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RENATA BATISTA DE OLIVEIRA

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Academic year: 2019

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RENATA BATISTA DE OLIVEIRA

O ESCÂNDALO DE UMA NOVA PERSPECTIVA:

TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DO ROCK

ARGENTINO (1966-1973)

Programa de Est udos Pós-Graduados em Hist ória

Pont if ícia Universidade Cat ólica de São Paulo

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RENATA BATISTA DE OLIVEIRA

O ESCÂNDALO DE UMA NOVA PERSPECTIVA:

TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DO ROCK

ARGENTINO (1966-1973)

Dissert ação apresent ada à Banca Examinadora

da Pont if ícia Universidade Cat ólica de São

Paulo, como exigência parcial para a obt enção

do t ít ulo de MESTRE em Hist ória Social, sob a

orient ação da Prof a. Dra. Yvone Dias Avelino.

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AGRADECIMENTOS

Uma dissert ação de Mest rado não é f eit a só de pesquisa, de leit ura, de discussões de idéias, da sua redação. Uma dissert ação é t ambém result ado do carinho, do apoio, do incent ivo daqueles que nos cercam.

Agradeço a Prof . Dra. Yvone Dias Avelino pela orient ação, pela paciência, pela segurança e pelo carinho de sempre.

Agradeço aos meus pais: ao meu pai Jarbas, pelos conselhos de t oda uma vida; à minha mãe Elisabet e, pela dedicação t ot al. Criar f ilhos é escolher a melhor f orma de most rar o mundo a eles, e eu cont inuo a aprender com vocês.

Agradeço às minhas irmãs Adriana e Fabiana, companheiras de sempre, por est arem sempre a meu lado, em t odos os moment os, e por me cercarem de amor. Ao cunhado Ricardo, pelo carinho, pelas dicas, pelo apoio. Ao meu sobrinho Felipe, que encheu de graça as nossas vidas, e que f az meu dia mais f eliz quando me chama de Tat á.

Aos amigos: Fernando Camargo, pelas sugest ões f undament ais e pelo apoio de sempre; Toninho, pela poesia e pelos livros emprest ados; Fernanda Galve e Ana Karine pelas mensagens de incent ivo; minha “ f ada-madrinha” Carmem, por não me deixar desist ir logo no início; e a Luis Est eban, pelas conversas no início do curso.

Aos prof essores Ant onio Rago Filho e Vera Lúcia Vieira, pelas crít icas e sugest ões f eit as na banca de qualif icação, e pela amizade e o carinho.

Aos amigos que souberam compreender meu “ sumiço” : Jamir Kinoshit a, Fabiana Tavares, Rosiris e Marcelo Belo, Adalbert o Leist er Filho, Liliana Pires e os primos Fábio e Flávia.

À amiga Mariana Mat aluna, sempre dispost a a aj udar, e ao seu irmão Lupe, pela at enção com que me recebeu em sua casa, guiou meus primeiros passos em Buenos Aires e ainda cozinhou saborosos j ant ares.

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com as quais aprendi muit o. É com saudades que agradeço a Kat hinka, So-Huan, Cheng, Jessie e, principalment e, a Pravin Wankehde, por aquele show dos Rolling St ones.

Às amigas Luciane Macedo, pelo reencont ro, pelas divert idas conversas t elef ônicas, pelo apoio via int ernet enquant o est ava em Buenos Aires e pela aj uda de últ ima hora; e Robert a Azambuj a, pelas risadas e por meu est oque de doce-de-leit e argent ino.

A t odos os prof essores do curso de Hist ória – Graduação e Est udos Pós-Graduados – pelos ensinament os e pela convivência e, em especial, ao prof essor Mauricio Broinizi Pereira pelas sugest ões f eit as no início do t rabalho.

A t odos os f uncionários da Bibliot eca da PUC-SP, aqui represent ados por Lucinha, Neusa, Verônica, Denise e Rocha. Agradeço a at enção nest es anos t odos.

Ao Rocco e Miúcha pelas risadas, e à Maria e ao Raf ael Sant os pela f orça indispensável.

À amiga Claudia Barrient os, pelo meu primeiro CD do Fit o Paez!

À Fundação Capes, pela bolsa de est udos, sem a qual est e t rabalho não t eria sido concluído.

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RESUMO

Nos anos 1960, a revolução cult ural desencadeada em países como Est ados Unidos, Inglat erra e França chegou à Argent ina e, mais especif icament e, à capit al f ederal Buenos Aires. Enquant o isso, a indúst ria f onográf ica passou a invest ir de modo mais sist emát ico no segment o da música j ovem, com a cont rat ação de art ist as que deviam se adequar à moda do moment o.

È nest e cenário que surgiu o r ock argent ino, cuj a bandeira f oi ent ão levant ada por músicos e adept os que buscavam se dif erenciar dos demais art ist as vinculados ao rót ulo da música j ovem.

O present e t rabalho est uda a t raj et ória desse moviment o, ent re os anos de 1966 e 1973, período no qual a Argent ina viveu sob a dit adura milit ar dos generais Juan Carlos Onganía, Robert o M. Levingst on e Alej andro Lanusse. Um período no qual uma f ort e repressão t ambém inf luenciou no f ort aleciment o do moviment o.

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ABSTRACT

In t he ninet een-sixt ies, t he cult ural revolut ion endendered in count ries like t he Unit ed St at es, England and France arrived in Argent ina and, more specif ically, in t he f ederal capit al Buenos Aires. At t he same t ime, t he phonographic indust ry began t o invest more syst emat ically in music f or t he young generat ions, by hiring art ist s who should f it in t he current t rend.

It is in t his cont ext t hat Argent inian r ock music appears. It s f lag is t hen risen by musicians and f ollowers who will t ry t o set t hemselves apart f rom all t he ot her art ist s whose work was generally labeled as music f or t he yout h.

The present work st udies t he course of t his movement bet ween 1966 and 1973, when Argent ina lived under t he milit ary dict at orships of generals Juan Carlos Onganía, Robert o M. Levingst on and Alej andro Lanusse, and when t he f ierce polit ical represion would also st rengt hen up t he moviment .

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ÍNDICE

Considerações Iniciais 10

Capítulo 1 – Cenário Internacional e Nueva Ola Uma nova onda 28 Cont racult ura: hi ppi es, beat ni ks 43

e pacif ist as em meio à Guerra Fria A invasão brit ânica 46

Capítulo 2 – O Rock nos Anos da Revolução Argentina Náuf ragos 62 Além dos Náuf ragos: Escola, música & col i mba 76 Produt o nacional 86 Guerrilha, Cordobazo & Rosariazo 94

Fest ivais, r azzi as & ¡rompan t odo! 99

Pidamos peras, pidamos Perón 108

Y volvió el viej o.. . 114

Capítulo 3 – Romper con la Gran Careta Argentina 3. 1 Mit o de f undação 118

A chegada dos hi ppi es 122

Uma quest ão de at it ude 135

3. 2 O ser nacional argent ino versus a sensibilidade da f lor 160

O t ango e o rock – prot agonist as marginais de seu t empo 185

Considerações Finais 193

Fontes 202

Bibliografia 205

Anexo 1 – Imagens 214

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

“ Random is not whatever” Charly García

Quando inscrevi o que seria o primeiro dos proj et os de pesquisa para est a dissert ação, a música popular Brasileira est ava muit o mais present e no meu dia-a-dia do que o r ock. E se não f osse por um disco de Caet ano Veloso, obj et o de desej o de uma amiga chilena, é bem provável que t odo o universo do r ock argent ino seguisse, para mim, limit ado a um ou dois nomes. E ent ão eu não precisaria sempre responder para int erlocut ores maravilhados: sim, exist e r ock em espanhol.

O CD de Caet ano f oi para o Chile e, em t roca, f iquei com uma pl aca que t inha como t ít ulo El amor después del amor. Um disco que at é hoj e é considerado o maior êxit o da hist ória do r ock argent ino, com mais de 650 mil cópias vendidas, um sucesso que se est endeu a t oda América Lat ina e que f ez com que part e da crít ica argent ina apont asse est e t rabalho como o mais comercial de Fit o Páez.

Fit o, que cresceu ouvindo Tom Jobim, f oi peça f undament al para que t odo esse cenário de r ock argent ino se descort inasse diant e dos meus olhos – ou melhor: dos meus ouvidos. Mas não f oi só isso. O que chamamos de acaso ou azar (no bom sent ido) colaborou para que eu esbarrasse em uma t ese de dout orado sobre o lunf ardo, a gíria port enha que brinca, ent re out ras coisas, de vesr e – ou revés – ao t ransf ormar pensi ón, por exemplo, em si onpe. O t ema sempre me int eressou, mas naquele moment o minha at enção est ava volt ada para a apresent ação do t rabalho, que era t ambém a apresent ação de seu aut or. Eu queria conhecer aquele “ cara” . Mas ant es de qualquer coisa era preciso me concent rar na redação do proj et o e, como de cost ume, eu est ava at rasada.

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Semiót ica da Pont if ícia Universidade Cat ólica e um prof undo conhecedor, como roqueiro que é, da hist ória do r ock e do r ock argent ino, e que cuj as coleções de vinis, CDs, j ornais e revist as f ariam invej a a qualquer bibliot eca pública argent ina, inclusive a Nacional. Cesarot t o é t ambém o aut or daquela t ese, agora livro, sobre o lunf ardo: ele é, simplesment e, “ o cara” que eu queria conhecer, o aut or daquela int eressant e int rodução.

Conf esso que at é ent ão eu não cost umava ler int roduções ou prólogos de livros. Eu geralment e salt ava as apresent ações, procurando encont rar a esmo ou conf iando nos índices, quando na ausência dos prát icos remissivos, aquilo que me int eressava. At é perceber que elas - as int roduções - est ão ali, no comecinho de t udo, por algum mot ivo. E, nest e caso, não poderia ser de out ra f orma.

A decisão de t razer para est as páginas iniciais aquilo que chamo de est órias de bast idores de um proj et o não é, port ant o, casual. Elas t êm como obj et ivo apresent ar est a dissert ação como algo mais que a redação f inal de um t ext o, e sim um processo, às vezes muit o t ort uoso, de pesquisa e ref lexão sobre um t ema.

O encont ro com Oscar Cesarot t o f oi, nest e caso, não só o início de uma amizade, como t ambém a descobert a da amplit ude daquele universo que havia começado a se descort inar com Fit o Páez, sua música e as ref erências que a part ir dela se desdobravam.

Diant e de t ant a novidade, eu vislumbrei ali a possibilidade de cont inuar a t rabalhar com o r ock argent ino, mas ent ão em período e cont ext os dist int os dos que havia propost o. De 1983 ret rocedi quase 20 anos para pesquisar sobre roqueiros em um país que vivia os anos da proclamada “ Revolução Argent ina” , inst aurada em 1966 com o golpe de Est ado que depôs o president e const it ucional Art uro Illia para a ascensão do general Juan Carlos Onganía.

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ret ornasse à presidência da República Argent ina, depois de 18 anos de exílio na Espanha.

Dest e modo, meu recort e t emporal est ava delimit ado pelos anos da t al “ Revolução Argent ina” pregada por Onganía, ou sej a, de 1966 a 1973. A idéia era ent ão a de est udar a repressão sof rida por roqueiros argent inos durant e est e período. Era est a a idéia, at é o moment o em que um amigo, o t ambém hist oriador Fernando Camargo, me f ez uma pergunt a que provocou mais uma reviravolt a nest e t rabalho: ele queria saber se o r ock f eit o por argent inos j á era realment e considerado um “r ock nacional” , como eu havia mencionado.

A respost a é sim, o r ock argent ino é chamado de r ock nacional. Tão nacional que é possível encont rar pesquisas, enquet es na int ernet em que o r ock argent ino aparece como o segundo est ilo musical mais import ant e na

Argent ina, at rás soment e do t ango. Uma const at ação que me f az recordar do debat e, na segunda met ade dos anos 1980 no Brasil, sobre o r ock de bandas brasileiras. O t ema t inha espaço garant ido em revist as especializadas como a Bi zz, da Edit ora Abril, que publicou em abril de 1988 uma ent revist a com Chico Buarque, na qual ele af irmou que “ Hoj e t em est a coisa de host ilizar o r ock. Ist o é uma best eira. O próprio r ock nacional, quando f or mesmo brasileiro, vai t er condições de sair por aí, ser export ado e arrebent ar.”1

A cargo do j ornalist a Thomas Pappon, a ent revist a com Chico Buarque t rouxe como uma espécie de apêndice um “ mapa” dos diversos rit mos da América Lat ina, preparado pelo pesquisador musical Hermano Vianna. Sobre a Argent ina, Vianna escreveu: “ O t ango se modernizou com Ast or Piazzolla, mas acabou se t ornando uma música de elit e, j azzif icada. Os roqueiros de Buenos Aires, como Charlie (si c) Garcia, Luis Albert o Spinet t a, Fit o Páez e Soda St ereo, mandam e desmandam na cena musical argent ina. Fit o Páez j á f ez int eressant es pesquisas com o t ango. At é sampleou o som de um bandeneón. Para quando o t ango pop?” . Excet o por dois erros, a graf ia do nome de Charly e a origem de Fit o, que é de Rosário, mas vive em Buenos Aires, Vianna acert ou em dest acar o poder de convocação do r ock argent ino. Nest e caso, o pesquisador t eve a seu f avor, não só o reconhecido t alent o como pesquisador, como t ambém uma f ont e próxima: o irmão Herbert , vocalist a de Os Paralamas

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do Sucesso e amigo ínt imo e parceiro de músicos como os cit ados Charly García e Fit o Páez.

Quant o à previsão de um t ango pop, ela f oi superada pela propost a do Baj of ondo Tango Club, um proj et o que mescla t ango com música elet rônica e reúne músicos argent inos e uruguaios, como Adriana Varela e Jorge Drexler, sob a bat ut a de produt ores como Gust avo Sant aolalla e Juan Campodónico. Mas ist o é out ra hist ória.

É bem provável que eu t enha lido t ant o a ent revist a do Chico Buarque, como o t ext o do Hermano Vianna naquela época. Me lembro que era uma alegria receber em casa, mês a mês, a revist a cuj a assinat ura part iu de uma negociação ent re um pai preocupado e uma f ilha “ meio” veget ariana, que passou a comer um f ilé de f rango aqui e ali, em t roca daquela assinat ura. Mas est a t ambém é out ra hist ória.

O que int eressa é que, naquele moment o, o r ock argent ino j á gozava do st at us de manif est ação cult ural nacional. Um st at us que não f oi conquist ado

da noit e para o dia, mas f oi um processo que t eve seu auge em 1982, com a Guerra das Malvinas e com a proibição, inst aurada pela dit adura milit ar sob o comando do general Leopoldo Fort unat o Galt ieri, da execução em emissoras de rádio e t elevisão de qualquer música cant ada em inglês.

Foi ent ão que r ock cant ado em cast elhano saiu dos programas especiais de rádios e canais de t elevisão para ser veiculado como f orma de preencher uma grade de programação que não podia mais cont ar com t emas no idioma do inimigo, o Reino Unido. E f oi assim que muit os roqueiros argent inos alcançaram, de uma hora para out ra, uma proj eção nacional inesperada. Um novo st at us que t eve seu bat ismo de f ogo no dia 16 de maio, com a realização do Fest ival da Solidariedad Lat inoamericana. Foram quat ros horas de r ock, com t ransmissão ao vivo pelo canal 9 e pelas rádios como a Del Plat a, com arrecadação de 50 caminhões replet os de roupas de f rio, aliment os e cigarros para os j ovens soldados argent inos. Mant iment os que nunca chegaram às Malvinas, assim como as demais doações realizadas pela sociedade argent ina.

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cuj o t ema-t ít ulo era cant ado por Bill Haley & seus comet as, não só provocou f renesi em salas de cinema do país, como a própria apresent ação do grupo em Buenos Aires levou j ovens port enhos ao delírio.

A hist ória do r ock na Argent ina poderia ent ão começar a ser cont ada a part ir da década de 1950, quando surgiram os primeiros art ist as e seus nomes em inglês e versões de sucessos de ast ros como Presley e Haley. Ao cont rário disso, a hist ória do r ock nacional exclui t ais personagens de seus capít ulos iniciais. O mesmo ocorre com art ist as relacionados a moviment os como a Nueva ol a, criada por um execut ivo da RCA argent ina na década de 1960, com

raras menções em livros sobre t ema, menções que marcam o ant agonismo ent re est es art ist as e aqueles que compõem a hist ória do r ock nacional.

À descobert a de uma “ pré-hist ória” do r ock argent ino, se seguiu uma cert a indisposição ent re pesquisadora e obj et o de pesquisa, t alvez a mesma implicância que Pablo Alabarces, aut or de Ent r e Gat os y Vi ol ador es – El r ock naci onal em l a cul t ur a ar gent i na demonst rou t er ao ironizar a repet ição de

uma narrat iva que ele chama de “ los cadernos de oro” do r ock argent ino. Alabarces, que não só menciona, mas analisa a Nueva ol a, escreveu o livro que eu gost aria de t er escrit o. Um livro que comprei apenas porque era barat o - 14 pesos - pois est ava cansada de t ant os livros que havia comprado mas que pareciam não acrescent ar nada de novo. E quando um pesquisador encont ra um livro assim, ele t em a sensação de que não t em nada a dizer. Mas f oi j ust ament e da aparent e implicância de Alabarces com aqueles que ele chama de ideólogos de um primeiro moment o, de uma primeira f ase do r ock nacional, que se def iniu o t ema do present e t rabalho.

Na análise que f az desse primeiro moment o, Pablo Alabarces af irma que “ el r ock nacional encuent ra durant e muchos años las excusas para disimular su f ervient e conf lict ividad int erna. Siempre hay enemigos a la vist a: en el moment o de su conf ormación, el OTRO son los comerciales, los complacient es, (…). Desde el 70, el enemigo es EL SISTEMA, que adquiere una encarnación dura en el f inal del régimen milit ar de la Revolución Argent ina; (…).2”

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Daí surgiram os seguint es quest ionament os: se est es inimigos serviram para dissimular um f ervent e conf lit o int erno, qual f oi o element o de coesão ou element o em comum que exist iu ent re esses músicos, que os podia dist inguir dos demais, os “ inimigos ext ernos” ? O que mant eve essa união? Em t orno de que ideal e a part ir de que discurso ela f oi mant ida? E o que havia em comum para ser prot egido de um inimigo ext erno? Se imaginarmos que os grupos de r ock f ormavam part es de uma mesma colcha de ret alhos, a pergunt a seria: que linha é essa que une pedaços de dif erent es t ipos de t ecidos?

Em um segundo moment o, est as quest ões se desdobraram em out ras, que resumo no obj et ivo em encont rar, na cont raposição ent re “ os out ros” e “ nós” , as mot ivações para uma repressão impost a cont ra músicos, at ivist as e adept os do r ock. Uma repressão que, como veremos na análise de canções, est ava cent rada na det enção e no cort e obrigat ório de cabelos que est ivessem abaixo da alt ura da orelha desses j ovens.

Dest e modo, o present e t rabalho t em como obj et ivo analisar, em um primeiro moment o, depoiment os e manif est os de modo a compreender o pensament o de músicos e at ivist as – t ermo cunhado por Miguel Grinberg - sempre em cont raposição a um “ out ro” , f osse ele os músicos complacent es ou os int elect uais do Bar Moder no. Em seguida, a essa análise é somada a das canções que ret rat aram a repressão sof rida por músicos e f ãs de r ock, uma repressão provocada pelo visual que est es exibiam. Um visual que comunicava o cont eúdo de uma mensagem que esses j ovens queriam t ransmit ir à sociedade, e que pode ser evidenciado t ambém na dif erenciação ent re os “ out ros” e “ nós” , discut ida ant eriorment e.

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uma dit adura milit ar que buscava ref orçar os valores morais da Igrej a Cat ólica.

A t ent at iva de responder a t ais quest ionament os é t ambém a de apont ar como a hist ória do r ock nacional argent ino se consolidou a pont o de cont ar com lendas locais como Tanguit o, mort o aos 26 anos. A pont o de ser reproduzida em livros, em ant ologias que t razem uma mesma versão de uma hist ória que parece est ar t ão consolidada, o que limit a a discussão hist oriográf ica a poucos t ít ulos em meio a um mar de publicações.

Por out ro lado, esse mar de publicações f oi imprescindível para est e t rabalho, na medida em que f oi possível cruzar depoiment os, manif est os, ent revist as e relat os apresent ados, muit as vezes, int egralment e. E é com est e mat erial, somado aos document os encont rados em duas viagens que f iz a Buenos Aires, que se deu a análise dest e t rabalho. Análise est a que t ambém result ou na t ent at iva de ordenar uma imensa quant idade de vozes – relat os, ent revist as, manif est os – edit adas sem a preocupação em sit uar os f at os; em dat ar os acont eciment os; em, por meio deles, cont ext ualizar o moment o e as condições em que est es ocorreram e nos quais eles f oram narrados; em suma, em hist oriá-los.

É por est e mot ivo que os document os analisados no capít ulo 3 f oram proposit alment e est udados em sua ordem cronológica, de modo a avaliar a evolução do pensament o de art iculadores do que chamo - a part ir dest e moment o - de um moviment o roqueiro, j á que, como af irmaram esses mesmos art iculadores, ele começou sem nome cert o, ora chamado de música beat, música progressiva, música j ovem. Rót ulos que em realidade o aproximavam daqueles que eles – os roqueiros - queriam dist ância.

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considerados “ est rangeirizant es” ou “f or aneos” do que se pregava como o ideal do “ ser argent ino” , de f ormação crist ã e ocident al.

Roqueiros cabeludos não f aziam, port ant o, part e desse ideal. Daí uma primeira perseguição, analisada por est e t rabalho, que reuniu j ovens cabeludos em t orno de um mesmo rót ulo, assumido pelo grupo, de hi ppi e. Depois a repressão cont ra qualquer moviment o que alt erasse uma ordem que j á não exist ia, após as rebeliões do Cordobazo e do Rosariazo, e pelas primeiras ações de moviment os guerrilheiros, com dest aque para os Mont oner os.

No meio de t udo isso, o r ock j á começava a t er sua hist ória cont ada. O primeiro livro publicado sobre o t ema f oi Agar r at e. . . !, uma compilação de t ext os sobre bandas assinada pelo j ornalist a Juan Carlos Kreimer. Lançado no f im de 1970 pela Edit oria Galerna, o livro t razia em sua cont racapa o seguint e t ext o: “ Aun est á por verse si esa marej ada de rit mos que le cambio el pulso a los argent inos más j óvenes sobreviverá o no al desgast e de las modas y al crecimient o de sus cult ores. Pero es innegable que permit e um nuevo t ipo de comunicación cult ural y la expansión progresiva de una música y una poesía que crecen sobre si mismas. Los dist int os t est imonios, opiniones y f ot ograf ias que conf orman Agar r at e…! Int ent an at rapar algunas voces de ese f enómeno” .

O livro não só est á esgot ado e f ora de cat álogo há muit os anos, como t ambém havia sido esquecido: f oi um pouco ant es da conclusão dest e t rabalho que recebi a not ícia da exist ência dest e que seria o primeiro livro sobre o r ock argent ino. Mas se não se pode cont ar com uma análise mais det alhada de seu cont eúdo, é possível not ar, pelo t ext o cit ado, que f órmula escolhida por Kreimer serviu de inspiração para muit os t rabalhos post eriores de dif erent es aut ores. Assim t ambém como f ez escola a publicação de Miguel Grinberg, Como vi no l a mano, na qual mist ura ent revist as com t ext os que cont am uma hist ória da qual Grinberg f oi, de cert o modo, t ambém prot agonist a, no papel de j ornalist a e art iculador do moviment o.

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subt ít ulo do livro, das origens do r ock argent ino. Nele, é possível encont rar ent revist as de art ist as como Luis Albert o Spinet t a, Lit t o Nebbia, Claudio Gabis, Gust avo Sant aolalla, e de art iculadores do moviment o como Pipo Lernoud e o edit or Jorge Alvarez. São ent revist as realizadas na época do primeiro lançament o do livro, e muit as das quais f oram analisadas pelo present e t rabalho.

É j ust ament e com Miguel Grinberg que out ro aut or, o j á cit ado Pablo Alabarces, dialoga ao crit icar ironicament e a criação, por part e daquele, dos “ cadernos de ouro” do r ock argent ino. Formado em Let ras e Lit erat ura, prof essor da Universidad de Buenos Aires – a Uba, Alabarces f oi provavelment e o primeiro acadêmico a publicar uma obra sobre o r ock argent ino. O que não signif ica nenhum st at us de superioridade, mas um maior rigor, por exemplo, com cit ações de f ont es, algo que f acilit a e muit o a vida de um pesquisador. Mas o que realment e vale dest acar nest a obra é a preocupação em discut ir o r ock nacional inserido no cont ext o da cult ura argent ina. Dest e modo, o t ext o

de Alabarces f oi um dos poucos que t ive cont at o em que a hist ória do r ock argent ino não est ava dest acada, ret irada da hist ória da Argent ina. Fat o que result ou na const it uição de um diálogo ent re est a obra e o present e t rabalho, a pont o de t er sido a part ir dele que surgiram as quest ões que pret endo discut ir aqui.

Alabarces escreve com a desenvolt ura de quem não só est udou o t ema, mas de quem viveu experiências parecidas na adolescência, com a part icipação em bandas de garagem criadas para at rair a at enção das garot as da escola. Muit as vezes irônico, o aut or se preocupa mais em pergunt ar e em levant ar novas quest ões do que responder os porquês da assimilação do r ock via Elvis Presley e Beat les aos hábit os e aos cost umes argent inos. Talvez por isso mesmo, pela preocupação em sist emat izar indagações sobre uma hist ória do r ock nacional que parece muit as vezes consolidada que Alabarces alf inet a aqui e ali aut ores como Grinberg e possibilit a assim o surgiment o de novas quest ões sobre a hist ória do r ock argent ino.

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compilação, apoiado em f ont es como ent revist as, report agens de j ornais e revist as, let ras de canções e de f ot ograf ias não só dos art ist as mencionados, mas t ambém de capas de discos, panf let os, cart azes e out ros mat eriais gráf icos de sua vast a coleção. Fernández Bít ar, que t rabalhou em revist as especializadas como a inst igant e Cerdos & Peces (publicação da década de 1980 e, port ant o, não est udada por est e t rabalho), produziu uma f ont e de consult a essencial para pesquisadores do r ock argent ino, mas pecou pela ausência de cit ações. O que parece desnecessário para um leit or comum é f undament al para o pesquisador que é obrigado a f olhear revist a por revist a, j ornal por j ornal, em busca de uma f ont e que não t em a ref erência exat a de dat a em bibliot ecas que só aceit am um pedido de volume por vez.

A obra de Fernández Bít ar t ambém serviu como f ont e de consult a para o livro Bai l ando sobr e l os escombr os, escrit o pelo j ornalist a especializado em música – inclusive na nossa MPB – Carlos Polimeni. A obra não se rest ringe ao r ock argent ino, mas ao r ock produzido na América Lat ina, cenário, segundo

Polimeni, de longos conf lit os ent re os moviment os roqueiros e uma repressão recorrent e e uma censura que serviram como f orma de f ort aleciment o desses moviment os. “ Bailar sobre los escombros” é uma expressão cunhada para explicar a explosão do r ock argent ino durant e os anos 1980, com o f im do Pr oceso de Reor gani zaci ón Naci onal, a violent a dit adura milit ar ent re os anos

1976-1983, encerrada com o desapareciment o de cerca de 30 mil pessoas, o t rauma e a mort e de 649 de j ovens soldados argent inos durant e a Guerra das Malvinas.

Também est eve a cargo de out ro j ornalist a, Ezequiel Abalos, a compilação de depoiment os de dif erent es art ist as do período est udado, publicados sob o t ít ulo de Pequeñas anécdot as del r ock de acá – Los pr i mer os 10 años. Relat os que são ant ecedidos com pequenas not as sobre o art ist a ou o grupo que ele f ormava. O dif erencial de Abalos f oi o de buscar novas vozes, com depoiment os de int egrant es menos dest acados, que apresent am novos det alhes, novas inf ormações aos relat os j á conhecidos.

O últ imo t rabalho que dest aco é a obra Hi j os del r ock – Una mi r ada psi coanal ít i ca sobr e l os adol escent es y el r ock, de Eva Gibert i, que cont a com

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aut ores são f ilhos de Gibert i, com uma dif erença de idade que possibilit ou à psicanalist a o cont at o com dif erent es gerações de adept os do r ock em sua própria casa. A part ir de experiências como est a, de relat os de pais e f ilhos em seu consult ório e das sensações despert adas por um show dos Rolling St ones na Argent ina que Gibert i const rói sua análise sobre t emas como o corpo no r ock, a part ir de uma leit ura hermenêut ica. E, assim como t ambém f az Polimeni, dialoga em cert os moment os com o t rabalho de Alabarces.

Como j á mencionei ant eriorment e, part e das f ont es analisadas nest e t rabalho não const it ui um cor pus novo, mas sim relat os, manif est os, t ext os recolhidos ent re relat os como os compilados pelo j ornalist a acima-cit ado Ezequiel Abalos.

O rest ant e dos document os – report agens em revist as e diários, por exemplo – f oram result ado de consult as em hemerot ecas em Buenos Aires como a da Bibliot eca Nacional, localizada no bairro da Recolet a, e a do Congresso Nacional, além da consult a de livros em bibliot ecas como a de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires; da Secret aria de Educação, cuj o arquivo t ambém f oi consult ado; e da sede da Conadep, (Comisión Nacional de Desaparecidos), organismo responsável pela guarda dos arquivos sobre a repressão principalment e durant e os anos da dit adura milit ar de 1976-1983.

Aliás, f oi possível localizar em t odos os arquivos e demais locais mencionados muit o mais mat eriais sobre esse período, como as cart ilhas criadas pelo governo cont ra o t errorismo nas escolas, do que sobre o moment o est udado por est e t rabalho. Mas é t ambém preciso lembrar que muit os document os f oram dest ruídos ou cont inuam ocult os, como no caso de uma invest igação sobre art ist as, uma list a negra realizada no f inal da década de 1970 que os órgãos responsáveis negam a exist ência de document os que comprovem os dados apresent ados pelo diário Clarín, apoiado no depoiment o de milit ares que t eriam t rabalhado na criação de t al relação.

(20)

Pol ít i co – Em Def esa do Par t i dar i smo na Ar t e, que li durant e o curso de graduação. Est e primeiro cont at o f oi int ensif icado com a leit ura de out ros mat erais de Sarlo, muit os inspirados, como o acima mencionado, em Walt er Benj amin e Raymond Williams. Para Sarlo, “ olhar polit icament e é pôr as dissidências no cent ro do f oco, o t raço oposicionist a da art e f rent e aos discursos (a ideologia, a moral, a est ét ica) est abelecidos. (...) Porque, de alguma maneira, olhar polit icament e a art e supõe descobrir as f issuras no consolidado, as rupt uras que podem indicar a mudança t ant o nas est ét icas quant o no sist ema de relações ent re a art e, a cult ura em suas f ormas prát icos-inst it ucionais e a sociedade”3.

Mas f oi soment e com a leit ura dos demais art igos do livro que compreendi out ras quest ões levant adas no t ext o cit ado. E mais do que isso. Me inquiet ou o modo de escrever, e de pensar de Sarlo, em art igos como A Magi a Moder na – Comuni cação à Di st ânci a, publicada no mesmo volume, em que me parece que os t emas que ela discut e não aparecem em uma hierarquia, mas em uma horizont alidade ou em qualquer out ro sent ido em que as quest ões não se esgot am, como se houvesse sempre a busca de novos element os para a análise.

As ref lexões de St uart Hall sobre ident idade e dif erença serviram para as primeiras discussões sobre o t ema, j á que o pont o de part ida dest e t rabalho f oi a const at ação, f eit a por Alabarces, de que o conf lit o int erno era dissimulado por inimigos ext ernos, o que result aria em uma união marcada ent ão pela dif erenciação.

Inspirado no conceit o de di f f er ánce de Jacques Derrida, Hall af irma que “ a ident if icação é, pois, um processo de art iculação, uma subsunção. Há sempre ‘ demasiado’ ou ‘ muit o pouco’ – uma sobredet erminação ou uma f alt a, mas nunca um aj ust e complet o, uma t ot alidade. Como t odas as prát icas de signif icação, ela est á suj eit a ao ‘ j ogo’ da di f f er ánce, ela envolve um t rabalho discursivo, o f echament o e a marcação de f ront eiras simbólicas, a produção de ‘ ef eit os de f ront eiras’ . Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é deixado de f ora – o ext erior que a const it ui”4.

3

SARLO, Beat riz. Paisagens imaginárias– Int elect uais, art e e meios de comunicação. São Paulo: Edusp, 1997, p. 55.

4

(21)

Mas com o desenvolviment o do t rabalho as ref lexões de Beat riz Sarlo sobre a const it uição de moviment os est ét icos que carregam a bandeira do novo, da rupt ura, se f izeram mais present es na análise do que f oi, ret omando uma met áf ora j á ut ilizada, o f io que alinhavou a colcha de ret alhos f ormada por esses j ovens roqueiros. No caso da repressão impost a pela dit adura milit ar, as ref lexões de Eric Hobsbawm em livros Sobr e a hi st ór i a e A i nvenção da t r adi ção, t ambém f oram f undament ais, assim como a análise de Helena Abramo.

Aproveit o ainda est e espaço para apresent ar uma breve conceit uação da indúst ria cult ural, a part ir de dois pont os ant agônicos: o de Theodor Adorno e o de Walt er Benj amin.

Para Teixeira Coelho, aut or de O que é i ndúst r i a cul t ur al, a crít ica negat iva à cult ura de massa e à indúst ria cult ural pode ser t raduzida – e generalizada - da seguint e f orma:

Assim, e part indo do pressupost o (aceit o a t ít ulo de argument ação) de que a cult ura de massa aliena, f orçando o indivíduo a perder ou a não f ormar uma imagem de si mesmo diant e da sociedade, uma das primeiras f unções por ela exercida seria a narcot izant e, obt ida at ravés da ênf ase ao divert iment o em seus produt os. Procurando a diversão a indúst ria cult ural est aria mascarando realidades int oleráveis e f ornecendo ocasiões de f uga da realidade. A expressão “ manobra de diversão” não signif ica exat ament e uma manobra de desviar do caminho cert o? O divert iment o, nessa moral empedernida def endida muit as vezes por pessoas curiosament e dit as libert árias, apresent a-se assim como inimigo mort al do pensament o, cuj o caminho seria supost ament e o da seriedade.5

A alienação se daria ent ão pela incapacidade de produzir ou promover ref lexões, de compor “ uma imagem de si mesmo diant e da sociedade” graças a um ef eit o narcot izant e que a cult ura de massa produz, apoiada na idéia de diversão. Uma ref lexão dif undida a part ir das ref lexões de dois f ilósof os da Escola de Frankf urt , Max Horkheimer e Theodor W. Adorno:

Mas a af inidade originária de negócio e divert iment o aparece no próprio signif icado dest e: a apologia da sociedade. Divert ir-se signif ica est ar de acordo. O amusement é possível apenas enquant o se isola e se af ast a a t ot alidade do processo social, enquant o se renuncia absurdament e desde o início à pret ensão inelut ável de t oda obra, mesmo da mais insignif icant e: a de, em sua limit ação, ref let ir o t odo.

5

(22)

Divert ir-se signif ica que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se most ra a impot ência. É, de f at o, f uga, mas não, como pret ende, f uga da realidade perversa, mas sim do últ imo grão de resist ência que a realidade ainda pode haver deixado.6

O uso de expressões como “ moral empedernida” não esconde no t ext o de Teixeira Coelho a oposição dest e aut or a est e pensament o, que ele cont inua a desenvolver:

Por out ro lado, com seus produt os a indúst ria cult ural prat ica o ref orço das normas sociais, repet idas at é a exaust ão e sem discussão. Em conseqüência, uma out ra f unção: a de promover o conf ormismo social. E a esses aspect os cent rais do f uncionament o da indúst ria cult ural viriam somar-se out ros, conseqüência ou subprodut o dos primeiros: a indúst ria cult ural f abrica produt os cuj a f inalidade é a de serem t rocados por moeda; promove a det urpação e a degradação do gost o popular; simplif ica ao máximo seus produt os, de modo a obt er uma at it ude sempre passiva do consumidor; assume uma at it ude pat ernalist a, dirigindo o consumidor ao invés de colocar-se à sua disposição.7

Ao promover o ref orço das normas sociais, a cult ura de massa como result ado de uma indust rialização da cult ura só pode signif icar, para Adorno e Horkheimer, coisif icação e ideologia. E apenas a liberdade f ormal é garant ida: “ Ninguém deve dar cont a of icialment e do que pensa. Em t roca, t odos são encerrados, do começo ao f im, em um sist ema de inst it uições e relações, que f ormam um inst rument o hipersensível de cont role social”8. A cont raposição a est e pensament o é f eit a mais uma vez por Teixeira Coelho:

Do lado da def esa da indúst ria cult ural est á inicialment e a t ese de que não é f at or de alienação na medida em que sua própria dinâmica int erior a leva a produções que acabam por benef iciar o desenvolviment o do homem. A f avor dest a idéia lembra-se, por exemplo, que as crianças hoj e dominam muit o mais cedo a linguagem graças a veículos como a TV – o que lhes possibilit aria um domínio mais rápido do mundo. Cit am-se ainda exemplos como o da moda, (...), capaz de a longo prazo promover alt erações posit ivas no comport ament o moral, ét ico, dos indivíduos.9

6

Horkheimer, Max & Adorno, Thedor W. A indúst ria cult ural – O iluminismo como mist if icação de massas. In: ADORNO, Theodor W. et al. Teoria da cultura de massa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 182.

7

Coelho. Op. cit. , pp. 23-24.

8

Adorno & Horkheimer. Op. cit. , p. 187.

9

(23)

Dest e modo, Teixeira Coelho resume pont os de vist a posit ivos sobre a indúst ria cult ural, part ilhados por pensadores como Walt er Benj amin. Segundo o f ilósof o alemão, a reprodução em série da obra de art e se conf igura como a oport unidade de dessacralizar essa art e que, ant es dos avanços t ecnológicos que t ornaram possível a sua reprodução, vivia envolt a em uma aura:

A f orma mais primit iva de inserção da obra de art e no cont ext o da t radição se exprimia no cult o. As mais ant igas obras de art e, como sabemos, surgiram a serviço de um rit ual, inicialment e mágico, e depois religioso. O que é de import ância decisiva é que esse modo de ser aurát ico da obra de art e nunca se dest aca complet ament e de sua f unção rit ual. Em out ras palavras: o valor único da obra de art e “ aut ênt ica” t em sempre um f undament o t eológico, por mais remot o que sej a: ele pode ser reconhecido, como rit ual secularizado, mesmo nas f ormas mais prof anas do cult o do Belo. (. . . ) Dela result ou uma t eologia negat iva da art e, sob a f orma de uma art e pur a, que não rej eit a apenas t oda f unção social, mas t ambém qualquer det erminação obj et iva. (Na lit erat ura, f oi Mallarmé o primeiro a alcançar esse est ágio. ) É indispensável levar em cont a essas relações em um est udo que se propõe est udar a art e na era de sua reprodut ibilidade t écnica. Porque elas preparam o caminho para a descobert a decisiva: com a r epr odut i bi l i dade t écni ca, a obr a de ar t e se emanci pa, pel a pr i mei r a vez na hi st ór i a, de sua exi st ênci a par asi t ár i a, dest acando-se do r i t ual . A obra de art e reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de art e criada para ser reproduzida.10

A indust rialização da cult ura, soment e possível com a reprodução da art e em larga escala, põe f im, ent ão, a uma art e que dependia ant es das encomendas de client es const ant es como a Igrej a Cat ólica e do mecenat o, período analisado por Pet er Burke em O r enasci ment o i t al i ano – cul t ur a e soci edade na It ál i a11. Assim, o que ant es era cult uado por um grupo rest rit o é emancipado de sua exist ência parasit ária: reproduzida, ela pode servir, como resumiu Teixeira Coelho, para o desenvolviment o do homem.

Em uma comparação ent re os pont os de vist a ant agônicos de Adorno e Benj amin, Eva Gibert i dest aca, a part ir ref lexões do sociólogo Albrecht Wellmer, a idéia de pot encialidade em Benj amin:

10

Benj amin. Op. cit. , p. 171.

11

(24)

El plant eo de Wellmer, que cont rapone las t esis de Adorno y de Benj amin, lo conduce a post ular que la posición de ést e le permit e reconocer alt ernat ivas posit ivas para los ef ect os del art e de masas t ecnif icado cont ra la dest rucción psíquica del ser humano en la sociedad indust rial; mient ras que Adorno lo concibe como medio de manipulación psíquica y adapt ación. Lo int eresant e es la ant ít esis: Benj amin insinúa las pot enci al i dades del moderno art e de masas – desde el cine hast a la música r ock -, que Adorno no ha sabido ver, “ t ant o por t radicionalismo cuant o por la t oma de una posición previa” , dirá Wellmer.12

Para Gibert i, cont ra a angúst ia de Adorno e Horkheimer f rent e a uma idéia de barbárie cult ural, a idéia de “ pot encialidades da moderna art e de massas” nada mais é do que “ la esperanza benj aminiana de uma iluminación prof ana generalizada”13. Uma esperança que, como veremos nos próximos capít ulos, é t ambém a de muit os j ovens argent inos.

Após est a breve conceit uação, vamos ao resumo dos capít ulos.

O capítulo 1 f oi dividido em dois moment os: o primeiro é marcado pela preocupação em mapear os conf lit os em países como os Est ados Unidos e Inglat erra, conf lit os que seriam expost os ao longo dos anos em let ras de canções de r ock.

A redação dest a primeira part e apresent a um resumo dos f at os mais marcant es da década de 1960 e dos primeiros anos dos 1970 nesses países, em um t ext o cuj o rit mo f oi dit ado pela idéia de ret rat ar uma avalanche de event os de uma revolução cult ural que abalou as est rut uras das sociedades nort e-americana e inglesa. Esses event os são rapidament e apresent ados em ordem cronológica, de modo a inserir dados e inf ormações sobre as primeiras moviment ações do r ock na Argent ina e sobre um grupo, a Nueva ol a, que seria alvo da crít ica do moviment o roqueiro est udado.

Mas como diriam os argent inos: ¡Oj o! At enção: a idéia aqui não é apenas a de apresent ar uma cont ext ualização ext erna, mas a de narrar uma série de t ransf ormações que inspiraram j ovens argent inos e que seriam vist as com maus olhos – ou com apreensão - pela Revol uci ón Ar gent i na de Onganía & companhia.

O capítulo 2 apresent a a hist ória da conf ormação desse moviment o roqueiro, e se const it ui a part ir da mesma hist ória narrada pelas ant ologias do

12

Gibert i. Op. cit. , p. 47.

13

(25)

r ock acima cit adas, mas cent rada na ident if icação dos casos de repressão. A dif erença est á apenas na cont ext ualização dest a hist ória, que não pode ser desvinculada da hist ória da Argent ina, de event os como o Cordobazo e do surgiment o das guerrilhas no país.

Ao capítulo 3 f icou reservada, como j á adiant ei acima, a análise de f ont es, depoiment os dados a out ros aut ores, manif est os e report agens que apresent am a evolução do pensament o de at ivist as como Pipo Lernoud e músicos como Luis Albert o Spinet t a. Nest es document os, a crít ica f eit a ao “ out ro” int eressa ao t rabalho na busca de um discurso comum desses j ovens roqueiros.

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OS TEMPOS, ELES ESTÃO MUDANDO

Bob Dylan, 1964

Venha se reunir povo por onde quer que andem E admit am que as águas que nos cerca se elevaram Aceit ando ist o Logo est aremos ensopados at é os ossos Se o t empo para você vale salvar Ent ão é melhor começar a nadar Ou você afundará como uma pedra Pois os t empos, eles est ão mudando

Venham escrit ores e crít icos Que prof et izam com suas canet as E mant enham os olhos abert os Que a chance não se repit a E não f ale cedo demais pois a roda cont inua girando E não há como saber quem será nomeado Pois o perdedor de agora Est ará mais t arde a ganhar Pois os t empos, eles est ão mudando

Venham senadores, congressist as, respondam ao chamado Não aglomere na port a, não congest ione o corredor Pois aquele que se machuca será aquele que at ravanca Exist e uma bat alha lá f ora urrando Logo ela est ará sacudindo suas j anelas E t remendo suas paredes Pois os t empos, eles est ão mudando

Venham mães e pais por t oda a t erra E não crit iquem o que não consegues compreender Seus f ilhos e f ilhas Est ão além de seu comando Sua velha est rada est á rapidament e det eriorando Por f avor saia da nova Se você não pode cont ribuir Pois os t empos, eles est ão mudando

(27)

1. O CENÁRIO INTERNACIONAL E A

NUEVA OLA

Uma nova onda

“ A j uventude está naquele centro onde nasce o novo.”

Walt er Benj amin, 1913

Nem t odos puderam ou quiseram escut ar o aviso que Bob Dylan deu em 1964, em um LP que t razia na capa a f ot o de j ovem magro, mal-encarado, de cabelos mal-cort ados e t ot alment e desalinhados. Era o rost o inconf ormado de um composit or que af irmava repet idament e: The times they are a-changin’14, os t empos, eles est ão mudando.

Dylan era ent ão uma f igura bem dif erent e daquelas que os j ovens argent inos est avam acost umados a ver e ouvir em programas como El Cl ub del cl an e Sábados cont i nuados. Sucesso de audiência, os shows de TV t raziam ast ros locais da música, que at uavam e cant avam sempre com seus t opet es bem desenhados e seus t erninhos impecáveis. Uma t urma que t inha como rei um j ovem composit or e cant or com j eit o de rapaz int rovert ido, uma est rat égia de market ing que aument ava os suspiros de uma legião de f ãs pelo galã Palit o Ort ega15. Enquant o isso, o público masculino era cat ivado pelo sorriso largo de Jolly Land, uma cant ora recrut ada das f ileiras do j azz, e por aquela que f oi a rainha das paradas de sucesso, Violet a Rivas.

Eram os t empos da Nueva Ola, um moviment o musical compost o por j ovens t alent os inspirados por um amer i can way of l i f e reproduzido em f ilmes est relados por Doris Day – mimet izada por Jolly Land – e pelo r ock‘ n’ r ol l de Elvis Presley, cuj a versão argent ina at endia pelo nome de Johny Tedesco. Dono de um loiro t opet e, Johny era na verdade Albert o Felipe Soría, aut or do t ema Rock del Tom Tom. Gravada no ano de 1961, est a canção est á, segundo

14

Tradução disponível em www. let ras. t erra. com. br.

15Ant es da f ama, Ramón Baut ist a Ort ega f oi lavador de prat os e vendedor de j ornais. Nos anos 80, com o sucesso j á

(28)

o pesquisador Andrés Jimenez16, ent re os primeiros t emas de r ock regist rados originalment e em cast elhano17. Af irmação que não const a na maioria das ant ologias sobre o r ock argent ino, cuj os aut ores ignoram a t raj et ória dessa nova onda musical, que t eve início em 1960 e seu auge t rês anos mais t arde, em 1963. Uma ausência que não é acident al e que nos pode remet er ao caso brasileiro da Jovem Guarda, alvo de um debat e - rest rit o ant eriorment e aos círculos do periodismo musical, e agora levado à Academia18 - sobre seu papel na hist ória do r ock’ n’ r ol l produzido no Brasil.

De volt a a Nueva ol a, Andrés Jimenez cont a que ela f oi criada nos escrit órios da RCA Vict or argent ina, que buscava, sob o comando de seu novo gerent e geral Ricardo Mej ía19, recuperar-se em curt o prazo de uma prof unda crise. O primeiro passo f oi realizar uma pesquisa de mercado, que revelou o baixo invest iment o de companhias discográf icas em art ist as argent inos, inclusive no que se ref eria à música j ovem: naquele moment o, Elvis Presley, art ist a da RCA, sof ria apenas a concorrência diret a de dois cant ores argent inos, Luis Aguilé (Odeon) e Billy Caf aro (Columbia). Mas um exemplar de 1978 da Revist a Rocksuperst ar20 t raz à t ona muit os out ros nomes, t odos em inglês, de art ist as que embalaram nos últ imos anos da década de 1950 j ovens argent inos com versões de r ock’ n’ r ol l. São cant ores como Eddie Pequenino, escalado para abrir, em j aneiro de 1958, o show de Bill Haley e seus comet as no Met ropolit an de Buenos Aires. Art ist as que t ambém f oram excluídos das ant ologias do r ock argent ino, mas que cont avam na época com um bom canal de divulgação: as emissoras de rádio, com programas semanais como Rock and Bel f ast, da Excelsior.

16 Cf . JIMENEZ, Andrés. La Nueva Ola y la Explosión del Marcado Discograf ico. In: Todo es Historia, n. 421, agost o de

2002.

17. O t ema de Tedesco t eria sido ant ecedido, segundo Jimenez, por Sácala a Bailar, gravado em 1959 por Johnny

Carel, e edit ado pela Columbia no ano seguint e. Fora da Argent ina, os primeiros a gravarem em cast elhano f oram os mexicanos do Teen Tops, liderados por Enrique Guzman. Cf . Jimenez. Op. cit. , 7

18

A maioria das ant ologias sobre o r ock no Brasil exclui a Jovem Guarda de uma cronologia que t em ent ão início nos anos 70, com as bandas de r ock progressivo como Vímana e Os Mut ant es. Sobre a Jovem Guarda, Cf . PEDERIVA, Ana Barbara. Jovens tardes de guitarra, sonhos e emoções – Fragment os do moviment o musical-cult ural Jovem Guarda. Dissert ação de Mest rado. São Paulo: Pont if ícia Universidade Cat ólica de São Paulo, 1998; MEDEIROS, Paulo. A aventura da Jovem Guarda. São Paulo: Brasiliense, 1984; BARROS, Márcia. Velhos tempos, belos dias – Robert o Carlos nos embalos da Jovem Guarda. Dissert ação de Mest rado. São Paulo: Pont if ícia Universidade Cat ólica de São Paulo, 2002; POTIER, Suely. Gíria em canções da Jovem Guarda. Dissert ação de Mest rado. São Paulo: Pont if ícia Universidade Cat ólica de São Paulo, 2001.

19 Equat oriano nat uralizado nort e-americano, Mej ía era especialist a em est udos de mercado e vendas. Ant es de

assumir a gerência da RCA argent ina, f oi gerent e de market ing e vendas do depart ament o de Discos, Rádios e Televisão da Sears, em Hollywood.

20

(29)

Mas o grande propagador do r ock’ n’ r ol l seguia sendo o cinema, com f ilmes como Rock ar ound t he cl ock - ou Semi l l as da mal dade, cuj a canção-t ícanção-t ulo, incanção-t erprecanção-t ada pelo mesmo Haley, levou mulcanção-t idões de j ovens do mundo int eiro - argent inos incluídos - a bailarem o r ock nas salas de exibição.

Cient e dessa f at ia de mercado a ser explorada, Mej ía iniciou a busca de novos t alent os com a realização de audições. Os art ist as selecionados t iveram seus primeiros compact os gravados com canções que f oram reunidas em uma série de compilações bat izadas de Pel i gr o expl osi vo. A primeira delas f oi compost a por uma variedade de est ilos musicais, que incluia at é uma canção de Nelson Gonçalves e um t ema compost o pelos irmãos t angueros Virgilio e Homero Expósit o. Jimenez explica:

Est e legendario LP Peligro Explosivo es un punt o de part ida, la bisagra ent re el mercado exist ent e y la apert ura de ot ro, con una mezcla de art ist as de dif erent es géneros – t ango, f oxt rot , samba canción, r ock, baión, et c. – y nacionalidades – argent inos, mexicanos, est adounidenses, cubanos, brasileiros.21

A nova onda ainda est ava para ser descobert a e, para t ant o, era preciso t est ar t odas as cart as que Mej ía t ivesse em suas mãos. O gerent e da RCA cont ava ainda com um veículo de comunicação dispost o a colaborar com a divulgação desses novos t alent os, a t elevisão. Foi assim que Swi ng, j uvent ud y f ant asía est reou no Canal 7 em f evereiro de 1961, com um elenco de art ist as pert encent e ao cast ing da gravadora de Mej ía. Mas f oi no ano seguint e, em novembro de 1962 que a parceria ent re t elevisão – agora o Canal 13 – e companhia discográf ica alcançou seu auge com o lançament o de El Cl ub del cl an. Inspirado no clã de Frank Sinat ra22, o clube argent ino t razia os j ovens t alent os da RCA como personagens de uma hist ória recheada de números musicais. A essa alt ura, a concorrência j á se f azia present e23 com o invest iment o das demais gravadoras no mercado int erno, f ort alecido não apenas com a visibilidade proporcionada pela t elevisão, pelas emissoras de rádio e pelo cinema, mas t ambém pelo mercado edit orial, que levava às bancas um número maior de publicações sobre a Nueva ol a e suas est relas.

21 Jimenez. Op. cit. , p. 9

22 O Rat Pack era f ormado por Sinat ra, Dean Mart in, Sammy Davis Jr. , Pet er Lawf ord, Joey Bishop e, ocasionalment e,

por Shirley MacLaine.

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Mej ía não só t irou a RCA do vermelho, como t eve um f at urament o de 200 milhões de pesos, um recorde para aquele ano de 1961. Mas qual era o segredo de t ant o sucesso? Pablo Alabarces descreve, em seu livro Ent r e gat os e vi ol ador es, qual era o espírit o dest a Nueva ol a:

El Club del Clan of rece más de lo mismo: j óvenes blancos, clasemedieros, muchachos (Un muchacho como yo), rebeldes, pero buenísimos, f ieles a sus amigos y sus af ect os.

No puedo t ransit ar est os recuerdos sin acordarme de la escena f inal de Mi Primera Novia, uno de los engendros cinemat ográf icos que la máquina RCA produj era para dif usión de los éxit os de Palit o Ort ega. Allí, Evangelina Zalazar, vest ida de novia mient ras se casa con el OTRO, mira de reoj o a Palit o, que, t rist e (como siempre), sost iene la mirada para luego, derrot ado, abandonar el salón. Por esos años, Dust in Hof f man, con música de Paul Simon, se robaba a la novia (El Graduado). Eso era rebeldía, qué t ant o. Pero lo de Palit o era más ef icaz a largo plazo: se casó con Evangelina y la hizo primera dama.24

Sim, anos depois Palit o Ort ega e Evangelina Zalazar t inham suas bodas report adas por t odos os diários e revist as, mas, apesar da pose para as f ot os, ali est ava Ramón Ort ega, e não o melancólico Palit o, conhecido como “ el muchacho t rist e de las canciones alegres” , um personagem que Palit o devia int erpret ar, de acordo com Mej ía, inspirado no comediant e nort e-americano Bust er Keat on. E assim o rapaz t ímido cant ava canções como Dejala:

Yo t engo una novia mal acost umbrada Dej ala, dej ala, dej ala…

Nunca viene sola siempre acompañada Dej ala, dej ala, dej ala…25

Rebeldes, per o no t ant o. Est es eram os rapazes e moças da Nueva ol a, que t inham mais uma vez em Elvis Presley um modelo a ser seguido. Em 1964, Elvis j á não era nenhum garot o: est ava com 29 anos, e não era mais t omado

24 ALABARCES, Pablo. Entre gatos y violadores – El

r ock nacional en la cult ura argent ina. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1995, p. 39.

25

(31)

como o “ demônio em pessoa”26. De acordo com as inúmeras biograf ias do cant or/ at or, a domest icação ocorreu em 1958, quando Elvis – ent ão com 22 anos - t rocou o t opet e por um cort e reco, escondido por um quepe, e as roupas coloridas por uma f arda do Exércit o dos Est ados Unidos. Considerado um rit o de passagem, o cort e do cabelo de Elvis f oi divulgado amplament e pela imprensa e mereceu, só do semanário Lif e, um regist ro de 1.200 f ot os27.

Nest as e em out ras imagens vemos Elvis com seu cort e milit ar, uma imposição para servir ao país, mas t ambém not amos que esse mesmo Elvis cont inuava a exibir seus cabelos negros, t ingidos semanalment e. Um cost ume que o cant or desenvolveu na adolescência, quando abusava da brilhant ina – a pont o de escurecer os f ios loiros - para parecer-se com o at or Tony Curt is. Nest a época, Elvis era um garot o pobre cuj os pais migraram de Tupelo, sua cidade nat al, para Memphis, em busca de t rabalho. Era mais um daqueles j ovens brancos que gost avam de ouvir o r hyt hm & bl ues t ocado por músicos negros em bares da Beale St reet . Era ali, inclusive, que Elvis comprava seu vest uário colorido, considerado ext ravagant e para uma sociedade – branca - acost umada a t raj es masculinos mais sóbrios.

Nascido e criado no sul escravocrat a, Elvis f ez part e de uma geração que presenciou as primeiras t ent at ivas de desmant elament o de uma polít ica racial que pregava o lema “ iguais, mas separados”28. O ano de 1954 f oi marcado pelo início do f im da segregação nos bancos escolares, uma medida t ão polêmica quant o as demais ações em prol dos direit os civis dos negros nort e-americanos.

Enquant o isso, aument ava a repercussão que os bl uesmen – muit os sulist as - conquist avam em cidades do nort e como Chicago. Eram músicos negros que iniciaram essa migração com a Primeira Guerra Mundial, e que gravavam o bl ues, o cant o de t rabalho ent oado primeirament e pelos escravos e depois por seus descendent es livres em plant ações como a do algodão. Mas o cant o não est ava soment e no campo: ele podia ser ouvido em cerimônias

26 Para o Nat al de 1957, a RCA lançou El vi s' Chr i st mas Al bum, além do EP El vi s Si ngs Chr i st mas Songs, mas ambos não

f oram bem recebidos pelas emissoras de rádio, que consideraram de mal-gost o um cant or de r ock, vist o por muit os como o “ demônio em pessoa” , ent oar cant os nat alinos. Inf ormação disponível em www. elvis. com. br.

27

Est e número é cit ado por dif erent es biógraf os, mas, apesar disso, nenhuma dessas f ot os f oi encont rada na Galeria de Fot os de Presley no sit e do semanário. Foram apenas encont radas f ot os em que o cant or posava, j á vest ido com sua f arda.

28 São de 1954 os primeiros casos de desagregação em escolas nort e-americanas, ordenados pela Just iça (caso Brown

(32)

religiosas, realizadas em igrej as (mais comuns nas cidades) e t ambém em locais improvisados, onde past ores negros – f ixos ou andarilhos – pregavam ao som dos spi r i t ual s29.

Ast ros do r ock como Lit t le Richard e Chuck Berry cresceram em um ambient e no qual a música era rot ina, cant ar era um hábit o nat ural, t ant o em casa quant o na igrej a. O bl ues j á est ava consolidado com nomes como os de Muddy Wat ers e Howlin’ Wolf e por f ut uros mest res como B.B. King. Não é de se est ranhar, port ant o, que a audiência predominant ement e negra t enha se assust ado e reagido f riament e a um Lit t le Richard ensandecido, por volt a de 1954, com um som que lembrava o bl ues, mas não era exat ament e o bl ues.

Aut or de canções como Tutti frutti e Good golly miss Molly, Richard t ambém f oi acusado, como boa part e dos pioneiros do r ock, de escrever let ras t olas e/ ou de f ort e conot ação sexual. Eram canções que f alavam de sexo – e principalment e de uma nova condut a sexual, mais abert a - em uma gíria que bat izara o próprio est ilo musical. Em Rock – De El vi s à beat l emani a, Robert o Muggiat i explica que:

Foi em 1951 que (Alan) Freed bat izou o novo som, baseado na let ra de um velho blues de 1922 relançado depois da guerra por Big Joe Turner: My Baby She

Rocks Me With a Steady Roll, com evident es conot ações sexuais: “ Minha garot a me embala com um balanço legal. . . ” 30

E assim como no bl ues dos anos 1920, os t emas que Lit t le Richards escreveu 30 anos depois t rouxeram essa ambiguidade ent re dança e sexo31, assim como o t ango da Região do Rio da Prat a. Em Tutti frutti, Richards cit a as qualidades de duas namoradas, Sue e Daisy, em um plural present e j á no t ít ulo da canção (t odos os sabores):

29Cf . EARL JR. , Riggins. Dark symbols, obscure signs – God, self and communit y in slave mind. New York: Orbis

Books, 1993.

30 Freed era um disc-j ockey apaixonado por Wagner que produzia um programa de música erudit a em uma rádio de

Cleveland (Ohio) at é o dia em que viu, em uma loj a de discos, garot os dançando ao som de r hyt hm & bl ues. Cf . MUGGIATI. Robert o. Rock – De Elvis à beat lemania (1954-1966). São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 24.

31

(33)

I got a gal, name Sue, she knows j ust what t o do I got a gal, name Sue, she knows j ust what t o do She r ock t o t he east , she r ock t o t he west But she´ s t he gal t hat I love best

I got a gal named Daisy, she almost drive me crazy I got a gal named Daisy, she almost drive mecrazy She knows how t o love me yes indeed32

Era a marca de uma geração, não soment e f ormada por músicos j ovens – o que não conf igurava nenhuma grande novidade – mas que produzia música para um público j ovem, isso sim um dif erencial, que passou a ser explorado pela indúst ria cult ural. O poder de compra dos j ovens que dispunham só para eles de seus salários e/ ou mesadas (e mesmo daqueles que colaboravam com as despesas de casa) os colocou como alvo de uma indúst ria que passaria a suprir est a nova f at ia do mercado. Segundo Helena Abramo:

Est á mont ado assim o cenário de uma j uvent ude ligada f undament alment e ao seu t empo de lazer, em lanchonet es, ouve r ock’ n’ roll em j ukebox ou programas de audit ório; consome novas mercadorias, de guloseimas (ref rigerant es, chiclet es, et c) a roupas (j eans, j aquet as de couro) e meios de locomoção (a mot ociclet a), t odos marcados e dist int ament e j uvenis. Esses element os aparecem como caract eríst icos de um novo padrão de comport ament o – que inclui maior liberdade e aut onomia para os j ovens – int erpret ado como uma diminuição geral da aut oridade e cont role pat ernos (. . . ) paralelament e a uma valorização do prazer e do consumo como f ont es de grat if icação imediat a.33

Para o hist oriador Eric Hobsbawm, a dif erença ent re os j ovens do pós-guerra e os j ovens das gerações ant eriores é marcada por uma acent uação do f enômeno da pedocrat ização, no qual “ a ‘ j uvent ude’ era vist a não como um est ágio preparat ório para a vida adult a, mas, em cert o sent ido, como o est ágio f inal do pleno desenvolviment o humano” 34

.

Além do universo dos esport es, “ at ividade em que a j uvent ude é suprema” , homens e mulheres – est as ainda que em desvant agem – passaram a

32

Tut t i f rut t i (Lit t le Richards). Tema disponível em www. let ras. t erra. com. br.

33

ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis – Punks e darks no espet áculo urbano. São Paulo: Scrit t a, 1994, p. 29.

34

(34)

alcançar cada vez mais cedo posições de dest aque em um mercado de t rabalho cuj o avanço t ecnológico exige const ant e aprimorament o. Em cont rapart ida, a sociedade vive um gradual processo de degeront ocrat ização, no qual a sabedoria e a experiência dos mais velhos t ornaram-se moeda desvalorizada. Dest e modo,

(. . . ) ela era ou t ornou-se dominant e nas ‘ economias de mercado desenvolvidas’ , em part e porque represent ava agora uma massa concent rada de poder de compra, em part e porque cada nova geração de adult os f ora socializada como int egrant e de uma cult ura j uvenil aut oconscient e, e t razia as marcas dessa experiência, e não menos porque a espant osa rapidez da mudança t ecnológica na verdade dava à j uvent ude uma vant agem mensurável sobre os grupos et ários mais conservadores.35

Nest e cenário, o poder de compra desses j ovens f oi responsável por impulsionar o r ock, um est ilo musical que j ust ament e por sua rebeldia, seu desapego a cert os cost umes da sociedade vigent e, conquist ou um espaço em gravadoras, emissoras de t elevisão e rádio que queriam at ingir essa nova f at ia do mercado:

O r ock, part icularment e, t em seu desenvolviment o umbilicalment e ligado à indúst ria cult ural. Mas nasce t ambém com um acent o de est ranheza em relação aos padrões cult urais vigent es e com uma dimensão de inovação de cost umes e valores. Result ado de uma f usão ent re cult uras dif erent es (as cult uras negra e branca nort e-americanas), ele será sempre meio est r angei r o em qualquer part e. Como diz Yonnet , quando nasceu nos Est ados Unidos, o r ock’ n’r ol l f oi rej eit ado pelos adult os da comunidade branca como sendo uma manif est ação bárbara e selvagem, e pelos adult os da comunidade negra, como sendo uma diluição e uma t raição dos cont eúdos da sua cult ura.36

Uma música cuj a mist ura geralment e mais reconhecida é do r hyt hm & bl ues f eit o pelos negros e da count r y musi c (ou o hi l l bi l l y). Uma mist ura que f ez com que muit os se ref erissem a essa música como música bast arda. Era assim que muit os chamavam o ent ão nascent e est ilo musical, que o

35

Hobsbawm. Op. cit., p. 320.

36

(35)

est abl i shment nort e-americano dos anos 1950 via como um perigo para a j uvent ude branca, cont agiada com seu rit mo f renét ico. Segundo o j ornalist a argent ino Carlos Polimeni:

La hist oria guarda como un t esoro para describir el caldo donde se coció el primer r ock la declaración de un polít ico sureño racist a del est ado de Alabama, Asa Cart er, segurament e amigo del Ku Klux Klan. ‘ El r ock’ , dij o en 1956, al impulso de Elvis, ‘ es un género en que el hombre blanco queda rebaj ado al nivel inf erior del negro. El r ock and roll es part e de un complot dest inado a sovacar la moral de la j uvent ud de nuest ro país. Tiene caráct er sexual inmoral y es el mej or camino para f usionar ambas razas’ . Lo curioso es que, en casi t odo, t enía razón.37

Mas se o rit mo era dançant e, o que dizer de let ras que diziam “ você pode f azer qualquer coisa, mas não pise nos meus sapat os de camurça azul” ? Em Rocki n’ t he t i me, David Szat mary38 recupera uma ant iga ent revist a de Carl Perkins, na qual o aut or de Blue suede shoes cont ava que havia se inspirado em uma conversa de adolescent es sobre calçados. Jovens que, segundo Perkins, não podiam se dar ao luxo de t rocar de sapat os, e que ent ão não só vibravam com a idéia de um novo par para f est as, como zelavam pela sua manut enção. Uma sit uação que Perkins conhecia bem: seu modo peculiar de t ocar guit arra – deslizar pela corda e puxá-la – f oi a solução encont rada para evit ar os nós das cordas est ouradas, que não podiam ser subst it uídas por f alt a de dinheiro.

A Perkins, em suas próprias palavras, f alt ava out ra coisa: o visual, o carisma de Presley, que gravou Blue suede shoes em 1956, j á como cont rat ado de uma grande gravadora, a RCA Vict or. E assim Elvis f oi parar na t elevisão, para a loucura dos adolescent es e a af lição de seus pais. Mas o sucesso veio acompanhado da censura, explícit a, no caso de Toast of Town, do t radicionalist a Ed Sullivan; e camuf lada com humor, em The St eve Al l en show. Elvis apresent ou-se t rês vezes em Toast of t own, sempre com mais de t rês canções por programa.

No primeiro deles, em set embro de 1956, a censura ainda não era explícit a e alguma coisa do rebolado de Elvis pôde ser vist a. Mas se os

37

POLIMENI, Carlos. Bailando sobre los escombros. Buenos Aires: Biblos, 2001, p. 29.

38 Szat mary. Op. cit

(36)

ups f oram uma precaução nest e caso, na segunda ida do cant or ao programa a proibição de f ilmá-lo da cint ura para baixo f oi uma ordem clara, at é hoj e at ribuída ora a Ed Sullivan, ora ao Coronel Tom Parker39, empresário de Presley.

Menos lembrada, a censura prat icada com humor por St eve Allen sej a t alvez a mais simbólica: o humorist a t rouxe Presley para seu programa em j ulho de 1956, dois meses ant es do concorrent e Toast of t own, e t ransf ormou o cant or em dois personagens dist int os: um caipira e um gent leman. Nest e últ imo quadro, Elvis vest ia um smoking – um t raj e clássico de Fred Ast aire, segundo Allen40 – em um cenário de t ecidos drapeados e colunas gregas, para cant ar (You ain’t nothing but a) Hound dog na presença de um basset adest rado, que complement ava a elegância de Presley vest indo uma cart ola pret a.

Nas palavras de Allen, era uma brincadeira, um modo de evit ar crít icas ao suavizar a imagem de um j ovem que em breve seria apelidado de Elvis, The pel vi s, pelo modo como mexia os quadris e enlouquecia mult idões de f ãs. Mas o que era apenas uma brincadeira na t evê t omou f orma no mundo real, com um redirecionament o de carreira, no qual a sensualidade de Elvis não f oi apagada, mas canalizada de modo a diversif icar seu público.

Como lembrou Perkins, Presley t inha t udo aquilo que f alt avam aos out ros. Na primeira ent revist a do cant or para o rádio, em 1954, o di sc-j ockey Dewey Philips f ez quest ão de mencionar que seu ent revist ado havia est udado na Humes High School, para que seus ouvint es soubessem que ali est ava um rapaz branco, como t odos os que f reqüent avam t al colégio. E esse garot o branco podia ir além do universo j uvenil do r ock’ n’ r ol l. Para t ant o, a rebeldia de Elvis começou a ser domest icada, ant es mesmo do Exércit o. E assim Presley passou a agradar mães e f ilhas, ora com o r ock ora com baladas, muit as compost as para os f ilmes que ele est relou a part ir de ent ão. Uma est rat égia que repercut iu ainda anos mais t arde naqueles art ist as que se inspiravam em Elvis, como o j á cit ado Johny Tedesco:

39

O f ort e cont role de Tom Parker sobre Elvis é lembrado em dif erent es biograf ias do cant or. Segundo Muggiat i, “ Parker começou a vida em circos e parques de diversões, t endo criado um número que se chamava Coronel Tom Parker e seus Perus Dançarinos: os perus eram lançados sobre bandej as quent es cobert as de serragem e ‘ dançavam’ ao som de uma vit rola. ” Cf . Muggiat i. Op. cit., p. 31.

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