por sua tutela32

29 NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. Ed. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 881.

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 643.

31 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.78.

32 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce,

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1.3.3 Interesses individuais homogêneos

Os interesses individuais homogêneos são definidos no art. 81, parágrafo único, III, do CDC, e a as ações coletivas para a defesa desses estão reguladas nos arts. 91 a 100 da Lei 8.078/90.

Segundo Tartuce (2014), embora o único requisito previsto pelo dispositivo legal que prevê os interesses individuais homogêneos seja a origem comum, não bastará somente isso para que esse interesse seja considerado um direito da coletividade e, portanto, homogêneo, distinto, pois, do coletivo de sujeitos, detentores de direitos individuas que têm em comum uma origem compartilhada. Na eventualidade da dimensão individual se sobrepor à coletiva, os direitos serão heterogêneos e não poderão ser tratados à luz da tutela coletiva. “Nas ações cujo objeto seja o direito individual homogêneo, busca-se uma sentença condenatória genérica, que possa aproveitar a todos os titulares do direito, sendo que caberá a cada um deles ingressar com uma liquidação de sentença individual para se comprovar o nexo de causalidade e o dano individualmente suportado pelo liquidante” (Tartuce, 2014).

Nesta esteira, para Ada Pellegrini Grinover, tal prevalência far-se-á presente sempre que não houver maior dificuldade de o titular do direito provar o nexo de causalidade e quantificar o seu dano, vemos a seguir:

“Ora, a prova do nexo causal pode ser ao complexa, no caso concreto, a ponto de tornar praticamente ineficaz a sentença condenatória genérica do art. 95, a qual só reconhece a existência de dano geral. Nesse caso, a vítima ou seus sucessores deverão enfrentar um processo de liquidação tão complicado quanto uma ação condenatória individual, ate porque ao réu devem ser asseguradas as garantias do devido processo legal, e notadamente o contraditório e a ampla defesa. E a via da ação coletiva poderá ter sido inadequada para a obtenção da tutela pretendida”33.

“A doutrina majoritariamente entende pela natureza individual do direito individual homogêneo, pela sua titularidade e divisibilidade, havendo, inclusive, expressões

33 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro:

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consagradas na doutrina que demonstram de forma clara essa característica dos direitos individuais homogêneos e a consequente diferença destes com os direitos difusos e coletivos (transindividuais)”. (TARTUCE, 2014, p. 607).

As expressões supracitadas são alusões aos interesses essencialmente

coletivos e os interesses acidentalmente coletivos, definições estas que foram

consagradas pelo ilustre José Carlos Barbosa Moreira. A fim de melhor elucidar tal distinção, faz-se necessário mencionar as claras palavras do Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o senhor Marcelo Daltro Leite que diz:

“A distinção em questão leva em consideração a natureza unitária ou cindível da situação pluri-subjetiva que compõe o litígio que será objeto de processo judicial. A natureza unitária da situação pluri-subjetiva própria dos interesses/direitos essencialmente coletivos resulta da indivisibilidade do objeto do litígio3 , como aconteceria nas hipóteses de meio ambiente, patrimônio histórico, consumidor, neste caso, por exemplo, se se tratasse de medidas de proteção à saúde pública. A indivisibilidade se determinaria quando, na prática, não se pudesse admitir que o bem fosse fruído por alguns e não o fosse por outros. Haveria, nesta hipótese, situação que se assemelharia ao litisconsórcio unitário, na medida em que a solução dada ao litígio seria, necessariamente, unitária4 para todos os sujeitos. De outra sorte, os interesses/direitos acidentalmente coletivos teriam como marca distintiva a diversidade de objetos, de sorte que a solução para o litígio seria 2 perfeitamente cindível, assemelhando-se à hipótese de litisconsórcio comum5 (ou simples)”34.

A fim de complementar a síntese elaborada pelo procurador supramencionado, é oportuna ainda a transcrição de parte do texto no qual o Professor José Carlos Barbosa Moreira consagra a dicotomia entre os interesses coletivos ora em tela:

“A nosso ver, dentro do âmbito acima delimitado, cabe estabelecer uma distinção importante. a) Em muitos casos, o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a quota de um e onde começa a de outro. Por isto mesmo instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão a inteira coletividade..Designaremos essa categoria pela expressão “interesses essencialmente coletivos”.. b) Noutras hipóteses, é possível, em linha de princípio, distinguir interesses referíveis individualmente aos vários membros da coletividade atingida, e não fica excluída a priori a eventualidade de funcionarem

34 LEITE, M. D. Interesses e direitos essencialmente e acidentalmente coletivos. Tribunal de Justiça do Rio

de Janeiro. 2008. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=3faba29a-8656-4f5f-813c-d781096b4c48&groupId=10136>. Acessado em: 13 set. 2018.

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os meios de tutela em proveito de uma parte deles, ou até de um único interessado, nem a de desembocar o processo na vitória de um ou de alguns e, simultaneamente, na derrota de outro ou de outros. O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do “impacto de massa”. Motivos de ordem prática, ademais, tornam inviável, inconveniente ou, quando menos, escassamente compensadora, pouco significativa nos resultados, a utilização em separado dos instrumentos comuns de proteção jurídica, no tocante a cada uma das parcelas, consideradas como tais... Para distinguir do anteriormente descrito este gênero de fenômeno, falaremos, a seu respeito, de “interesses acidentalmente coletivos”. Tratando-se de interesses essencialmente coletivos, em relação aos quais só é concebível um resultado uniforme para todos os interessados, fica o processo necessariamente sujeito a uma disciplina caracterizada pela unitariedade... Já nos casos de interesses acidentalmente coletivos, uma vez que em princípio se tem de admitir a possibilidade de resultados desiguais para os diversos participantes, a disciplina unitária não deriva em absoluto de uma necessidade intrínseca Pode acontecer que o ordenamento jurídico, por motivos de conveniência, estenda a essa categoria, em maior ou menor medida, a aplicação das técnicas da unitariedade; esse, porém, é um dado contingente, que não elimina a diferença, radicada na própria natureza das coisas”35.

No que se refere a legitimidade, o CDC a conferiu as entidades citadas no art. 8236 a pleitear, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, por meio de ações coletivas, a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos violados, podendo, dentre estes, citar como exemplo, os danos que decorrem de fato do produto ou serviço. Neste aspecto, todavia, impende ressaltar que “na defesa dos interesses individuais homogêneos, entendidos como direitos ou interesses disponíveis, só será legitimado o MP quando, pela sua abrangência, natureza ou relevância, traga algum proveito para a coletividade como um todo”37. Tal como se observa na ação civil pública e na ação popular constitucional, se o MP não atuar como autor da ação, irá fazê-lo como fiscal da lei (art.92, CDC).

Nos termos do art. 93, a causa deve ser ajuizada no foro do lugar onde ocorreu o dano, ou onde deverá ocorrer, em se tratando de âmbito local. Para os danos de âmbito nacional ou regional, a ação deverá ser ajuizada no foro da Capital do Estado ou no do

35 MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista

de Processo, n. 61. São Paulo: RT.

36 MP, União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e também das entidades e órgãos da administração

pública e das associações legalmente constituídas.

37 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros

(25)

Distrito Federal, observando-se a competência da Justiça Federal. As regras do CPC são aplicadas em caso de competência concorrente.

Após a ação ser proposta, o edital deve ser publicado no órgão oficial, a fim de que todos os interessados tomem conhecimento e, desejando, dela participem como litisconsortes do autor coletivo. Deverá ainda a ação ter ampla divulgação através dos meios de comunicação social pelos órgãos de proteção ao consumidor. A sentença que decidir pela procedência do pedido terá condenação genérica, abrangendo todos os que tenham participado ou não da ação. Recai então sobre o réu a obrigação de ressarcir todos os danos causados. Porém, se por decisão de mérito for rejeitada a demanda, o resultado negativo só surtirá efeitos sobre os que participaram diretamente do processo como litisconsortes. Os que nele não intervieram poderão perfeitamente propor de forma individual sua ação reparatória38.

Após ser proferida a sentença, sua liquidação e execução poderão ser promovidas tanto pela vítima como pelos seus sucessores e legitimados elencados no art. 82 do CDC. Aqui, diferente do que se nota nas ações civis públicas, não há prazo decadencial específico para o ajuizamento da liquidação. O prazo será fixado na habilitação dos interessados no momento da liquidação da sentença, consoante o direito material individualmente infringido, que se torna então perfeitamente divisível39.

A execução poderá ainda ser feita de forma coletiva, baseada em certidões das sentenças de liquidação, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, e abrangerá todas as vítimas cujas indenizações já tenham sido definidas. Da certidão deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado, para que se diferenciem as execuções definitivas das provisórias. Não resta prejudicado o ajuizamento de outras execuções, que poderá ser feito conforme surjam novas sentenças.

38 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito Brasileiro das Relações de Consumo. 3. ed.

Curitiba: Juruá Editora, 2011, p.78.

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2 O MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO DO CDC (ART. 82)

No capítulo anterior, vimos que o legislador, no art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, do CDC, define interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, respectivamente. Como este artigo é o primeiro do Título III do CDC, o qual é todo dedicado à tutela jurisdicional de interesses difusos, coletivos e individuais (homogêneos ou não) dos consumidores, parece lógico que o legislador tenha optado pela conceituação de tais interesses logo no primeiro dispositivo legal daquele Título.

Com efeito, o Título III do CDC refere-se à defesa do consumidor em juízo e, já no caput do artigo 81, destaca que ela poderá ser exercida a título individual ou coletivo. No entanto, apesar de a tutela individual ter sido prevista por este dispositivo legal – o que, aliás, não poderia ser diferente, já que a não previsão resultaria na inconstitucionalidade do mesmo40 – é a defesa em caráter coletivo que recebe maior destaque, seja porque as ações envolvendo conflitos intersubjetivos já estão reguladas pelo Código de Processo Civil e outras leis extravagantes,41 seja porque tal modalidade de tutela oferece maiores vantagens ao consumidor, dentre as quais a facilitação de seu acesso à justiça42.

Foi, inclusive, visando essa facilitação de acesso à justiça, visto que a mesma figura como um dos direitos básicos do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso VII, do

40 O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso XXXV, dispõe que: “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

41 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Comentários ao código de proteção do consumidor.

Comentadores Toshio Mukai... [et al.]; coordenador Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 118.

42 Jose dos Santos Carvalho Filho, ao se manifestar a respeito, diz: “o consumidor, de forma isolada, se vê

frequentemente desarmado para obter a tutela de seus direitos. Isso se dá não somente porque é apenas um no universo normalmente extenso de consumidores, como ainda porque enfrenta, no outro polo da relação jurídica, social e econômica, produtores que, como regra, ostentam muito maior poderio econômico.” In Ação civil pública – comentários por artigo – Lei 7.347 de 24.07.85. 2ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1999, p. 21.

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CDC43, que o legislador, no artigo 82 do mesmo diploma legal, conferiu a legitimação “concorrente, disjuntiva e exclusiva”44 a pessoas jurídicas ou entes despersonalizados diversos para ingressar com ações judiciais que visem a proteção dos interesses dos consumidores45. Sendo assim, todos os entes listados pelo artigo 82, e somente eles, estão igualmente autorizados a promover a defesa coletiva de tais interesses, podendo agir independentemente da atividade simultânea de outro legitimado e sem qualquer relação de subordinação ou preferência entre si.

Nos termos do caput e incisos do artigo 82, do código de defesa do consumidor, abaixo transcritos estes entes são os seguintes:

“Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.”

Apesar de serem vários, o único co-legitimado que nos interessa, no presente trabalho, é o Ministério Público, já que, face às diversas prerrogativas de que goza e às garantias constitucionais que seus membros possuem, figura como órgão de excelência na defesa dos interesses transindividuais, vindo a integrar o polo ativo de mais de 90% das ações ajuizadas em defesa de tais interesses46. Sendo assim, passemos a analisar, agora, algumas dessas prerrogativas de garantias conferidas pela Constituição federal de 1988 ao Ministério Público.

43 “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados,”

44 GIDI, Antonio. Op. cit. p. 37.

45 CRETELLA Júnior, José. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992. 46 Gouvêa, Marcos Antônio Maselli de Pinheiro. Legitimidade do Ministério Público para a Defesa de

Direitos Individuais Homogêneos. In Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n° 11,

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2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A derrocada do estado autoritário e a reconstrução democrática do Brasil, ocorridas na década de 80, além das inúmeras transformações sociais, econômicas e tecnológicas pelas quais já vinha passando o país desde 1940, fizeram com que o constituinte, originário convocado em 1987 com evidente com objetivo de democratizar o país, revestisse o Ministério Público de prerrogativas e competência inéditas no passado, transformando-o em uma instituição forte, pujante e independente, sem similar em qualquer outra parte do mundo ou nas anteriores Constituições brasileiras47.

De fato, o Constituinte necessitava de uma instituição que figurasse como verdadeiro guardião da Carta Magna, a fazer valer todos os direitos e garantias por ela estabelecidos. Além disso, precisava de um ente bem aparelhado e capaz de zelar, não apenas pela lei e sua execução, mas também pelo cidadão e toda a sociedade, defendendo interesses socialmente relevantes que, em não havendo a proteção conferida pelo Ministério Público, muito provavelmente seriam lesados sem que houvesse legitimados a ativar o poder judiciário.

Foi nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público e lhe forneceu instrumentos para atuar tanto na área penal quanto na área cível, seja como órgão interveniente48 ou como agente. Assim o Ministério Público deixou de ser apenas o órgão incumbido da persecução penal e passou a ser, principalmente, fiscalizador e defensor da correta aplicação das leis e da Constituição, personalizando-se, pois, como o órgão de defesa dos interesses sociais em juízo, até mesmo contra o Estado49.

Com efeito, o artigo 127 da CF/88, em seu caput e parágrafo 1º, dispõe que:

47 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada

em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995.

48 O regime constitucional vigente recepcionou a norma contida nos artigos 176 e 178, inciso I, do Código

de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que impõem a intervenção do Ministério Público quando houver “interesse público ou social” (inciso I). Cf. GOMES, Mauricio Augusto. Ministério Público,

mandado de segurança, e ação popular. In Funções institucionais do ministério público. São Paulo:

Saraiva, 2001.

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“Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”50.

Assim, é o artigo 127 da CF/88 que define a expressão Ministério Público, estabelece suas finalidades primordiais e determina os princípios informadores de sua atividade. A correta interpretação desse dispositivo constitucional, portanto, torna-se crucial, razão pela qual passamos, a seguir, a analisá-lo de forma mais detalhada.

Cabe ressaltar, ainda, que a tutela da ordem jurídica significa a supervisão de todas as atividades estatais relevantes, analisadas sob o prisma da constitucionalidade e da legalidade além dos princípios jurídicos. Nas palavras do professor Emerson Garcia evidencia-se:

O Ministério Público tem o dever funcional de defender a ordem jurídica, o que pressupõe a aferição de todos os atos praticados pelos órgãos do Estado, podendo ajuizar as medidas necessárias à coibição de abusos ou ilegalidades, sempre buscando mantê-los adstritos aos limites da Constituição e do Direito. – Ordem jurídica não guarda similitude com a lei, mas, sim, com o Direito, sendo noção eminentemente mais ampla51.

O Ministério Público é, portanto, o guardião do regime democrático, podendo ser parte autora de ações interventivas com a finalidade de preservar as instituições basilares do modelo de regime político apontado pela Constituição. Como exemplo dessa tutela, temos a intervenção federal motivada pela violação dos chamados princípios constitucionais sensíveis, a qual pode ser capitaneada pelo Procurador-Geral da República52.

50 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: promulgada em 05 de outubro de

1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 04 set. 2018.

51 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2017, p.49.

52 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva,

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2.2.1 Instituição Permanente

Segundo Fonteles53, a definição constitucional do Ministério Público enquanto “instituição permanente” concilia-se à própria concepção do Estado brasileiro, posta na Constituição, não podendo, pois, ser extinto. Nas palavras do ilustre professor, tal correlação e imprescindibilidade explica-se da seguinte forma:

É que a Carta Constitucional de 1988, expressando resposta à negativa experiência ditatorial-militarista em nosso País, que sepultara o Ministério Público como um órgão incrustado na burocracia do Ministério da Justiça, firmou a necessidade de conceber-se como inerente ao Estado Democrático de Direito as controvérsias vivas entre o Estado-Administração e a Sociedade, espaço aberto ao exercício pleno da cidadania. [...] o palco a agasalhar ditas controvérsias põe-se no Poder Judiciário54.

Nesse diapasão, para José Cretella Júnior, o Ministério Público é, nos termos utilizados pelo legislador constituinte, o “organismo que, criado, entra no mundo jurídico para o desempenho ininterrupto das funções que lhe condicionaram o nascimento.55

Dessa forma, o MP figura como órgão de manifestação viva da soberania estatal, ao qual cabe defender, de forma continuada, dinâmica e combativa, a tríplice finalidade que lhe foi atribuída, visto que a interrupção de sua atuação produziria reflexos diretos na atividade de distribuição da Justiça e de todas as demais atividades que lhes são afetas56.

Ainda neste particular, vale o testemunho do ilustre professor Antônio Cláudio da Costa Machado:

“O Ministério público não é, nada mais, nada menos do que tudo isso, um ente eminentemente social, a princípio pré-jurídico, mas que sempre transcendeu os limites do direito positivo, e por isso se desenvolveu tanto, sendo hoje parte do próprio Estado para concretização de uma das suas grandes aspirações: a realização da justiça. é algo que nasceu espontaneamente, como fruto de uma determinada necessidade social num determinado momento histórico é que se

53 FONTELES, Cláudio. Oartigo 127 da Constituição Federal: reflexões. In: MOURA JÚNIOR, Flávio Paixão

de et ai. (Coord.). Ministério Público e a ordem social justa. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.1-2.

54 FONTELES, Cláudio. O artigo 127 da Constituição Federal: reflexões. In: MOURA JÚNIOR, Flávio Paixão

de et ai. (Coord.). Ministério Público e a ordem social justa. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.1-2.

55 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição... Op. cit. p. 3295. 56 Idem. p. 3295.

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desenvolveu por meio de novas necessidades em outros momentos, adquirindo o caráter de permanência durante esse processo de evolução. Na medida em que crescia, mais concreto e definido se tornou o seu escopo, mais claro se tornou o seu papel social. O Ministério Público é, portanto, este ente jurídico permanente, aposto que extrapola o indivíduo no tempo e no espaço, e que possui vida e disciplina próprias, forças e qualidades particulares e uma vocação especial de bem servir a própria sociedade que o criou”57.

Portanto, sendo o MP instituição permanente imprescindível ao regime

democrático e este

encontrando guarida implícita no art. 60, § 4º, 11 e IV, da CF/88, conclui Almeida58 que a Constituição conferiu um distintivo que reveste a instituição, seus princípios, atribuições e garantias com a proteção de cláusula pétrea.

2.1.2 Instituição essencial à função jurisdicional do Estado

Inicialmente, cumpre ressaltar que “essencial” equivale a “fundamental”, “indispensável”, sendo mais do que simplesmente “relevante” ou “importante”. Nesse sentido, infere-se que, ao definir o Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do estado, pretendeu o legislador ressaltar que, ausente este órgão, a justiça não se faz de modo completo59.

Todavia, como observa Hugo Nigro Mazzilli60, a expressão “essencial à função jurisdicional do Estado” não deve ser interpretada literalmente, visto que, ao mesmo tempo, diz mais e menos do que deveria. Menos porque o Ministério Público tem inúmeras funções exercidas independentemente da prestação jurisdicional, como na fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, no atendimento ao público. Paradoxalmente, diz mais por que o

57 In: A intervenção do ministério público no processo civil brasileiro. p. 24. Apud TOPAN, Luiz Renato.

Op. cit. p. 73.

58 ALMEIDA, Gregório Assagra de. O Ministério Público e suas atribuições e garantias como cláusulas

pétreas ou superconstitucionais. In: MINAS GERAIS. Manual de atuação funcional do Ministério Público

do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional - CEAF,

2008, p.80-81.

59 CREELLA JUNIOR, José. Comentários a constituição...Op. cit. p. 3295.

60 MAZZILLI, Hugo Nigro. O ministério público na constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p.

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Parquet não oficia em todos os feitos submetidos à prestação jurisdicional, e sim, normalmente, naqueles em que haja algum interesse indisponível, difuso ou coletivo ligado à qualidade de uma das partes ou a natureza da própria lide, como já vimos anteriormente.

Sendo, portanto, uma expressão inapropriada, o mais correto seria dizer “que o Ministério público exerce uma função de auxílio da função jurisdicional, com o que contribui para a boa administração da justiça (por parte do judiciário)”61. De qualquer forma, não há dúvidas de que, em havendo feitos nos quais estejam em jogo interesses privados dos quais seus titulares não podem dispor ou interesses concernentes a toda a coletividade a atividade do Ministério Público será sempre essencial.

Para Garcia62 por ser o Parquet imprescindível à função jurisdicional do Estado e exercer atividade voltada para o contentamento da sociedade, inclusive contra os poderes constituídos, “a sua existência pode ser considerada como ínsita no rol dos direitos e garantias individuais, sendo vedada a apresentação de qualquer proposta de emenda tendente a aboli-la”63.

Portanto, essa larga e absoluta desvinculação das demais funções do Estado, acaba por caracterizar o Parquet enquanto órgão independente, embora este se assemelhe e possua características inerentes ao Poder Judiciário. Garcia ensina: “À instituição interessa bem desempenhar os seus deveres, devendo utilizar de forma responsável os poderes (rectius: instrumentos) que lhe foram outorgados para tal fim”64.

61 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo:

Saraiva, 1999. p. 40.

62 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2017, p.41.

63 Ibidem.

64 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6. ed. Rio de Janeiro:

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2.2.3 Defesa da Ordem Jurídica

Segundo Celso Ribeiro Bastos, “a defesa da ordem jurídica significa a defesa da correta aplicação da Constituição e das leis, o que, conjugada com a defesa do regime democrático, significa, enfim, a defesa do Estado de Direito”65. A expressão ora analisada, portanto, refere-se ao tradicional papel desempenhado pelo Ministério Público de custos legis, de fiscal da lei, já que ao mesmo cabe zelar, em primeiro lugar, pela fiel observância das normas jurídicas66.

Ainda no que se refere à defesa da ordem jurídica, continua o referido autor:

“Ao defender a ordem jurídica, o Ministério Público deve fazê-lo considerando o ordenamento jurídico desvinculado de qualquer órgão, instituição ou Poder. Essa Ordem jurídica precisa ser defendida, sobretudo naqueles casos em que ela não está atrelada a defesa de interesses privados. é um papel transcendente retomar o próprio corpo jurídico como objeto de sua defesa, fazendo cumprir todas as suas determinações, ignorando quem possa ser beneficiado ou prejudicado com isso, uma vez que há sempre o interesse superior, que é o da efetividade da ordem jurídica que cumpre ser mantida”67.

Tal qual supracitado, a defesa da ordem jurídica pressupõe o controle de todas as atividades estatais de maior importância, observadas sob o prisma da constitucionalidade e da legalidade como também dos princípios jurídicos para além do Direito Positivo. Em outras palavras:

O Ministério Público tem o dever funcional de defender a ordem jurídica, o que pressupõe a aferição de todos os atos praticados pelos órgãos do Estado, podendo ajuizar as medidas necessárias à coibição de abusos ou ilegalidades, sempre buscando mantê-los adstritos aos limites da Constituição e do Direito. – Ordem jurídica não guarda similitude com a lei, mas, sim, com o Direito, sendo noção eminentemente mais ampla68.

Outra função do Parquet é defender o regime democrático conforme será visto a seguir.

65 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo:

Saraiva, 1999. Op. cit.

66 Ibidem. p. 7. 67 Ibidem.

68 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de

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2.2.4 Defesa do Regime Democrático

Já no preâmbulo da Constituição Federal, o legislador constituinte, como representante do povo, institui o Estado democrático, assinalando, logo no artigo primeiro da regra jurídica constitucional, que a “República federativa do Brasil constitui-se em estado democrático de direito”. Dessa forma, foi atribuído ao Ministério Público o dever de defender o regime democrático implantado, cabendo, à instituição, denunciar quaisquer tentativas de introduzir, no país, outro regime que atente contra as liberdades públicas69.

Com efeito, pode-se afirmar que o Ministério Público é filho da democracia clássica e do Estado de Direito, já que sua força e independência mantém estreita ligação com a legalidade democrática70. Nesse sentido, a Instituição recebe maior destaque nos momentos de democracia sob plenas luzes, sendo, todavia, relegada a segundo plano em momentos de escuridão democrática, porquanto, nesta segunda ocasião, interessa aos governos ou governantes apenas um Ministério Público dependente, omisso, pequeno e subserviente aos seus interesses.

Por esse motivo, compete ao Ministério Público primar pelo cumprimento das leis e pela preservação dá paz e da liberdade entre os homens, vez que, sem liberdade, não há democracia e, sem democracia, não há Ministério público forte e independente.

2.2.5 Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis

No que se refere aos interesses sociais, cumpre reiterar que, no capítulo acerca dos interesses, deste estudo, traçamos suas linhas caracterizadoras e ressaltamos que este termo está inserido no mundo dos denominados conceitos jurídicos indeterminados, visto que não pode ser definido objetivamente. Diante disso, no absteremos de discorrer

69 CREELLA JUNIOR, José. Comentários a constituição...Op. cit. p. 3295. 70 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. p. 4.

(35)

novamente acerca desses interesses e analisaremos apenas a noção de indisponibilidade do interesse individual a ser tutelado pelo Ministério Público, sem, contudo, procurar esgotar o assunto, vez que igualmente impreciso.

Como efeito, César Antônio da Silva adverte que:

“[...]tem-se como certo que não se pode elaborar com absoluta precisão determinados temas relacionados à ciência do direito, de forma tal que venham a permanecer indefinidamente imutáveis na esfera do sistema jurídico. E os direitos disponível e indisponível, por certo não fogem a essa regra. o que é hoje disponível amanhã poderia não sê-lo. da mesma forma é o direito indisponível; e desde que surge a necessidade social, poderá até incorrer inversão dessa ordem”71

De fato, a noção de indisponibilidade não é fixa e imutável, mas ainda assim diversos doutrinadores procuram traçar suas linhas caracterizadoras, assim como também o fazem em relação aos interesses sociais.

Para Pinto Ferreira, por exemplo, “direitos indisponíveis” são aqueles “em relação aos quais seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolvem-se e extinguem-se independentemente dá vontade dos titulares” e, nesse sentido, “abrangem os direitos da personalidade, os referentes ao estado e capacidade da pessoa, assim como à família. São irrenunciáveis e em regra intransmissíveis”72.

Mas como nasce a indisponibilidade? Em que consiste o fato de alguns interesses serem disponíveis e outros não? Quem responde com grande propriedade a essas perguntas é Antônio Cláudio da Costa Machado, para quem a seleção dos interesses que devam prevalecer na sociedade compete ao Estado. Segundo ele, é o estado por meio de suas leis em sentido lato, que estipula quais são os interesses que correspondem imediatamente ao escopo último da sua própria preservação, bem como aqueles outros valores que só indireta e mediatamente servem à ordem pública. E justifica: “Aos primeiros, pela sua importância, pela maior necessidade de prevalecimento, o legislador outorga o atributo de indisponibilidade no sentido de inalienabilidade a quem quer que

71 SILVA, Cesar Antônio da. Direito Disponível e indisponível. Estudos Jurídicos, volume 22, número 56,

setembro/dezembro de 1989.

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seja e a qualquer título. Aos segundos, dispensa o legislador um tratamento mais brando, o que é regra geral, permitindo à sua disposição”73.

Na visão de Antônio Cláudio da Costa Machado, portanto, o atributo de indisponibilidade é outorgado aos interesses máximos da sociedade essenciais à sua própria sobrevivência e manutenção, visto que relacionados a seus valores fundamentais. Por isso, recebem uma consideração muito maior do estado e nascem a partir de normas cogentes, imperativas, de ordem pública, dado a necessidade de conferir maior proteção à tais interesses.

Seja como for, a verdade é que, havendo indisponibilidade de interesses, haverá a obrigatoriedade de atuação do Ministério público, seja como agente ou interveniente. E a defesa desses interesses é atribuída ao Ministério Público exatamente porque seria inconcebível que restassem desprotegidos os cidadãos diante da imparcialidade do Estado-juiz e da impossibilidade de disposição por seus titulares.

Consequentemente, a missão do MP é direcionada para a defesa de interesses sociais, a teor do caput do art. 127 da CF.

Resta evidente, a partir da leitura da obra de Ronaldo Cunha Campos, “Ação Civil Pública”74, obra esta que contribuiu largamente para esclarecer que o sistema representativo, método para que o povo exerça o poder, é insuficiente para fazer valer a soberania popular.

Portanto, seria tolo crer que a eleição de representantes pelo povo fosse suficiente para garantir que ele seja atendido em suas necessidades. A participação popular na coisa pública, num sistema jurídico maduro, deve ser complementada por outras formas além de eleições. Uma delas é o processo.

Por meio do processo o cidadão provoca o Judiciário, forçando os demais Poderes, em especial o Executivo, a adotar providências diferentes daquelas que o administrador público entendeu serem oportunas e convenientes, até mesmo porque a vida cotidiana demonstra que não raro as escolhas da Administração são contrárias ao interesse geral, vemos isso recorrentemente, tendo como um dos exemplos mais recentes o fado do Ministério Público Federal (MPF), no Rio de Janeiro, ter aberto um

73 COSTA MACHADO, Antônio Claudio da. A Intervenção do Ministério Público no Processo Civil

Brasileiro, 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1998. p.45/46.

Referências

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