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PESSOA, Fernando. O caso mental português.

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Academic year: 2022

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Revista do CESP, Belo Horizonte, v. 40, n. 64, p. 187-190, 2020

eISSN: 2358-9787

DOI: 10.17851/2358-9787.40.64.187-190

PESSOA, Fernando. O caso mental português.

Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith.

Lisboa: Assírio & Alvim, 2020.

Nuno Ribeiro

Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa / Portugal

Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT/FCT), Lisboa / Portugal nuno.f.ribeiro@sapo.pt

https://orcid.org/0000-0002-2118-8845

O livro intitulado O caso mental português – editado por Fernando Cabral Martins e Richard Zenith – constitui-se como uma incursão por um conjunto de textos de Fernando Pessoa relativos à análise dos fenómenos psíquicos subjacentes a Portugal enquanto entidade colectiva.

Com efeito, para além da produção poético-ficcional e dos escritos de crítica literária de Pessoa, encontramos nos textos pessoanos publicados em vida e nos escritos póstumos presentes no espólio do poeta e pensador português uma multiplicidade de reflexões relativas às feições psíquicas que caracterizam Portugal. É importante assinalar que o título da edição corresponde ao título de um artigo publicado por Fernando Pessoa no número 1 da revista Fama, em 1932. No entanto, conforme nos alertam Fernando Cabral Martins e Richard Zenith na introdução à edição, “«o caso mental português» ocupa Pessoa ao longo da sua vida” (p. 7), o que significa que as temáticas relativas ao caso mental português se estendem para além do artigo pessoano publicado em 1932. Assim, tendo em consideração a multiplicidade de testemunhos pessoanos relativos à análise do psiquismo português, a presente edição encontra-se

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dividida em duas partes: a primeira parte reúne um conjunto de textos de Pessoa publicados em vida; a segunda parte congrega uma pluralidade de testemunhos póstumos presentes no espólio de Pessoa. Tanto na primeira parte, quanto na segunda os textos são dispostos por ordem cronológica, o que permite ao leitor acompanhar o desenvolvimento das sucessivas linhas temáticas, presentes na obra de Pessoa, que constituem a delimitação dos fenómenos que configuram os caracteres psíquicos de Portugal.

No que respeita à análise pessoana dos elementos relativos às feições da alma portuguesa, encontramos duas linhas temáticas que se configuram como os eixos centrais em torno dos quais se articulam as múltiplas reflexões pessoanas: uma primeira linha correspondente ao diagnóstico mental de Portugal enquanto ente colectivo; uma segunda linha relativa às condições de afirmação de Portugal enquanto potência cultural.

Relativamente ao diagnóstico mental de Portugal enquanto entidade colectiva, assume particular importância a questão do provincianismo português, que viria a ser, de múltiplas formas e sob diferentes aspectos, glosada ao longos de diversos artigos publicados em vida, bem como nos escritos póstumos de Pessoa. Encontramos um claro exemplo disso no texto intitulado O provincianismo português, publicado por Pessoa em 1928 em O notícias ilustrado, onde lemos: “Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo” (p.

36). Também no artigo O caso mental português lemos a esse respeito:

“Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria «provincianismo»”

(p. 39). De acordo com Pessoa, o provincianismo caracteriza-se por três sintomas, conforme lemos no seu artigo de 1928:

O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia. (p. 36)

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Segundo o poeta e pensador português, aquilo que caracteriza o síndrome provinciano e os seus múltiplos sintomas é o carácter de inconsciência. Assim, Fernando Pessoa deixa-nos a seguinte indicação como terapia:

Para o provincianismo há só uma terapêutica: é o saber que ele existe. O provincianismo vive da inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. (p. 39)

No que se refere às condições de afirmação de Portugal enquanto potência cultural, adquire especial relevo a temática da índole cosmopolita do povo português. A relação entre a temática do provincianismo e a questão do cosmopolitismo do povo português é, desde logo, referida na introdução à edição de O caso mental português:

Segundo a análise de Pessoa, o provinciano deseja ser cosmopolita, mas o seu amor às grandes cidades e à última moda prende-o na atitude deslumbrada do imitador: a emoção e a imaginação prevalecem nele sobre a inteligência. Por outro lado, ser cosmopolita é de tal modo decisivo que, logo no tempo de Orpheu, chega a elaborar o mais paradoxal dos conceitos: “Nacionalismo tradicionalista – eis o inferior. / Nacionalista integral – eis o médio.

/ Nacionalismo cosmopolita – eis o supremo” (Pessoa Inédito, p.

313). Assim finalmente, este “Nacionalismo cosmopolita” cedo lhe oferece a chave do antiprovincianismo absoluto. (p. 10)

A respeito do carácter cosmopolita do povo português, Pessoa deixa-nos uma importante afirmação presente numa entrevista publicada em 1923 na Revista Portuguesa: “O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo” (p. 23). Esta afirmação de Pessoa afigura-se como importante na medida em que permite aproximar os textos de Pessoa reunidos na edição em análise e a temática da heteronímia. Sobre essa questão, Pessoa dá-nos uma importante pista, presente num texto póstumo: “Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quanto me sinto diferente de mim – Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, e quanto mais haja havidos ou por haver” (p.75).

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Todos os elementos que temos vindo a assinalar permitem-nos concluir a importância desta edição não só para a compreensão do pensamento pessoano acerca do psiquismo português, mas também para a relação entre o conjunto de textos sobre essa temática e um dos eixos centrais da criação literária pessoana: a questão da heteronímia.

Data de recebimento: 16/10/2020 Data de aprovação: 15/11/2020

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