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LuziaHomem: a construção de simulacros identitários

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Academic year: 2018

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CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

NATÁLIA SILVA ATHAYDE

LUZIA-HOMEM: A CONSTRUÇÃO DE SIMULACROS IDENTITÁRIOS

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LUZIA-HOMEM: A CONSTRUÇÃO DE SIMULACROS IDENTITÁRIOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre. Área de concentração: Linguística.

Orientador: Prof. Dr. José Américo Bezerra Saraiva.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

A886l Athayde, Natália Silva.

Luzia-Homem : a construção de simulacros identitários / Natália Silva Athayde. – 2014. 111 f. : il., enc. ; 30 cm.

Dissertação(mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, DepartamentodeLetras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Linguística.

Orientação: Prof. Dr. José Américo Bezerra Saraiva.

1.Olympio,Domingos,1850-1906.Luzia-Homem – Crítica e interpretação. 2. Olympio, Domingos,1850-1906 – Personagens. 3.Personagens literários – Ceará. 4.Identidade social. 5.Análise do discurso narrativo. 6.Semiótica e literatura. I.Título.

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LUZIA-HOMEM: A CONSTRUÇÃO DE SIMULACROS IDENTITÁRIOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre. Área de concentração: Linguística.

Aprovada em ____/____/________

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Dr. José Américo Bezerra Saraiva (UFC)

__________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Lopes Leite (UFC)

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Agradeço ao meu amor, amigo e parceiro, desde os tempos do colégio, Leandro Costa Barros de Araújo, por ter me dado o apoio necessário e por compreender e sacrificar comigo os finais de semana e as horas de lazer para que esse trabalho pudesse ser concluído.

Aos meus familiares e amigos por me acompanharem e aturarem nessa longa jornada, sempre me incentivando e dando forças para prosseguir.

À minha amiga Angela Maria de Lemos Medeiros, grande presente que a Unilab me deu, e que durante as viagens me ouviu pacientemente falar da teoria Semiótica e de Luzia-Homem, ainda que sua área de formação fosse Engenharia. Sou-lhe grata por ter sempre me incentivado e me dado esperanças nos momentos críticos, quando tudo parecia quase impossível.

À minha amiga de “closes”, Cláudia Freitas, por todo incentivo e amizade ao longo desses anos.

Ao professor Leite Júnior, que sempre me inspirou e cujas contribuições foram extremamente valorosas em todo meu percurso acadêmico, além de sempre demonstrar acreditar no meu potencial. Devoto a ele minha terna e eterna gratidão.

Ao professor e orientador Américo Saraiva, por estar junto a mim neste percurso. A todos aqueles cujos caminhos se encontraram com os meus e que acabaram contribuindo direta ou indiretamente com as reflexões aqui presentes.

À Unilab, por ter me permitido efetuar meus estudos sem maiores complicações. A todos os queridos professores do PPGL, por seus ensinamentos.

À Coordenadora do Programa, Professora Margarete Fernandes de Sousa, por todo o seu carinho, apoio e vigilância.

À equipe do PPGL, especialmente ao querido Eduardo, por toda sua amabilidade, paciência e atenção durante os momentos de sufoco.

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“Aquilo que não é ligeiramente disforme,

parece insensível: disso decorre que a irregularidade, ou seja, o inesperado, a surpresa, o espanto são uma parte essencial e

característica da beleza”.

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identitária para o ator Luzia-Homem no romance homônimo de Domingos Olímpio. Sendo assim, ao longo deste trabalho, acompanhamos os processos de constituição da identidade desse ator, tomando como ponto de partida, primordialmente, a oposição masculinidade x feminilidade, amalgamada já no complexo que dá título ao livro. Para isso, analisamos os simulacros de Luzia construídos tanto na dimensão do enunciado enunciado, quanto na da enunciação enunciada, convocando as categorias de cada nível do percurso gerativo do sentido pertinentes para a descrição das diversas feições que Luzia assume conforme o ator que a julga e lhe confere identidade ou conforme as estratégias adotadas pelo enunciador para falar dela, Luzia. A teoria de base utilizada é a da Semiótica greimasiana considerada clássica, mas servimo-nos também de alguns elementos da Semiótica das Paixões, teoria consubstanciada por Greimas e Fontanille, em livro de mesmo nome, e das reflexões de Eric Landowski acerca da dinâmica identitária e dos quatro processos básicos que lhe dão forma, a saber: a assimilação, a exclusão, a segregação e a admissão. Assim, buscamos averiguar se existe, no âmbito da enunciação enunciada, uma invariante identitáriaque perpasse todas as imagens parciais da sertaneja, construídas nas interações de que ela participa. Ao longo deste trabalho, verifica-se que a feminilidade de Luzia é afirmada na grande maioria dos simulacros. Entretanto, no âmbito da enunciação enunciada, novos temas e figuras são instaurados de modo a construírem outros simulacros. Com base nos resultados obtidos, pudemos constatar que, por um lado, na dimensão do enunciado enunciado, os simulacros parciais descritos constituem um políptico, o qual permite perceber os vários pontos de vista que recaem, separadamente, sobre Luzia, atribuindo-lhe identidade; por outro lado, na dimensão da enunciação enunciada, tem-se a construção de um simulacro dinâmico, que se transforma e se reconfigura constantemente, inviabilizando assim a fixação de uma unidade identitária da personagem-título na esfera do enunciatário-leitor do romance.

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This research aims at verifying the existence or non-existence of an identity unit for the actor Luzia-Homem in the novel with the same name written by Domingos Olímpio. In this work, we follow the processes of constitution of identity of this actor taking as the starting point the opposition masculinity x femininity, mixed with the complex issue that names the book. In order to do so, we analyzed the appearances of Luiza constructed not only in the dimension of the statement, but also of the enunciation formulated, conveying the categories of each level in the generative route of meaning relevant for the description of the several features Luzia takes over according to the actor that judges her and confers her identity or according to the strategies adopted by the enunciator to talk about her. The theory utilized to serve as a basis is the Greimasianan Semiotics, considered the classic one, but we also made use of some elements of the Semiotics of the passions, a theory which is consubstantiated by Greimas and Fontanille in a book with the same name, and also of some reflections by Eric Landowski about the identity dynamics and the four basic processes that give it shape, as follows: the assimilation, exclusion, segregation and admission. Thus, we aim at determining if, in the scope of the enunciation formulated, an identity invariant that that covers all the partial images of the woman from the countryside exists, being constructed through the interactions she takes part in. Throughout this work, it was possible to verify that Luzia's femininity is affirmed in most of her appearances. However, in the range of the enunciation formulated, new themes and figures are established in order to build other appearances. Based on the results obtained, it was possible to certify that, on the one hand, in the dimension of the enunciation formulated, the partial appearances constitute a polyptych according to which is possible to perceive all the several points of view which separately fall on Luiza, attributing her and identity. On the other hand, in the dimension of the enunciation formulated, there is the construction of a dynamic appearance, which constantly transforms and reconfigures itself, making the fixation of an identity unit of the character-title in the ambit of the enunciator-reader of the novel unfeasible.

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Quadro 1 - Síntese das principais pesquisas acerca do romance Luzia-Homem ... 13

Quadro 2 - Dinâmica dos processos identitários no quadrado semiótico ... 27

Quadro 3 - Modelo de síntese descritiva do ator ... 30

Quadro 4 - Descrição das relações entre os quatro tipos de estrangeiros no quadrado semiótico ... 36

Quadro 5 - Configuração do termo complexo Luzia para o francês Paul ... 39

Quadro 6 - Percurso da descrição de Luzia apreendido por Paul ... 39

Quadro 7 – Síntese descritiva: Francês Paul ... 40

Quadro 8 – Síntese descritiva: moças infamadas pela miséria ... 45

Quadro 9 – Síntese descritiva: moças ainda não infamadas pela miséria ... 48

Quadro 10 – Síntese descritiva: soldado Crapiúna ... 56

Quadro 11 – Síntese descritiva: Teresinha ... 63

Quadro 12 – Síntese descritiva: Alexandre ... 66

Quadro 13 – Síntese descritiva: Raulino ... 68

Quadro 14 – Comparação entre os processos identitários e a compaixão ... 71

Quadro 15 – Síntese descritiva: o promotor e sua esposa ... 74

Quadro 16 – Síntese descritiva: Luzia por ela mesma... 83

Quadro 17 - Macrossimulacro 1 ... 86

Quadro 18 - Macrossimulacro 2 ... 88

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2.TEORIA DE BASE E CATEGORIAS DE ANÁLISE ... 14

2.1. Teoria de base ... 14

2.2. O percurso gerativo do sentido ... 15

2.3. Atores, actantes e papéis actanciais ... 17

2.4. Temas e figuras ... 20

2.5 Enunciação enunciada X Enunciado enunciado ... 22

2.6 A Veridicção ... 23

2.7 Identidade e alteridade ... 25

2.8 O universo passional ... 29

2.8 Parâmetros metodológicos ... 30

3.A ANÁLISE DE LUZIA-HOMEM NA PERSPECTIVA ACTORIAL ... 32

3.1 O francês Paul ... 32

3.2 As moças infamadas pela miséria ... 41

3.3 Moças ainda não infamadas pela miséria ... 46

3.4 O soldado Crapiúna ... 49

3.5 Teresinha ... 58

3.6 Alexandre ... 63

3.7 Raulino Uchoa ... 67

3.8 O Promotor e sua esposa ... 69

3.9 Luzia, por ela mesma ... 75

3.10 Simulacros em relação ... 84

4.A ANÁLISE DE LUZIA-HOMEM NA PERSPECTIVA DA ENUNCIAÇÃO ENUNCIADA ... 91

5.CONCLUSÃO ... 102

REFERÊNCIAS ... 108

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1INTRODUÇÃO

Analisar semioticamente Luzia-Homem (2003) foi uma decisão tomada desde a execução do programa de aprovação no mestrado e mantida pelo orientador durante este percurso. Frente à complexidade da teoria semiótica e diante da riqueza do romance, o projeto elaborado com as diretrizes para a realização da pesquisa foi diversas vezes reformulado, mas o interesse por esta narrativa permaneceu, ao mesmo tempo em que o fascínio pela teoria aumentou.

Luzia-Homem (2003), romance de Domingos Olímpio, publicado inicialmente em

1903, é uma das mais representativas obras que tratam de temas nordestinos, tais como o sertanejo, a seca e as próprias paisagens do sertão, especificamente o cearense, além de retratar a luta incessante do homem pela sobrevivência. O romance de Domingos Olímpio traz a história da retirante que dá título ao romance, conforme consta no resumo, presente no Anexo I (p.112) deste trabalho.

A partir das releituras que foram feitas do romance e do amadurecimento teórico que foi se delineando, a pesquisa deixou de incidir sobre a oposição de nível fundamental masculinidade vs feminilidade e passou a contemplar como questão central: a constituição identitária do ator Luzia-Homem, como um desdobramento dessa oposição junto aos parâmetros propostos por Eric Landowski (2012) e junto a alguns elementos da teoria proposta pela Semiótica das Paixões.

O interesse pela constituição identitária de Luzia-Homem se deu não só por conta dos vocábulos manifestos pelo nome do ator-protagonista, que contém em si os dois termos contrários do universo semântico da sexualidade: o da feminilidade (pelo substantivo próprio

feminino “Luzia”) e o da masculinidade (marcado pelo qualificador “Homem”1); mas, principalmente, devido ao fato de verificarmos que os temas e figuras utilizados para a apreensão de Luzia-Homem poderiam variar, segundo a perspectiva dos diferentes atores da narrativa.

Sendo assim, dada a nossa proposta de análise e os elementos centrais que a regem, trabalharemos com elementos concernentes a todos os níveis do percurso gerativo, especialmente com aqueles que dizem respeito à semântica do nível discursivo, conforme sua conveniência para a descrição dos diferentes aspectos associados à Luzia-Homem, tomados a

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partir da observação dos temas e figuras utilizados por diferentes atores para descrever a protagonista.

Ao mesmo tempo, observamos neste trabalho aspectos pertinentes à dinâmica identitária, proposta por Eric Landowski, e à dimensão patêmica do romance, com o objetivo de identificar de que maneira os atores se relacionam com os respectivos simulacros que produzem. Do mesmo modo, também observamos a construção do(s) simulacro(s) sob a perspectiva da enunciação enunciada, buscando os elementos que a definem no âmbito da enunciação.

A adequação da teoria Semiótica ao texto literário fica explicitada pelo que escreveu o teórico e crítico literário Denis Bertrand (2003, p. 27), acerca do próprio método da Semiótica:

Podemos resumir sucintamente seu método, dizendo que a Semiótica privilegiou quatro dimensões que, embora não seja propriamente do texto literário, nele se articulam de maneira específica. É talvez pela sua composição que se define em parte o uso literário da língua: a dimensão narrativa, a dimensão passional, a dimensão figurativa e a dimensão enunciativa.

Para Bertrand (2003, p.11), o objeto da Semiótica seria o “‘parecer do sentido’, que se apreende por meio das formas de linguagem e, mais concretamente, dos discursos que o manifestam, tornando-o comunicável e partilhável, ainda que parcialmente”. Dessa maneira, o nosso objetivo, ao realizar esta análise, é descrever, mediante o “parecer do sentido”, as múltiplas formas sob as quais Luzia se manifesta, tanto no domínio da enunciação enunciada, quanto no domínio do enunciado enunciado.

Quanto à relevância da nossa pesquisa, no que tange tanto ao corpus quanto à perspectiva teórica, entendemos que ela se aproxima do trabalho que consta no livro de Oliveira Jr., O pictórico em Luzia-Homem (1997), uma vez que também apreende a personagem-título do romance sob várias perspectivas, construindo aquilo que Oliveira Jr. chamou de “políptico ficcional”, e que, embora situado no âmbito da crítica literária, convoca para a construção da sua análise os parâmetros da teoria semiótica russa.

De modo geral e para termos uma visão melhor acerca do contexto em que esta pesquisa se insere, discorreremos a seguir sobre outros trabalhos que têm em comum com esta pesquisa o interesse pelo romance de Domingos Olímpio, uma vez que, se tomarmos como elemento comum a teoria semiótica, teremos um sem-número de análises dos mais variados corpora, dos verbais aos não-verbais, dos literários aos metalinguísticos.

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áreas do conhecimento além da Linguística, como, por exemplo, a Crítica Literária e a Sociologia.

Sob a perspectiva da Crítica Literária, verificamos que não há muitas pesquisas que versam sobre esta obra cearense, principalmente se pensarmos que sua primeira publicação data de 1903. Desses trabalhos, destacamos a dissertação de Marta Bergamin, Luzia-Homem só

lâmina: uma leitura do romance de Domingos Olímpio (2010), e O pictórico em Luzia-Homem(1997), que já mencionamos. A pesquisa de Bergamin busca investigar o romance e a constituição de sua personagem-título sob a perspectiva do realismo e do naturalismo, questionando e dialogando com os demais críticos que tentaram situar o referido romance em uma ou outra escola. Por sua vez, o livro de Oliveira Jr. trata da transposição de elementos da pintura para a literatura no romance, mediante a convocação de elementos concernentes à teoria semiótica russa, e o situa no interior da estética impressionista. Já Aragão, emLuzia-Homem:

aspectos da crítica sobre uma obra (2008), investigou como o romance foi recebido pela crítica literária e realizou uma análise interpretativa.

Sob a perspectiva sociológica, temos em A “macho e fêmea” e a família: Luzia-Homem e o sertão cearense (FREITAS, 2007), um exame do romance a partir da problemática do gênero, que observa o tratamento dado às mulheres na sociedade construída no romance de Domingos Olímpio. Outro estudo que também assume para si esta problemática é o presente no artigo A transposição do ethos masculino para a figura feminina de Luzia -Homem em Domingos Olímpio (JESUS; TEIXEIRA, 2012), cujo objetivo é verificar como a apropriação do ethos masculino legitima a construção do ethos feminino. Cumpre ressaltar que esta última análise já não se situa sob o ponto de vista sociológico, mas é desenvolvida conforme os parâmetros da Análise do Discurso de orientação francesa, que contemplam também as condições de produção do discurso e que diz respeito a um dos poucos estudos acerca do romance de Domingos Olímpio que realiza uma análise linguística.

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Assim, temos o seguinte quadro ilustrativo de algumas das pesquisas cujo objeto de estudos é o romance:

Quadro 1 - Síntese das principais pesquisas acerca do romance Luzia-Homem

TÍTULO AUTOR ANO PERSPECTIVA

O pictórico em Luzia-Homem OLIVEIRA JR. José Leite de 1993 Crítica Literária, sob a

perspectiva da Semiótica Russa.

A “macho e fêmea” e a família:

Luzia-Homem e o sertão cearense FREITAS, Nilson. Almino de. 2007

Sociológica, observando a questão do gênero

Luzia-Homem: aspectos da crítica sobre

uma obra ARAGÃO, Carmélia Maria. 2008 Crítica Literária

Luzia-Homem só lâmina: uma leitura do romance de Domingos Olímpio (1903)

BERGAMIN, Marta. 2010

Crítica literária: O

Realismo/Naturalismo sob a ótica da ruptura proposta por Rancière.

A transposição do ethos masculino para a figura feminina de Luzia-Homem em Domingos Olímpio

JESUS, Milena Santos; TEIXEIRA, Sylvia Maria Campos.

2012 Análise do Discurso francesa

Dito o que nos diferencia das outras pesquisas, enfatizamos que, para apreendermos o estatuto identitário e veridictório de Luzia-Homem, apresentaremos aqui um breve roteiro do que este trabalho pretende realizar.

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2TEORIA DE BASE E CATEGORIAS DE ANÁLISE

Neste capítulo, comentaremos brevemente acerca da teoria de base deste trabalho e apresentaremos as principais categorias de análise utilizadas, comentando primeiramente algumas questões concernentes ao percurso gerativo do sentido, doravante designado PGS, partindo em seguida para a reflexão acerca das categorias da teoria semiótica que o extrapolam, as quais dizem respeito à Semiótica das Paixões e aos elementos para a constituição de uma dinâmica identitária, propostos por Landowski.

2.1.Teoria de base

A teoria Semiótica de origem francesa, à qual este trabalho é filiado, tem como

marco inaugural a publicação, em 1966, da obra Semântica Estrutural, na França, em que o

lituano Argildas Julien Greimas propôs os parâmetros para uma teoria semântica de

metodologia científica, dado que a semântica fora “sempre a parente pobre da linguística”

(1973, p.12), uma vez que seu objeto era de difícil delimitação e apreensão, sendo considerado até então uma “substância psíquica” (1973, p.13).

Nessa obra, foram articuladas as ideias de Saussure e Hjemslev, as contribuições

do antropólogo Lévi-Strauss e a narratologia de Vladimir Propp, o que culminou com o esboço

do conceito de narratividade, hoje entendida como estrutura invariante presente em todo tipo

de texto chave para a formulação do percurso gerativo do sentido, servindo, posteriormente,

para a explicação de todo e qualquer conjunto significante. Desde então, a teoria tem passado

por muitas reformulações, porém sem perder o elo com os fundamentos que a originaram,

passando de uma semiótica cujo interesse predominante era pela ação, pelas transformações de

estado e pelos sujeitos do fazer que as realizam, até incorporar, na década de 1980, as

preocupações com as relações subjetais da manipulação (FIORIN, 1999, p.13).

Nesta fase, a Semiótica volta-se para as modalizações do sujeito de estado, as quais

constituem as modalizações do ser, o que nos possibilitou vislumbrar sob outra perspectiva as

relações entre sujeito e objeto, na medida em que um objeto desejável cria um sujeito desejante

(FIORIN, 1999, p.14). Por outro lado, além do valor atribuído ao objeto que repercute na

configuração modal do sujeito, temos as modalidades veridictórias e epistêmicas (ser/parecer,

crer ser/crer parecer, saber ser/saber parecer), as quais incidem diretamente sobre as relações

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ideológico que permeia as operações interpretativas. A partir do estudo dessas modalizações e

das incompatibilidades entre elas, as quais compõem os arranjos modais, passar-se-á ao estudo

das paixões, que determinam os estados de alma dos sujeitos.

Atualmente, a pesquisa semiótica está orientada para os estudos que tratam da origem do sentido e de sua percepção, além de se interessar por como se dá o processo de significação a partir da discretização de um contínuo, tarefa esta levada a efeito, sobretudo pela Semiótica Tensiva.

É bom que se diga, ainda, para fins de esclarecimento, que, a cada nova fase da evolução da teoria semiótica, foram incorporadas as categorias das fases anteriores, rearticulando-as com os novos achados numa totalidade teórica, de modo a obedecer o princípio do empirismo, segundo o qual uma teoria deve ser não contraditória, exaustiva e o mais simples possível.

A seguir, descreveremos sucintamente alguns aspectos do PGS, uma vez que em nossa análise trataremos de alguns elementos nele forjados.

2.2.O percurso gerativo do sentido

Embora muitos e distintos encaminhamentos tenham sido dados à teoria, o percurso

gerativo do sentido tem resistido e dado provas cada vez mais consistentes de sua

aplicabilidade. Cremos que todo e qualquer analista finda por, no processo mesmo da análise

de um texto, recorrer a uma das estratégias de apreensão do sentido presentes no percurso

gerativo do sentido, seja apenas para o simples estabelecimento das oposições do nível

fundamental. Por isso, retornaremos ao esclarecimento desta ferramenta de análise, uma vez

que, em nossa pesquisa, observaremos os elementos pertencentes, principalmente, ao nível

discursivo e, eventualmente, aos demais níveis, perpassando, entretanto, por todos os níveis do

percurso.

O percurso gerativo do sentido consiste em uma ferramenta para a compreensão do(s) sentido(s) do texto, uma vez que “prevê a apreensão do texto em diferentes instâncias de abstração e, em decorrência, determinam-se etapas entre a imanência e a aparência” (BARROS, 2002, p. 15). Tais “instâncias de abstração”, ou níveis, denominados fundamentais, narrativo e discursivo, comportam descrição autônoma e são dotados de uma sintaxe e semântica próprias.

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constitui sua sintaxe, originando percursos “narrativos”2 embrionários. O nível fundamental

pode ser representado pelo que chamamos de quadrado semiótico, estrutura elementar por meio

da qual organizamos os semas mais simples e de maior abstração do texto. Os termos da

oposição fundamental, para a elaboração do quadrado semiótico, mantêm entre si relações de

contrariedade, contradição e de complementaridade, as quais o organizam semântica e

sintaxicamente.

No que diz respeito ao nível narrativo, é importante lembrar que a Semiótica trata

a questão da narratividade como constitutiva do discurso, que, tratando-se de uma sequência

narrativa, ou não, será dotada de narratividade e, consequentemente, será passível de descrição

com relação ao nível intermediário da análise semiótica. A semântica deste nível diz respeito à

atribuição de valor aos objetos, e a sintaxe acaba por constituir “um simulacro do fazer do

homem no mundo e de suas relações com os outros homens” (BARROS, 2001, p. 16), uma vez que diz respeito às relações juntivas entre sujeito e objeto e suas transformações.

No nível discursivo, temos o maior grau de concretude e complexidade do percurso. A sintaxe ocupar-se-á das relações entre a enunciação e o discurso manifestado no enunciado, e a semântica será entendida como o estabelecimento de percursos temáticos e o revestimento, mediante as figuras dos conteúdos presentes na semântica narrativa. Ressaltamos que, embora seja este o nível mais superficial de análise, ainda estamos na imanência do texto, ou seja, em seu plano do conteúdo, não chegando à sua manifestação, uma vez que, para muitos autores, a Semiótica não se ocupa do nível da manifestação, apesar do consenso de que o conteúdo

“sofra”, de certo modo, as coerções da “matéria” sob a qual ele se manifesta.

É importante ressaltar que a teoria entende que, conforme esclarecemos acima, todos os níveis de análise do percurso gerativo do sentido são imanentes, o que quer dizer que é necessária uma operação de significação e de interpretação para a (re)construção do(s) sentido(s). Por outro lado, o conceito de imanência está vinculado à modalidade veridictória ser/parecer, em que ser diz respeito àquilo que estaria imanente para determinado actante (inclusive o enunciatário), e parecer, àquilo que estaria aparente, manifestado, para determinado ponto de vista. Não deixaremos também de explorar este ponto, pois a constituição identitária que pretendemos acompanhar parece estar na dependência direta dos simulacros veridictórios elaborados pelos sujeitos que interagem na narrativa.

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Tendo em vista o que foi dito acima a respeito do PGS, explicitaremos então em quais categorias nos concentraremos para que possamos descrever o modo como Luzia-Homem se apresenta tanto para os atores do enunciado quanto para a enunciação.

Nossa análise está concentrada nos níveis discursivo e narrativo. No nível discursivo, enfatizaremos a semântica discursiva, identificando os temas e figuras convocados pelos diversos atores para descrever Luzia-Homem e suas relações com os demais atores, entretanto, observaremos, quando necessário, a sintaxe discursiva, suas debreagens e embreagens, quando for pertinente aos objetivos já delimitados. Por sua vez, no nível narrativo, sempre que se fizer necessário, exporemos os programas narrativos relevantes para melhor compreendermos e apreendermos as relações de Luzia, observando, principalmente, os papéis actanciais desempenhados pelos principais atores.

A seguir, trataremos das categorias propriamente ditas que convocamos para a descrição dos simulacros construídos de Luzia, dentre elas aquelas que remetem ao PGS, bem como aquelas que não são diretamente relacionadas a ele.

2.3.Atores, actantes e papéis actanciais

Retomar e esclarecer os conceitos de actante e de papel actancial se faz necessário na medida em que estes conceitos são centrais para a análise que pretendemos realizar. Conforme está previsto em nossa metodologia, identificaremos os atores do discurso a partir de suas relações com Luzia-Homem, descrevendo seus respectivos papéis temático-figurativos e seus papéis actanciais, relativos ao percurso de Luzia.

Para tal, faz-se necessário esclarecer os conceitos que aqui estão sendo utilizados, diferenciando, primeiramente, o conceito de actante do conceito de ator. Quanto ao conceito de actante, Greimas, em sua obra Semântica Estrutural (1966), toma como ponto de partida os estudos realizados por Tesnière e Martinet acerca da sintaxe da língua francesa, que, ao organizarem os atuantes3 em termos de agente vs paciente vs beneficiário, atribuíram-lhes valor semântico, porém sem se preocupar com a coerência que deveria existir nas relações que se

estabeleciam entre estes termos, uma vez que “o beneficiário não pressupõe um agente, mas um benfeitor” (1976, p. 170). A partir disso, Greimas sugere rearticular aquilo que inicialmente

fora chamado de atuante (1976, p.171) em duas categorias: sujeito vs objeto e destinador vs destinatário, propondo ainda a existência de dois circunstantes (1976, p. 203) os quais são

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adjuvante vs oponente, que se relacionariam entre si por implicação, pressuposição e oposição, respectivamente.

Atualmente, no Dicionário de Semiótica (2011), temos, para a entrada actante, seis conceitos para esclarecer seu(s) significado(s). Todos eles se relacionam entre si de modo complementar, porém apresentaremos inicialmente o mais elementar:

1.O actante pode ser concebido como aquele que realiza ou que sofre o ato, independentemente de qualquer outra determinação. Assim, para citar L. Tesnière, a quem se deve o termo, “actantes são os seres ou as coisas que, a um título qualquer e de um modo qualquer, ainda a título de meros figurantes e da maneira mais passiva possível, participam do processo”. Nessa perspectiva, actante designará um tipo de unidade sintática, de caráter propriamente formal, anteriormente a qualquer investimento semântico e/ou ideológico. (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.20).

Esta concepção nos remete ao caráter sintático, formal e abstrato do actante, uma vez que sua organização categórica acaba por constituir um locus para que haja investimento semântico/ideológico.

Em outra definição presente no Dicionário de Semiótica (2011, p. 20), temos a comparação com o termo originado na literatura: personagem. Neste sentido, o termo actante se adequaria melhor às necessidades descritivas da Semiótica do que o termo personagem, uma vez que o primeiro termo é dotado de menor investimento semântico, abrangendo, assim, maior quantidade de termos e conceitos, além de designar um elemento específico da teoria Semiótica.

Também encontramos no Dicionário de Semiótica (2011, p. 21) uma distinção tipológica dos actantes, sendo as categorias enunciador/enunciatário consideradas s actantes da comunicação ou da enunciação pressuposta, inerentes a todo e qualquer discurso,; quando explícitos, passíveis de reconhecimento no discurso-enunciado, temos a categoria narrador/narratário; e, falamos no par interlocutor/interlocutário ao tratar dos actantes que integram a estrutura da interlocução em segundo grau. Os actantes da narração ou do enunciado são desdobramentos daqueles já propostos anteriormente por Greimas, que são sujeito/objeto, destinador/destinatário.

Ainda no Dicionário de Semiótica (2011), os circunstantes, nomeados por Greimas em seu livro Semântica Estrutural (1976) são classificados como auxiliares, cuja definição transcrevemos abaixo:

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Logo, os auxiliares não são propriamente actantes, mas sim uma conjuntura modal que interfere na transformação, auxiliando (adjuvante) ou atrapalhando (oponente) o sujeito em sua busca para entrar em conjunção com determinado objeto.

Em Semiótica, o estatuto do actante na narrativa é definido por seu papel actancial, o

qual se constitui essencialmente como uma função que determina “o paradigma das posições

sintáticas modais, que os actantes podem assumir ao longo do percurso narrativo.” (GREIMAS & COURTÉS, 2011, p.357). Deste modo, o sujeito pode ser considerado como sujeito de estado/sujeito do fazer (do ponto de vista pragmático), bem como pode ser classificado como sujeito do querer, do saber (do ponto de vista cognitivo), de acordo com o seu estatuto dentro do percurso narrativo.

Do mesmo modo, relativamente ao par actancial destinador/destinatário, além de seus desdobramentos mencionados nos pares enunciador/enunciatário, narrador/narratário, interlocutor/interlocutário, descritos acima como actantes da comunicação, temos que considerá-los, também, enquanto actantes da narração, cujo par é marcadamente constituído por uma assimetria, por uma pressuposição unilateral, em que a existência do Destinador pressupõe a do Destinatário4.

Neste sentido, referente aos papéis actanciais desempenhados pelo Destinador na narrativa, compete a este actante dotar o Destinatário-sujeito não só de competência modal, mas também do universo axiológico (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.132). Sendo assim, também temos os papéis actanciais de Destinador manipulador – responsável por motivar, impelir o Destinatário-sujeito a desejar um determinado objeto, bem como dotar este objeto de valor –, e o de Destinador julgador – a quem compete sancionar o resultado da performance realizada pelo sujeito.

Se, por um lado, o conceito de actante diz respeito a um locus abstrato, cujo exemplo mais elementar é o par actancial sujeito/objeto, constituído desde a instauração da própria semiose, por outro, o conceito de ator nos remete a um locus mais concreto.

O Dicionário de Semiótica (2011) opõe, primeiramente, o conceito de ator ao de personagem. Em semiótica, o uso deste último foi substituído pelo do primeiro, pois a utilização do termo ator não se restringiria ao âmbito literário. Em seguida, temos que a noção de ator se constitui como “uma unidade lexical, do tipo nominal,” (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.44)

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a qual, por estar inscrita no discurso, pode receber investimentos sintáticos e semânticos que o individualizam. Dessa maneira, a posição ocupada pelo ator é um lugar de convergência de elementos sintáticos e semânticos, sobre o qual incidem, consequentemente, pelo menos um papel actancial e um papel temático (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.45).

Em nossa descrição, utilizaremos os critérios mencionados acima para a identificação e classificação dos atores, dos actantes e de seus papéis actanciais, porém não podemos deixar de mencionar que, um mesmo ator, ao longo de qualquer texto, pode discursivizar papéis actanciais distintos, o que também depende de qual o percurso está sendo observado.

2.4. Temas e figuras

O nível discursivo do percurso gerativo do sentido é o lugar em que ocorre a conversão das estruturas narrativas em estruturas discursivas, mediante o ato de enunciação. Sendo constituído de uma sintaxe e de uma semântica próprias, esse nível é responsável pela atualização e concretização dos esquemas narrativos abstratos encontrados no nível narrativo. Nesse sentido, enquanto a semântica discursiva diz respeito à construção de uma representação do mundo natural, a partir da qual se instaura o discurso, a sintaxe discursiva trata da representação das relações entre enunciador e enunciatário.

Assim, tendo em vista que o objetivo do nosso trabalho é a verificação de uma unidade identitária que perpasse as variadas representações forjadas de Luzia-Homem pelos atores do enunciado, a análise dos simulacros construídos recairá principalmente sobre os temas e figuras convocados para a construção dos simulacros.

Segundo Fiorin (2009), a tematização e a figurativização tratam, assim, de dois níveis de concretização do sentido que constituem um continuum, uma gradação, que vai do mais abstrato ao mais concreto. Assim, os temas seriam dotados de menor densidade sêmica do que as figuras (BERTRAND, 2003, p.231), as quais nos remetem à representação do mundo natural. Dessa maneira, temas e figuras são categorias concernentes à semântica do nível discursivo, mas que, ao mesmo tempo, o transcendem: trata-se não só do modo como o nível narrativo é atualizado, ou seja, discursivizado, mediante o ato de enunciação, mas também do modo como percebemos e lidamos com o mundo natural, cuja representação e apreensão se dão a partir dos temas e figuras instaurados no e pelo discurso, as quais construiriam um efeito de realidade.

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categoria, cujos termos contrários seriam Icônicos vs Abstrato, os quais seriam modos distintos de representação e dos quais decorre uma gradação da figuratividade.

No âmbito do icônico, temos que ele corresponde ao maior grau de figuratividade,

cujas representações construídas remetem a um “objeto do mundo natural” (BERTRAND,

2003, p.210) e que, por serem dotadas de alta densidade sêmica, permitiriam poucas associações com elementos diversos.

Por outro lado, quanto ao polo referente ao abstrato, temos a figuratividade aqui construída a partir de menor densidade sêmica, o que favoreceria associações e interpretações diversas.

Já a tematização “consiste em dotar uma sequência figurativa de significações mais abstratas que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou passionais” (BERTRAND, 2003, p.213).

Ressalte-se ainda que não podemos confundir o processo de tematização com o polo abstrato da categoria da figuratividade, uma vez que a tematização é um processo que subjaz e dá unidade ao processo de figurativização dos discursos, o qual pode ocorrer a partir da realização de figuras construídas tomando como base os polos da categoria da figuratividade, Icônico vs Abstrato, ou seja, o polo abstrato, termo para o qual tendem as figuras construídas com menor densidade sêmica, ainda está a serviço da figuratividade e remete, portanto, à representação do mundo natural.

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2.5Enunciação enunciada X Enunciado enunciado

Antes de chegarmos às questões referentes aos termos acima, começamos retomando brevemente os conceitos de enunciação e de enunciado, para, então, comentarmos os termos colocados na oposição acima.

O conceito de enunciação em Semiótica remonta à Benveniste, que nos Problemas

de Linguística Geral II (2006), especialmente, no capítulo intitulado O aparelho formal da enunciação, faz algumas proposições a esse respeito e afirma que “a enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (2006, p. 82).

Tal afirmação foi o ponto de partida para vários desdobramentos e implicações, tais como as questões que remetem ao produto da enunciação e o seu sujeito. Em Semiótica, tais questões foram retomadas, em algumas situações, reformuladas, e inseridas no interior da teoria.

No Dicionário de Semiótica (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.166), temos que a enunciação pode ser entendida de duas maneiras distintas: uma não linguística e outra linguística. A primeira diz respeito a uma estrutura não linguística em que se estabelece a comunicação e remete, dessa maneira, às condições de produção do discurso. Por outro lado, a enunciação, entendida como uma instância linguística, é tida como logicamente pressuposta, a partir do seu produto. Logo, concomitantemente à sua realização, são instaurados a pessoa, o espaço e o tempo da enunciação, os quais são, respectivamente, o eu-aqui-agora. Entretanto, no momento em que o eu se constitui enquanto tal, um outro é instaurado no discurso e diz respeito à pessoa a quem o eu se dirige, o tu.

Enquanto “ato de produção do discurso” (FIORIN, 2009, p.55), a enunciação possibilita a atualização das virtualidades semióticas presentes nas estruturas semionarrativas, em que a competência linguística do sujeito se converte em performance.

Quanto ao enunciado, trata-se do produto da enunciação, da materialidade, a partir da qual podem se recuperar as marcas que nos remetem à enunciação, entretanto o enunciador pode optar entre reconstituir ou não, no interior do enunciado, as condições de enunciação.

Desse modo, há que se distinguir entre a enunciação propriamente dita, instância sempre pressuposta, e a enunciação enunciada, que é apenas um simulacro da enunciação

propriamente dita no interior do enunciado, uma vez que o “‘eu’, o ‘aqui’ e o ‘agora’ encontrados no discurso enunciado não representam de maneira nenhuma o sujeito, o espaço e

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Por sua vez, o enunciado enunciado, embora não conste no Dicionário de

Semiótica (2011), remete ao enunciado que aparentemente afasta as marcas da enunciação e

tenta criar um efeito de objetividade, distanciando-se dos elementos da enunciação e envolvendo prioritariamente os próprios atores do enunciado. O foco do dizer aqui instaurado é o ele. O eu e o tu, enquanto atores do simulacro produzido da enunciação, dão lugar ao ele, construído no e pelo discurso enunciado.

Deste modo, neste trabalho, quando remetermos ao enunciado enunciado, estamos nos referindo aos atores do enunciado. De outro modo, quando falarmos em enunciação enunciada, estaremos nos reportando ao simulacro da enunciação produzido no discurso e às decorrentes relações entre o narrador e o narrado.

2.6A Veridicção

O conceito de veridicção afasta a teoria semiótica da questão da verdade e da realidade como algo exterior à língua, ontológico e/ou referencial. A partir dessa noção e de seus desdobramentos, tais como as modalidades veridictórias, podemos falar em efeito de verdade e efeito de realidade, a partir dos quais se instauram as relações do sujeito com o que o cerca.

O conceito de veridicção nos remete à questão da construção de um efeito de verdade ou realidade compartilhados e construídos no e pelo discurso e, dessa maneira, perpassa duas outras questões centrais para a teoria: a relação entre os sujeitos e a relação entre sujeito e objeto.

No que tange à relação que se estabelece entre os sujeitos, especialmente aqueles da enunciação, temos que ela fica condicionada ao estabelecimento de um contrato veridictório,

o qual consiste no estabelecimento mútuo (“contrato”) de um crer verdadeiro, sendo, pois, um

“entendimento tácito entre dois cúmplices mais ou menos conscientes” (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p.530). O contrato veridictório é uma das condições de interação entre sujeitos, em que após instaurada a comunicação, deve-se atribuir, ou não, o caráter de imanência à mensagem. A mensagem é, por sua vez, constitutivamente da ordem da manifestação. Sendo assim, estabelece-se a oposição ser vs parecer (modalidades veridictória), segundo a qual é atribuído ao ser corresponde aquilo que estaria imanente, e ao parecer corresponderia aquilo que está manifestado.

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saber ser/saber parecer), que acabam por incidir sobre as relações juntivas entre sujeito e objeto, que podemos verificar o caráter ideológico que presente nos discursos.

A partir da articulação dos termos dessa oposição no quadrado semiótico, constituindo aquilo que chamamos quadrado veridictório, temos a seguinte configuração:

Dessa articulação, derivam as configurações que determinam os efeitos de verdade, falsidade, mentira e segredo flagrados nos mais diversos discursos. Conforme a figura acima, a concomitância entre o ser e o parecer permite atribuir o estatuto de verdade, por outro lado, a co-ocorrência do não parecer com o não ser caracteriza a falsidade. Já a mentira é flagrada a partir da articulação entre o parecer e o não ser, ao mesmo tempo em que o segredo se forja pela concomitância do não parecer com o ser.

É, pois, a partir do nível da manifestação, ou seja, do parecer, que se instauram as relações do sujeito com o mundo. Então, nesse parecer do sentido que para o sujeito se apresenta passam a incidir as modalidades epistêmicas do crer e do saber. Mediante essas modalidades é que o sujeito opera e atribui ao discurso do outro o estatuto de verdade, falsidade, mentira e segredo.

Por outro lado, para criar o efeito de verdade, entram em cena duas questões: a questão da persuasão, ou seja, do fazer crer, e a questão da figuratividade, a qual permite criar, quando esta se aproxima da iconização, um efeito de realidade.

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Como não é nosso objetivo nos aprofundar nessa rica problemática que perpassa todas as dimensões da teoria semiótica, esclarecemos que não nos estenderemos nessa questão. Comentaremos apenas sobre a relevância desse conceito para essa pesquisa, na medida em que ele será amplamente utilizado.

Em nossa pesquisa, utilizaremos ferramentas pressupostas para a aferição do estatuto veridictório dos simulacros de Luzia a serem descritos. Para isso, o quadrado veridictório se constitui como item fundamental, ao mesmo tempo em que as configurações relativas aos termos verdade, falsidade, mentira e segredo.

2.7Identidade e alteridade

Como a questão central do nosso trabalho diz respeito à constituição identitária de Luzia-Homem, mobilizaremos os conceitos já mencionados da teoria semiótica, considerando os elementos pertencentes aos três níveis do PGS, além de observar o papel das paixões no jogo da constituição identitária.

Entretanto, antes de mobilizarmos estes conceitos em função de qualquer análise, faz-se necessário ter em mente o conceito de identidade, para que não nos percamos de nossos objetivos e para que o leitor tenha consciência daquilo que estamos chamando identidade, conceito vago e de difícil definição.

No Dicionário de Semiótica (GREIMAS; COURTÉS, 2011), temos a presença de quatro conceitos que nos parecem ser complementares, dentre os quais utilizaremos três. Com relação ao primeiro conceito, temos a pressuposição recíproca da identidade com relação à alteridade e vice-versa, em que um só se define em função do outro, conforme o trecho a seguir:

O conceito de identidade, não definível, opõe-se ao de alteridade (como “mesmo” a “outro”), que também não pode ser definido: em compensação, esse par é interdefinível pela relação de pressuposição recíproca, e é indispensável para fundamentar a estrutura elementar de significação. (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p. 251).

O conceito acima é o mais importante para a nossa pesquisa, à qual somamos a perspectiva de Eric Landowski (2012, p. 4), que propõe o estudo da identidade mediante suas relações com a(s) alteridade(s):

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alteridade do outro5 atribuindo um conteúdo específico à diferença que me separa dele.

A citação supracitada nos permite vislumbrar o jogo de simulacros por meio do qual pretenderemos apreender a constituição da identidade de Luzia-Homem, além de deixar claro que, ao identificarmos uma diferença, atribuímos conteúdo a ela e, em função disso, a valoramos. Este gesto aciona os processos de exclusão, assimilação, segregação e admissão, propostos por Landowski (2012), os quais constituem um dos aspectos considerados em nossa análise.

Devemos destacar, em relação a este primeiro conceito de identidade, a sua dependência quanto ao que se refere ao conceito de alteridade, uma vez que a delimitação de uma identidade qualquer estabelece concomitantemente sua(s) respectiva(s) alteridade(s), por meio do reconhecimento daquilo que lhe é estranho, diferente, ou até mesmo do que não lhe seria próprio, o seu outro. Estabelecida uma dada identidade, passa-se a atribuir valor àquilo que lhe constitui sob a forma de diferença.

Cabe ainda salientar que operaremos com vários tipos e graus de alteridade em relação à Luzia. Dessa forma, consideremos a seguinte citação:

O outro, porém, não é apenas o dessemelhante – o estrangeiro, o marginal, o excluído – cuja presença presumivelmente incomoda (por definição), mais ou menos. É também o termo que falta, o complementar indispensável e inacessível, aquele, imaginário ou real, cuja evocação cria em nós a sensação de uma incompletude ou o impulso de um desejo, porque sua não-presença6 atual nos mantém em suspenso e como que inacabados, na espera de nós mesmos. (LANDOWSKI, 2012, p. XII).

O que diz Landowski nesta citação é que a alteridade é parte constitutiva da identidade e que é percebida não só por uma presença que causa estranhamento, como também pela ausência, marcada pela própria finitude do sujeito, finitude esta que requer a delimitação de uma identidade. Ou seja, não é necessário que haja a presença física de um outro para que haja alteridade, pois ela toma forma ao mesmo tempo em que ocorre a constituição identitária, uma vez que, enquanto delimitação, a identidade se forja pela descontinuidade, no que diz respeito ao que está a sua volta. Dessa maneira, a alteridade é forjada no momento em que a identidade se afirma.

O segundo conceito proposto por Greimas e Courtés (2011, p. 251) opõe o conceito de identidade ao de igualdade, oportunidade em que caracteriza este último conceito pela

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constituição de uma unidade heterogênea, constituída a partir da observação daquilo que é comum ou de um conjunto de características comuns.

O último conceito de identidade constante do Dicionário de Semiótica (2011) que

nos interessa diz respeito “ao princípio de permanência, que permite ao indivíduo ‘continuar o

mesmo’, ‘persistir no seu ser’, ao longo de sua existência narrativa, apesar das modificações que provoca ou sofre.” Esse conceito é, para nós, metodologicamente pertinente, na medida em

que legitima trabalharmos com uma unidade narrativo-discursiva de Luzia-Homem, mesmo que ela tenha passado por uma série de transformações narrativas.

Ainda sobre a questão da dinâmica identitária, cumpre-nos ressaltar que Landowski

propõe uma “organização esquemática das práticas semióticas da constituição da identidade” (SARAIVA, 2008, p.57), cuja representação dos quatro processos se dá mediante a utilização do quadrado semiótico que adaptamos de SARAIVA (2008, p.57):

Quadro 2 - dinâmica dos processos identitários no quadrado semiótico

Tais processos identitários demonstrados na figura acima têm como base a relação juntiva, de um indivíduo em relação a um grupo dominante, em que no processo de assimilação, a partir do qual o indivíduo seria completamente integrado ao grupo, ocorre uma operação conjuntiva de mistura e, no de exclusão, quando a impossibilidade de pertencimento é total, por sua vez, ocorre uma operação disjuntiva de triagem (SARAIVA, 2008, p.58).

Em Presenças do Outro (2012), Landowski trata dos processos identitários mencionados acima, sob uma perspectiva social e coletiva, em que tais processos são realizados por grupos e permeados por relações de poder. Tomando como base um grupo de referência, a assimilação é o processo por meio do qual o grupo assimilador, dominante, acolhe, assimila o outro, ao mesmo tempo em que este perde suas características diferenciais, que o constituíam enquanto outro, aniquilando, oprimindo toda e qualquer diferença ameaçadora à unidade do grupo. O trecho a seguir permite que possamos entender melhor esta noção:

Assimilação Exclusão

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Inimigo de toda espécie de dramatização, ele se limita, em suma, a constatar que os desvios de comportamento dos quais ele é testemunha – em relação a uma normalidade que ele mesmo encarna por construção – não tem consistência, valor nem fundamento e que, por isso, sua erradicação se impõe. Que a perseguição de tal objetivo passa inevitavelmente pela imposição de rudes danos à personalidade dos indivíduos ou dos grupos envolvidos não deixa nenhuma dúvida; porém, este é, a seus olhos, um mal necessário e perfeitamente justificável, já que, em vez de ceder a uma animosidade qualquer dirigida contra o Outro porque ele é outro (o que já dependeria de uma configuração diferente), trata-se, ao contrário, por um trabalho metódico e racional, de ir em auxílio daqueles que chegaram a sua terra, de ajudar o estrangeiro a livrar-se daquilo que faz com que ele seja outro – em suma, de reduzir o Outro ao Mesmo para que, um dia, ele possa integrar-se plenamente no novo ambiente que o acolheu. (p. 08).

Por sua vez, a exclusão consiste em reconhecer que o estrangeiro nunca pertencerá ao grupo e que deve ser eliminado, excluído (LANDOWSKI, 2012, p. 09). Ainda segundo o autor, ambos os processos, embora atuando de modo oposto, têm a função de preservar a identidade do grupo dominante, por exemplo.

Quanto aos processos de segregação e admissão, o primeiro tem natureza não-conjuntiva, e, por isso, tende para a disjunção sem alcançá-la. Isso quer dizer que o autor, ao identificar um processo de segregação, supõe uma unidade identitária anterior, que, por algum motivo, deixou de existir. Desse modo, o que justifica não designar o processo identitário que ocorre entre os sujeitos (ou entre os atores) como processo de exclusão é o fato de que essa unidade anterior permanece enquanto resquício, de modo a evitar que o processo de exclusão se efetive com a descoberta de um outro totalmente distinto:

Mesmo havendo se tornado em parte irreconhecível – estranho porque doravante cada vez mais estrangeiro -, ele continua, no entanto, de certo ponto de vista, a representar uma parte inalienável de ‘minha’ própria identidade. (LANDOWSKI, 2012, p. 18)

Por outro lado, de modo similar, enquanto o processo de segregação atua mantendo uma identidade residual e enfatiza as diferenças, o processo de admissão atua considerando a diferença, marca do pertencimento a outro grupo, mas enfatiza as semelhanças de modo a constituir um movimento cuja tendência é conjuntiva. Nesse sentido, Landowski (2012, p.21) nos fala sobre esses processos:

Assim, tal como a segregação, ao mesmo tempo que dependia da não-conjunção, supunha, entretanto, a reminiscência de uma ‘mesmidade’ (de ordem conjuntiva) apta, no contexto então considerado, a pôr freio em fortes tendências (de ordem disjuntiva) à ‘exclusão, a admissão, por sua vez, enquanto forma geral, dependerá da não-disjunção e só poderá ser viável como regime de relações intersubjetivas entre indivíduos ou entre comunidades com base na reminiscência contrária: aquela de haverem sido separados.

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relações de Luzia-Homem com os demais atores da narrativa são construídas. Entretanto, cumpre-nos ressaltar que, nesta análise, a classificação se dá de forma mais neutra e – por que não dizer – ingênua, uma vez que em Landowski (2012) pode-se perceber maior comprometimento com o fato de demonstrar como o(s) discurso(s) da dominação política e ideológica é/são forjado(s) em meio a esses processos. Entretanto, em nosso trabalho, tal questão não será observada diretamente.

2.8O universo passional

Este item tratará das paixões que permeiam as relações de Luzia. A Semiótica das Paixões é uma das ferramentas pelas quais buscamos compreender e delimitar as relações entre sujeitos, uma vez que podemos identificar, por meio da definição modal de cada paixão, um processo identitário e certa axiologização que a subjaz. Sendo assim, a descrição do universo passional será pertinente na medida em que se constitui uma ferramenta para melhor compreender as relações polêmico-contratuais entre os actantes e para servir de base para a descrição dos processos identitários verificados entre os atores da narrativa.

O estudo das paixões, conforme propõem Greimas e Fontanille, na obra Semiótica

das Paixões (1993), permite-nos visualizar os estados de alma do sujeito, voltando-se para os

efeitos afetivos ou passionais do discurso que, para a Semiótica, resultam da modalização do sujeito de estado (FIORIN, 2007, p.10).

Para Fiorin (2007, p.11), “as paixões são efeitos de sentido das compatibilidades e

incompatibilidades das qualificações modais que modificam o sujeito de estado”, isso quer dizer que um sujeito apaixonado é resultado de um arranjo modal que nos permite visualizar

seu “estado de alma” aparente. Para esta análise, a relevância do estudo da dinâmica passional no romance diz respeito às paixões manifestadas por diferentes atores com relação ao ator Luzia-Homem.

As paixões podem ser, conforme explica Fiorin (2007, p.13), simples ou complexas. As chamadas paixões simples são decorrentes de uma única configuração modal da relação entre sujeito e objeto, enquanto que as complexas são aquelas que pressupõem o encadeamento de pelos menos dois arranjos – ou percursos – passionais.

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configurações passionais. Entretanto, trataremos de cada uma delas ao analisarmos os seus respectivos sujeitos, em seus estados patêmicos.

Portanto, em nossa análise, são articulados os elementos do PGS, os processos identitários propostos por Landowski, e a Semiótica das Paixões de Greimas e Fontanille, objetivando construir simulacros das relações actoriais concernentes à Luzia-Homem, para, assim, apreender sua(s) identidade(s). A seguir, apresentaremos uma descrição sucinta dos parâmetros metodológicos a partir dos quais esta pesquisa está alicerçada.

2.8Parâmetros metodológicos

Com o objetivo de apreender a(s) identidade(s) de Luzia-Homem, tomamos como ponto de partida a oposição de nível fundamental masculinidade vsfeminilidade, estampada já no próprio título do romance. Em seguida, identificamos e selecionamos para análise os atores da narrativa cujas relações com Luzia-Homem parecem ter destacada relevância na construção do(s) simulacro(s) identitário dessa personagem. Após essa seleção, procederemos à análise cuidadosa dos atores, descrevendo os temas e as figuras constitutivos dos seus respectivos papéis temático-figurativos; os papéis actanciais assumidos por cada ator em particular; os processos identitários que estão em jogo entre os atores selecionados e a sertaneja Luzia; e, por fim, as configurações passionais de base nutridas por cada ator em particular em relação a Luzia.

Após a análise de cada um dos atores e das relações que eles mantêm com Luzia, verificaremos se é possível atribuir uma invariante identitária que perpasse todas as imagens parciais da sertaneja construídas nas interações de que ela participa. Em seguida, identificaremos as características de Luzia no âmbito da enunciação enunciada para compará-las aos elementos já encontrados no âmbito do enunciado enunciado, observando se há, no domínio da enunciação enunciada, a construção de um novo simulacro identitário da sertaneja, cuja perspectiva temático-figurativa difira daquelas anteriormente encontradas, estabelecendo uma nova isotopia de leitura.

Abaixo, fornecemos o modelo do quadro que será utilizado para registro sinóptico das ocorrências referentes à descrição das relações e dos simulacros construídos de luzia para cada ator:

Quadro 3 - Modelo de síntese descritiva do ator

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Papel temático-figurativo do ator:

Papel actancial do ator:

Paixão (ões) do ator:

Processo identitário do ator:

Figuras que definem Luzia para o ator:

Temas que definem Luzia para o ator:

Simulacro de Luzia para o ator:

Estatuto fórico do simulacro de Luzia para o ator:

Estatuto veridictório de Luzia para o ator:

Para nós, a estratégia de convocar a dinâmica identitária e a configuração passional para o estudo das relações actoriais visa a lançar luz sobre as relações sócioafetivas subjacentes à construção de cada simulacro de Luzia.

Esse quadro contém os principais elementos que serão observados no decorrer de nossa análise e foi proposto com o objetivo de tornar mais simples a tarefa de comparar os resultados das análises que realizamos para cada ator e sintetizar cada simulacro construído, agrupando todos os parâmetros e os respectivos dados obtidos, com o intuito de vislumbrar concomitantemente os diferentes aspectos observados durante a análise, em um quadro, para que o simulacro construído não ficasse difuso ao longo do texto. Ao final da análise dos atores convocados, será realizada uma análise comparativa dos simulacros obtidos, a fim de verificar a existência de uma invariante identitária no domínio do enunciado enunciado.

Quanto à análise da enunciação enunciada, tentaremos observar como Luzia se apresenta para o enunciatário, a partir de sua configuração tanto no âmbito da enunciação enunciada quanto no nível do enunciado enunciado. Para isso, não convocaremos a questão identitária nem a patêmica, uma vez que o narrador está fora do narrado. Para vislumbrá-la, deter-nos-emos apenas na questão da figuratividade, por meio da qual Luzia se manifesta, observando também os temas que lhes são subjacentes.

Após a observação de ambas as instâncias, verificaremos se há a construção de um novo simulacro ou se há a reiteração de um simulacro já construído no âmbito do enunciado enunciado. O nosso objetivo aqui é descobrir se há ou não identificação do narrador com algum dos atores da narrativa, em caso de coincidências de simulacros.

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3A ANÁLISE DE LUZIA-HOMEM NA PERSPECTIVA ACTORIAL

Todo parecer é imperfeito: oculta o ser; é a partir dele que se constroem um querer-ser e um dever-ser, o que já é um desvio do sentido. Somente o parecer, enquanto o que pode ser a possibilidade -, é, vivível.

(GREIMAS, 2002, p. 19)

Neste capítulo, analisaremos o romance no nível do enunciado enunciado, observando predominante e individualmente os atores mais relevantes da narrativa. Em nossa descrição, partiremos observando o modo como alguns atores da narrativa apreendem a manifestação de Luzia. Para balizar os parâmetros da descrição que desenvolvemos neste capítulo, convocamos os dizeres de Oliveira Jr. (p. 33, 1997), ao afirmar que:

o romance pode ser entendido como um tribunal onde se desenvolvem unidades dramáticas protagonizadas por Luzia (depoimentos), sobre a qual se

voltam todos os olhos – dos outros personagens, do narrador e do leitor (e até

sobre si mesma). Cada um na sua posição, no seu ponto de vista, formará uma opinião, um juízo sobre a protagonista.

Assim, tentaremos descrever de que modo são construídas as relações de Luzia-Homem quanto a cada um dos atores, tomados individualmente, sem nos esquecer de que, dada a dimensão privilegiada da sanção no romance, aferida pela observação do comentário acima, pressupomos que cada ator tem como papel actancial, antes de qualquer outro, o papel de Destinador julgador7.

Logo, para melhor situar o leitor, retomamos os aspectos a serem considerados nessa análise, os quais já foram comentados na metodologia: os temas e figuras utilizados para a descrição de Luzia-Homem, a paixão, o processo identitário e os papéis temático-figurativos e actanciais.

O primeiro ator a ser analisado é o francês Paul, cujo ponto de vista antecede o dos demais na leitura do romance.

3.1O francês Paul

O francês Paul é o primeiro ator que aparece individualizado no romance, sendo também o primeiro ator que assume o papel actancial de destinador julgador que se debruça

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sobre Luzia. Trata-se de um estrangeiro, descrito pelo narrador como um “misantropo”, que, em uma de suas viagens pelo mundo, parou em Sobral, onde se dedicou a observar a vida do povo, conforme depreendemos da seguinte passagem:

O francês Paul - misantropo devoto e excelente fabricante de sinetes que, na despreocupada viagem de aventura pelo mundo, encalhara em Sobral, costumava vaguear pelos ranchos de retirantes, colhendo, com apurada e firme observação, documentos da vida do povo, nos seus aspectos mais exóticos, ou rabiscando notas curiosas, ilustradas com esboços de tipos originais, cenas e paisagens - trabalho paciente e douto, perdido no seu espólio de alfarrábios, de coleções de botânica e geologia, quando morreu, inanido pelos jejuns, como um santo. (OLÍMPIO, 2003, p.20).

A partir da observação do trecho acima, percebemos que o referido ator dava relevância, em suas anotações, àquilo que julgava incomum, registrando em suas anotações o que encontrava de diferente. O olhar objetivante, denotado pela passagem “colhendo, com apurada e firme observação, documentos da vida do povo”, é próprio do comportamento de um cientista, que observa e registra os acontecimentos com objetividade.

Deste modo, podemos fazer duas afirmações iniciais sobre esse ator: a primeira refere-se ao fato de ele ser um estrangeiro, característica que marca a designação dele enquanto personagem. A segunda afirmação concerne à sua posição com relação à Luzia, a qual é a de um observador externo, que a descreve com a objetividade proporcionada pelo olhar de um estrangeiro, com tendência cientificista. Assim, dois pontos de vista externos e dois papeis temático-figurativos encontram-se sincretizados na figura do francês Paul: o estrangeiro e o

“cientista”.8

O Dicionário Eletrônico Houaiss (2009) traz cinco acepções para o termo estrangeiro:

Adjetivo e substantivo masculino:

1.que ou o que é de outro país, que ou o que é proveniente, característico de outra nação. Exs.: cidadão e./ o e. já retornou a sua casa

2.Derivação: sentido figurado: que ou o que não pertence ou que se considera como não pertencente a uma região, classe ou meio; forasteiro, ádvena, estranho.

Substantivo masculino:

3.indivíduo de nacionalidade diversa daquela do país onde se encontra ou vive;

4.o conjunto dos países em geral, excetuando-se aquele em que se nasce. Exs.: o jornal recebeu notícias do e./ adorava viajar pelo e.

5.Uso: informal: idioma diferente daquele que se está considerando; idioma não vernáculo, idioma de outra nação. Ex.: ele expressa-se em e.

A partir da leitura dos conceitos elencados acima, as três primeiras definições possuem relação direta com esta pesquisa, pois possuem em comum com o ator em questão a

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ideia de pertencimento a alhures, especialmente presente na terceira definição, uma vez que a questão da nacionalidade de Paul é marcada no texto do romance.

No artigo “As formas de percepção da alteridade: uma análise da noção de estrangeiro” (B. C. DESIDÉRIO; R. C. P. LIMBERTI, 2013), as autoras refletem acerca da

dinâmica entre identidade e alteridade, segundo os processos propostos por Landowski (2012), referindo-se ao termo “estrangeiro” de modo mais amplo e associada à segunda definição, anteriormente apresentada e presente no dicionário, na medida em que designa a alteridade, o outro, como o estrangeiro que assim é percebido por um determinado sujeito ou grupo (enquanto identidade):

identificar, perceber o Outro é o caminho para a autoidentificação desse sujeito que (consciente ou inconscientemente) projeta sua própria imagem a partir de uma alteridade a ser construída. A maneira como o sujeito percebe este Outro, no entanto, pode ser marcada por práticas diversas, como, por exemplo, a prática de reduzir o dessemelhante – o estrangeiro – a uma posição de pura exterioridade, como se as nuances culturais que os diferem daquilo que é considerado “padrão” não passassem de um exotismo. É, portanto, na intersecção dessa instável relação que emerge a oportunidade de se averiguar as várias percepções, os caminhos segundo os quais o Nós constrói seu mundo em torno do Outro. (B. C. DESIDÉRIO; R. C. P. LIMBERTI, 2013. P. 15)

Já em Landowski (2012), temos uma classificação de quatro tipos de estrangeiros (neste caso, considerando as definições 1 e 3 do dicionário, acima apresentadas), a partir das quais poderemos descrever a relação de paul não só quanto a luzia-Homem, mas também quanto ao mundo que o cerca, ou seja, a cidade de Sobral: o viajante disponível, o passageiro responsável, o viajante curioso e o passageiro programado, sobre os quais discorreremos a seguir.

Não constitui nosso objetivo nos aprofundarmos nessa classificação, mas sim explicá-la brevemente, a fim de que possamos compreender melhor o papel do francês Paul na narrativa. As classes elencadas acima visam descrever, mesmo mediante o uso de estereótipos

– os quais perdem sua força à medida que consideramos essas classes interdefiníveis –, o modo como o sujeito, ao se encontrar em alhures, relaciona-se com esse tempo-espaço que é tipicamente da alteridade.

O viajante disponível remete a uma relação despreocupada com ambiente de onde o sujeito provém. Ao mesmo tempo em que se encontra aberto para descobrir o novo lugar, ele se apropria e se integra a essa nova realidade:

Referências

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