1. INTRODUÇÃO
A laparoscopia de diagnóstico e cirúrgica tiveram um grande desenvolvimento nos úl-timos anos por constituírem procedimentos que causam traumatismos mínimos, encur-tamento do tempo de internamento, com-plicações reduzidas e, por consequência, conduzem a um alto nível de satisfação do cirurgião e das doentes.
A laparoscopia foi pela primeira vez rea-lizada em cães por um cirurgião alemão, Kelling, que chamou a este procedimen-to de Koelioskopie1. Em 1910, o cirurgião sueco Jacobaeus foi o primeiro a publicar uma descrição de laparothorakoskopie em humanos, em que utilizou para o pneumo-peritoneu ar e um cistoscópio para avaliar a cavidade peritoneal de pacientes com tuberculose e ascite1. Posteriormente, nos EUA, B.M. Bernheim, do Johns Hopkins Hos-pital, relatou uma série de laparoscopias re-alizadas em humanos, a que chamou orga-noscopy. No início do século XX a laparosco-pia diagnóstica foi utilizada por um número limitado de cirurgiões gerais substituindo a laparotomia exploradora, mas com uma taxa de complicações significativa2.
Nas décadas de 1920-1930, J. Veress, inter-nista húngaro, desenvolveu uma agulha para criar o pneumoperitoneu que ainda hoje é utilizada.
Um importante passo no desenvolvimento da laparoscopia foi o desenvolvimento de um sistema mais seguro de iluminação, na década de 1950, com a utilização de uma
vareta de quartzo luz para transmitir a luz de uma fonte externa para a ponta do laparos-cópico, diminuindo o risco de queimaduras intra-abdominais. Surgiu, posteriormente, a aplicação da tecnologia de fibra óptica, ain-da hoje usaain-da na laparoscopia.
Palmer, ginecologista francês especializado em infertilidade, foi um dos pioneiros no de-senvolvimento da laparoscopia nos meados do século XX. Além de defender a monito-rização da pressão intra-abdominal, alargou o âmbito da laparoscopia para pequenos procedimentos como electrocoagulação de hemorragias locais, punção de quistos dos ovários e lise de aderências. Descreveu um ponto, 3 cm abaixo da última costela es-querda na linha média clavicular, o ponto de Palmer, ainda hoje utilizado como porta de entrada da laparoscopia no quadrante superior esquerdo3.
Na década de 1960-1970, Semm, ginecolo-gista alemão, foi o mais influente defensor da laparoscopia operatória moderna. Foi o inventor do insuflador automático, de vários instrumentos como de termocoagulação, dispositivos para efectuar os nós endoscó-picos extra- e intra-corpóreos. Foi um dos primeiros proponentes da monitorização vídeo para a laparoscopia4. Apesar destes avanços, na década de 1980, a laparoscopia ginecológica incidia apenas no diagnóstico e na laqueação tubar.
Em 1979, Bruhat, et al. descreveram a uti-lização do laser por via laparoscópica, que passou cada vez mais a ser aplicada na la-paroscopia operatória. Em 1982, Daniell, et
Celioscopia de diagnóstico
Teresa Rebelo
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al. publicaram a introdução da laparoscopia a laser nos EUA. No ano de 1985, Semm foi para os EUA, a convite da American Asso-ciation of Gynecology Laparoscopist (AAGL), criada em 1972, para descrever a sua vas-ta experiência em laparoscopia operatória acumulada desde 1974, com a utilização de instrumentos como pinças bipolares, mo-nopolares e clips de sutura.
Com o advento de ópticas de melhor qua-lidade e em associação a sistemas de vídeo mais modernos, assim chamados de vide-olaparoscopia, a laparoscopia tornou a ser um método mais eficaz, havendo a possibi-lidade de participação em conjunto de toda a equipa cirúrgica nos procedimentos e documentação do acto cirúrgico em vídeo. Na década de 1980, a laparoscopia passou a ser aceite na cirurgia geral. Nesta déca-da, nos EUA, a laparoscopia emergiu como método padrão de esterilização feminina e empregue como meio de diagnóstico de infertilidade, particularmente indicada após 2 anos de infertilidade inexplicada5.
2. MATERIAL
A laparoscopia é uma técnica que permite a visualização e realização de manobras cirúr-gicas através de incisão inferior a 1 cm. Com a laparoscopia a visualização pélvica é supe-rior à da cirurgia clássica, a qual requer uma abertura maior de vários centímetros. A criação do pneumoperitoneu é um pré-requisito para uma laparoscopia correcta e, para tal, a agulha de Veress e um insufla-dor são necessários. É de realçar que é um procedimento «às cegas» e com o risco de complicações de lesão acidental de vasos e órgãos intra-abdominais. O pneumoperito-neu tem, contudo, grandes vantagens para o cirurgião como o espaço, a dissecção e a hemostase que proporciona5.
O material necessário para se realizar uma laparoscopia de diagnóstico é relativa-mente simples e reduzido. No entanto,
vis-to que no decurso do exame diagnóstico se pode tornar necessária a execução de um procedimento terapêutico, o material completo necessário para uma laparosco-pia cirúrgica deve estar sempre disponível para uso.
2.1. AGULHA DE VERESS
A agulha de Veress pode ser descartável ou reutilizável (Fig. 1) e ter vários compri-mentos ajustáveis ao biótipo das doentes. É o instrumento que permite a criação do pneumoperitoneu inicial, permitindo in-trodução segura do trocarte ao aumentar a distância entre a parede abdominal e órgãos abdominopélvicos. Apresenta dois componentes, um exterior com extremi-dade distal cortante, e outra, interna, com extremidade romba e retráctil, permitindo que, uma vez alcançada a cavidade abdo-minal, se exteriorize e evite lesões iatrogé-nicas das vísceras e vasos5.
2.2. INSUFLADOR ELECTRÓNICO DE CO2 O insuflador electrónico é necessário para distender a cavidade peritoneal. Deverá ter a capacidade de insuflar até 15 a 30 l/min e manter as pressões intra-abdominais cons-tantes sem exceder o limite de segurança de 12 a 16mmHg. Este controlo de pressões ajuda a prevenir as complicações relacio-nadas com o incorrecto posicionamento da agulha de Veress como o enfisema pré- -peritoneal, perfuração intestinal ou a lesão do grande epiplon e dos vasos abdomino-pélvicos.
Figura 1. Agulha de Veress.
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2.3. TROCARTES
Os trocartes permitem o acesso à cavidade intraperitoneal. O primeiro trocarte tem um diâmetro adaptado ao do laparoscópio e é introduzido por via umbilical após a criação do pneumoperitoneu. Os trocartes acessó-rios têm diâmetros adaptados aos instru-mentos seleccionados e são introduzidos sob controlo visual5. O número, tamanho e a posição de trocartes acessórios dependem do tipo de procedimentos a realizar (Fig. 3).
2.4. ENDOSCÓPIOS
Os melhores endoscópios são os que pro-duzem imagens das cavidades corporais com a melhor luminosidade, contraste e resolução (Fig. 4).
Os endoscópios preferidos pelos ginecologis-tas são os que proporcionam um ângulo de vi-são de 0°. Estão disponíveis endoscópios com vários diâmetros e comprimentos. Os de 1,2 mm de diâmetro podem ser introduzidos di-rectamente pela agulha de Veress e estão indi-cados em situações de suspeita de aderências pélvicas ou história de hérnia umbilical (Fig. 5). Os de 5 mm de diâmetro podem ser usados para celioscopia de diagnóstico, e os de 10 mm são os preferidos para laparoscopia ci-rúrgica, porque oferecem melhor definição, imagens panorâmicas e «ao perto» mais de-talhadas5.
Figura 2. Insuflador.
Figura 4. Endoscópios de diferentes diâmetros.
Figura 5. Endoscópio que se acomoda à agulha de Veress. Figura 3. Trocartes principais e acessórios reutilizáveis
com extremidade piramidal (1), cónica (2) e romba (3).
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2.5. VIDEOENDOSCOPIA
Existem vários tipos de videocâmaras. Uma boa câmara deverá comportar óptima reso-lução e sensibilidade (Fig. 6).
Deverá estar disponível para a laparoscopia um sistema de vídeo printing (Fig. 7).
2.6. MONITOR VÍDEO
Foi um grande avanço o recurso a monitores, deixando a laparoscopia de estar dependen-te da visão única do cirurgião e permitindo interacção com outros membros da equipa cirúrgica (Fig. 8).
2.7. FONTE DE LUZ
A laparoscopia requer um adequado nível de luminosidade no campo operatório para visualizar as estruturas anatómicas e para melhor controlo dos movimentos dos instru-mentos. As fontes de Xénon proporcionam melhor qualidade, e 175 W são geralmente suficientes para as intervenções laparoscó-picas de rotina5. Quanto maior a potência da fonte de luz maior o aumento da temperatu-ra emitida (Fig. 9).
2.8. PINÇAS DE PREENSÃO E TESOURAS Uma ou duas pinças atraumáticas e duas com «garras» de diferentes tamanhos, reuti-lizáveis ou descartáveis, podem ser suficien-tes para a maioria das situações. Tesouras po-dem também ser incluídas no equipamento básico, algumas com conexões à electroci-rurgia monopolar (Fig. 10).
3. PROCEDIMENTOS
São necessários para a realização de laparos-copia de diagnóstico:
— Fonte de luz fria e cabos de transmissão. — Insuflador.
Figura 9. Fonte de luz fria e cabo de fibra óptica. Figura 6. Câmara ligada ao endoscópio.
Figura 7. Sistema vídeo printing.
Figura 8. Monitor vídeo. Sem o consentimento prévio por escrito do editor
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— Equipamento de vídeo, embora não seja usualmente necessário para o procedi-mento diagnóstico, é mais útil para a la-paroscopia cirúrgica (Fig. 11).
— Agulha de Veress.
— Trocarte principal para acomodar o en-doscópio.
— Endoscópio com ângulo de observação de 0 ou 180 ou 30°.
— Trocartes acessórios.
— Cânula de sucção para aspirar líquido da cavidade pélvica para melhor visualiza-ção das estruturas a estudar e obtenvisualiza-ção de material para estudo citológico ou bacteriológico.
— Levantador de útero para mobilização do útero e introdução de azul-de-meti-leno para o teste de cromotubação, no caso do estudo de infertilidade.
— Kit ginecológico equipado com espé-culo, pinça de Pozzi e campos esterili-zados.
Figura 11. Sistema compacto incluindo fonte de luz fria e cabos de transmissão, insuflador e equipamento de vídeo.
Figura 10. Várias pinças traumáticas e atraumáticas.
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3.1. ANESTESIA
Deve ser dada preferência à anestesia geral. O pneumoperitoneu e a posição de Trende-lemburg conduzem a perturbações ventila-tórias, hemodinâmicas e metabólicas. Visto que existe o risco de ocorrer hipercapnia durante a laparoscopia, a doente deverá ser entubada e ventilada.
3.2. POSIÇÃO DURANTE A LAPAROSCOPIA As pacientes devem ser colocadas na posi-ção ginecológica com os membros inferiores em posição baixa (Fig. 12).
É preferível o uso de um manipulador ute-rino para facilitar a visualização dos órgãos pélvicos e, no caso do estudo de infertilida-de com pesquisa da permeabilidainfertilida-de tubar, também serve para realizar a injecção intra-uterina de azul-de-metileno.
As nádegas da doente devem ultrapassar cerca de 1-2 cm a extremidade distal da mesa para facilitar a manipulação uterina. Na fase de instalação da doente deve proce-der-se ao esvaziamento vesical.
3.3. PNEUMOPERITONEU
A área umbilical é a preferida para a introdu-ção da agulha de Veress (Fig. 13) devido à es-pessura mais diminuída das camadas
subcu-tânea e pré-peritoneal. Na base do umbigo é feita uma incisão percutânea com as dimen-sões suficientes para a introdução do pri-meiro trocarte, depois da agulha de Veress5. Esta deve ser inserida em ângulo oblíquo de 45° em direcção ao fundo uterino (Fig. 14 A), mas de forma diferente no caso de doentes com obesidade (Figs. 14 B e C)5.
Outros locais de inserção podem ser utiliza-dos, como o quadrante superior esquerdo do abdómen ou a fossa ilíaca esquerda fora do músculo grande recto, no caso de se ve-rificarem cicatrizes abdominais, tumores ou distensão gastrointestinal.
Um bom pneumoperitoneu é aquele que permite uma visualização clara das estrutu-ras intraperitoneais e conduz à separação da parede abdominal das vísceras evitando, deste modo, lesões viscerais.
Figura 12. Posição da doente5.
Figura 13. A área umbilical é a mais indicada para a in-trodução da agulha de Veress.
Umbilicus Rectus abdominis Peritoneum Fascia Peritoneum Fascia Rectus abdominis
Cutis Subcutaneous fat
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Para certificar que o pneumoperitoneu foi alcançado sem complicações procede-se ao teste de segurança. O teste mais utilizado consiste em três etapas5:
— Aspiração que não deverá conter líquido, gás ou material purulento.
— Injecção de 20 cc de gás ou líquido sem que haja sensação de resistência ou que o fluído possa voltar a ser aspirado, con-firmando que não há contacto com uma víscera ou aderências intra-abdominais. — Tentativa de voltar a aspirar o líquido ou
o gás introduzido, que deverá ser impos-sível confirmando que a agulha de Veress está na cavidade intraperitoneal. Outra forma de verificar se a agulha de Veress está bem localizada e mais actual é o recurso
ao insuflador electrónico. Quando a pressão é negativa ou zero, confirma-se que a agulha está bem posicionada. O início de insuflação de CO2 a uma taxa de 2,5 l/min com eleva-ção da pressão menor a 8 mmHg é compatí-vel com bom posicionamento da agulha de Veress. Os quatro parâmetros de insuflação devem ser vigiados durante a realização do pneumoperitoneu: pressão de insuflação li-mite, pressão intra-abdominal, taxa de fluxo do gás e volume total do gás insuflado.
3.4. INTRODUÇÃO DOS TROCARTES O trocarte principal é introduzido pela incisão já referida ao nível umbilical. Através deste trocarte é introduzido o laparoscópio conec-tado, por sua vez, à fonte de luz fria e câmara. O eixo de inserção do trocarte deve seguir a direcção craneocaudal, com ângulo de incli-nação relativa à perpendicular entre 30-45° (Fig. 15). Deve ser confirmada a posição do trocarte através da introdução do laparoscó-pio e inspecção da cavidade pélvica.
Figura 14. A-C: na doente sem obesidade a agulha de Veress é introduzida segundo um ângulo oblíquo em direcção ao fundo uterino. O ângulo deverá ser superior a 45° em relação ao plano horizontal nas doentes obesas (índice de massa corporal [IMC] de 25-30 e IMC > 30).
Figura 15. Introdução do trocarte umbilical ultrapas-sando a fáscia e o peritoneu. Sem o consentimento prévio por escrito do editor
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Para evitar lesões iatrogénicas dos vasos epi-gástricos, o local de inserção dos trocartes acessórios deve ser indicado por palpação di-gital e com trans-iluminação da parede abdo-minal (Fig. 16). A cavidade abdoabdo-minal transilu-minada com o laparoscópio permite delimitar algum vaso sanguíneo e seleccionar uma área avascular, a 2 cm da sínfise púbica na linha média ou lateralmente na área de segurança limitada pelas artérias umbilicais. Esta zona deve ser indentada com o dedo indicador e visualizada pelo lado de dentro do abdómen. O ponto de indentação é visualizado facil-mente e o cirurgião pode, então, ficar seguro que nenhuma estrutura, nomeadamente, as artérias epigástricas se localizam abaixo dela. Faz-se uma incisão de tamanho suficiente para acomodar o trocarte secundário e este é introduzido sob visualização directa5,6.
4. AVALIAÇÃO
A avaliação deve ser feita de modo meticulo-so e sistemático, iniciando-se pela inspecção do fígado, vesícula, cólon descendente e as-cendente e intestino delgado. Com o doente em posição de Trendelemburg, avaliam-se o cego e apêndice ileocecal (Fig. 17)5.
Com o levantador uterino manipula-se o útero para tornar mais claramente visíveis o fundo de saco de Douglas (FSD), liga-mentos útero-sagrados, os anexos, superfí-cies anterior e posterior do útero. Havendo líquido no FSD, procede-se à sua aspiração para obtenção de líquido para estudo ci-tológico e bacteriológico e para melhor inspecção de eventuais focos de endome-triose que doutra forma seriam negligen-ciados (Fig. 18).
Os ovários são avaliados em sequência, um de cada lado. Inicialmente, inspecciona-se a superfície anterior do ovário, e depois, com auxílio de uma pinça atraumática, eleva-se o ovário de modo que se possa inspeccionar a sua superfície posterior e a fossa ovárica. A inspecção das trompas é realizada sistematicamente5. Deve-se estar atento a qualquer formação fusiforme da junção útero-tubar, que pode ocorrer na
Figura 16. Introdução do trocarte acessório: para evitar lesões dos vasos epigástricos, o local deve ser indica-do pela palpação digital e trans-iluminação da parede abdominal; a introdução deve ocorrer sob controlo la-paroscópico.
Figura 17. Apêndice ileocecal.
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salpingite ístmica nodosa ou endometrio-se. A permeabilidade tubar é avaliada pela prova da cromotubação com o azul-de- -metileno (Fig. 19).
5. REMOÇÃO DOS INSTRUMENTOS E ENCERRAMENTO DAS INCISÕES Antes da remoção dos instrumentos deve-se fazer mais uma avaliação da cavidade pélvica e abdominal para assegurar que não ocorreu nenhuma hemorragia5. Após remo-ção de trocartes acessórios e com o auxílio do laparoscópio avalia-se a face interna das incisões para assegurar que não há hemor-ragia nas portas de entrada utilizadas. Re-move-se o laparoscópio e, com a paciente em posição de Trendelemburg, abre-se a válvula do trocarte principal para facilitar a saída do CO2. Deve-se assegurar que todo o gás é removido de modo a evitar a ocor-rência de dor escapular no pós-operatório. Comprime-se a parede abdominal com a mão esquerda e remove-se o trocarte com a válvula aberta. A pressão permite evitar a entrada de ar ambiente na cavidade abdo-minal, e a remoção do trocarte com a válvu-la aberta evita a criação de pressão negati-va na cavidade abdominal. Após a remoção dos instrumentos, as incisões são suturadas com pontos intradérmicos.
6. COMPLICAÇÕES
As complicações mais frequentes estão rela-cionadas com o pneumoperitoneu, inserção dos trocartes ou com a anestesia.
Figura 18. Fundo uterino, fundo de saco uterino, trompa e ovário.
Figura 19. Trompa posicionada de forma a visualizar
passagem de azul-de-metileno. Sem o consentimento prévio por escrito do editor
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Chapron, et al., numa revisão publicada em 1998 sobre complicações em 29.966 lapa-roscopias de diagnóstico e cirúrgicas, encon-traram complicações em todos os grupos considerados, no grupo da laparoscopia de diagnóstico, da cirurgia laparoscóspica mi-nor, cirurgia laparoscópica major e no grupo de cirurgia laparoscópica avançada7. Os procedimentos diagnósticos apresentaram taxa de 0,6 complicações/1.000 procedimen-tos segundo a revisão de Harkki-Siren, et al.8. No quadro 1 apresentam-se as taxas de compli-cações expressas nalgumas séries publicadas. A conversão do procedimento laparoscópico em laparotomia pode decorrer do pneumope-ritoneu mal induzido ou da descoberta de ade-rências peritoneais extensas que são incapazes de serem dissecadas através do laparoscópio e, em vários estudos de revisão, correspondem a 1,7-4,7% dos procedimentos5,7,9.
Durante a indução do pneumoperitoneu pode ocorrer insuflação extraperitoneal, enfi-sema mediastínico, pneumotórax e pneumo-omento. A inserção da agulha de Veress pode perfurar o fígado, baço ou vaso sanguíneo, levando a hemorragia ou embolia gasosa.
As complicações mais graves são usualmen-te causadas pela introdução de trocarusualmen-tes (Quadro 2). Pode haver hemorragia de um vaso sanguíneo da parede abdominal, de vasos de maior calibre como a aorta abdo-minal, veia cava inferior e artérias ilíacas du-rante este procedimento.
Para evitar estas complicações relacionadas com a introdução dos trocartes é imperativo conhecer a anatomia vascular da parede ab-dominal anterior e a relação entre o local de inserção e os grandes vasos abdominopélvi-cos. A prevenção das lesões na introdução do trocarte principal começa com a história clínica, que deve ser minuciosa, procurando antecedentes de infecções pélvicas e de in-tervenções cirúrgicas abdomino-pélvicas. Nestas doentes com cirurgias anteriores complicadas deve ser considerado um local alternativo de inserção como o quadrante superior esquerdo do abdómen.
Está também recomendada a realização de prévio esvaziamento gástrico e vesical. Outros procedimentos de segurança na in-trodução da agulha de Veress já foram re-feridos.
Quadro 1. Algumas séries publicadas de taxas de complicações durante a execução das
laparoscopias5
Países Autor Ano N Major% Minor% Mortalidade× 100.000 Alemanha
Lehemann-Willenbrock, et al. 1992 292.462 0,19 0,19 5,1
EUA Phillips, et al. 1977 298.029 0,46 0,41 5,2
EUA Phillips, et al. 1984 117.705 0,28-0,31 0,29 4,2
EUA Henning, et al. 1985 36.207 0,18 0,87 66
Inglaterra Chamberlain, et al. 1978 50.247 s/c* 3,5 8
EUA Phillips, et al. 1984 125.560 0,14 0,14 0
EUA Peterson, et al. 1990 36.928 1,5 0,15 5,4
Argentina Videla, et al. 1995 18.435 0,29 2,06 0
França Querleu, et al. 0,22-0,34 0,89 0
Chile Miranda C, et al. 2002 2.140 0,46 0,79 0
*Sem complicações Sem o consentimento prévio por escrito do editor
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6.1. OUTRAS COMPLICAÇÕES
Outras complicações menos graves incluem a perfuração uterina com o uso do levanta-dor de útero, levanta-dor escapular decorrente do efeito irritante do CO2 sobre o diafragma, reactivação de doença inflamatória pélvica quiescente e desenvolvimento de hérnia in-cisional. Estão descritas lesões do plexo bra-quial e dos nervos da perna por pressão. Os riscos decorrentes da anestesia podem ocorrer em qualquer procedimento cirúrgi-co. Nas doentes submetidas a laparoscopia há maior vulnerabilidade ao desenvolvimen-to de arritmias cardíacas ocasionadas pela compressão do diafragma, devido à posição das pacientes, pelo aumento da pressão in-tra-abdominal e pela absorção de CO2. Para assegurar um bom desempenho duran-te a laparoscopia o cirurgião deve duran-ter treino apropriado, seleccionar correctamente as doentes e dar particular atenção aos deta-lhes meticulosos da técnica.
Em resumo, para reduzir as potenciais com-plicações da laparoscopia devem ser obede-cidas as seguintes regras:
— Avaliação das indicações, capacidades técnicas da equipa cirúrgica e dos ins-trumentos disponíveis.
— Boa coordenação e boa relação pessoal na equipa cirúrgica.
— Cumprimento das regras de segurança durante a laparoscopia.
— Conhecimento da possibilidade de existi-rem várias complicações e conhecer cada uma dessas potenciais complicações. — Treino e educação contínua da equipa
cirúrgica.
— Respeito máximo pelo doente.
— Diferenças entre os vários tipos de pro-cedimentos cirúrgicos na laparoscopia. — Boa relação médico-doente.
— Apropriada documentação nos regis-tos clínicos das doentes.
7. INDICAÇÕES
A exploração da cavidade peritoneal e a visualização dos órgãos é essencial para o diagnóstico de patologia pélvica, especial-mente no caso de infertilidade ou de dor pélvica inespecífica10.
A esterilidade sem causa aparente, dor pél-vica inespecífica, dispareunia/dismenorreia, suspeita de endometriose, tumores pélvicos e situações de ventre agudo como a gravi-dez ectópica são algumas das indicações da laparoscopia de diagnóstico10.
Apresentam-se algumas imagens de entida-des nosológicas cuja laparoscopia é deter-minante para o diagnóstico (Figs. 20-26).
Quadro 2. Taxa de complicações com a introdução da agulha de Veress e do trocarte principal e
incidência das complicações vascular e visceral5
País Autor Ano N Veress 1.o Trocarte Vascular Visceral
Itália Melotti, et al. 1996 0,64 0,16-0,27
Itália Candiani, et al. 1997 1.000 0,27 0,27
EUA Corfman, et al. 1993 0,45-0,9 0,1-0,18
EUA Flowers, et al. 1994 0,6 0,3
EUA Liu, et al. 1996 518 0 0 0 1,1
Brasil Parente, et al. 1998 2.324 0,13 1,03 0,35 (trocarte de 5 mm)0,13 (trocarte de 10 mm) 0,67
Chile Miranda, et al. 2002 2.140 0 2 2 0
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Figura 20. Abcesso tubo-ovárico e tubar.
Figura 21. Aderências pélvicas e hidrossalpinge associado a quisto ovárico.
Figura 22. Aderências típicas da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis. Sem o consentimento prévio por escrito do editor
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Para além de permitir uma visão panorâmica da pélvis, a laparoscopia possibilita a realiza-ção no mesmo tempo operatório de proce-dimentos cirúrgicos no caso de diagnóstico de patologia pélvica.
Em tumores do ovário com baixo risco de malignidade, a laparoscopia é a abordagem de escolha. Nos casos duvidosos, deve-se proceder à colheita de material para estu-do anatomopatológico perioperatório para diagnosticar ou excluir benignidade e, neste último caso, proceder ao correcto estadia-mento da doença.
No caso de patologia maligna os estudos de-monstram que o prognóstico não é agravado desde que o tratamento definitivo não seja adiado e seja imediato ou deferido em poucos dias. Em oncologia a laparoscopia tem sido também utilizada no second look após cirur-gia e quimioterapia nos carcinomas do ovário. Mais recentemente tem sido usada no estadia-mento com colheita de lavado peritoneal e na realização de biopsias, omentectomia parcial e linfadenectomia pélvica e para-aórtica11.
8. CONTRA-INDICAÇÕES
É difícil, perante a especificidade de alguns gestos de celiocirurgia e a diversidade de
Figura 23. Quisto dermóide do ovário esquerdo.
Figura 24. Quistos de endometriose dos ovários.
Figura 25. Gravidez ectópica – segmento ampular da trompa.
Figura 26. Quisto paraovárico direito.
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técnicas, definir as doentes de risco e que a priori têm contra-indicação à laparoscopia (Quadro 3).
A obesidade representa para os anestesis-tas uma indicação para a via celioscópica devido ao pós-operatório mais favorável no plano ventilatório. Os parâmetros cir-culatórios nestes doentes não são também alterados durante a laparoscopia, pelo que, a obesidade não constitui uma contra-indi-cação absoluta.
A laparoscopia provoca mais alterações respiratórias perioperatórias que a cirurgia clássica «a céu aberto». Assim, todos os do-entes com insuficiência respiratória não su-portam as pressões de insuflação impostas pelo pneumoperitoneu, podendo vir a surgir mais complicações, nomeadamente, atelec-tasia pulmonar.
Embora não haja estudos epidemiológicos, os doentes com patologia cardiovascular, nomeadamente, com alterações importan-tes da função diastólica ou com uma insu-ficiência cardíaca congestiva, devem ser ex-cluídos da realização de laparoscopia. Uma hipertensão arterial controlada ou insufici-ência coronária estabilizada não são, a priori, contra-indicações à laparoscopia.
Os idosos exigem precauções pelas reper-cussões respiratórias mais importantes das que ocorrem na população jovem.
A elevação da pressão intra-abdominal acompanha-se duma elevação da pressão intra-ocular, agravada pela posição de Tren-delenburg. Deste modo, a realização da la-paroscopia está contra-indicada no glauco-ma agudo de ângulo fechado e situações de hipertensão intracraneana.
Quadro 3. Contra-indicações à laparoscopia12
Contra-indicações Absolutas Relativas Antecedentes cardiovasculares – Arritmias – Insuficiência cardíaca Antecedentes de laparatomias
Oclusões intestinais agudas Hemoperitoneu se < 500 cc
Peritonite Obesidade:
v v v
Hemoperitoneu abundante (> 500 cc) Patologia broncopulmonar
Perturbações da hemostase não corrigidas Tumores abdominopélvicos muito volumosos
Hipertensão intracraneana Abcesso da parede abdominal
Bibliografia
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