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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO PROFISSIONAL EM PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E MERCADO

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

MESTRADO PROFISSIONAL EM PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E MERCADO

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia: o caso Um Mundo de Muros

Emilio José de Sant’Anna Neto

São Paulo 2019

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Emilio José de Sant’Anna Neto

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia: o caso Um Mundo de Muros

Dissertação apresentada à ESPM como requisito para obtenção do título de Mestre no Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado.

Orientação: Prof. Dr. Renato Essenfelder

São Paulo 2019

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Emilio José de Sant’Anna Neto

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia: o caso Um Mundo de Muros

Dissertação apresentada à ESPM como requisito para obtenção do título de Mestre no Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Presidente – Prof. Dr. Renato Essenfelder Orientador, MPPJM, ESPM-SP ____________________________________________________________ Membro: Prof.ª. Dr.ª Egle Müller Spinell, ESPM-SP

____________________________________________________________ Membro: Prof. Sílvio Antonio Luiz Anaz, FIAM-FAAM-SP

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Às três Anas de minha vida, a meu pai, por me mostrar a direção,

aos amigos e professores que tive durante a vida.

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1 AGRADECIMENTOS

Agradeço aos entrevistados: Lalo de Almeida, Patrícia Campos Mello, Thea Torlaschi Severino, Luciana Coelho e Roberto Dias por compartilharem suas experiências. À Suzana Singer pelo apoio e incentivo para ingressar nesse caminho. Aos amigos da Folha de S.Paulo Camila Marques e Raphael Hernandes pela ajuda, e à equipe de Cotidiano.

Aos amigos e companheiros dessa trajetória na ESPM: Jéssica, Daniela, Eduarda, Martha, Dal, Leandro, Gusthavo, Raul, Murilo e Elly.

Meu especial agradecimento a Renato Essenfelder, pela dedicação e apoio para a realização desta dissertação. E a aos professores Egle Müller Spinelli e Sílvio Antonio Luiz Anaz.

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O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia.

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3 NETO, Emilio José de S. Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia: o caso Um Mundo de Muros. 2019. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, São Paulo, 2019.

RESUMO

Esta dissertação analisa a série de reportagens Um Mundo de Muros, dividida em sete capítulos publicados entre junho e setembro de 2017 pela Folha de S.Paulo. Originada com a iniciativa de repórteres do jornal, a série aborda o aumento do número de barreiras físicas construídas entre países, estados e cidades de quatro continentes. Nesta dissertação, o objeto da pesquisa é analisado quanto a suas características narrativas e de uso do potencial expressivo do meio digital. Para tanto, o estudo recorre a referencial teórico sobre conceitos como narrativa, narrativa digital, expressividade do meio digital, ciberjornalismo, cibercultura e ciberespaço. Os objetivos são identificar características que definem os produtos ciberjornalísticos, bem como possíveis caminhos futuros apontados pela série, a serem desenvolvidos em novas experiências.

PALAVRAS-CHAVE: jornalismo; narrativas digitais; grande reportagem; expressividade, cibercultura, ciberjornalismo

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4 NETO, Emilio José de S. Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia: o caso Um Mundo de Muros. 2019. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, São Paulo, 2019.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the series of reports A World of Walls, divided in seven chapters published between June and September of 2017 by Folha de S.Paulo. Originated with the initiative of the newspaper's reporters, the series addresses the increasing number of physical barriers built between countries, states and cities on four continents. In this dissertation, the object of the research is analyzed regarding its narrative characteristics and use of the expressive potential of the digital medium. For this, the study uses a theoretical reference on concepts such as narrative, digital narrative, expressivity of the digital medium, cyberjournalism, cyberculture and cyberspace. The objectives are to identify characteristics that define the cyberjournalistic products, as well as possible future paths pointed out by the series, to be developed in new experiences.

KEYWORDS: journalism; digital narratives; great report; expressivity, cyberculture, cyberjournalism

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5 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Tabela dos elementos multimídia presentes e futuros... 31

Figura 2 – Homepage da série Um Mundo de Muros ... 48

Figura 3 – Gráfico com o aumento da construção de muros entre países ...50

Figura 4 – Foto do muro em Lima, no Peru...52

Figura 5 – Gráfico audiência Um mundo de muros...53

Figura 6 – Gráfico audiência Um mundo de muros – Estados Unidos México...54

Figura 7 – Foto do capítulo EUA e México na homepage da série...58

Figura 8 – Foto do capítulo México e EUA na homepage da série...61

Figura 9 – Foto do capítulo Quênia e Somália na homepage da série...64

Figura 10 – Foto do capítulo Brasil na homepage da série ...67

Figura 11 – Foto do capítulo Sérvia e Hungria na homepage da série...72

Figura 12 – Foto do capítulo Peru na homepage da série...75

Figura 13 – Foto do capítulo Cisjordânia e Israel na homepage da série...78

Figura 14 – Foto de muro entre a Cisjordânia e Israel...84

Figura 15 – Policiais húngaros em treinamento na fronteira entre a Hungria e a Sérvia...87

Figura 16 – Crianças palestinas sobem no muro e desafiam soldados israelenses...87

Figura 17 – Foto de Barwago, uma das esposas de Noor Addow...88

Figura 18 – Foto de palestinos tentando passar da Cisjordânia para Israel...88

Figuras 19 e 20 – Fotos da cerca entre o México e os EUA (esq.) e imagens de crianças em acampamento para refugiados no Quênia...89

Figura 21 – Agentes americanos empregados na fronteira com o México...90

Figura 22 – Infográfico complementar à narrativa sobre o muro entre Quênia e Somália...92

Figura 23 – Mapa da fronteira com barreiras entre EUA e México...93

Figura 24 – Frame de vídeo do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA...94

Figura 25 – Frame de vídeo 360º do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA...95

Figura 26 – Frame de vídeo com infográfico animado e narração com a rota de entrada de imigrantes clandestinos na Europa... 95

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6 LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Categorização das questões elaboradas para as entrevistas... 41

Tabela 2 – Estratégias de objetivação ... 45

Tabela 3 – Estratégias de subjetivação... 46

Tabela 4 – Elementos midiáticos presentes...56

Tabela 5 – Conflito principal e conflitos secundários...57

Tabela 6 – Personagens e trama...58

Tabela 7 – Estratégias de objetivação...59

Tabela 8 – Estratégias de subjetivação...59

Tabela 9 – Conflito principal e conflitos secundários...62

Tabela 10 – Personagens e trama ... 62

Tabela 11 – Estratégias de objetivação...63

Tabela 12 – Estratégias de subjetivação...63

Tabela 13 – Conflito principal e conflitos secundários...65

Tabela 14 – Personagens e trama...65

Tabela 15 – Estratégias de objetivação...66

Tabela 16 – Estratégias de subjetivação ... 66

Tabela 17 – Conflito principal e conflitos secundários...69

Tabela 18 – Personagens e trama...69

Tabela 19 – Estratégias de objetivação...70

Tabela 20 – Estratégias de subjetivação...70

Tabela 21 – Conflito principal e conflitos secundários...73

Tabela 22 – Personagens e trama...73

Tabela 23 – Estratégias de objetivação...74

Tabela 24 – Estratégias de subjetivação ... 74

Tabela 25 – Conflito principal e conflitos secundários...76

Tabela 26 – Personagens e trama...76

Tabela 27 – Estratégias de objetivação...77

Tabela 28 – Estratégias de subjetivação...77

Tabela 29 – Conflito principal e conflitos secundários...79

Tabela 30 – Personagens e trama...79

Tabela 31 – Estratégias de objetivação...80

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Tabela 33 – Distribuição de blocos de fotografias por capítulo...85

Tabela 34 – Distribuição de fotografias por tipo e por capítulo...86

Tabela 35 – Distribuição dos infográficos por tipo e por capítulo...91

Tabela 36 – Nome e função dos entrevistados...96

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8 SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO...10

1.1 – OBJETIVOS...13

1.2 – JUSTIFICATIVA...13

2 – CONCEITOS E REFERENCIAIS TEÓRICOS...16

2.1 – ORIGENS DA NARRATIVA...16

2.2 – NARRATIVA JORNALÍSTICA...18

2.3 – ANÁLISE DA PERSONAGEM...20

2.4 – NARRATIVA FOTOGRÁFICA E VIDEOGRÁFICA...22

2.5 – INFOGRAFIAS E O DISCURSO JORNALÍSTICO...24

2.6 – CIBERCULTURA E CIBERJORNALISMO...25

2.7 – NARRATIVAS DIGITAIS E A EXPRESSIVIDADE DO MEIO...34

3 – METODOLOGIA...39 3.1 – ABORDAGEM QUALITATIVA...39 3.2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...40 3.3 – ENTREVISTAS...40 3.4 – ESTUDO DE CASO...42 3.5 - ANÁLISE DA NARRATIVA...43

3.6 – INTERPRETAÇÃO DE DADOS E RESULTADOS ...46

4 – ANÁLISE DE UM MUNDO DE MUROS ...48

4.1 – O QUE É UM MUNDO DE MUROS E SOBRE O QUE TRATA? ...48

4.2 – ESTUDO DE CASO: UM MUNDO DE MUROS...51

4.2.1 – Um Mundo de Muros e o ciberjornalismo ...55

4.2.2 – Análise de capítulos...57 4.2.2.1 – Estados Unidos/México ...57 4.2.3.2 – México/Estados Unidos...61 4.2.3.3 – Quênia/Somália ...64 4.2.3.4 – Brasil/Brasil...67 4.2.3.5 – Sérvia/Hungria...72 4.2.3.6 – Peru/Peru ...75 4.2.3.7 – Cisjordânia/Israel ...78

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4.2.3.8 – Análise comparativa das narrativas textuais...81

4.2.3.9 – Análise comparativa das narrativas fotográficas...84

4.2.3.10 – Análise comparativa dos infográficos...90

4.2.3.11 – Análise comparativa das narrativas videográficas...93

4.3 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E DISCUSSÕES...96

4.3.1 – Métodos – pauta e produção e edição...96

4.3.2 – Narrativa, expressividade digital e caminhos futuros...103

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ...107

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10 1 - INTRODUÇÃO

Narrar é ato primordial do ser humano. É dessa forma que a história e o conhecimento se propagam, passam de geração em geração. Narrar é também atividade indissociável do fazer jornalístico. Não por acaso, repórteres se referem a suas pautas como histórias. Histórias que são, foram ou serão contadas. Histórias do dia a dia, histórias especiais, histórias de pessoas, expressas em números, imagens estáticas ou em movimento, impossível dissociá-las, e a forma de contá-las, do jornalismo.

[...] os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de Aristóteles, escritos em torno do ano de 335 A.C. A profundidade com que este autor analisou a tragédia foi tão grande que até hoje esta permanece sendo uma obra de referência para o entendimento da narrativa. (VIEIRA, 2001, p. 599)

Narrativas não se resumem apenas à ação de contar uma determinada história. Podem ser entendidas como o processo que se estende da forma como a realidade é racionalizada e sistematizada pelo narrador até a forma como esse enredo é estruturada no ato narrativo. De tempos em tempos, a forma de contar essas histórias é afetada nesse processo seja por mudanças socioculturais ou por avanços tecnológicos que se refletem no ato narrativo.

Assentada sobre uma construção teórica estabelecida durante o século XX, à narrativa jornalística abriram-se possibilidades tão grandes quanto pode ser o desafio de dominar a técnica e o potencial de expressividade que um novo meio traz em si. Passadas duas décadas desde o surgimento da internet como realidade comercial para os meios de comunicação e para os usuários, o processo de reconfiguração do fazer jornalístico se molda em um ambiente emergente: o ciberespaço. É nele que sua principal atividade experimenta e exprime suas mudanças. “O termo [ciberespaço] específica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.” (LÉVY, 1999, p. 17).

É nesse ambiente que uma nova gramática para o fazer jornalístico e sua narrativa se desenvolvem. Ocorre que a emergência de um meio não significa sua apropriação instantânea. Pelo contrário, os primeiros anos do jornalismo feito na web foram marcados pelo modelo de transposição do conteúdo do meio impresso para os meios digitais.

Repensar a forma de produção jornalística e as possibilidades abertas pelo campo digital, sem perder suas características primárias e essenciais, é premente ao jornalismo, não apenas porque este precisa encontrar uma forma de atravessar a crise do modelo de financiamento, aberta pelos próprios meios digitais e pela mudança de paradigma para um formato pós-industrial, mas também porque esse movimento obedece a uma ordem natural de ocupar espaços abertos pela emergência desses novos meios.

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11 Ainda que iniciativas tenham sido feitas desde o início deste século, foi apenas em 2012 que uma reportagem se estabeleceu como experiência norteadora para a narrativa jornalística multimídia. Naquele ano, o jornal The New York Times publicou Snow Fall, uma reportagem multimídia sobre uma nevasca. O título da reportagem acabou assumindo um novo significado: se tornou sinônimo de uma determinada forma de produção narrativa com a utilização coordenada de mídias convergentes. Desde então, Snow Fall inspirou outros veículos de comunicação, que parecem ter despertado para a possibilidade de estabelecerem modelos complexos combinando diferentes recursos narrativos de forma orgânica, mas nem sempre singular.

Snow Fall virou também uma espécie de jargão jornalístico para identificar a combinação ideal de canais de comunicação numa narrativa online, graças à rara felicidade do produtor John Branch em usar o recurso certo para a situação adequada na hora de contar a história da avalancha. (CASTILHO, 2013)

O que se seguiu, no próprio NYT e em outros jornais, foi a gradual experimentação desse formato que, longe de ser uma novidade em si, marcou uma espécie de retomada no campo experimental nos meios digitais. Esse processo foi estimulado, notadamente, pelo desenvolvimento tecnológico e pelas possibilidades cada vez maiores – e mais rápidas – de conexão, processo que potencialmente deve continuar a se expandir com a introdução de tecnologias de informação que possibilitem conexões ainda mais rápidas, como a chegada da tecnologia 5G1.

Até 2020, estimamos que metade de toda a visualização de TV e vídeo será feita em uma tela móvel - um aumento de 85% desde 2010. Quase um quarto dos usuários estará sozinho em smartphones, o que representa um aumento de quase 160% desde 2010. O tempo total de visualização também deve aumentar, chegando a aproximadamente 31 horas por semana até 2020 - cerca de uma hora a mais que hoje. (CONSUMERLAB TV AND MEDIA, 2017, tradução nossa)

Ainda que o caminho não tenha se iniciado quando da publicação de Snow Fall, é possível dizer que essa iniciativa se tornou um ponto balizador para outras, dada sua competência em ocupar espaços ainda então pouco explorados de expressividade digital e dada sua repercussão entre outros veículos mundo afora.

Esse impulso ao desenvolvimento das narrativas multimídia se deu ao mesmo tempo em

1 A quinta geração de conectividade móvel (5G, com potencial de velocidade de 1.000 mbps) não deve chegar tão

cedo ao Brasil. Além das dificuldades financeiras, há fatores técnicos e regulatórios no caminho. A projeção mais realista é a de que o Brasil tenha conexões 5G no mercado em 2021. (SOARES, Tecnologia 5G só deve chegar ao mercado nacional em 2021. Folha de S.Paulo, 01/02/2019. Disponível em http s://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/02/tecnologia-5g-so-deve-chegar-ao-mercado-nacional-em-2021.shtml [última consulta em maio de 2019]

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12 que a evolução tecnológica possibilitou melhores conexão e navegação aos usuários. Sem isso, muito da experiência que essas narrativas proporcionam se perderia, ou então, nem seria possível.

Processo semelhante ocorreu em outras mídias como o cinema e a televisão, e mesmo o livro. Ao gradual avanço tecnológico corresponderam novas formas narrativas nesses meios. Dos primeiros filmes mudos às salas de projeção 3D, uma gramática própria e apropriada ao meio se desenvolveu ao longo do tempo e a partir de diversas experimentações (MURRAY, 2003).

Snow Fall marcou uma inovação na forma de narrativa multimídia e o modelo se espalhou por outros veículos, incluindo os brasileiros. Objeto de estudo desta dissertação, a série de reportagens Um Mundo de Muros, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo e veiculada em seu site entre junho e setembro de 2017, é um dos exemplos. A questão que este trabalho responde é se a série, da forma como foi elaborada, contempla as possibilidades da narrativa digital e aponta para novas potencialidades que possam vir a ser desenvolvidas e usadas no futuro por outras experiências.

Também publicada no jornal impresso, Um mundo de Muros aborda o aumento do número de muros em todo mundo e o cotidiano de moradores de quatro diferentes continentes que convivem com a presença forçada dessas barreiras. Para alcançar os objetivos estabelecidos para este trabalho e investigar em profundidade os formatos narrativos empregados, a pesquisa foi dividida em seis capítulos: Introdução, Conceitos e Referenciais Teóricos, Metodologia, Análise de O mundo de muros, Considerações Finais e Referências Bibliográficas.

No segundo capítulo são abordados os conceitos e referenciais teóricos da narrativa e da narrativa digital. Nesse capítulo, os conceitos de ciberespaço, cibercultura e ciberjornalismo são explicitados. A expressividade do meio digital, em que se dá o processo narrativo aqui estudado, também é abordada. O contexto histórico e cultural em que esses fenômenos se desenvolveram e como o jornalismo foi impactado fazem parte dessa etapa da dissertação. Para isso, são utilizados autores como Benjamin (1994), Lévy (1999), Murray (2003), Motta (2013), Lorenz (2014), Palacios (2014), Salaverría (2014) e Canavilhas e Baccin (2015). Pesquisas fazem parte do referencial teórico aqui desenvolvido.

O capítulo “Metodologia” apresenta os principais referenciais metodológicos empregados para a análise da série de reportagens. A metodologia é baseada na abordagem qualitativa, com a definição dos critérios para a realização de entrevistas com alguns dos realizadores de Um mundo de muros e para a análise do conteúdo das reportagens, além da Análise Pragmática da Narrativa, desenvolvida por Motta e amplamente utilizada por outros autores que se dedicam ao tema.

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13 No capítulo “Análise de O mundo de muros”, é feita a análise de cada um dos sete capítulos da série em relação aos itens que constituem a narrativa digital – textos, fotografias, vídeos e infográficos – e em relação ao que configura o ciberjornalismo. O objetivo primário é levantar as características do objeto que possam ir de encontro ao referencial teórico e, também, o que não está completamente de acordo com a literatura. O segundo ponto a ser observado, com base nos itens anteriores e com o auxílio das entrevistas com alguns dos realizadores do projeto, é a investigação da presença de características e escolhas narrativas que possam apontar para possíveis caminhos futuros a serem desenvolvidos em novas experiências.

1.1 – OBJETIVOS

O objetivo geral é analisar em que medida Um Mundo de Muros contempla possiblidades abertas pelo ciberjornalismo, segue padrões identificados por teóricos e estabelecidos pelo mercado jornalístico, sobretudo na última década, para a produção de narrativas digitais e para quais possíveis caminhos aponta essa experiência. Como objetivos específicos, esta dissertação avalia a expressividade digital da narrativa e como são aplicados os conceitos do ciberjornalismo. Além disso, é analisado o método utilizado para edição e organização das informações – índice, texto de abertura, textos das reportagens, fotos, vídeos, mapas, links – e como esses diferentes elementos são combinados. O presente trabalho também investiga as escolhas narrativas que resultaram no formato do produto e como são aplicados na edição da série de reportagens os conceitos de hipertextualidade, multimidialidade e interatividade, sistematizados por autores como Salaverría, Schwingel, Canavilhas, entre outros.

1.2 – JUSTIFICATIVA

O estudo de caso da série Um mundo de muros torna-se especialmente relevante quando essa iniciativa, analisada isoladamente dentro do contexto mais amplo de produção geral, marcado por tentativas, acertos e desacertos, tornou-se uma das mais exitosas dentre os meios de comunicação brasileiros que se aventuram pelo caminho do estabelecimento de modelos de expressividade no meio digital.

Mesmo que as bases epistemológicas da produção científica no campo da narratologia e da narrativa jornalística já tenham sido lançadas e sistematizadas durante o século passado, e esta não seja essencialmente diferente do modelo aplicado às narrativas na multimidialidade enquanto paradigma norteador de sua produção, a ocupação desse espaço, o digital, com linguagem e gramática próprias, não se dá de forma gradual e constante.

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14 desenvolveu a sua própria história, no decurso da qual acumulou um patrimônio específico de teorias, paradigmas, técnicas, métodos, obras de referência etc.; ou seja, elaborou a sua própria cultura. (BERTOCCHI, 2007, p. 8)

O processo de estabelecimento dessa gramática jornalística no meio digital experimentou um salto qualitativo e quantitativo quando se observa o que ocorreu em veículos de imprensa nacionais, reflexo de uma aparente tendência nos principais jornais, sobretudo os periódicos norte-americanos. Esse processo, no entanto, é lento e não ocorrerá sem investimentos e experimentações.

Empiricamente pode-se notar que, no que se refere às narrativas digitais, mesmo após o estabelecimento de meios mais rápidos e eficazes de conexão, notadamente a tecnologia de banda larga, essas iniciativas não tiveram crescimento exponencial. Antes disso, o que prevaleceu durante boa parte da primeira década e parte da segunda do século XXI foram modelos de transposição do conteúdo do meio impresso para os meios digitais.

O paradoxo não é novo e reforça a constatação de que uma nova tecnologia por si só não modifica os hábitos de uma de uma determinada sociedade. O que a modifica é sim o uso que se faz dessa tecnologia. Quanto mais ou menos efetivo seu emprego, mais ou menos modificados serão esses hábitos e, por fim, a própria sociedade.

Transpondo essa perspectiva para o campo das narrativas, o mesmo processo se deu com o advento de novas formas de comunicação. Assim como o cinema e a televisão, os meios digitais não surgiram já com uma “nova gramática” e não mudaram imediatamente a forma de consumo de informação. O cinema, durante seus primeiros anos, emulava as técnicas do teatro, e a televisão, o rádio. O estabelecimento de linguagens próprias que se adaptassem e ocupassem toda a potencialidade dos meios se deu com o tempo e com a consequente viabilidade comercial dos novos suportes. Murray (2003) dá o exemplo do livro impresso, que levou mais de cinquenta anos para se tornar um meio coerente de comunicação a partir das diversas convenções que foram sendo estabelecidas – numeração de páginas, uso de parágrafos, divisão de capítulos, entre outras.

Tal constatação reforça a importância do estabelecimento de um fazer próprio da narrativa jornalística que se apodere e explore as potencialidades dos meios digitais, um fazer que se estabeleça e se reconheça como forma de expressividade.

As histórias impressas e nos filmes estão pressionando os formatos lineares do passado, não por mera diversão, mas num esforço para exprimir uma percepção que caracteriza o século XX, ou seja, a vida enquanto composição de possibilidades paralelas (...). Para apreender um enredo que se bifurca tão constantemente, entretanto, é preciso mais do que um denso romance labiríntico ou uma sequência de filmes. Para capturar de fato essa cascata de

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15 permutações, é preciso um computador. (MURRAY, 2003, p. 49)

O caso aqui estudado, Um Mundo de Muros, alcançou prêmios como o Rei de Espanha – premiação internacional de trabalhos jornalísticos, entregue pessoalmente pelo monarca espanhol Juan Carlo – e reconhecimento do mercado e da academia. Torna-se, então, importante objeto de pesquisa e sua análise pode permitir o reconhecimento do atual estágio de desenvolvimento dos modelos de narrativas digitais neste que é o maior jornal brasileiro na soma das circulações2 impressa e online e pode apontar, dado o estágio alcançado de complexidade, para caminhos futuros.

O mesmo caminho trilhou a reportagem do New York Times. Assim como o aqui proposto, sua análise também foi de grande importância para o que se seguiu no próprio veículo norte-americano, onde o êxito do modelo empregado em Snow Fall originou novas experiências. Por acreditar que o objeto aqui estudado contém características que possam diferenciá-lo dos demais, e que essa análise pode trazer reflexões para futuras experiências, a pesquisa torna-se relevante para o atual estágio de desenvolvimento da gramática própria das narrativas digitais.

2 De acordo com dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), em dezembro de 2017, a Folha de S.Paulo

tinha 285 mil assinantes entre impresso e online. O jornal era seguido por O Globo (243 mil) e Super Notícia (204 mil). Fonte: Poder 360

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16 2 – CONCEITOS E REFERENCIAIS TEÓRICOS

2.1 – ORIGENS DA NARRATIVA

Narrar é, antes de tudo, a tentativa primeira de imprimir ordem ao caos e dar coerência aos fatos tal qual ocorrem e se sucedem. É através das narrativas que o conhecimento do Homem sobre o Homem, sobre o mundo ao seu redor e sobre a forma como o apreende é traduzido, sistematizado e repassado através dos tempos.

Objeto de estudo de áreas diversas como a Comunicação, a História, a Educação e a Psicologia, narrar é, segundo o psicólogo norte-americano Jerome Bruner, ato antecessor até mesmo à fala. De acordo com Luiz Gonzaga Motta, “a partir dos enunciados narrativos somos capazes de colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem e perspectiva, em um desenrolar lógico e cronológico.” É a enunciação dos estados de transformação que organiza o discurso narrativo, que produz significações e dá sentido às coisas e aos nossos atos. (MOTTA, 2013, p. 2)

A troca de experiências, para o filósofo alemão Walter Benjamin, é o ato inicial da experiência narrativa. Segundo ele, os pioneiros a colocar oralmente em curso as narrativas, ou seja, a contar histórias, seriam os camponeses sedentários, guardiões das tradições de suas terras, e os que se aventuravam pelos mares, que traziam novas histórias a cada regresso. Para Benjamin, a tradição oral é o fundamento do ato narrativo, e os detentores dessa capacidade comunicacional seriam os mais sábios dentro das sociedades antigas e, também, os mais respeitados e valorizados.

O filósofo alemão expressa sua inquietação quanto ao desaparecimento da tradição oral de repassar histórias ante o surgimento de uma forma comunicacional mais direta, clara e objetiva: a imprensa moderna. Em sua obra O Narrador, de 1936, ele afirma que após a volta dos soldados da Primeira Guerra Mundial, ficou nítido que essa tradição oral sucumbia frente às necessidades informacionais modernas. Ele faz uma distinção entre informação e narrativa: a primeira é apropriada e consumida, terminando aí seu ciclo, a segunda se tornaria mais valiosa e melhor de acordo com o tempo e com o quanto é repassada.

Ante a emergência das novas formas comunicacionais, Benjamin lamenta o que para ele é a morte do narrador. Sobre as histórias escritas, afirma, “as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”. (BENJAMIN, 1994, p. 198)

Os registros das primeiras narrativas escritas, no entanto, não datam do século vivido pelo filósofo alemão, nem tampouco do século XV, quando do surgimento da imprensa de

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17 Gutenberg, mas sim de mais de 2.000 anos antes de Cristo. Uma das mais antigas narrativas conhecidas é de cerca de 2.100 a.C.: a “Epopeia de Gilgamesh”, um poema épico encontrado na antiga Mesopotâmia, atual região do Iraque, cunhado em placas de argila, conta a história do rei e fundador da cidade de Uruk em doze cantos, com trezentos versos cada um. O poema, de acordo com pesquisadores, antecipa mitos fundadores presentes na Bíblia, como o grande dilúvio.

[1] Ele o abismo viu, o fundamento da terra, Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo,

[3] Gilgámesh o abismo viu, o fundamento da terra, Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo.

[5] Ele - - - - da mesma maneira, De todo saber, tudo aprendeu,

[7] O que é secreto ele viu, e o coberto descobriu, Trouxe isto e ensinou, o que antes do dilúvio era. [9] De distante caminho volveu, cansado e pacificado,

Numa estela pôs então o seu labor por inteiro. (BRANDÃO, 2014, p. 129)

A narrativa e suas implicações são objeto de estudo e sistematização desde a Grécia Antiga. Em sua Poética, Aristóteles já se ocupava da análise do ato narrativo e das formas como esse se apresentava na antiguidade clássica. As diferenças entre Poesia e História, por exemplo, foram identificadas e classificadas por ele. Apenas a primeira poderia ser considerada arte, uma vez que apenas esta utilizava a mimese3.

Essa característica foi amplamente abordada por Aristóteles em sua obra, que mergulha na análise da Tragédia e estabelece uma característica do ser humano que fez da poesia algo possível. “A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação.” (ARISTÓTELES)

[...] os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de Aristóteles, escritos em torno do ano de 335 a.C. A profundidade com que este autor analisou a tragédia foi tão grande que até hoje esta permanece sendo uma obra de referência para o entendimento da narrativa. (VIEIRA, 2001, p. 599)

3 Logo após delimitar seu universo de investigação nas linhas inaugurais da Poética, Aristóteles nos dá uma

definição geral de poesia: “De fato, a composição épica, bem como a composição da tragédia, e ainda a comédia, a arte do ditirambo e a maior parte da aulética e da citarística, todas são, no geral, mímeses” (1447a 13-15). A característica necessária de toda poesia, portanto, é a imitação, mímēsis. Contudo, como já assinalamos, a explicação autoral do que seja a mímēsis nos é inacessível – não a temos nem na Poética nem nos demais textos do Corpus. Sabe-se que o conceito é uma herança da Academia, porém, ao contrário do mestre, que condena certo tipo de poesia mimética, Aristóteles parece reabilitar a mímēsis. De fato, a despeito da explanação ausente, é consensual entre os comentadores que a imitação em Aristóteles não se identifica com nenhum realismo grosseiro. (SILVA, 2013, p.221)

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18 Narrativa é também uma forma de poder. Nenhum ato narrativo, seja ele histórico, jornalístico ou outro, é isento de carga ideológica ou deixa de ser permeado pelo contexto sociocultural em que é produzido, assim como seus efeitos no receptor, intencionais ou não, não podem deixar de ser considerados sob a ótica desse paradigma.

Quem narra evoca eventos conhecidos, seja porque os inventa, seja porque os tenha vivido ou presenciado diretamente (atitude de alteridade). Revela, assim, uma tendência para a exteriorização temporal, para uma atitude de distanciamento autônomo. Mas sempre de forma verossímil, como se os houvesse presenciado. Narrar é uma técnica de enunciação dramática da realidade, de modo a envolver o ouvinte na estória narrada. Narrar não é, portanto, apenas contar ingenuamente uma história, é uma atitude argumentativa, um dispositivo de linguagem persuasivo, sedutor e envolvente. Narrar é uma atitude - quem narra quer produzir certos efeitos de sentido através da narração. (MOTTA, 2013, p. 74)

Segundo Foucault (2007), assim também os discursos, sejam eles “religiosos, judiciários, terapêuticos e, em parte também, políticos” não podem deixar de ser considerados uma forma de expressão de poder e parte da prática que se subordina aos papéis preestabelecidos dos sujeitos.

2.2 – NARRATIVA JORNALÍSTICA

Sendo o ato narrativo parte constituinte não só do comportamento humano, como também de suas diferentes manifestações, a atividade jornalística não é excluída desse processo. Pelo contrário, narrar é a atividade principal do fazer jornalístico.

A narrativa é, portanto, uma combinação entre a história que se quer contar e a representação discursiva dessa história (HERMAN; JAHN; RYAN apud MARQUES). Se a esta definição juntarmos as três caraterísticas do processo narrativo identificadas no Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Lopes (1990: 263), o distanciamento do narrador em relação aos fatos narrados, a caraterização e descrição de um mundo autônomo, normalmente com uma atitude distanciada por parte do narrador (exteriorização) e a sucessividade dos fatos narrados no tempo (dinâmica temporal), estamos, então, em condições de afirmar, sem hesitações, que qualquer texto jornalístico se consubstancia no modo narrativo. (MARQUES, 2016, p. 35)

Não por acaso, como visto, repórteres se referem a suas pautas como histórias. São essas histórias a matéria-prima do fazer jornalístico que se expressa através da narrativa. Dessa forma, não há processo comunicativo completo no jornalismo sem ela, assim como é desejável que a mesma seja refletida à luz de seu conhecimento.

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19 Poder-se-ia dizer que o jornalismo é um conjunto de ‘estórias’, ‘estórias’ da vida, ‘estórias’ das estrelas, ‘estórias’ de triunfo e tragédia. Será apenas coincidência que os membros da comunidade jornalística se refiram às notícias, a sua principal preocupação, como ‘estórias’? (TRAQUINA, 2005, p.21)

Uma vez que é o jornalismo uma forma de representação do mundo construído e apreendido pelo Homem, e fundamentado sobre o ato narrativo, este não existe livre de um processo de interações socioculturais e causador de efeitos, sejam eles intencionais ou não. Dessa forma, a narrativa jornalística lança mão de uma série de jogos de linguagem, como pontua Motta, notadamente permeados pelo discurso. Assim, a narratologia pode ser analisada não apenas como desdobramento dos estudos da linguagem, mas também como expressão de uma determinada sociedade em que esses discursos são produzidos.

A narratologia é a teoria da narrativa. Abarca também os métodos e os procedimentos empregados na análise das narrativas humanas. É, portanto, um campo e um método de análise das práticas culturais. Como a concebemos aqui, a narratologia é um ramo das ciências humanas que estuda os sistemas narrativos no seio das sociedades. Dedica-se ao estudo das relações humanas que produzem sentidos através de expressões narrativas, sejam elas factuais (jornalismo, história, biografias) ou ficcionais (contos, filmes, telenovelas, videoclipes, histórias em quadrinho). Procura entender como os sujeitos sociais constroem os seus significados através da apreensão, compreensão e expressão narrativa da realidade. (MOTTA, 2013, p. 2)

Para o autor, diferentemente do que ocorre com a narrativa ficcional, que contém em si mesma início, meio e fim, essa análise da narrativa jornalística deve ser feita reconstituindo-se e recriando-se uma narrativa completa com a justaposição de diferentes textos jornalísticos sobre o mesmo assunto separados no tempo, dia após dia. Isso se deve à natureza da narrativa jornalística, que parte do factual e nem sempre se completa temporalmente. Dessa forma, reunindo-se diferentes textos sobre o mesmo tema, atinge-se o objetivo de criar um enredo com clímax e desfecho.

Podemos aqui ressaltar, como exemplo, a cobertura jornalística de atores políticos envolvidos em escândalos e às voltas com a Justiça. Muitas vezes, o que essa cobertura diária do jornalismo nos dá são textos isolados que aparentemente não contêm narratividade, mas sim a justaposição de fatos. Ocorre, no entanto, que o acompanhamento de perto dessa cobertura e a reconstrução, via diferentes reportagens sobre o mesmo caso, pode revelar um enredo completo, bem como as intenções do discurso e os possíveis efeitos que se completam no leitor. A realidade recriada adquire então nova estrutura, clímax e desfechos de histórias que se encaixam em uma narrativa inédita e completa. As notícias unitárias passam a ser parte de um acontecimento integral. É assim que percebemos e construímos, através da memória, a nossa realidade no mundo da vida: a vida se transforma em arte (em narrativas dramáticas) e a arte se

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20 converte em um veículo através do qual a realidade se torna manifesta. Construímos então as nossas identidades, a nossa biografia, a nossa história, nosso passado, presente e futuro. (MOTTA, 2013, p. 3)

Ponto importante da análise proposta pelo autor4 são os recursos e as figuras de linguagem utilizadas pelo texto jornalístico. São esses elementos que irão remeter aos leitores as interpretações subjetivas do fato narrado.

Por “interpretações subjetivas”, entendemos as interpretações que são próprias do sujeito, ou seja, acompanhamos o pensamento de Benveniste, segundo o qual a “subjetividade corresponde à capacidade do locutor para se propor como sujeito” (1991, p. 286) – são, assim, únicas, fruto de um complexo entrecruzamento entre experiências e vivências pessoais e identidades sociais. No caso do discurso jornalístico, as passagens ditas de subjetivação seriam, portanto, aquelas em que o autor se coloca como sujeito e evoca a constituição de um outro sujeito em dialogia com ele, estabelecendo uma relação Eu-Tu. (ESSENFELDER, 2017, p. 39).

Esses recursos de retórica, sustenta Motta (2013, p. 9) causam efeitos como surpresa, comoção, empatia etc., e estão presentes em abundância nas narrativas jornalísticas, em manchetes, títulos, legendas, fotografias e imagens televisivas. Também se revelam nas escolhas léxicas, nos verbos empregados, adjetivos e substantivos, por exemplo. Assim como podem ser percebidos nas figuras de linguagem como as metáforas, sinédoques, sinonímia, hipérboles.

2.3 – ANÁLISE DA PERSONAGEM

Elemento central na narrativa jornalística, a personagem deve ser analisada com especial atenção, pois é o eixo em torno do qual as ações e a intriga se desenrolam, principalmente na reportagem. De acordo com a proposta de Motta (2013) para uma análise da narrativa, a identificação da personagem e de sua dinâmica dentro da história narrada “ocorre concomitantemente com a identificação dos episódios porque as personagens são atores que realizam coisas (funções) na progressão da história”. Assim como ocorre na narrativa ficcional, estas podem ser identificadas como protagonistas, antagonistas, heróis, anti-heróis, doadores, ajudantes etc. Ou seja, a construção de suas características se dá de acordo com a função que desempenham na narrativa.

Cabe ressaltar, no entanto, que ainda que tenham semelhanças à definição das personagens ficcionais, as personagens nas narrativas jornalísticas diferem no que diz respeito

4 A Análise Pragmática da Narrativa Jornalística, proposta por Motta, é apresentada detalhadamente no capítulo

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21 a sua construção por guardarem características fundadas no real, por mais que possam ser analisadas como produto das escolhas do jornalista, pois é este que vai moldá-las de acordo com as características elencadas e descritas e também pelas falas selecionadas.

A personagem jornalística é submetida a um trabalho de construção e composição que nos impede de a lermos como o reflexo especular da figura real que lhe deu origem. Antes de mais porque o jornalista capta apenas alguns traços que permitam identificá-la de modo célere e eficaz, privilegiando a existência de personagens planas que se submetam a uma economia narrativa e sejam de fácil leitura. (PEIXINHO apud MARQUES, 2016, p. 26).

Motta parte da reflexão de Mário Mesquita (2002) para estabelecer a ambivalência da personagem jornalística entre a construção do autor/jornalista e a recepção feita pelo leitor baseada em um modelo de crenças e valores. A partir do que apresenta Mesquita, ele estabelece que a personagem é a representação de uma pessoa com existência real e esta “é sempre irredutível às narrativas que se contam a seu respeito”. Ocorre, porém, “que sabemos dessa pessoa apenas a personagem que os mídia nos oferece.”

Personagens do mundo do espetáculo, da política, da aristocracia e dos esportes retratados cada dia pelo jornalismo operam uma circulação permanente entre o mundo da identificação e o da projeção e suscitam simpatias, compaixões, dores e angústias, como ocorre na arte (na literatura). A personagem constitui uma construção não apenas do texto, mas igualmente uma reconstrução do receptor (MOTTA, 2013, p. 8).

Em outras palavras, como afirma Roland Barthes (1970), “a personagem é um ser de papel, e não um indivíduo de carne e osso.” A forma como o jornalismo apresenta essa personagem é também parte de uma práxis aparentemente bem estabelecida. Esse “ser de papel”, que guarda relação com o real, e tem sua construção no texto e configuração no receptor, pode ser também entendido como elemento central para a imersão em grandes narrativas jornalísticas, como defendem autores como Peixinho e Marques (2016).

A defesa da aplicação do storytelling ao jornalismo passa também, portanto, pelo incentivo ao investimento nas personagens, até enquanto elemento diferenciador dos textos: “no lugar de noticiar o que todos os veículos já noticiaram, são escolhidos ângulos desenvolvidos sobre história de personagens” não se pretendendo, com isso, “tirar os relatos jornalísticos do campo noticioso e reclassificá-los na literatura”. (PEIXINHO; MARQUES, 2016, apud CUNHA; MANTELLO, 2014, p. 65)

Sendo para o jornalista a reportagem oportunidade de aprofundamento do fato, ou dos fatos, narrados, a personagem constitui, também, oportunidade de maior envolvimento do leitor com a narrativa. Esse encontro pode ser dar a partir da maior identificação deste com, recorrendo à metáfora barthesiana, o “ser de papel”, representado como reflexo do processo de escolhas do narrador e apreendido pela visão e experiência do real do receptor. Assim, há que

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22 se estabelecer a construção das personagens, calcadas no real, como estratégia possível de imersão no texto.

2.4 – NARRATIVA FOTOGRÁFICA E VIDEOGRÁFICA

Não apenas o texto deve ser considerado objeto de análise da narrativa. O mesmo se aplica a fotografia, aos vídeos e infografias. As fotos, no entanto, nem sempre são entendidas como expressão, dotadas de sintaxe própria, resultado de uma escolha narrativa, por mais que sejam acessíveis e reprodutíveis, como afirma Susan Sontag (2004).

O que está escrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas à mão, como pinturas e desenhos. Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir. (SONTAG, 2004, p. 8)

Para Vilém Flusser (1985), assim como a escrita inaugura a história, a invenção das imagens técnicas inaugura a pós-história, o processo circular que retraduz textos em imagens. Se o paralelo é válido, o mesmo deve ser entendido em relação às narrativas e discursos que a fotografia expressa.

Para Sontag (2004), trata-se do estabelecimento de um código visual. “Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar. Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver.” (SONTAG, 2004, p. 13)

Essa gramática, por certo, também se estabelece na ação do fotojornalismo, campo aberto para as discussões entre indicialidade e expressão. De acordo com André Rouillé (2009), a expressividade é deixada em segundo plano em função da associação da imagem com seu referente.

Os objetos, a paisagem, as coisas, os móveis, os corpos são materiais estéticos. O que é materialmente necessário para que as fotos existam; porém, não é a mesa que está na imagem, mas a mesa traduzida por um olhar, uma técnica, uma estética etc. Meu desacordo com Barthes não é uma mera oposição, é uma diferença filosófica total sobre a maneira como pensamos as imagens. (ROUILLÉ, 2008 e 2009)

Ao discordar de Barthes e da ideia que a fotografia não é um objeto expressivo em si mesmo, Rouillé levanta a questão sobre autoralidade, cuja morte é anunciada por Barthes (1998), e a intenção expressiva que se mostra, na fotografia, mesmo no simples ato da escolha

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23 de ângulos e perspectivas que irão construir a expressão da imagem e se completar nos olhos do destinatário.

Ao contrário da fotografia-documento, a fotografia-expressão não apregoa a relação direta com o referente, nem a imagem transparente. Neste caso, toma-se a fotografia como uma experiência da imagem em si e com isso aqueles aspectos antes rejeitados pelo documento se fortalecem: a dimensão poética, o autor (sua subjetividade) e o Outro em diálogo com o processo fotográfico. É com a expressão que a fotografia mostra não ser mais mero efeito do referente, mas sim, um processo capaz de contribuir no “fazer” da representação. Assim, passa a distinguir o sentido da imagem da coisa a qual ela faz referência. As preocupações voltam-se para a busca por sua sintaxe particular. (SOARES, 2010, p.244)

Nesse processo dialógico e de expressividade, as narrativas fotográficas podem ser entendidas e analisadas. Como se constroem e se completam no nível discursivo, passam assim a fazer parte do percurso de investigação da pesquisa.

O mesmo se aplica à narrativa videográfica. Quando faz parte de um produto multimídia, no entanto, é importante observar que essa narrativa, no campo jornalístico, originalmente documental e linear, pode abarcar novas formas de expressão. Como parte do ciberespaço, não só a forma de produção, mas também a estrutura narrativa pode ser afetada.

Sobre a forma de produção, importante ressaltar que a imagem deixa de ser uma sequência de quadros fotografados em uma matriz física e organizados de acordo com a intenção de um editor e passa a ser imagem digital, composta por pequenas unidades de imagem, pixels, “cada um deles correspondendo a valores numéricos que permitem ao computador dar a eles uma posição precisa no espaço bidimensional da tela no interior de um sistema de coordenadas geralmente cartesianas” (SANTAELLA; NÖTH, 2011, p.166).

A relevância dessa distinção se mostra nas possibilidades abertas ao autor/editor de influir e alterar a programação de cada um desses pontos que compõem a imagem, posto que são definidos digitalmente por uma combinação de valores numéricos. Essa maleabilidade da unidade funcional da imagem reflete-se também nas infinitas possibilidades que se abrem à expressão do conjunto dessas unidades, que é a própria imagem.

As mudanças que o digital e o ciberespaço abrem à narrativa videográfica, no entanto, são ainda mais perceptíveis ao receptor, potencialmente transformado em interator, resultado de uma das características dos ambientes digitais: a possibilidade de participação e interação com o conteúdo, conforme sistematizado por Murray (2003).

A construção das páginas através de micronarrativas organiza a informação de maneira fragmentada, mas articulada dentro da totalidade do documentário, oferecendo níveis de aprofundamento e integrando formatos distintos. Tanto entrevistas em texto, como em áudio e vídeo, podem ser divididas por assunto

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24 e reorganizadas, tendo em vista a fácil movimentação do usuário na busca por informações (EMERIM, CAVENAGHI apud RIBAS, 2003, p. 108)

Abre-se assim ao vídeo a possibilidade do desenvolvimento de uma narrativa não-linear. Ou seja, uma narrativa que pode ter seu percurso alterado e definido, dentro dos parâmetros pré-estabelecidos pela programação e que se revelam na produção do que se convencionou chamar de webdocumentário5, termo que se popularizou a despeito de diferentes nomenclaturas empregadas por diferentes autores, e que identificam os documentários produzidos dentro do contexto do ciberespaço, mediado por computador e que pode apresentar narrativa não linear, ou multissequencial.

2.5 – INFOGRAFIAS E O DISCURSO JORNALÍSTICO

Parte do discurso jornalístico, as infografias foram incorporadas de forma consistente e deram origem nas décadas finais do século passado a uma série de reformas gráficas nos jornais impressos. “Ela acabou servindo como um dos grandes motes das mudanças e reformas gráficas nos jornais, principalmente a partir das décadas de 1980 e 90” (BAGGIO apud MORAES, 1998, p. 81).

A Guerra do Golfo (1991) é apontada como um exemplo singular de evento impulsionador da infografia. Ao explicar esse fenômeno, Irene Machado (2002) explica como as transmissões de televisão do conflito se limitavam às imagens de pontos brilhantes no céu noturno de Bagdá, ou seja, mísseis disparados contra a capital iraquiana.

O jornal impresso diário, cuja iconografia sempre privilegiou a fotografia, ficou privado dessas imagens que a televisão oferece ao vivo. Na ausência de informações mais precisas, os jornalistas abriram espaço mais uma vez para o imaginário e preencheram o branco da página assustada com desenhos, diagramas, tabelas numa tentativa de ativar as imagens de algo que não se podia alcançar. (MACHADO, 2002, p. 1).

A emergência da internet e com ela a possibilidade de hibridismo das mídias alimentou uma nova etapa no desenvolvimento de infográficos. Antes subordinada à linguagem verbal do texto jornalístico, a linguagem não verbal dos infográficos experimenta, no início deste século, novas possibilidades. Estas passaram a ser impulsionadas pelo uso de programas específicos, como o Macromedia Flash, que permitiram a interação, movimento e ligação com bancos de dados.

O novo poder que a tecnologia digital confere à imagem a torna infinitamente maleável. Antigamente, a informação visual era estática no sentido de que a imagem, embora passível de edição em filme ou capaz de ser incorporada a outras em uma montagem, era fixa. Uma vez transferida para a linguagem

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25 digital no computador, a imagem transforma-se em ‘informação’, e todas as informações podem ser manipuladas. 'Pela primeira vez na história', diz Peter Weibel, diretor do Institute for new Media em Stadelschule, Frankfurt-am-Main, ‘a imagem é um sistema dinâmico.’ (QUATTRER apud RUSH, 2006, p. 164)

Com o desenvolvimento da linguagem de programação HTML, e sua evolução HTML5, além do Javascript, as possibilidades de que o infográfico multimídia fosse transportado para os dispositivos móveis, como o celular, foram também impulsionadas.

Alberto Cairo (2008) explica as diferenças entre os infográficos no contexto do ciberjornalismo em três categorias, de acordo com as possibilidades de interação que proporcionam: instrução, manipulação e exploração. (LIMA JUNIOR; BARBOZA apud CAIRO, 2015). O primeiro é o tipo mais recorrente em que é possível interagir, geralmente por meio de botões, para executar alguma ação no infográfico. No segundo, é possível interagir de forma a mudar formatos, cores e tamanhos das informações visuais dentro de uma escala pré-estabelecida. No terceiro caso, o mais complexo de todos, é dada a possibilidade de interagir de forma a se deslocar pelo infográfico e pelas informações, também de forma pré-estabelecida.

Isso, contudo, não significa que os infográficos nas narrativas multimídia sempre terão alguma das características elencadas por Cairo. Em alguns casos, infográficos estáticos são utilizados como forma de driblar as restrições de acesso, principalmente nos aparelhos móveis, devido às dificuldades de conexão e à consequente demora para o carregamento do conteúdo.

2.6 – CIBERCULTURA E CIBERJORNALISMO

Um Mundo de Muros deve ser analisado à luz de suas características de produto jornalístico que, apesar de também contar com uma versão impressa, insere-se e preenche as características do fazer jornalístico que se utiliza do ciberespaço para, na definição de Salaverría (2005, p.21), “investigar, produzir e, sobretudo, difundir conteúdos jornalísticos”.

O produto dessa forma de fazer jornalístico é chamado de ciberjornalismo. Segundo Schwingel (2012, p. 37), assim definido: “(...) é a modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de sistemas automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de narrativas hipertextuais, multimídias e interativas”.

Antes de prosseguir, faz-se necessário conceituar os termos acima expostos. Para Pierre Lévy, são assim definidos ciberespaço e cibercultura:

O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

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26 Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p. 17).

Importante notar que na série analisada, apesar de se tratar de reportagem com informações colhidas in loco, com o envio de repórteres a diferentes países, não se pode nem se deve negar o ciberespaço como fonte de apuração. Antes disso, trata-se de exemplo claro de como o fazer jornalístico a que se convencionou chamar de ciberjornalismo, a partir da presença de uma série de elementos constituintes, como iremos ver, deve andar junto e se somar aos conceitos que sempre nortearam o jornalismo analógico e consequentemente devem continuar a nortear o jornalismo seja qual for o suporte, meio social ou cultural em que este seja produzido e onde esteja inserido o jornalista.

Destacamos aqui alguns dos conceitos que servem de parâmetro aos jornalistas sobre sua produção e o valor notícia, recorrendo para isso ao que traz o Manual da Redação da Folha de S.Paulo:

1) Ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que a já publicada). 2) Improbabilidade (a notícia menos provável é mais importante do que a esperada). 3) Interesse (quanto mais pessoas possam ter sua vida afetada pela notícia, mais importante ela é). 4) Apelo (quanto maior a curiosidade que a notícia possa despertar, mais importante ela é). 5) Empatia (quanto mais pessoas puderem se identificar com o personagem e a situação, mais importante ela é). 6) Proximidade (quanto maior a proximidade geográfica entre o fato gerador da notícia e o leitor, mais importante ela é) (MANUAL, 2001, p. 43).

A emergência do ciberespaço e da cibercultura não modificam, nem pretendem, esses conceitos. Ao contrário, esses continuam a fazer parte do repertório do profissional, agora dentro do contexto do ciberjornalismo. Se esses conceitos não mudam, por outro lado, a forma do fazer jornalístico é impactada pelo ciberespaço e a cibercultura. A relação com as fontes e a forma de apuração são alguns dos processos que sofrem esses impactos.

Enquanto no jornalismo convencional em que muitas vezes declarações são transcritas como notícias predomina o uso das fontes oficiais, no jornalismo digital a participação dos usuários contribui para a utilização de fontes independentes, desvinculadas de forma direta dos casos publicados. Com a descentralização da redação ocorre uma inversão no fluxo de notícias, antes muito dependente das fontes organizadas. O próprio jornalista necessita rastrear nas redes os dados antes de redigir a matéria solicitada ou mesmo quando apura a veracidade dos conteúdos das matérias enviadas pelos colaboradores. O alargamento do conceito de fontes coloca na ordem do dia a reflexão sobre as consequências para o jornalismo da incorporação dos usuários no circuito de produção de conteúdos. (MACHADO, 2003, p. 10)

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27 À cibercultura, pode-se somar o ciberjornalismo como expressão técnica do fazer jornalístico no mundo intermediado e, em grande parte, apreendido via conexões digitais. Seus princípios básicos são assim sistematizados por Schwingel (2012): a) multimidialidade, que é a utilização de texto, som e imagem na construção da narrativa jornalística; b) interatividade, caracterizada pela integração do usuário no processo de produção jornalístico, de acordo com os seguintes aspectos: relação do usuário com as ferramentas interativas, do usuário com os conteúdos, do usuário com a equipe de produção, do usuário com outro ou outros usuários e do conteúdo com o conteúdo; c) hipertextualidade, definida como as conexões, os links, as vinculações entre os conteúdos, a teia que se constrói e é percorrida ao deslocar-se por informações; d) customização do conteúdo, que é a possibilidade de o usuário escolher o conteúdo que deseja receber e hierarquizá-lo de acordo com seus interesses; e) memória, que é a possibilidade de arquivar, conservar e acumular a informação; f) atualização contínua, definida como a possibilidade de a cada momento ir dispondo a informação que, automaticamente, está disponível para o usuário web; g) flexibilização dos limites de tempo e espaço como fator de produção, que é a possibilidade e a liberdade de utilizar a quantidade de tempo e espaço desejada ao elaborar determinada narrativa; h) ferramentas automatizadas no processo de produção, que são os sistemas de gestão de conteúdos, associados a banco de dados próprios ou da organização jornalística, para organizar de forma automatizada as informações do produto e viabilizar a publicação.

De acordo com Schwingel (2012), alguns desses parâmetros estão mais ligados aos aspectos narrativos, como a hipertextualidade, a multimidialidade, a flexibilização dos limites de tempo e espaço, a memória, a customização, enquanto outros estão relacionados a mudanças nas rotinas jornalísticas, como a atualização contínua, o uso de ferramentas automatizadas, a interatividade.

Essas características abordadas por Schwingel são também apontadas por outros autores como Canavilhas e Baccin (2015) e Salaverría (2003) com poucas diferenças de nomenclaturas e terminologias.

Desde a metade dos anos 1990, as pesquisas procuraram estudar os elementos que caracterizam o webjornalismo enquanto espaço de produção discursiva. Inicialmente, a hipertextualidade, a interatividade e a multimidialidade foram identificadas como as grandes novidades da prática discursiva no ambiente digital. Com a consolidação do webjornalismo, outras características destacaram-se, chegando-se a sete elementos que o definem: hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, memória, instantaneidade, personalização e ubiquidade (CANAVILHAS; BACCIN, 2015, apud MACHADO; PALACIOS, 1996, p. 12).

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28 se faça uma maior contextualização para que não se perca de vista de que forma são aplicados nos produtos jornalísticos.

De acordo com Canavilhas (2014), por questões de ordem histórica e econômica, o texto é o fator principal e mais utilizado no webjornalismo, termo utilizado por ele para designar o jornalismo que se faz na web e para a web. Na visão dele, isso se deve à relação entre o jornal impresso e os primeiros sites noticiosos. Era então natural que a emergência de um novo suporte fosse apropriada com técnicas utilizadas no meio analógico. A qualidade das conexões de rede, baixa à época dos primeiros sites noticiosos, reforça a preferência e a predominância dos textos escritos, que demandam menos velocidade de acesso. Mas esse não é o único motivo: segundo Canavilhas (2014), o modelo de referência do online continua a ser a imprensa escrita, e por isso o webjornalismo tem no texto o seu elemento fundamental.

Na web, o texto transforma-se numa tessitura informativa formada por um conjunto de blocos informativos ligados por hiperligações (links), ou seja, num hipertexto (CANAVILHAS, 2014). O conceito de hipertextualidade, que ganhou importância à medida que foi sendo aplicado no webjornalismo e em outras formas de narrativa digital, surgiu bem antes que a web: a palavra hipertexto, segundo Canavilhas (2014), “foi utilizada pela primeira vez nos anos 1960 por Theodor Nelson, que definiu o conceito como uma escrita não sequencial, um texto com várias opções de leitura que permite ao leitor efetuar uma escolha”. Mais de 50 anos depois, o conceito de Nelson, complementado e enriquecido posteriormente por outros autores, continua bastante atual.

“De forma mais ou menos complexa, as definições incluem sempre dois elementos nucleares: nós e links, ou seja, blocos informativos e hiperligações.” (CANAVILHAS, 2014). O conceito de bloco informativo aplica-se a todo tipo de conteúdo: textos, imagens fixas, imagens em movimento, sons ou infografias. Tendo como foco principal o bloco de tipo textual, Canavilhas (2014) apresenta alguns elementos importantes relacionados à hipertextualidade: a dimensão do texto, que precisa ser pensada de forma que o leitor se sinta confortável na leitura, e a descentralização, que deve ser levada em conta para produzir blocos com sentido, independentemente do contexto oferecido pelos restantes blocos informativos.

Ainda sobre a hipertextualidade, Canavilhas e Baccin discorrem sobre as possibilidades abertas para contextualização pela web. Contextualizar é exercício fundamental nos textos jornalísticos, lembram os autores. No entanto, no meio analógico ou eletrônico (rádio e televisão), contextualizar muitas vezes é sinônimo de perda de espaço da informação factual para que o contexto da notícia seja inserido. Ela pode ser realizada de duas formas: diacrônica, quando o jornalista recorre a acontecimentos anteriores relacionados com o fato; sincrônica, quando explica o ambiente (social, geográfico etc) em que o fato ocorreu. Nos dois casos, a

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29 contextualização requer a inclusão de mais informações na notícia. “Ao incluir essa informação, o jornalista é obrigado a “gastar” espaço (imprensa) ou tempo (rádio e televisão), impedindo assim outras notícias de entrar no jornal/radiojornal/telejornal.” (CANAVILHAS; BACCIN, 2015, p.16).

Segundo os autores, a “web acabou com essa contenda e fez confluir em um único espaço, não só todos os meios existentes, como um público cada vez mais ativo no processo informativo.”

Para Pavlik (2005), as possibilidades de contextualização podem ser observadas por meio de cinco aspectos: a ampliação das modalidades de comunicação (texto, áudio, vídeo, fotos, gráficos, animação); a hipermídia (que permite situar a notícia em contexto histórico, político e cultural muito mais rico); a participação cada vez maior dos leitores, que necessitam estar interagindo com a máquina − “uma das maneiras de aumentar a participação é o relato imersivo”; os conteúdos mais dinâmicos (conteúdos informativos mais fluidos) e a personalização da informação (cada leitor pode filtrar a informação que quiser e também pode ampliar as informações que a reportagem lhe oferece). (CANAVILHAS; BACCIN, 2015, p.17).

Com relação às hiperligações, Salaverría (apud Canavilhas, 2014) define quatro tipos: i) documentais: ligação a blocos com informação de contexto existente no arquivo da publicação; ii) ampliação informativa: ligação a blocos de contexto, mas neste caso de informação contextual recente; iii) atualização: como o próprio nome indica, liga a blocos com informações atuais sobre o acontecimento; iv) definição: ligação a blocos de informação mais específica e aprofundada. (CANAVILHAS, 2014, p.7).

A inclusão destas hiperligações, fora ou dentro do texto, informam o leitor sobre a importância do bloco de destino (CANAVILHAS, 2014). O autor, porém, apresenta um ponto a ser investido na formação do jornalista. Apesar de a hipertextualidade ser uma caraterística fundamental do webjornalismo, é notória a ausência de um conjunto de regras de utilização desse elemento que ajudem os jornalistas no processo de produção de notícias para a web.

Com relação à multimidialidade, Salaverría (2014) afirma que compor eficazmente uma mensagem multimídia implica coordenar tipos de linguagem ou formatos que tradicionalmente eram empregados separadamente. Os conteúdos multimídia, de acordo com o pesquisador, podem ser constituídos por oito elementos diferentes: “1) texto; 2) fotografia; 3) gráficos, iconografia e ilustrações estáticas; 4) vídeo; 5) animação digital; 6) discurso oral; 7) música e efeitos sonoros; 8) vibração” (SALAVERRÍA, 2014, p. 33). Sobre esse último ponto, que dificilmente é lembrado e elencado entre os elementos multimídia, o autor explica:

Na verdade, os autores de conteúdos multimídia raramente interpretam este elemento como um ingrediente da sua narrativa. No entanto, é obrigatório reconhecer que nos dispositivos móveis atuais a vibração faz,

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30 indiscutivelmente, parte das modalidades de transmissão informativa. A vibração em dispositivos móveis avisa os utilizadores sobre informações básicas: a recepção de uma mensagem, um alerta silencioso a uma determinada hora, um erro num determinado processo... mediante estes usos atuais, nada impede que no futuro essas mesmas vibrações se convertam numa forma de comunicar: um gol de um time, uma alteração relevante na cotação de um determinado valor financeiro, etc. Apesar da vibração ser um elemento técnico bastante comum na atualidade, o seu uso enquanto meio informativo é praticamente inexistente. Porém, pode ser que num futuro próximo os criadores de conteúdos multimídia descubram as suas indubitáveis possibilidades narrativas. (SALAVERRÍA, 2014, p. 38).

Segundo Salaverría, vinte anos após o surgimento das primeiras publicações jornalísticas na internet, os meios digitais vivem um momento de exploração narrativa e descobrimento de novos gêneros. “Já não se trata, apenas, de apostar neste ou naquele formato em particular, mas antes de investigar as possibilidades oferecidas pela articulação de vários formatos.” (SALAVERRÍA, 2014, p. 48).

O autor se permite um exercício de imaginação de como serão as mensagens multimídia no futuro e afirma que elas não devem se esgotar nesses oito elementos atuais elencados, que são apreendidos por três sentidos humanos: visão, audição e tato. Para ele, dado o atual estágio de desenvolvimento científico-tecnológico, existem cada vez mais evidências de que no futuro novos formatos de mensagens multimídia serão decodificados pelos demais sentidos. Dessa forma, além da visão, audição e tato “quem sabe, até pode ser que passemos a receber informação através do olfato e do paladar”.

No que se refere ao tato, além dos sinais mediante vibração, já é tecnicamente possível transmitir mensagens que incluam variações de temperatura e representações táteis sobre a forma de um determinado objeto. No que diz respeito ao olfato, foram já realizadas experiências de transmissão digital de aromas e, inclusivamente, há empresas que chegaram a comercializar dispositivos digitais que emanam cheiros, embora com pouco êxito. Quanto ao paladar deve acrescentar-se que também já se verificaram iniciativas de transmissão de sensações gustativas, embora de forma meramente experimental. (SALAVERRÍA, 2014, p. 38).

Segundo ele, caso as experiências realizadas se concretizem em inovações, no futuro a lista de elementos multimídia pode resultar nos doze elementos ilustrados pela tabela seguinte.

Referências

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