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Impenhorabilidade do bem de família: direito à moradia garantido constitucionalmente

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA TAINARA VALIM SOUZA STANKOWICH

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA:

DIREITO À MORADIA GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE

Araranguá 2020

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IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA:

DIREITO À MORADIA GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Karlo André Von Muhlen, Esp.

Araranguá 2020

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TAINARA VALIM SOUZA STANKOWICH

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA:

DIREITO À MORADIA GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 17 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientadorKarlo André Von Muhlen, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof.Karlo André Von Muhlen, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof.Karlo André Von Muhlen, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

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Dedico este trabalho a meu pai, “In Memorian”, que percebeu em mim, a necessidade de cursar Direito.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço а Deus por mais essa caminhada.

A minha família, por estar presente durante toda essa trajetória, a minha mãe, a minha irmã Anita, que esteve ao meu lado como irmã, amiga e colega de curso.

Agradeço aos advogados Nazareno Valim Souza, meu irmão, e minha cunhada Patrícia Simoni Rocha, que sempre acreditaram em mim e nunca mediram esforços para que pudesse chegar até o fim do curso.

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“Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça” Eduardo Juan Couture.

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RESUMO

O bem de família configura-se como único imóvel do qual a família dispõe para viver com todos os seus membros. Sua instituição se deu em função da necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana, garantia do direito fundamental à moradia e manutenção dos padrões de vida da família acima do mínimo existencial, sem o qual não se pode viver adequadamente. O objetivo geral deste estudo foi estabelecido como analisar a impenhorabilidade do bem de família sob a perspectiva do direito à moradia assegurado pela Constituição Federal. Verificou-se que a doutrina brasileira destaca que o bem de família é impenhorável, excetuando-se os casos previstos em lei. Existem posicionamentos contrários à possibilidade de penhora em caso de fiança, tal situação feriria o princípio constitucional da isonomia. Não obstante, o bem de família não pode servir como justificativa para que dívidas sejam contraídas sem o intuito de quitação. Existem limitações à impenhorabilidade do bem de família justamente para que não se torne objeto para ação de má-fé do proprietário, além do fato de que alguns direitos devem ser vistos como mais essenciais do que a moradia, como no caso da prestação de alimentos ou adimplemento de tributos, utilizados em benefício da coletividade pelo poder público. O bem de família existe para que se cumpram princípios constitucionais essenciais, como a dignidade da pessoa humana, que demanda da disponibilidade de local de moradia adequado para a família, o próprio direito à moradia como sendo fundamental, assim como a questão do mínimo existencial.

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ABSTRACT

Homestead is the only property that the family has to live with all its members. Its institution was based on the need to protect the dignity of the human person, guarantee the fundamental right to housing and maintain the family's living standards above the existential minimum, without which one cannot live properly. The general objective of this study was to set out how to analyze the immutability of homestead from the perspective of the right to housing guaranteed by the Federal Constitution. It was found that the Brazilian doctrine highlights that the homestead is untenable, except in cases provided for by law. There are positions contrary to the possibility of pledging in case of bail, such a situation would violate the constitutional principle of isonomy. Nevertheless, the homestead cannot serve as a justification for debts to be incurred without the intention of paying off. There are limitations to the impenetrability of the homestead precisely so that it does not become an object for the bad faith action of the owner, in addition to the fact that some rights must be seen as more essential than housing, as in the case of food or payment of taxes, used for the benefit of the community by the government. The homestead exists to fulfill essential constitutional principles, such as the dignity of the human person, which demands the availability of adequate housing for the family, the right to housing as fundamental, as well as the question of the existential minimum.

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LISTA DE TABELAS

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1 INTRODUÇÃO... 10

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 13

2.1 CONCEITO ... 13

2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO MUNDO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 16

2.3 DIREITO À MORADIA ... 21

3 BEM DE FAMÍLIA ... 25

3.1 FAMÍLIA NO PERPASSAR HISTÓRICO ... 25

3.2 BEM DE FAMÍLIA: CONCEITO ... 27

3.3 HISTÓRICO ... 30

3.4 LEGISLAÇÃO ... 31

3.5 O BEM DE FAMÍLIA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA . 34 3.6 O BEM DE FAMÍLIA E O MÍNIMO EXISTENCIAL ... 36

4 DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA ... 39

4.1 IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E DIREITO À MORADIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: ANÁLISE DOUTRINÁRIA ... 39

4.2 IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E DIREITO À MORADIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ... 43

5 CONCLUSÃO ... 50

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1 INTRODUÇÃO

A família é um grupo de pessoas que se unem por sua vontade e, juntas, desejam construir uma vida em comum, na qual todos poderão alcançar a satisfação de suas expectativas e desejos. Impera, no presente, a percepção de que todas as configurações familiares são legalmente protegidas, por apoiarem-se no afeto e no respeito entre os seus membros (MADALENO; MADALENO, p. 24).

No passado, no entanto, apenas a família decorrente da união formal entre as partes era reconhecida e tinha garantia de direitos. Essa situação alterou-se ao longo dos anos, pelo fato de que o direito, com a necessidade de acompanhar as mudanças sociais, moldou-se à realidade de que novos grupos tinham se formando, muitos deles distante das configurações antigas, porém todos com seu valor no que tange a busca pela felicidade e proteção de seus integrantes (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 24-25).

A todas as pessoas são assegurados direitos fundamentais, aqueles sem os quais as condições de vida se tornariam insuficientes, incapazes de proteger, resguardar as pessoas em suas relações com o Estado e com a sociedade. Os direitos fundamentais foram criados a partir de esforços do passado como forma de proteger o homem, de colocar sua vida acima de qualquer outro interesse (CUNHA, 2004, p. 132).

Dentre os inúmeros direitos fundamentais existentes, o direito à moradia tem vital importância, por ser necessário para que outros possam ser garantidos, como segurança, dignidade etc. Nessa seara:

O direito de moradia consiste na posse exclusiva, e com duração razoável, de um espaço onde se tenha proteção contra intempérie, e, com resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos elementares da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. Trata-se de um direito erga omnes (CUNHA, 2004, p. 138).

Não basta viver, é preciso viver em condições dignas e, assim, a moradia trata-se de uma condição para que isso se concretize e se garanta.

Este estudo versa quanto ao bem de família, um bem que atua como moradia e único imóvel da família, sendo que nele esse grupo vive, conduz suas tarefas do cotidiano e, assim, destituída dele não teria a proteção necessária para seus membros (RIZZARDO, 2019, p. 850).

O bem de família refere-se a um direito legalmente definido para que o único local de moradia de um grupo familiar não seja objeto de penhora, sob o risco de obrigar essas

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pessoas a viverem na rua, sem um espaço no qual estariam protegidos de todos os fenômenos e acontecimentos em seu entorno (RIZZARDO, 2019, p. 855).

Além disso, a garantia do bem de família corrobora com o esforço constitucional para que se assegure a dignidade da pessoa humana a todos os indivíduos, sem exceção, com a ideia de que todas as pessoas, desde que nascem, são dignas e devem viver com condições que se adequam a esses parâmetros. Ter a proteção do lar, certamente, é uma forma de manter a dignidade (TOLEDO, 2017, p. 104).

O objetivo geral deste estudo foi estabelecido como analisar a impenhorabilidade do bem de família sob a perspectiva do direito à moradia assegurado pela Constituição Federal.

Os objetivos específicos foram definidos como forma de facilitar o alcance do objetivo geral e se configuram como:

Conceituar os direitos fundamentais;

Ressaltar as especificidades do bem de família;

Abordar o estabelecimento da impenhorabilidade do bem de família.

Para obter os dados necessários para o esclarecimento do tema em estudo, foi conduzida uma revisão da literatura que envolve as questões destacadas, com base em livros, artigos científicos, legislação vigente e jurisprudências, de modo a verificar os inúmeros vieses que o tema pode apresentar.

Após a seleção do tema e definição dos objetivos de pesquisa, o estudo foi escrito em forma de capítulos, pois acredita-se que assim é possível discorrer sobre o tema de forma organizada, apresentando uma continuidade e coerência entre todos os tópicos formulados. Esses capítulos se constituem dos seguintes temas:

Introdução: abordagem geral ao tema, ressaltando os objetivos definidos para a pesquisa;

Capítulo 1: presta esclarecimentos a respeito dos direitos fundamentais, aqueles essenciais para uma vida digna, relatando os conceitos, sua evolução histórica no mundo, além do direito fundamental à moradia, por sua relevância para os cidadãos, a sociedade e para as famílias de forma geral.

Capítulo 2: aborda especificamente o bem de família, iniciando-se com uma conceituação da família, as mudanças que ocorreram nesses grupos ao longo dos anos, a proteção legal que acompanhou essas mudanças, o conceito do bem de família, seu desenvolvimento histórico, a legislação que rege o tema no cenário brasileiro, sua relevância

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para a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como para a garantia do mínimo existencial.

Capítulo 3: tem foco específico na impenhorabilidade do bem de família, abordando o tema sob duas perspectivas, uma da doutrina brasileira, outra pela ótica da jurisprudência, inclusive como ferramenta para identificar se ambas se encontram e se complementam.

Depois de todos esses estudos, foi possível chegar a algumas conclusões que são elencadas no tópico final deste trabalho, destacando-se ainda quais foram os autores e as referências consultadas para chegar até este material.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Este capítulo busca ofertar um maior esclarecimento a respeito dos direitos fundamentais, abordando seus conceitos, bem como sua evolução histórica no perpassar dos anos no Brasil e no mundo.

2.1 CONCEITO

Por direitos fundamentais pode-se destacar aqueles direitos elencados na Constituição Federal como sendo essenciais para que todos os indivíduos possam viver de forma digna e respeitosa.

De acordo com Alexy (2017, p. 69-70), os direitos fundamentais são aqueles voltados para as pessoas, para seu modo de viver em sociedade, sempre com foco em alcançar uma igualdade entre todos os indivíduos, construindo-se uma sociedade justa para todos. Os direitos fundamentais não estão atrelados a outras características que não a pessoa humana, ou seja, para todas as pessoas, quaisquer que sejam suas especificidades, esses direitos devem ser assegurados.

Quanto à extrema importância dos direitos fundamentais para uma construção social justa, Sarlet (2012, p. 70) leciona que:

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.

Nesse contexto, verifica-se que os direitos fundamentais existem como forma de garantir o respeito do qual todos os cidadãos são dignos. Sem esses valores, a vida humana deixaria de ter caráter essencial e se tornaria uma visão secundária. São direitos que englobam liberdade, dignidade, propriedade, entre tantos outros.

Vieira Júnior (2015, p. 74) ressalta que os direitos fundamentais são construções modernas que indicam princípios sob os quais a sociedade precisa apoiar-se para que seja um espaço de justiça para todos. São esses direitos que fundamentam a construção social atual na qual há um esforço para uma vida digna, justa, igualitária e protegida de abusos de diversas formas.

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Quando se vive em sociedade, existe uma relação entre seus membros que precisa ser organizada, regrada para que não seja benéfica para alguns e prejudicial para outros (CONCEIÇÃO, 2016, p. 23). Deve-se ressaltar que a conceituação desses direitos pode ser tautológica, na qual o homem tem assegurados direitos pelo simples fato de ser homem, pode ser formal, que define que a todos os homens esses direitos devem ser assegurados, sem qualquer possibilidade de privação dos mesmos, bem como a conceituação teológica, sob a qual os direitos do homem se fazem essenciais para que se torne uma pessoa melhor, capaz de evoluir como pessoa e como membro do grupo em que está inserido, beneficiando a própria sociedade (CONCEIÇÃO, 2016, p. 27).

Todavia, tais conceituações são insuficientes para que se compreenda, de fato, qual a importância e o papel essencial dos direitos fundamentais para o homem e para a vida de forma mais ampla, não apenas dentro de um grupo social. É preciso que se apresente um conceito mais amplo e esclarecedor, que possa atuar como base para toda a convivência, mas também para as ações pessoais de cada cidadão. Nesse diapasão, uma conceituação bastante adequada seria de que os direitos fundamentais configuram-se como “[...] um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, que devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional” (CONCEIÇÃO, 2016, p. 27).

Na concepção de Barroso (2010, p. 317-318), ao definir direitos fundamentais, o Estado estabelece garantias que são indispensáveis para que a vida seja protegida, resguardada como bem maior de cada pessoa e, assim, mantenha-se sua liberdade, segurança e oferta de direitos em todas as situações. Não há que se falar em critérios de exclusão, não existe qualquer previsão legal para que, em alguma situação, diante de uma característica dos indivíduos, seja considerado legal privá-los dos direitos que foram construídos justamente para protegerem a vida e tão somente a vida, sem nenhuma exigência além dessa.

Sobre os direitos fundamentais, é prioritário esclarecer que se tratam de direitos indisponíveis, de modo que ainda que um indivíduo diga-se disposto a abrir mão deles, isso não é possível. Em todas as situações devem imperar o respeito, a dignidade da pessoa humana, a liberdade dos cidadãos etc. Sobre a indisponibilidade de tais direitos, Branco e Mendes (2015, p. 146) enfatizam que:

A respeito da indisponibilidade dos direitos fundamentais, é de assinalar que, se é inviável que se abra mão irrevogavelmente dos direitos fundamentais, nada impede que o exercício de certos direitos fundamentais seja restringido, em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional, São frequentes e aceitos atos jurídicos em que alguns direitos fundamentais são deixados à parte, para que se cumpra um fim contratual legítimo. A liberdade de expressão cede as imposições de

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não divulgação dos segredos obtidos no exercício de um trabalho ou profissão. A liberdade de professar qualquer fé, por seu turno, pode não encontrar lugar propício no recinto de uma ordem religiosa\ específica. Da mesma forma, o indivíduo pode ver-se incluído numa situação especial de sujeição (BRANCO; MENDES, 2015, p. 146).

Alexy (2010, p. 31-32) ressalta que os direitos fundamentais foram construídos historicamente como forma de garantir que as pessoas fossem valorizadas pelo simples fato de serem seres humanos. A preocupação central foi e é fazer com que se tenha em mente que toda pessoa deve ser respeitada, resguardada de abusos, protegida para que possa viver bem, digna e respeitosamente, em todas as situações.

Por seu turno, Vieira Júnior (2015, p. 78-79) acredita que os direitos fundamentais são mais do que definições teóricas de garantias asseguradas aos homens, tratam-se de princípios que jamais podem estar ausentes quando o que se espera é que a vida tenha valor absoluto e indiscutível. Por isso são chamados de fundamentais, pois englobam tudo aquilo que é minimamente necessário não apenas para sobreviver, mas para viver bem, de forma justa e adequada dentro de diferentes contextos (vida pessoal, profissional, social etc.).

Para José Afonso da Silva (2011, p 178):

[...] no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.

Verifica-se, assim, que a vida somente se concretiza quando for protegida integralmente por direitos bem definidos e claros, que englobam homens e mulheres, jovens e idosos, ricos ou pobres, enfim, esses direitos não têm qualquer relação com as características das pessoas, mas com o fato de serem pessoas humanas, em todas as possíveis formas de ser e viver. Mais do que evitar que o homem seja escravizado, esses direitos foram construídos para que seja reconhecido como destinatário de direitos de escolha sobre a própria vida, sempre respeitando os limites legais para que os direitos de outrem sejam resguardados na mesma proporção (SARLET, 2012, p. 71).

Conceição (2016, p. 34) ressalta que no ordenamento jurídico brasileiro não existe apenas uma terminologia para abordar esses direitos, de fato:

A Constituição de 1988 usa de várias expressões para designar os direitos do homem: direitos humanos (art. 4º, II), direitos e garantias fundamentais (Título II e art. 5º, § 1º), direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI) direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17), direitos e garantias individuais (art. 60, §

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4º) e direitos individuais (art. 68, § 1º, II). Na Constituição de 1988, a expressão direitos e garantias fundamentais (Título II) compreende os direitos e deveres individuais e coletivos (Cap. I, art. 5º), os direitos sociais (Cap. II, arts. 6º a 11), o direito de nacionalidade (Cap. III, arts. 12 e 13), os direitos políticos (Cap. IV, arts. 14 a 16) e a regulamentação dos partidos políticos (Cap. V, art. 17.).

Sendo assim, o mais importante não é o termo que se usa para falar desses direitos, mas a compreensão de que são assegurados a todos os homens durante o completo correr de sua vida, não importando sua idade, religião, escolaridade, classe social ou qualquer outra característica que faz parte de seu viver, mas não é fundamental para que seja uma pessoa humana.

O fato que se deve ressaltar aqui é que a Constituição Federal brasileira se trata da norma jurídica que define quais são os direitos fundamentais, para que todas as leis brasileiras tragam em seu corpo a garantia desses direitos de forma integral. O fato que é o texto constitucional define que esses direitos não podem ser reduzidos, não é possível diminuir o rol de direitos fundamentais, todavia, eles podem ser aumentados, novos direitos podem ser agregados conforme a sociedade evolui e a necessidade de proteção das pessoas toma novas proporções (BRANCO; MENDES, 2015, p. 259).

O avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem. A relevância da proclamação dos direitos fundamentais entre nós pode ser sentida pela leitura do Preâmbulo da atual Constituição. Ali se proclama que a Assembleia Constituinte teve como inspiração básica dos seus trabalhos o propósito de "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança". Esse objetivo há de erigir-se como o pilar ético-jurídico-político da própria compreensão da Constituição. O domínio das considerações técnicas que os direitos fundamentais suscitam, por isso, é indispensável para a interpretação constitucional (BRANCO; MENDES, 2015, p. 265).

Havendo-se compreendido a conceituação ampla dos direitos fundamentais, é essencial abordar seu desenvolvimento histórico, conforme tópico de estudos que segue.

2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO MUNDO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA

No mundo, a visão de que o homem merece respeito e proteção nem sempre foi presente. Por muito tempo era direito dos indivíduos com maiores recursos fazer uso da força de outros homens, menos privilegiados, para atender suas necessidades sem ofertar-lhes direitos; apenas obrigações existiam em seu cotidiano. Com o passar dos anos, porém, se

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fortalece a ideia de que o homem deve nascer e viver livre e que, para isso, devem existir garantias de direitos que não podem ser suprimidos em nenhuma circunstância.

Branco e Mendes (2015, p. 265-266) ressaltam que os direitos fundamentais surgem de um amadurecimento social por meio do qual se consolida a percepção de que os homens são iguais e, assim, devem viver protegidos pelas mesmas garantias. Não são direitos imutáveis, pelo contrário, precisam ser adaptados para a novas configurações sociais, pois o meio em que foram criados já não é o meio em que devem ser aplicados no presente.

Inicialmente, a Igreja passa a pregar a igualdade do homem diante da divindade, dentro das igrejas, os homens passaram a ser considerados iguais, ideias que foram vistos como importantes para a alteração da forma como as sociedades se constituíam e como as pessoas eram valorizadas dentro delas (NOVO, 2017, p. 1).

Branco e Mendes (2015, p. 266) esclarecem que:

O cristianismo marca impulso relevante para o acolhimento da ideia de uma dignidade única do homem, a ensejar uma proteção especial. O ensinamento de que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a ideia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio direito positivo.

Compreende-se, assim, que a ideia de igualdade entre os homens tem como marco a ideologia religiosa, porém, deve-se ressaltar que sua evolução não apoia-se somente nesse cenário.

Os racionalistas, na idade moderna, compreendem que os preceitos religiosos não podem ser os únicos voltados para a construção da igualdade de direitos e deveres para todos os homens e, assim, surge um esforço para que a sociedade, não somente a igreja, viva conforme os preceitos de que a vida do homem está acima de quaisquer interesses. Qualquer que seja a crença do homem, ela não pode ser decisiva para que seus direitos sejam garantidos, o que também não poderia ocorrer somente dentro de um espaço, ou seja, da Igreja (NOVO, 2017, p. 1).

Surge nos séculos XVII e XVIII a ideia de que o Estado não era mais importante do que as pessoas; de fato, sem pessoas não há razão de ser para o Estado e, assim:

A defesa de que certo número de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda característica crucial do Estado, que lhe empresta legitimação — o Estado serve aos cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos (BRANCO; MENDES, 2015, p. 266).

Compreende-se, assim, que os direitos fundamentais surgem a partir da percepção de que as pessoas são o cerne de todas as formações sociais, não há razão de ser para um Estado se não existirem pessoas atreladas a ele.

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Jesus (2011, p. 45) afirma que o surgimento do direito é fruto das necessidades sociais de desenvolver normas para o convívios adequado, pacífico, organizado e regrado entre todos os cidadãos e, assim, com o desenvolvimento do direito surge a percepção de que apenas normas não seriam suficientes, era preciso definir garantias que ultrapassassem barreiras teóricas e alcançassem o âmbito do ser.

Wolkmer (2002, p. 10) ressalta que os direitos fundamentais não teriam utilidade se fossem engessados, mantidos sem alterações no perpassar dos tempos, sua valia maior está no fato de que assim como pessoas e grupos sociais mudam, esses direitos são atualizados, revisados para que possam, de fato, contribuir para novos parâmetros de vida em grupo.

Alexandre de Moraes (1999, p. 178), sobre o desenvolvimento dos direitos fundamentais, destaca que “[...] surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”

Essas ideias tiveram decisiva influência sobre a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e sobre a Declaração francesa, de 1789. Talvez, por isso, com maior frequência, situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rights de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis judicialmente (BRANCO; MENDES, 2015, p. 266).

Wolkmer e Lippstein (2017, p. 285-286) esclarecem que a Revolução Francesa (1789-1799) foi um ponto importante para que os homens entendessem a necessidade de proteger outros homens. Nos países europeus, especialmente Inglaterra e França, iniciam-se esforços para o reconhecimento do homem como cerne das sociedades e, assim, indivíduo a ser protegido e ter todos os seus direitos resguardados acima de quaisquer outros interesses. Deve-se ressaltar, porém, que são direitos criados com base no perfil europeu e que, assim, tendo surgido como esforços na busca por direitos humanos na esfera internacional tiveram de ser moldados para se configurar como direitos fundamentais dentro de cada nação.

De acordo com Sarlet (2012, p. 38), para que se compreenda a construção dos direitos fundamentais ao longo da história do mundo, deve-se levar em consideração que:

[...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem.

Deve-se compreender, ainda, que esses direitos foram surgindo de forma contínua, porém não todos ao mesmo tempo, justamente pela percepção de que as necessidades das pessoas e das sociedades se alteram, não são iguais e únicas ao longo dos anos.

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Sobre o tema, Kunrath (2016, p. 1) ressalta que:

O desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar, para o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou liberdade por meio do Estado.

Os direitos fundamentais, de acordo com Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 114-115), foram formulados em dimensões, cada uma delas trazendo definições mais específicas do que a anterior, porém, sem eliminar direitos anteriormente definidos. A primeira geração de direitos encampa direitos políticos e civis, especificamente relacionados à pessoa, como o direito à vida, à propriedade e à intimidade.

Araújo e Nunes Junior (2005, p. 116), sobre a primeira dimensão:

Os direitos de primeira geração entram na categoria do status negativo da classificação de liberdades e fazem também ressaltar a ordem dos valores políticos a nítida separação entre a sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da liberdade, conforme tem sido professado com tanto desvelo teórico pelas correntes do pensamento liberal teor clássico (BONAVIDES, 2013, p. 578).

Compreende-se, assim, que os direitos de primeira geração surgiram no sentido de que as pessoas tivessem garantias individuais contra o Estado, para que os interesses desse jamais estivessem acima dos direitos e das necessidades da pessoas, “[...] mais especialmente com uma lógica de funcionamento de ordem negativa, porque concebida justamente para frear os campos de interferência governamental dentro de um quadro de luta contra a opressão e uso abusivo do poder estatal” (LEMOS, 2016, p. 6).

Sobre os direitos de segunda geração, Conceição (2016, p. 68) afirma que tiveram início em 1948 e foram positivados, inicialmente, pelas Constituições do México em 1917 e Alemanha em 1919, enquanto no Brasil passaram a integrar a CF em 1934.

Diferentemente das liberdades negativas, que exigiam, do Estado, uma atitude negativa, de abstenção em relação aos âmbitos de autonomia dos indivíduos, os direitos da segunda geração outorgam ao titular o direito de exigir, do Estado, de outros grupos sociais ou dos particulares, um dever, uma obrigação de conteúdo positivo, que consiste em um dar ou um fazer. Podem ser classificados como da segunda geração os direitos dos trabalhadores, constantes dos arts. 7° a 11 (embora haja discordância a respeito) e principalmente os direitos constantes do art. 6° da Constituição de 1988, concretizados no título consagrado à ordem social (CONCEIÇÃO, 2016, p. 67).

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Lemos (2016, p. 8) leciona que os direitos de segunda geração vieram para exigir que o Estado adote ações “[...] específicas direcionadas para a sua concretização, fato que provoca a alteração considerável no cenário de restrição à intervenção estatal inicialmente desenhado pelos direitos de primeira geração”.

Os direitos de terceira geração primam pelo humanismo e pela universalidade, seu foco está apenas na pessoa humana, na vida e na proteção diante de todas as situações que surjam no cotidiano. Esses direitos baseiam-se em solidariedade e fraternidade entre as pessoas e os povos, definindo-se que englobam “[...] direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural” (CONCEIÇÃO, 2016, p. 68).

Lemos ressalta que essa geração de direitos decorre da história das nações nas quais o homem foi tratado, em diferentes momentos, como sendo menos importante, de forma violenta e abusiva, recordando-se, ainda que:

[...] são direitos difusos ou de titularidade coletiva, haja vista que caracterizados pela transindividualidade e indeterminação do sujeito ativo titular da relação jurídica. Tais direitos têm no Estado seu sujeito passivo, ao qual cabe a proteção das condutas que consubstanciam tais direitos (2016, p. 8).

Os direitos de quarta geração visam o fortalecimento da informação, pluralismo e democracia. “Os direitos virtuais são os direitos advindos das tecnologias de informação (Internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral” (WOLKMER, 2010, p. 21).

Lemos (2016, p. 2) afirma que, no presente, os direitos fundamentais não apenas são reconhecidos como devem ser garantidos pelo Estado para todos os cidadãos, porém, isso apenas se concretizou em função de esforços e lutas de diversos atores sociais, com o intuito central de garantir que todas as pessoas, em qualquer situação, tenham direitos importantes para a construção de uma vida digna e justa, de forma integral.

Nessa medida, poder-se-ia afirmar com segurança que isso só aconteceu em virtude de um lento e gradual processo de reconstrução conceitual do próprio Estado-Nação, o que, paralelamente, foi acompanhado de uma sucessiva institucionalização de um sistema normativo de alargamento dos direitos humanitários (LEMOS, 2016, p. 2). Havendo-se compreendido o que são os direitos fundamentais e sua importância para a construção de uma sociedade na qual a pessoa humana é priorizada e respeitada acima de quaisquer outros interesses, parte-se para a compreensão do direito à moradia.

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2.3 DIREITO À MORADIA

A Constituição Federal define, em seu art. 6º, todos os direitos sociais que permeiam a vida da pessoa humana no país e, dentre eles, destaca a moradia. Quando a moradia passa a ter o mesmo valor que outros direitos, como saúde, trabalho ou alimentação, desperta-se a consciência de que para viver dignamente é preciso ter um lugar apropriado para residir, para formar família ou, ainda de que de forma individual, construir para si oportunidades de vida (MASTRODI, 2013, p. 113).

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, CRFB, 2019).

Neste ponto, porém, é preciso citar que o direito à moradia não foi resguardado pelo texto original da Constituição Federal de 1988, conforme cita Sousa (2017, p. 38), esclarecendo-se que:

A proteção à moradia não participava do rol dos direitos fundamentais sociais quando do texto original da Constituição Federal de 198871, e sua inclusão apenas foi efetivada através da Emenda Constitucional no 26/2000. Isto significa que a elaboração da lei específica que trata do tema referente ao bem de família não se deu em consideração ao preceito fundamental, no momento de sua propositura. Assim, a revisão das hipóteses de penhorabilidade se faz mais necessária no sentido de se desenvolverem novos paradigmas envolvendo credores e devedores, a fim de não se desnudar um direito fundamental para a satisfação de um crédito.

No presente, porém, o direito à moradia é um direito constitucional e, assim, cabe ao Estado atuar para que se consolide no âmbito social, de modo que todos os cidadãos possam ter acesso a ele, de forma integral.

Apesar disso, muitas famílias ainda seguem sem acesso a esse direito de tamanha relevância.

Afinal, evidente é a previsão constitucional que garante o direito à moradia; porém, as relações entre os indivíduos e entre os cidadãos e o Estado se perdem na complexidade e nas questões que se impõem na realidade do caso concreto, fazendo com que a efetividade protetiva e de garantia dos direitos fundamentais sociais, especialmente para este estudo o direito à moradia, seja suprimido não apenas pela omissão estatal, como também pelas relações jurídicas privatistas que se sobrepõem a princípios constitucionais (SOUSA, 2017, p. 8).

Não se pode assegurar a dignidade da pessoa humana quando o indivíduo não tem um local adequado e seguro para viver. Tanto a impossibilidade de acesso a uma moradia, quanto a necessidade de viver em um espaço de risco, insalubre ou abaixo do mínimo necessário são fatores que comprometem a dignidade e, assim, pode-se dizer que o cenário

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atual está distante de ofertar a garantia desse direito a todos os cidadãos (MASTRODI, 2013, p. 114).

A moradia, surgida como um direito social, teve seu reconhecimento no início do século XX (SOUZA, 2013, p. 39). O homem, desde os períodos mais remoto, necessitava de espaços nos quais pudesse proteger a si e seus familiares, porém, o reconhecimento de que a garantia desses espaços conduz a uma condição de vida melhor e mais digna é recente. Com ela, se desenvolve a percepção de que cabe ao Estado agir para que esse direito se concretize amplamente (MARÇAL, 2011, p. 27-29).

Sobre o direito à moradia, pode-se afirmar que:

[...] consiste em bem irrenunciável da pessoa natural, indissociável de sua vontade e indisponível, a qual permite a sua fixação em lugar determinado, bem como a de seus interesses naturais na vida cotidiana, estes, sendo exercidos de forma definitiva pelo indivíduo, recaindo o seu exercício em qualquer pouso ou local, desde que objeto de direito juridicamente protegido. O bem da moradia é inerente à pessoa e independente do objeto físico para a sua existência e proteção jurídica. Para nós, moradia é elemento essencial do ser humano e um bem extrapatrimonial (SOUZA, 2013, p. 44).

Mais do que apenas uma estrutura física, a moradia é uma segurança, uma proteção, um local de abrigo, mas também de desenvolvimento, de construção de si e de seu futuro e, como tal, é essencial para a vida de todos os cidadãos (SOUZA, 2013, p. 30).

Na concepção de Sarlet (2018, p. 350), a moradia faz com que o cidadão sinta-se reconhecido, valorizado e respeitado e “[...] guarda conexão direta com as necessidades vitais da pessoa humana, e, por conseguinte, também com as condições materiais básicas para uma vida com dignidade”.

Neste ponto, porém, é imprescindível esclarecer que apesar do reconhecimento da moradia como direito social e fundamental no Brasil, a realidade está distante do que seria ideal, já que a parcela da população sem acesso à moradia ou vivendo em espaços inadequados é elevada.

Por um lado, a Constituição consagra em seu bojo o direito fundamental social à moradia digna e a obrigação do Estado em promover-lhe o acesso. Por outro lado, o que se vê na realidade é a inoperância e a omissão do poder público na efetivação e proteção desse direito, consolidando a desigualdade social através da atual política pública habitacional [...] verifica-se no Brasil uma imensa desigualdade na distribuição de renda, impedindo que grande parte da população tenha acesso a uma moradia adequada que lhes assegure o mínimo existencial (ZAGUE; VERSOLA, 2013, p. 2).

Se faz necessário que o direito à moradia deixe de ser um conceito teórico e se torne uma realidade, um fato, como forma de reduzir e eliminar as desigualdades sociais tão intensas e presentes no cenário social atual no país. O Estado precisa assumir seu papel de

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garantidor dos direitos sociais e fundamentais para que, assim, sejam desenvolvidas políticas públicas efetivas, especificamente direcionadas para a alteração da realidade atual na qual o direito à moradia ainda é um privilégio de poucos, quando deveria ser uma garantia de todo e qualquer cidadão.

[...] não há marginalização maior do que não se ter um teto para si e para a família -, e promover o bem de todos, o que pressupõe, no mínimo, ter onde morar dignamente. Além dessas normas e princípios gerais, há ainda o disposto no art. 23, X, que dá competência comum a todas as entidades públicas da Federação para combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, o que importa, só por si, criar condições de habitabilidade adequada para todos. Mas há, ainda, norma específica determinando ação positiva no sentido da efetiva realização do direito à moradia, quando, no mesmo art. 23, IX, se estabelece a competência comum para ‘promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento (SILVA, 2017, p. 315).

Terminski (2011, p. 220-221) ressalta que a relevância do direito à moradia é tamanha, que se encontra entre os direitos humanos internacionais defendidos em todo o mundo como sendo essenciais para a dignidade, o respeito, a segurança e a própria vida. Em todo o mundo, sabe-se que as pessoas somente poderão viver de forma digna se tiverem ao seu dispor uma moradia minimamente adequada, que ofereça proteção, segurança e atenda suas demandas para que toda a família seja acolhida.

O direito à moradia é um dos direitos mais fundamentais para o desenvolvimento de cada pessoa, para cada indivíduo a casa é um espaço essencial para a efetivação dos laços sociais. Estudiosos da área da psicologia enfatizam que uma moradia adequada é um componente fundamental para o bom funcionamento da família. Sem as garantias adequadas em relação a este direito, bem como a ausência de esforços do Estado para resolver os problemas na área, é extremamente difícil implementar não apenas os direitos sociais e culturais, mas também alguns direitos civis e políticos básicos (TERMINSKI, 2011, p. 221).

O direito à moradia é um direito social assentado no grupo dos direitos fundamentais de segunda geração, isto é, um direito que exige atuação positiva do poder público em favor da população, pois está voltado à coletividade, sendo direito subjetivo de todos os indivíduos. Relaciona-se com outros direitos fundamentais da Lei Maior, dentre os quais a dignidade à pessoa humana, localizada no art. 1º, III, o direito à intimidade e à privacidade, disposto no art. 5º, X, assim como a inviolabilidade do domicílio, fixada no artigo 5º, XI. O direito à moradia é necessidade básica do indivíduo e requisito indispensável de uma vida digna, porque a casa é o asilo inviolável da pessoa e a base de sua individualidade. O lar também é o local de formação do cidadão, de desenvolvimento da personalidade, sendo propício ao contato afetivo com os parentes e ao conhecimento educacional (SOUZA, 2018, p. 35).

Não apenas fornece abrigo, a moradia permite as interações entre os membros do grupo e, nessa toada, contribui para a segurança física, mas também para o desenvolvimento

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psicológico e emocional das pessoas que ali se encontram, por poderem interagir entre si e compartilhar momentos naquele espaço.

Pode-se considerar a falta de moradia ou a necessidade de viver em moradias em condições tidas como inaceitáveis como o principal fator que limita o funcionamento humano adequado nas comunidades vizinhas, ficando evidente a relação entre as condições inadequadas de moradia e o aumento da taxa de criminalidade em muitas regiões do mundo. Tal fato sugere que a pobreza, a marginalização, a exclusão social, a falta de moradia e o crime estão - em grande medida - interligados. Nesse sentido, ofertar moradia em quantidade suficiente e dentro de padrões mínimos de atendimento das necessidades dos cidadãos é investir para a construção de uma sociedade mais justa, menos permeada por diferenças sociais, além de atuar como importante ferramenta para a construção da segurança pública (TERMINSKI, 2011, p. 221).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA MAIOR. DEFENDIDA IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO À MORADIA. REQUISITOS DA USUCAPIÃO CONFIGURADOS. DOMÍNIO DECLARADO EM FAVOR DO PRESCRIBENTE. PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "A legislação restritiva do parcelamento do solo não pode se sobrepor ao mandamento constitucional que ampara a função social da propriedade, principalmente se verificados os requisitos para o sucesso da ação de usucapião" (TJSC, Apelação Cível n. 0005682-20.2007.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 16-8-2018) (SANTA CATARINA. TJSC, 2020).

O julgado evidencia que o direito de moradia não atua apenas como forma de dar abrigo aos cidadãos, mas trata-se de medida essencial para que se garanta também sua dignidade dentro dos espaços sociais em que vivem.

Após todos esses esclarecimentos, o tópico de estudos a seguir baseia-se na questão do bem de família, sua conceituação, origem, histórico e demais pontos de conhecimento essenciais.

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3 BEM DE FAMÍLIA

Esta etapa do estudo visa prestar esclarecimentos a respeito da família no perpassar histórico, além de especificidades sobre o bem de família, como histórico, espécies e legislação que rege o tema. O intuito é alcançar uma maior compreensão a respeito do referido instituto para, posteriormente, ressaltar a questão da impenhorabilidade.

3.1 FAMÍLIA NO PERPASSAR HISTÓRICO

Para que se possa abordar o bem de família, se faz necessário, inicialmente, proceder de um breve esclarecimento a respeito da evolução das famílias no perpassar histórico.

A sociedade vem se alterando de forma contínua e as relações sociais também mudaram ao longo dos anos. A família existe desde os tempos mais antigos, porém, com uma configuração totalmente diferenciada daquelas que são reconhecidas e legalmente protegidas no presente. A Constituição Federal de 1988 define ampla proteção à família, reconhecendo que todas as configurações atuais são válidas e devem ser respeitadas e, assim, o direito teve de seguir essa direção criando outras normas de proteção aos grupos familiares dos mais variados (IANNOTTI; PAGANI, 2019, p. 192).

No texto constitucional encontra-se que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (BRASIL, CRFB, 2020).

Nesse diapasão, a família é considerada como estrutura essencial para a evolução da sociedade e manutenção da parâmetros de justiça e dignidade, não há no texto qualquer referência a um modelo familiar considerado ideal, o que indica que todos os modelos estão dentro da legalidade e deverão ser protegidos pelo Estado.

Diniz (2010, p. 9-10) ressalta que enquanto no passado a família seria criada apenas após os laços do matrimônio serem oficializados, no presente não há exigência pela formalização das relações. O homem, que no passado era o provedor e tomador de decisões passa, no presente, a ter o mesmo valor e os mesmos direitos que a mulher e, assim, ambos têm direitos e deveres quando resolvem formar uma família. Todos os filhos são reconhecidos, não sendo considerado o tipo de relacionamento que levou ao seu nascimento.

A introdução desses novos ideais e princípios no ordenamento jurídico pátrio foram resultado dessa evolução social, e a família patriarcal que, até então era o modelo

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vigente na legislação civil brasileira desde a Colônia até meados do século XX, entrou em crise diante desta inexorável mudança na estrutura funcional da família, que deixou de ser compreendida como agrupamento fundado e regrado pelos interesses econômicos e materiais e passou a ser identificada elos laços de afetividade e solidariedade além de ser visto, também, como um instrumento para concretizar a realização pessoal (MADALENO; MADDALENO, 2015, p. 21). Nesse sentido, compreende-se que a família não depende de laços sanguíneos, forma-se e é respeitada de acordo com os parâmetros de seus membros e, assim, pode assumir a configuração que a eles parecer mais adequada, sem que isso comprometa a garantia de seus direitos na esfera legal (DINIZ, p. 10).

Complementam Madaleno e Madaleno que:

Com o advento do Estado Democrático de Direito durante o século XX, houve uma mudança estrutural e funcional nesta instituição tão importante, e a Constituição Federal foi o marco desta transição entre a óptica estritamente materialista e patrimonial que imperava desde os primórdios da civilização ocidental, e que norteava o antigo Código Civil brasileiro de 1916, para uma percepção mais humanista em que a afetividade e a busca pela realização pessoal ganham relevância jurídica e passaram a ocupar lugar de destaque dentre aqueles bens dignos de proteção estatal (2015, p. 21).

Gonçalves (2012, p. 31-32) enfatiza que o poder familiar, atualmente, é exercido pelo grupo, todos assumem deveres para si e passam a ter direitos dentro do grupo, de modo que não há apenas uma figura representando autoridade nas relações familiares atuais. Além disso, toda família é reconhecida, tenha ou não a realização de matrimônio, com configurações que, no passado, eram consideradas inadequadas, inaceitáveis e isentas de direitos por não seguirem preceitos religiosos e considerados morais.

O poder familiar não resulta do casamento ou da união estável, ele é inerente ao estado de filiação desde o nascimento do filho, e decorre da paternidade natural, sendo um atributo irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível, ademais, qualquer tentativa de renúncia ao poder familiar é obrigatoriamente nula, e as obrigações decorrentes deste vínculo são personalíssimas (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 29).

Compreende-se, assim, que o poder familiar não tem relação com o tipo de família, mas com a existência dos filhos.

No presente, o requisito essencial para a formação familiar é a afetividade, o interesse de todos os membros de estarem unidos e oferecerem apoio uns aos outros, ainda que não existam laços consanguíneos entre eles. Nesse sentido, os cidadãos podem selecionar de que modo formarão suas famílias e a legislação brasileira garante os direitos a todas essas formações (DINIZ, 2010, p. 10).

Havendo-se compreendido o fato de que família não depende de laços de parentesco, mas de afeto, e que as leis brasileiras não podem, em nenhuma circunstância,

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privilegiar uma certa formação familiar em detrimento de outra, parte-se para a análise do bem de família.

3.2 BEM DE FAMÍLIA: CONCEITO

Por muito anos, a propriedade foi utilizada pela coletividade, os grupos compartilhavam seus bens entre si, exceto aqueles que fossem para o desenvolvimento da profissão que desempenhavam. Porém, povos mais antigos sequer chegaram a conhecer a ideia de uma propriedade que não pertencesse a todo seu grupo. Alguns povos, ainda no presente, seguem essa ideia de compartilhar o solo entre os membros de um mesmo grupo, porém, de forma geral a propriedade já está bem definida no presente. Por outro lado, existem povos entre os quais a propriedade privada sempre foi praticada, como na Grécia e na Itália, por exemplo, sendo que não existem nesses povos relatos do período em que a propriedade fosse compartilhada (COULANGES, 2006, p. 51).

Com o passar do tempo o homem não só optou por tornar a propriedade em algo privado, como passou a buscar formas de delimitar qual seria sua parte, usando madeiras e pedras para criar marcos e limites e, assim, evitar a invasão por outros indivíduos ou grupos. A propriedade era ligada à religião, era vontade dos Deuses que alguns indivíduos tivessem suas posses e aqueles que invadissem esse direito seriam considerados pecadores que receberiam um castigo divino severo por desrespeitar o desejo das divindades (COULANGES, 2006, p. 58-59).

No entanto, por mais que a propriedade evoluísse, alguns fatores seguiram inalterados por muitos anos, como o fato de que mulheres não poderiam herdar as propriedades de pais ou esposos, somente filho homens ou outros familiares do sexo masculino teriam direito a reclamar essa herança. Essa realidade, para que fosse alterada, demandou de esforços amplos e contínuos de homens e mulheres em busca de uma igualdade de direitos e garantia de respeito de forma isonômica para todos os membros do grupo familiar (COULANGES, 2006, p. 58-59).

Rizzardo (2019, p. 855) ressalta que existem direitos e garantias assegurados a todos os cidadãos, sendo considerados mais relevantes aqueles que incidem diretamente sobre a vida e a dignidade das pessoas e, assim, a moradia recebe uma importância considerável nesse cenário. Surgem, então, leis que visam a proteção da moradia e dos locais de abrigo e vivência, seja de uma pessoa ou de um grupo familiar.

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Xavier (2018, p. 20) leciona que “a pessoa é o fim almejado pelo ordenamento jurídico e não o meio. Assim, as regras criadas para tutelar as relações patrimoniais devem assegurar permanentemente dignidade ao homem”. Compreende-se, assim, que todas as normas que envolvem o patrimônio existem como meio de proteger as pessoas e seus direitos sobre seus bens.

O bem de família refere-se ao imóvel cujo uso se dá para a moradia da família, como forma de proteger os membros do círculo familiar de ficarem desabrigados, ou mesmo de uma única pessoa, sempre com foco em garantir que viva de forma digna e segura. “[...] meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio” (XAVIER, 2018, p. 22).

Na concepção de Gonçalves (2012, p. 581), o bem de família será, inquestionavelmente, um bem imóvel, sempre de uso residencial (não pode ser usado para atividades de indústria e/ou comércio), no qual vive uma pessoa ou um grupo familiar. Esse bem é legalmente definido como impenhorável e inalienável, “[...] enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.

Pereira (2017, p. 109) ressalta que o bem de família é inalienável e impenhorável para que haja uma forma de proteger o bem que serve a uma família e, não raramente, é seu único local para viver de forma digna.

Não se trata de um esforço para que um bem seja mantido a salvo de diferentes situações, mas para que aquele bem que abriga a unidade familiar, qualquer que seja sua configuração, não seja utilizado para outros fins e acabe por permitir que essas pessoas percam seu abrigo. Para que se possa viver de forma minimamente adequada, ter aos seu dispor um local para residir é requisito essencial, de modo que o bem de família surge como garantia de uma vida justa e respeitosa no grupo social (GONÇALVES, 2012, p. 580-581).

Rizzardo (2019, p. 855-856) afirma que o bem de família se configura quando a família se forma, qualquer que seja sua configuração, desde que se trate do único bem imóvel ao qual a família tem acesso e possibilidade de uso e que, assim, protege seus membros da necessidade de viver desabrigados, em condições consideradas aquém do mínimo necessário para comodidade, segurança e bem-estar de todo o grupo.

Maria Helena Diniz (2010, p. 192), além de destacar a origem do bem de família como sendo dos Estados Unidos, ressalta que seu intuito central encampa a garantia de “[...] um lar à família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais”.

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Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 310) conceituam o bem de família como “[...] o prédio destinado pelos chefes de família ao exclusivo domicílio desta, mediante especialização no Registro Imobiliário, consagrando-lhe uma impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa”. Percebe-se, assim, que é essencial que esse bem seja, de fato, utilizado como domicílio da entidade familiar, não sendo aplicado para outras finalidades (aluguel, comércio etc.).

Para Azevedo (2010, p. 28-29), o bem de família é refúgio, é asilo para a família e, assim, o imóvel no qual o grupo reside tem proteção legal durante a vida dos cônjuges ou companheiros, além de garantir esse direito aos filhos dessa relação até que sejam maiores e tenham condições de buscar o próprio espaço de residência e segurança. O bem de família poderá deixar de sê-lo, ou seja, não será sempre um bem de família caso os formadores da família venham a óbito e seus filhos passem a ser considerados adultos, capazes de zelar por si próprios.

Pode ser um imóvel urbano ou rural, desde que sua finalidade seja residencial. A Súmula 354 do STJ protege como bem de família a unidade habitacional na qual reside uma pessoa solteira, separada ou viúva, levando em consideração que aquele pode ser seu único asilo para evitar uma vida desabrigada (GONÇALVES, 2012, p. 582).

Na concepção de Farias e Rosenvald (2013, p. 945) o esforço de proteção do bem de família “[...] ganha contornos ainda mais nítidos com a regra constitucional do domicílio como um direito social (CF, art. 6º), passando a decorrer da própria afirmação do patrimônio mínimo da pessoa humana”. Em outras palavras, não se trata apenas de resguardar um bem imóvel, mas de por a salvo um bem imóvel essencial para que uma pessoa ou um grupo familiar possam viver de forma segura, minimamente digna e, assim, possam construir para si e seus familiares condições de vida melhores e mais adequadas de forma contínua.

Proteger o bem de família é proteger a própria família que nele se abriga e dele depende para viver de forma respeitosa (DINIZ, 2010, p. 193).

Dentro dos conceitos do bem e família, deve-se esclarecer que este pode configurar-se como voluntário ou legal, no entanto, tais especificidades serão estudadas posteriormente, em tópico específico destinado à análise da legislação que rege o tema.

Na sequência apresenta-se um esclarecimento quanto ao histórico do bem de família.

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3.3 HISTÓRICO

Por mais simples que seja a morada de uma família, é ela que garante abrigo das intempéries, dos riscos existentes nas ruas e, assim, proteger o bem de família é um esforço para que as pessoas tenham condições de vida minimamente essenciais para sua dignidade (AZEVEDO, 2010, p. 30).

Nesse sentido, se torna bastante importante compreender de onde surgiu o ideal de bem de família e como expandiu-se até alcançar as características que apresenta atualmente.

O bem de família tem origem recente, tendo sido reconhecido inicialmente nos Estados Unidos, destacado como Homestead1, destacando que as leis do país deveriam encontrar formas de proteger esse bem para que, assim, estivesse oferecendo proteção para uma instituição indispensável, a família (AZEVEDO, 2010, p. 26).

Diniz (2010, p. 217-218) ressalta que no Texas (EUA), em 1839, foi promulgado o Homestead Exemption Act, instituto que se equipara ao bem de família voluntário e define que esse bem deve ser protegido, resguardado de dívidas (exceto nos casos previstos em lei), para que a família não perca sua única residência.

Gonçalves (2012, p. 844) ressalta que a população americana, especialmente do Texas, estava endividada com bancos europeus em função de empréstimos tomados dessas instituições e, como a economia encontrava-se em um momento de dificuldades, as pessoas não puderam adimplir com seus compromissos e passaram a perder a única coisa que havia restado, o local no qual residiam com suas famílias, gerando uma situação de desabrigo que fugia totalmente da ideia da construção de uma sociedade digna para seus cidadãos.

Depois de sua instituição no Texas, rapidamente expandiu-se para o restante do país, em face do reconhecimento do valor desse diploma para a proteção da família e da pessoa de forma individual. O lar passou, assim, a ser reconhecido como espaço protegido visando manter as melhores condições de vida das pessoas que ali residiam, lar e família passam a ter uma proteção conjunta (RIZZARDO, 2019, p. 850-851).

Ressaltam Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 323) que o esforço do Texas de colocar a salvo de penhora o bem de família foi recebido com bons olhos e outros países verificaram a relevância desse instituto, inserindo-o também em suas leis, como Suíça, Espanha, Portugal, Chile e Brasil. Em cada país, o instituto tem uma nomenclatura específica,

1 De acordo com Azevedo (2010, p. 26), homestead significa local do lar, com a ideia de que se trata do local de

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porém, sempre com a ideia de que há um mínimo necessário para uma existência digna, preservando a moradia como forma de preservar a própria vida.

No Brasil, o Código Civil de 1916 foi a primeira legislação a fazer referência ao bem de família e definir que este atua como local de proteção para o grupo familiar, não podendo ser retirado dessas pessoas em face de dívidas, exceto em casos nos quais os impostos desse bem não fossem devidamente adimplidos (RIZZARDO, 2019, p. 850-851).

Na sequência aborda-se o bem de família na legislação brasileira em vigor.

3.4 LEGISLAÇÃO

Em 1990 foi promulgada a Lei nº 8.009, que destaca que o bem de família é impenhorável. A referida lei coloca a salvo o imóvel próprio do casal ou do grupo familiar de qualquer forma de penhora, desde que essa família resida no imóvel. O bem de família pode ser voluntário ou legal, de acordo com sua instituição e especificidades que apresenta. Quanto ao bem de família legal, apresenta-se:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. (BRASIL, Lei nº 8.009, 2020).

Nesse sentido, caso a família seja proprietária do imóvel, porém não faça uso residencial do mesmo para si, não há que se falar em proteção do bem de família, por não atender aos requisitos mínimos para esse tipo de uso.

É chamado de voluntário quando atende aos requisitos do art. 1.711 do Código Civil, demanda de realização de escritura pública ou testamento, definindo que um bem imóvel serve “bem de família”, ou seja, para abrigo e proteção do grupo familiar, destacando-se o texto do CC, que define:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial (BRASIL, CC, 2020).

Sobre o bem de família voluntário, este precisa ser legalmente instituído, conforme o CC, que aduz:

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Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis (BRASIL, CC, 2020). Tal instituto, nessa seara, “[...] depende de ato voluntário do proprietário, formalizado por escritura pública ou testamento e tem por efeito a indisponibilidade do imóvel em que a família reside, durante a vida dos cônjuges ou até a maioridade civil dos filhos” (XAVIER, 2018, p. 22).

Seja o bem de família legal ou voluntário, ele sempre faz referência ao bem imóvel que atua como único local de residência da unidade familiar e, em alguns casos, pode englobar valores guardados pelo grupo para situações emergenciais, conforme o texto a seguir:

O bem de família voluntário, assim como o legal, consiste em um imóvel residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinado ao domicílio familiar. Podendo, ainda, abranger valores mobiliários, ou seja, aplicações financeiras neste âmbito de proteção convencional, desde que vinculados à preservação física do imóvel ou ao sustento da família, para, assim, garantir a entidade familiar meios de prover a sua subsistência, desde que esses valores não ultrapassem o valor do imóvel (SILVA, 2019, p. 18).

Ainda que existam semelhanças entre o bem de família legal e o voluntário, existem procedimentos e requisitos que diferenciam esses institutos entre si, conforma destaca Silva (2019, p. 19), ao citar que:

As duas espécies de bem de família, deste modo, se divergem no sentido de que, o bem de família voluntário decorre da vontade dos interessados, sendo necessário, ainda, o atendimento de certas formalidades e requisitos para sua instituição. No tempo em que o bem de família legal não depende de manifestação do seu instituidor e não está condicionado a qualquer formalidade, bastando residir no imóvel para torná-lo, por força de lei, impenhorável

A diferença central encontra-se, então, na manifestação da vontade (bem de família voluntário) ou no reconhecimento legal (bem de família legal) de seu papel como forma de proteção da entidade familiar em qualquer que seja sua configuração.

Lobo (2011 apud XAVIER, 2018, p. 23), a respeito das diferenças entre os dois institutos, afirma que “[..] o bem de família legal tem por finalidade a proteção da moradia da família, enquanto o bem de família voluntário visa à proteção da base econômica mínima da família: tem conteúdo mais aberto e amplo que o primeiro”.

Para uma compreensão mais específica quanto as especificidades de cada uma dessas formas de concretização do bem de família, apresenta-se a Tabela 1, na sequência:

Referências

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