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A insuficiência da legislação brasileira no que concerne aos direitos das vítimas

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CLARICE NOGUEIRA CAVALHEIRO

A INSUFICÊNCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO QUE CONCERNE AOS DIREITOS DAS VÍTIMAS

FLORIANÓPOLIS 2019

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A INSUFICÊNCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO QUE CONCERNE AOS DIREITOS DAS VÍTIMAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto ao curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Profª. Drª. Chiavelli Facenda Falavigno.

FLORIANÓPOLIS 2019

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Este trabalho é dedicado a você, que independente do processo de vitimização, identifica-se como vítima.

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Primeiro, e sempre, à minha família. Fonte de inesgotável amor e respeito. Obrigada por jamais pouparem esforços para a concretização dos meus sonhos. Nenhum agradecimento jamais será capaz de demonstrar minha infinita gratidão.

À minha mãe, Márcia, mulher de luta que tanto me inspira, por tornar doce minha vivência neste mundo tantas vezes cruel.

Ao meu pai, Júlio, dono do maior coração que conheço, por ter sempre colocado eu e meu irmão em primeiro lugar.

Ao Affonso, meu irmão, melhor amigo e fiel escudeiro, por me impulsionar a ir mais longe, sendo, sempre, um porto seguro para onde retornar. Obrigada por todas as vezes em que você fez mais do que poderia pela minha felicidade.

Aos meus avós, Áurea (in memorian) e Adão (in memorian), pelo amor puro e genuíno dedicados a mim durante todo o período em que compartilhamos nossas vidas.

Aos amigos Maria Lúcia, Sharon, Luiz, Yan, Gabriela Lacerda, Bruna Furtado e Fernanda Mariani, pelo carinho, compreensão e suporte durante - mas não só - o período de realização deste trabalho. Obrigada por não terem permitido que eu duvidasse de mim.

Aos amigos de toda minha vida, por estarem ao meu lado nos mais diferentes momentos da minha jornada. A amizade de vocês é o bem mais precioso que já cultivei.

Aos amigos que fiz durante minha graduação em Direito, por todos os momentos de alegria e angústia compartilhados. É reconfortante saber que seguiremos construindo memórias.

À família formada durante meu intercâmbio na Espanha, por dividirem comigo os melhores e mais intensos meses da minha vida. Cada um de vocês foi importante no processo de desconstrução e reconstrução proporcionado por essa experiência.

À professora Chiavelli Facenda Falavigno, por toda atenção, orientação e conhecimentos transmitidos durante o desenvolvimento deste trabalho.

Por fim, a todos aqueles que, a seu tempo e modo, foram importantes na construção da pessoa que sou hoje.

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“Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela.”

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O propósito que norteou a produção da presente monografia é verificar se o que está disposto na legislação brasileira, no que concerne aos direitos das vítimas, é ou não suficiente para garantir sua proteção e impedir, ou ao menos reduzir, a ocorrência da vitimização secundária. De forma a possibilitar tal análise, é feita uma pesquisa a fim de compreender o papel da vítima na história, seu grau de participação e relevância no processo e quais suas necessidades após o ato que a vitimizou. Por meio de uma análise da relação entre a vítima e o sistema penal, percebeu-se que os interesses da vítima e do Estado nem sempre são os mesmos. De posse dessas informações, foram analisadas três leis do ordenamento jurídico brasileiro que visam à proteção dos direitos das vítimas, seguida de uma análise de um estatuto do ordenamento jurídico espanhol, integralmente destinado às vítimas. Por fim, fez-se uma comparação do que dispõe o ordenamento de cada país e percebeu-se que, embora a legislação brasileira possua dispositivos que vão ao encontro do que defende a Vitimologia, seu maior problema é a falta de abrangência da sua legislação, que ampara apenas uma pequena parcela das vítimas. Necessário, portanto, uma alteração legislativa a ser realizada por meio de uma combinação de propósitos de reconhecimento, prevenção, proteção e ressocialização da vítima. É fundamental que esta mudança alcance todas as pessoas vitimizadas, porque independente dos motivos, circunstâncias ou contexto em que se tornaram vítimas, todas merecem tratamento digno e respeitoso.

Palavras-chave: Vítima. Vitimologia. Vitimização Secundária. Legislação Brasileira.

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El propósito que orientó la producción de la presente monografía es verificar si lo que está dispuesto en la legislación brasileña, en lo que concierne a los derechos de las víctimas, es o no suficiente para garantizar su protección e impedir, o al menos reducir, la ocurrencia de la victimización secundaria. Con el fin de posibilitar tal análisis, se realiza una investigación para comprender el papel de la víctima en la historia, su grado de participación y relevancia en el proceso y cuáles son sus necesidades después del acto que la victimizó. Por medio de un análisis de la relación entre la víctima y el sistema penal, se percibió que los intereses de la víctima y del Estado no siempre son los mismos. En posesión de esas informaciones, se analizaron tres leyes del ordenamiento jurídico brasileño destinados a la protección de los derechos de las víctimas, y luego se hizo un análisis de un estatuto del ordenamiento jurídico español, íntegramente destinado a las víctimas. Por último, se hizo una comparación de lo que dispone el ordenamiento de cada país y se percibió que, aunque la legislación brasileña posea dispositivos tal cual los que defiende la Victimología, su mayor problema es la falta de cobertura de su legislación, que ampara sólo una pequeña parte de las víctimas. Es necesario, por lo tanto, una modificación legislativa a ser realizada por medio de una combinación de propósitos de reconocimiento, prevención, protección y resocialización de la víctima. Es fundamental que este cambio alcance a todas las personas victimizadas, porque independientemente de los motivos, circunstancias o contexto en que se han vuelto víctimas, todas merecen un trato digno y respetuoso.

Palabras-clave: Víctima; Victimología. Victimización Secundaria. Legislación

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ONU - Organização das Nações Unidas ONG - Organização Não Governamental

PROVITA-RJ - Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas do Estado do Rio de Janeiro

SBV - Sociedade Brasileira de Vitimologia TEPT - Transtorno de Estresse Pós-Traumático

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INTRODUÇÃO ... 11

1 VITIMOLOGIA ... 14

1.1 HISTÓRICO DA VITIMOLOGIA ... 14

1.1.1 Antecedentes Históricos Remotos ... 14

1.1.2 Antecedentes Históricos Próximos ... 16

1.2 NASCIMENTO DA VITIMOLOGIA ... 18

1.3 VITIMOLOGIA NO BRASIL ... 21

1.4 CONCEITO DE VITIMOLOGIA ... 22

1.5 FINALIDADE E IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA ... 25

2 VÍTIMA ... 28

2.1 CONCEITO DE VÍTIMA ... 28

2.2 A VÍTIMA PENAL ... 30

2.3 CLASSIFICAÇÃO ... 31

2.3.1 Segundo Benjamin Mendelsohn ... 31

2.3.2 Segundo Hans von Hentig ... 32

2.3.3 Segundo Jiménez de Asúa ... 33

2.3.4 Segundo Elías Neuman ... 34

2.3.5 Segundo Lola Aniyar de Castro ... 34

2.4 VITIMIZAÇÃO ... 35

2.4.1 Conceito de Vitimização ... 35

2.4.2 Vitimização Primária ... 37

2.4.3 Vitimização Secundária ... 38

2.4.4 Vitimização Terciária ... 40

2.5 A VÍTIMA E O SISTEMA PENAL ... 41

3 ANÁLISE LEGISLATIVA ... 46

3.1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 46

3.1.1 Lei dos Juizados Especiais - Lei Nº 9.099, de 26 de Setembro de 1995 .... 46

3.1.2 Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas - Lei nº 9.807, de 13 de Julho de 1999 ... 49

3.1.3 Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006 ... 52

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 70

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INTRODUÇÃO

A preocupação com a proteção e satisfação dos direitos da vítima de delitos já perpassou diversas fases. Na Antiguidade, a vítima assumia a função de responsável pela imposição da pena ao delinquente que a vitimizou. Nos tempos modernos, a vítima caiu no esquecimento, uma vez que a preocupação das Escolas Penais restringia-se ao binômio crime-autor. Esse panorama iniciou sua mudança somente após o fim da Segunda Guerra Mundial - período em que ocorreu o genocídio de mais de 6 milhões de judeus -, quando, em resposta a uma das maiores catástrofes do mundo, surgiu a Vitimologia.

Dois dos grandes nomes apontados como pioneiros do estudo da Vitimologia estavam, de alguma maneira, ligados aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial: Benjamin Mendelsohn foi um professor, pesquisador e advogado judeu e Hans von Hentig, um psicólogo criminal alemão perseguido pelos nazistas.

Iniciado por Mendelsohn e von Hentig, logo o movimento vitimológico espalhou-se pelo mundo, dedicando-se à luta pelo reconhecimento dos direitos da vítima, colocando-a novamente no cenário do delito, compondo a trilogia: agente, conduta e vítima.

Necessário ressaltar que Vitimologia não se restringe apenas ao estudo da vítima como parte da execução de um crime. Mais do que isso, sua principal finalidade deve ser a de prestar atendimento à vítima, reconhecendo e garantindo seus interesses.

Para que essa finalidade seja cumprida de maneira adequada, é necessário compreender que o processo de vitimização de uma pessoa não tem início, necessariamente, na ocorrência de um delito, podendo resultar tão somente da violação de um direito - já positivados ou não.

Quanto às consequências da vitimização, estas podem ser classificadas como: primária, secundária ou terciária. A primária é originada pela violação de um bem jurídico tutelado, ou seja, como consequência direta de um fato criminoso. A secundária, ou sobrevitimização, é o processo em que a pessoa é vitimizada em razão da má atuação dos órgãos responsáveis pelo controle social. Por último, a vitimização terciária ocorre em razão da falta de amparo social, ou seja, por meio do julgamento da sociedade.

(14)

O escopo da pesquisa é analisar se a legislação brasileira atende aos interesses e necessidades das vítimas penais, garantindo o reconhecimento, proteção e apoio devidos. Em especial, pretende-se observar se o que está disposto no ordenamento jurídico é suficiente para proteger a vítima e impedir, ou ao menos diminuir, a ocorrência da vitimização secundária.

No primeiro capítulo, destinado à Vitimologia e ao movimento vitimológico, veremos, por meio de uma análise histórica - dividida entre antecedentes remotos e próximos, como foi a participação e posição da vítima de delito ao longo do tempo. Em seguida, pretende-se demonstrar como foi o surgimento da Vitimologia no panorama internacional e como seu estudo desenvolveu-se no Brasil. Por fim, trabalharemos com os diversos e polêmicos conceitos da disciplina, sua finalidade e importância.

O segundo capítulo, dedicado à vítima e ao processo que a vitimiza, inicia-se com os principais e amplos conceitos de vítima, após, restringe-se à conceituação da vítima penal. Em seguida o trabalho aborda diferentes classificações feitas pelos principais estudiosos desse assunto. Logo, busca-se compreender quais são as consequências produzidas pela ação de violação de direitos em diferentes graus de vitimização.

O segundo capítulo encerra com uma análise entre a vítima e o Processo Penal no Brasil, em que se questiona se os interesses da vítima são respeitados e/ou levados em consideração no nosso atual sistema de justiça. Para isso, é feita uma análise dos resultados de um trabalho de campo realizado por Alline Pedra Jorge na cidade de Maceió, em dezembro de 2001.

O terceiro capítulo deste trabalho parte para uma análise e comparação legislativa. Inicialmente, é feita a compilação das principais leis do ordenamento jurídico brasileiro destinadas à proteção dos direitos das vítimas. Para essa tarefa, foram selecionadas as seguintes leis: Lei dos Juizados Especiais (Lei nº. 9.099/95), Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Lei nº 9.807/99) e Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/06).

Na primeira parte do capítulo, dedicado à legislação brasileira, são selecionados os principais artigos que vão ao encontro dos objetivos buscados pela Vitimologia, principalmente no que toca a garantia do reconhecimento, proteção e apoio às vítimas, positivados a fim de evitar a vitimização secundária.

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Em seguida, é feito uma análise de uma legislação do ordenamento jurídico espanhol. Com um Estatuto inteiro dedicado exclusivamente às vítimas dos delitos, entende-se que o documento hispânico pode servir como inspiração e guia para uma reformulação da legislação brasileira. Da mesma maneira, o enfoque da análise da lei Espanhola é igualmente destinado aos artigos que visam à proteção dos direitos das vítimas e ao combate à vitimização secundária.

Na última etapa do capítulo, é feita uma comparação entre as legislações dos dois países, destacando-se os pontos positivos e as falhas de cada lei.

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1 VITIMOLOGIA

1.1 HISTÓRICO DA VITIMOLOGIA

1.1.1 Antecedentes Históricos Remotos

A origem histórica da Vitimologia é dividida em dois grandes marcos, o de antecedentes históricos remotos e o de antecedentes históricos próximos.

Embora a alcunha dada a esta ciência criminal seja recente, é possível perceber que a preocupação com a reparação dos danos sofridos pelas vítimas vem de tempos bastante remotos, desde a chamada "Idade de Ouro", na Antiguidade, quando a vítima possuía posição de destaque no delito (JORGE, 2005).

Nos tempos do Direito Penal bárbaro, as ações criminais eram castigadas por meio da vingança privada e quem desempenhava o papel de carrasco, em busca da reparação do dano sofrido, era a vítima ou seus familiares, porque, nessa época, a ofensa a um membro do grupo atingia aos demais, o que gerava, em alguns casos, lutas tão grandes que eram capazes de dizimar grupos inteiros (FERNANDES, 1995). Embora a escolha das penas aplicadas fosse, na maciça maioria dos casos, selvagem e desproporcional, essa forma embrionária de reparação do dano sofrido serviu de base para alcançarmos a Vitimologia contemporânea, como explica Heitor Piedade Júnior:

Os antigos, bem certo, ainda não trabalhavam, com clareza, com os conceitos de personalidade, de características biológicas, psicológicas, de tendências vitimizantes, de comportamento desviante, menos ainda de culpabilidade (conceito moderno) ou de conduta social, atitudes e motivações, estímulos e respostas, consciência ou inconsciência etc., mas tinham, com absoluta nitidez, a noção de justiça e consequentemente "reparação do dano" causado injustamente, fundamental preocupação da moderna Vitimologia (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 22).

Apesar da ausência de conhecimento técnico, percebe-se a clara preocupação com o instituto de reparação do dano sofrido pela vítima. O professor Lélio Braga Calhau nos mostra a presença desses antecedentes em alguns Códigos:

O Código de Ur-Nammu, por volta do ano 2000 a.C. ou as Leis de Eshununna, ou o Código de Hamurabi, da Babilônia (datado de aproximadamente 23 séculos a.C.), o Código de Manu (cinco séculos antes

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da era cristã), ou mesmo a Legislação Mosaica (aproximadamente 1500 anos a.C.), o Tamulde, passando pelo Direito Romano [...] (CALHAU, 2003, p. 24).

Dos códigos citados, acredita-se que o de Ur-Nammu seja o documento de normas mais antigo que se tenha conhecimento, datado de aproximadamente 2.040 a.C. e encontrado na antiga Mesopotâmia. Nele identificam-se diversos dispositivos que adotavam o que hoje denominamos de princípio da reparabilidade dos danos morais (SILVA, 1999).

As Leis de Eshnunna, tabletes de argila encontrados em uma escavação na região do atual Iraque e que acredita-se datar de 1930 a.C., já demonstravam um sistema fundamentado no princípio da composição legal, mas, para alguns crimes considerados mais graves, imperava a aplicação da vingança privada (BRANDET, 2017).

O Código de Hamurabi tinha como ponto principal e fundamental a conhecida Lei do Talião: "olho por olho, dente por dente", que sustentava a punição proporcional ao injusto sofrido pela vítima. Apesar de hoje a qualificarmos como cruel e primitiva, a Lei do Talião surgiu com a intenção de frear a falta de proporcionalidade nos castigos definidos pelas vítimas ou seus familiares através do exercício das próprias razões. "Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção criminal" (BITTENCOURT, 2000, apud, JORGE, 2005, p.5). No Código de Manu, por sua vez, nota-se uma mudança na maneira de punir, conforme esclarece Piedade Júnior:

Percebe-se que, enquanto na legislação de Hammurabi e de outras que a precederam, a vítima ressarcia-se ao preço de outra lesão praticada contra o agressor (vitimizador), nos dispostos legais de Manu, o processo reparatório era pautado através de valor pecuniário, poupando-se, desse modo, não apenas o enfraquecimento do grupamento social, como, com isso, evitavam-se novas situações vitimizatórias (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 33-34).

Resta evidente a maneira como o Código de Manu aproximou-se da concepção de Vitimologia que conhecemos hoje, uma vez que substitui a vingança privada. E, consequentemente, a violência, por um meio de reparação do dano mais humanitária, através da compensação em pecúnia.

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Tanto a legislação mosaica como o direito Talmúdico objetivaram fornecer maior atenção às vítimas através da reparação do dano causado e da aplicação de sanções mais brandas, suavizando as antigas penas que eram aplicadas em razão da vingança privada (GONÇALVES, 2015).

No Direito Romano, fazia-se distinção entre os danos de natureza material e os danos de natureza moral. É possível concluir, então, que os romanos já reconheciam a necessidade de suporte à vítima, conforme leciona Piedade Júnior:

Com a aceitação da reparação por danos morais vislumbra-se, embrionariamente, a preocupação dos romanos com outra vertente da Vitimologia, qual seja, a do estudo da personalidade da vítima, uma vez que somente através do conhecimento da personalidade, do psiquismo e da sensibilidade da vítima, poder-se-á entender a necessidade da reparação do dano moral, pois ele é de natureza psicológica (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.50).

Diante do exposto, percebe-se que foram os romanos quem iniciaram os estudos sobre a análise da personalidade da vítima, importante fator da Vitimologia moderna.

1.1.2 Antecedentes Históricos Próximos

Avançando na História e chegando na Idade Moderna, ocorre o surgimento das Escolas Penais, contribuindo com o Direito Penal através de pensamentos filosófico-jurídicos sobre o fenômeno do crime. As Escolas distinguem-se uma das outras em razão da maneira de abordagem e posições bem definidas acerca de matérias criminais. Neste trabalho, daremos especial atenção à Escola Clássica e à Escola Positiva.

A Escola Clássica, inspirada na filosofia iluminista e marcada por grandes nomes como Beccaria (1738 - 1794), Francesco Carrara (1805 - 1888), Paul Anselmo de Feuerbach (1775 - 1833) e tantos outros, trouxe inegáveis contribuições ao Direito Penal.

Conforme leciona Piedade Júnior:

Veja-se a preocupação vitimológica dessa escola, de maneira ainda bastante embrionária, quando cuida da violência, da opressão e iniquidade a que chegara a justiça penal na Idade Média e séculos que se seguiram e que fizera, por fim, a consciência comum da época lutar por um regime de ordem, justiça e segurança, pretendendo-se pôr um basta ao cruel e arbitrário direito punitivo de então (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.55).

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Essa escola, porém, restringiu-se à análise da entidade jurídica do crime, excluindo o fator humano não só do agente infrator como, principalmente, da pessoa da vítima, que, de forma geral, restou marginalizada do drama penal.

Não se pode negar, portanto, que embora o estudo da vítima não fosse preocupação da Escola Clássica, os pensamentos jurídicos-filosóficos colocados em pauta serviram de alicerce para alcançarmos a Vitimologia tal qual conhecemos hoje.

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, foi o autor da famosa obra intitulada Dei Delitti e delle Pene1 (1764), que, segundo Heitor Piedade Júnior (1993, p.56): "É o ‘pequeno grande livro’, justamente famoso, que se tornou a grande bandeira da Vitimologia, sem uma vez sequer encontrar-se nele a palavra ‘vitimologia’ ou 'vítima'".

A Escola Clássica marcou a história ao lutar pela liberdade por meio do exercício da justiça, posto que a plenitude da liberdade afasta qualquer processo de vitimização. Só há lugar para vitimização, quando não há justiça e a justiça só consegue se impor na existência da liberdade (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Por sua vez, Escola Positiva surgiu ao final do século XIX e trouxe uma nova corrente filosófica, diretamente oposta às manifestações trazidas pela Escola Clássica. Nesta Escola, "o crime começou a ser examinado sob o ângulo sociológico, e o criminoso passou também a ser estudado, se tornando o centro das investigações biopsicológicas" (AGUIAR, 2016).

O viés positivista adotado pela ciência em geral abriu caminho para que o psiquiatra e médico italiano de origem sefardita, César Lombroso, se atrevesse a observar e experimentar criminosos vivos e mortos, fundando a Antropologia Criminal e, inconscientemente, a Criminologia. Logo Enrico Ferri, sociólogo, se uniu a Lombroso; depois, uniu-se Rafael Garofalo, o jurista e, por último, o jovem apaixonado Fioretti [...]. Os quatro foram os apóstolos da Escola Positiva do Direito Penal, inimiga mortal da escola tradicional, batizada com desdém por Enrico Ferri de Escola Clássica (BODERO, 2001, p.73, tradução nossa).2

1Dos Delitos e das Penas

2Trecho original: El sesgo positivista adoptado por la ciencia en general abrió el camino para que el

psiquiatra y forense italiano de origen sefardí, César Lombroso se atreviera a observar y experimentar con delincuentes vivos y muertos, fundando la Antropología Criminal y con ella, sin proponérselo, la Criminología. A Lombroso pronto se unió Enrico Ferri, el sociólogo; luego Rafael Garófalo, el jurista y por último un joven apasionado Fioretti, compendio de los tres, que se quitó la vida a las orillas del Arno, destrozado por la muerte de su padre. Los cuatro fueron los apóstoles de la escuela positiva del derecho penal, mortal enemiga de la tradicional a la que con cierto desdén Enrico Ferri bautizó de clásica.

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Embora tenha o homem-delinquente no centro e como principal objetivo de seus estudos, a Escola Positiva teve importância basilar no estudo da Vitimologia.

Como leciona Piedade Júnior:

O homem, por certo, tornou-se o eixo das atenções das ciências penais. Elas passaram a existir para conhecer cada vez mais o homem. E a vítima, com certeza, ainda não se enquadrava na sintonia de seus postulados, como o agente criminoso, mas de qualquer sorte, o homem já se tornava o sujeito de seus interesses e preocupações (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.61-62).

Portanto, ao conceituar o crime como um "comportamento desviante" e vendo seu autor por um viés social, biológico e psicológico, a Criminologia, fruto da Escola Positiva, aproximou seus pesquisadores ao estudo das vítimas (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Ainda, quanto aos antecedentes históricos recentes, há de se mencionar o Direito Canônico, ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana.

Nas normas que orientam o comportamento da Igreja Católica, percebe-se certa preocupação do legislador no que diz respeito à atenção às vítimas de danos materiais e morais, resultantes de atos de terceiros, de maneira intencional ou não (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

O Direito Canônico colaborou para humanização das penas, fortalecendo o caráter Público do Direito Penal, uma vez que impôs limites à vingança privada, valorizando a pena pública (JORGE, 2005).

Assim, conclui-se que, embora de maneira embrionária, a reparação dos danos causados às vítimas, relevante preocupação da Vitimologia, esteve presente, com maior ou menor atenção, nos principais códigos e ordenamentos que se tem conhecimento, desde os primórdios da civilização.

1.2 NASCIMENTO DA VITIMOLOGIA

Quando a vítima passou a ser ponto de interesse nas pesquisas e trabalhos de cientistas modernos do campo da ciências humanas e sociais, foi, tão somente, como mais um objeto na trama criminal, não ultrapassando os limites de sujeito-passivo do crime (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

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Na minha opinião, as verdadeiras razões para esse secular esquecimento das vítimas encontra-se nos sistemas políticos e econômicos que priorizam o individual sobre o social. [...] Se, como acredita a Criminologia tradicional, o crime for fruto exclusivamente da vontade do homem, a sociedade e o Estado não possuem nenhuma responsabilidade na gênese do crime e, consequentemente, nada devem à vítima (BODERO, 2001, p.74, tradução nossa).3

O interesse político e social sobre a pessoa da vítima extinguia-se logo após a ocorrência do crime, dessa forma, constata-se que somente o vitimário4 interessava ao Direito e à sociedade. O problema criminológico esgotava-se na díade crime-autor (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Talvez porque ninguém quer se identificar com o perdedor, a vítima suporta os efeitos do crime, assim como a insensibilidade do sistema legal, o rechaço e a insolidariedade da comunidade e a indiferença dos poderes públicos. No denominado Estado Social de Direito, ainda que pareça paradoxal, as atitudes reais em favor da vítima do delito oscilam entre compaixão e a demagogia, entre a beneficiência e a manipulação (MOLINA; GOMES, 1997, apud JORGE, 2005, p. xxxi).

Para Alline Pedra Jorge (2005), a sociedade vê a vítima como perdedora, atingindo o próprio modo como a pessoa da vítima se enxerga, uma vez que a agressão não se limita à praticada no momento do crime, mas permanece na vítima através de impactos psicológicos e materiais.

Ainda sobre o esquecimento das vítimas, Bodero, parafraseando a obra de Luis Rodríguez Manzanera, Victimología5:

Existem, ainda, vítimas em que é melhor deixar cair no esquecimento, porque dedicar atenção e estudos a elas, poderia significar um elevado custo à sociedade ou ao Estado; pense sobre as vítimas da injustiça social, da violação dos direitos humanos, da marginalização, da segregação racial ou religiosa, etc (BODERO, 2001, p. 74, tradução nossa).6

3Trecho original: En mi opinión, las verdaderas razones para este secular olvido de las víctimas

encuéntrase en los sistemas políticos y económicos que anteponen lo individual a lo social. [...] si como cree la Criminología tradicional el crimen es fruto de la exclusiva voluntad del hombre, la sociedad y el Estado ninguna responsabilidad tienen en la génesis del crimen y consecuentemente nada deben a la víctima.

4"Aquele que produz o dano, sofrimento ou padecimento à vítima". (MANZANERA, 1990, apud

FERNANDES, 1995, p.34) ou [...] aquele que pratica a infração penal contra vítima provocadora". (MOURA BITTENCOURT, 1978, apud FERNANDES, 1995, p.35)

5Vitimologia

6Trecho original: Además, existen víctimas que es mejor dejarlas en el olvido, pues su atención y

estudio podría significar para la sociedad o el Estado un serio costo político; piénsese en las víctimas de la injusticia social, de la violación de los derechos humanos, de la marginación, la segregación racial o religiosa, etc.

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Entretanto, esse cenário de esquecimento às vítimas mudou com o fim da II Guerra Mundial (1939-1945), quando o mundo presenciou atônito ao Holocausto, uma das maiores catástrofes já praticadas pelo ser humano, que consistiu no genocídio de cerca de 6 milhões de judeus, sob o comando de Adolf Hitler e do Partido Nazista.

É de aceitação geral que a Vitimologia nasceu como uma resposta dos judeus a toda violência sofrida por eles no período do Holocausto7 (BODERO, 2001). Segundo Piedade Júnior (1993), foi a partir desse momento que a vítima passou a ser estudada como membro do delito, compondo a trilogia: agente, conduta e vítima.

Não é coincidência, portanto, que dois dos grandes nomes apontados como principais pesquisadores a contribuir para o estudo da Vitimologia estavam, de alguma maneira, ligados aos desastrosos acontecimentos da II Guerra Mundial. Benjamin Mendelsohn foi um professor, pesquisador e advogado judeu e Hans von Hentig, um alemão perseguido pelos nazistas (BODERO, 2001).

Segundo Edmundo René Bodero (2001), o termo "Vitimologia" foi ouvido pela primeira vez em 29 de março de 1947, em uma conferência realizada por Mendelsohn no Hospital Coltzea de Bucareste, na Romênia. Nesse evento, Mendelsohn apresentava seu trabalho realizado no ano anterior intitulado "New bio-psycho-social horizons: victimology"8 (FERNANDES, 1995). Porém, antes disso, Mendensohn já se dedicava ao estudo da Vitimologia, tendo publicado na Giustizia Penale, em Roma, no ano de 1940, um estudo sobre as vítimas de violação (BODERO, 2001).

Há, ainda, quem defenda que o verdadeiro criador da Vitimologia seja Hans von Hentig, que, em 1948, publicou sua obra denominada The Criminal and his Victim9, em que trabalhou a importância da relação delinquente-vítima, para a gênese do fato criminoso (PIEDADE JÚNIOR, 1993). Mais tarde, Hentig continuou colaborando com a Vitimologia através da obra O Delito, em que, segundo Piedade Júnior (1993, p.75), o alemão definiu a vítima "[...] como um elemento do meio circundante, estudando as diversas situações do fenômeno vitimal e intentando a tipologia da vítima [...]."

7 Necessário ressaltar que, embora a II Guerra Mundial tenha iniciado no ano de 1939, desde 1933,

quando Hitler ascendeu ao poder, já foram instauradas leis que restringiam os direitos dos judeus de maneiras drásticas e abusivas.

8 Um Horizonte Novo na Ciência Biopsicossocial: a Vitimologia 9 O Criminoso e sua Vítima.

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Alguns outros nomes também foram de grande importância para a evolução da Vitimologia tal qual conhecemos hoje e merecem ser citados, como, Alec Mellor (Le Chantage dans les Moeurs Moderns et devant la Loi10 - 1937); Henry Ellenberger ("Relações Psicológicas entre o criminoso e sua vítima" - 1954); Vesile Stanciu (Les Droits de la Victime11 - 1985); Lola Anyar de Castro (Victimología12 - 1969); Marvin Wolfgang (Victim-Precipitated13 - 1965). (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

1.3 VITIMOLOGIA NO BRASIL

A Vitimologia, no Brasil, ganhou maior notoriedade na década de 70, embora já houvesse, antes disso, alguns estudos e pesquisas sobre a pessoa da vítima. Laércio Pellegrino (1987) considera a obra de Moniz Sodré, As Três Escolas Penais, como a primeira a abordar a questão da compensação das vítimas, mas destaca o trabalho de Edgard de Moura Bittencourt, intitulado "Vítima (a Dupla Penal Delinquente-Vítima - Participação da Vítima no Crime - Contribuição da Jurisprudência Brasileira para a Nova Doutrina)", de 1971, como a primeira obra brasileira dedicada exclusivamente ao estudo da vítima. No mesmo sentido entende Ana Sofia Schmidt de Oliveira (1999), ao definir a obra de Bittencourt como a pioneira da Vitimologia no país.

Apesar de Edgard de Moura Bittencourt ser considerado o primeiro autor brasileiro a publicar uma obra dedicada à Vitimologia, segundo Piedade Júnior (1993), a Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, anos VI e VII, nº. 6 e 7, de 1958 e 1959, já teria transcrito a obra de Paul Cornil sobre Vitimologia, que foi apresentada em Bruxelas, na Bélgica, no ano de 1958, durante as Jornadas Criminológicas Holando-Belgas, demonstrando, portanto, o início do estudo da vítima no Brasil.

Em 1973, ocorreu, na cidade de Jerusalém, o I Simpósio Internacional de Vitimologia, que contou com a presença de diversos estudiosos brasileiros, interessados nesse novo ramo das ciências criminológicas, dentre eles: Fernando Whitaker da Cunha, que abordou o tema da Vitimologia perante os delitos

10Chantagem nos costumes modernos e antes da lei. 11 Os Direitos da Vítima.

12 Vitimologia.

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cometidos contra a saúde pública; Laércio Pellegrino; Heber Soares Vargas e Damásio de Jesus (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Da presença dos estudiosos brasileiros no I Simpósio Internacional de Vitimologia, diversos frutos foram colhidos. Por exemplo, nesse mesmo ano, foi realizado, no Paraná, o I Congresso Brasileiro de Criminologia. Ainda, em 1976, publicou-se no jornal O Estado de São Paulo, um relato completo feito pelo jurista Damásio de Jesus sobre o Simpósio ocorrido em Jerusalém, contendo detalhes minuciosos dos temas trabalhados no encontro (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

No ano de 1979 foi criada a Sociedade Mundial de Vitimologia e, no dia 28 de julho de 1984, na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade Brasileira de Vitimologia (SBV) (JORGE, 2005), com a reunião de especialistas de diversas áreas como Direito, Psicologia, Psiquiatria, Psicanálise e Sociologia.

De acordo com o art 3º do estatuto, a SBV tem por finalidade:

I – a realização de estudos, pesquisas, seminários e congressos ligados à pesquisa vitimológica;

II – formular questões que sejam submetidas ao estudo e decisão da Assembleia Geral;

III – manter contato com outros grupos nacionais e internacionais, promovendo reuniões regionais, nacionais ou internacionais sobre aspectos relevantes da ciência penal e criminológica, no que concerne à Vitimologia (GONÇALVES, 2014).

Após a fundação da Sociedade Brasileira de Vitimologia, passou-se a realizar seminários e congressos a níveis nacionais e estrangeiros sobre Vitimologia, passando-se a difundir ainda mais a temática no país.

Outros nomes importantes para o estudo da Vitimologia no Brasil foram os de Ester Kosovski, Eduardo Mayer e Heitor Piedade Júnior que, no ano de 1990, coordenaram juntos a obra chamada "Vitimologia em Debate", que compilava artigos nacionais e internacionais sobre o tema (FERNANDES, 1995).

1.4 CONCEITO DE VITIMOLOGIA

Antes de adentrar na análise das diferentes conceituações da palavra Vitimologia, faz-se necessária uma discussão acerca da pertinência de sua autonomia científica, porque, embora seu surgimento tenha ocorrido através da derivação da ciência da Criminologia, há uma divergência doutrinária quanto a esse assunto.

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Existem doutrinadores que definem a Vitimologia como uma ciência autônoma, com métodos e princípios próprios. Entretanto, outra parte da doutrina a compreende como uma ciência não autônoma, definindo a Vitimologia como um ramo da Criminologia. E, por fim, há um terceiro posicionamento, bastante isolado, que nem mesmo reconhece a existência da Vitimologia, seja como ciência autônoma ou como parte da Criminologia.

Entre aqueles que defendem a Vitimologia como uma ciência não autônoma, está Henry Ellenberger, que, segundo Piedade Júnior (1993), a considera como um ramo da Criminologia, ocupando-se da vítima direta do crime, compreendendo o conjunto biológico-sociológico-criminológico concernentes à vítima.

No mesmo sentido pensam Raúl Goldstein e Hans Göppinger:

Raúl Goldstein, criminólogo, entende que a Vitimologia é "Parte da

Criminologia que estuda a vítima não como efeito consequente da

realização de uma conduta delitiva, mas como uma das causas, às vezes a principal, que influenciam na produção de um delito".

Hans Göppinger leciona, em sua Criminologia, que a "Vitimologia

representa de fato um determinado departamento do campo total relativamente fechado da Criminologia empírica, e, em particular, do

complexo problema: o delinquente em suas interdependências sociais" (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 81, grifo nosso).

De outra banda, dentre os defensores da Criminologia como uma disciplina autônoma, está Luis Rodríguez Manzanera, que sustenta que "a Vitimologia rompeu os limites da Criminologia para converter-se em uma ciência independente e de grande amplitude, que estuda todos aqueles que, como menciona Mendelsohn, sofrem por causa própria ou alheia"14 (apud BODERO, p.76, 2001, tradução nossa). Manzanera ainda explica que a Vitimologia não se limita ao estudo da vítima, mas que também atenta-se as outras pessoas que são afetadas pelo delito, além de situações em campos não delituosos, como em casos de acidentes (apud PIEDADE JÚNIOR, p.82, 1993).

Rodrigo Ramírez Gonzalez (1983, apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 83) define Vitimologia como "o estudo psicológico e físico da vítima que, com o auxílio das disciplinas que lhe são afins, procura a formação de um sistema efetivo para a prevenção e controle do delito".

14 Trecho original: La Victimología ha roto los límites de la Criminología para convertirse un [sic] una

ciencia independiente y de gran amplitud, que estudia a todos aquellos que, como menciona Mendelsohn, sufren por causa propia o ajena.

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Também entendendo a Vitimologia como ciência autônoma, Lola Aniyar de Castro, criminóloga venezuelana, em sua obra Victimología15, define o objeto da Vitimologia nos seguintes incisos:

"1º - Estudo da personalidade da vítima, tanto vítima de delinquente, ou vítima de outros fatores, como consequência de suas inclinações subconscientes. 2º - O descobrimento dos elementos psíquicos do "complexo criminógeno" existente na "dupla penal, que determina a aproximação entre a vítima e o criminoso, quer dizer: "o potencial de receptividade vitimal". 3º - Análise da personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro. Estudo que tem maior alcance do que o feito pela Criminologia, pois abrange assuntos tão diferentes como o suicídio e os acidentes de trabalho. 4º - Estudo dos meios de identificação dos indivíduos com tendência a se tornarem vítimas: seria então possível a investigação estatística de tabelas de previsão como as que foram feitas com os delinquentes pelo casal Glueck16, que permitiria incluir os métodos psicoeducativos necessários para organizar a sua própria defesa. 5º - A importantíssima busca dos meios de tratamento curativo a fim de prevenir a recidiva da vítima" (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 83)

O magistrado brasileiro Eduardo Mayr, em sua conferência intitulada "Atualidades Vitimológicas" responde o que é Vitimologia, definindo-a como o estudo da personalidade da vítima, por um viés biológico, psicológico e social, tanto por sua proteção social e jurídica quanto pelos meios de vitimização e sua inter-relação com o vitimizador, através de aspectos interdisciplinares e comparativos, não se limitando apenas à vítima de crimes (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Para Edmundo René Bodero (2001), ao observarmos o que pensam os criminólogos, concluiremos que a Vitimologia possuiu diversas preocupações, como a indenização das vítimas (sujeitos passivos dos crimes); a elaboração e execução de programas de assistência; a diminuição da responsabilidade do sujeito ativo do delito e a predisposição de algumas pessoas à vitimização, buscando-se uma prevenção eficaz dos delitos.

Ao defender a Vitimologia como uma ciência independente, Bodero leciona:

Uma Vitimologia ligada à Criminologia seria incapaz de aceitar que os vitimizadores, ao adentrarem os presídios, são, por sua vez, vitimados. Se diminuiria o fato de que a maioria dos presos foram, inicialmente, vítimas sociais (filhos da prostituição, crianças abandonadas, etc.), de modo que

15 Vitimologia

16 Sheldon Glueck e Eleanor Touroff Glueck, criminólogos e pesquisadores de Harvard, dedicaram-se

à realização de pesquisas sobre a delinquência juvenil e a criminalidade adulta. Ganharam fama ao desenvolver o modelo de "tabelas de previsão social", objetivando prever a probabilidade da ocorrência de comportamentos delinquentes em jovens.

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muitos reclusos sofrem dupla vitimação: antes da prisão e durante a mesma17 (BODERO, 2001, p. 77, tradução nossa).

Por fim, seguindo por um caminho diverso dos autores anteriormente citados, o professor Luis Jiménez de Asúa pode ser visto como um dos mais resistentes inimigos da Vitimologia, negando a existência desta. Ele, inclusive, define as ideias de Mendelsohn como pomposas, exageradas, arrogantes e sem originalidade, garantindo que não era necessária a criação de uma nova ciência, mas que bastava angariar contribuições para estabelecer o papel das vítimas de crimes nas ciências já existentes na época (BODERO, 2001).

Na mesma linha pensava o criminólogo espanhol Manuel López-Rey y Arrojo, que definia a Vitimologia como o resíduo de uma concepção já superada de criminalidade e Criminologia (PIEDADE JÚNIOR, 1993). Para Bodero (2001), López Rey não compreendeu ou não quis entender que a Vitimologia converteu-se, rapidamente, em uma ciência independente. Bodero assim a define, porque explica que a Vitimologia possui uma zona de conhecimento que exclusivamente a pertence. Enquanto a Criminologia estuda a delinquência, a Vitimologia estuda a vitimidade18.

1.5 FINALIDADE E IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA

A Vitimologia foi indispensável às ciências jurídicas, gerando uma mudança no foco dos estudos, haja vista que, antes dela, toda atenção era voltada ao crime e à figura do delinquente.

Piedade Júnior, ao lecionar sobre uma das funções da Vitimologia, garante que esta "vem advertir sobre não se poder fazer um juízo de valor sobre o fenômeno criminal sem o cuidado do estudo sobre a vítima, não apenas como sujeito passivo de uma relação, mas como possível protagonista do drama criminal" (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.12).

17 Trecho original: Una Victimología ligada a la Criminología sería incapaz de aceptar que los

victimizadores al trasponer el umbral de los presidios son a su vez victimizados. Y les restaría importancia al hecho de que la mayoría de los internos fueron primero víctimas sociales (hijos de la prostitución, niños abandonados, etc.), por lo que gran cantidad de reclusos sufren una doble victimización: antes de la prisión y durante la misma.

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Embora muitos autores concordem com Piedade, a principal finalidade da Vitimologia não é o estudo da vítima como membro na execução do crime. A principal finalidade da Vitimologia deve ser a de prestar atendimento à vítima, entendendo qual tipo de apoio se faz necessário após este ou aquele crime (JORGE, 2005).

Outra finalidade da Vitimologia é o acompanhamento da legislação no intuito de direcioná-la a uma maior valorização das vítimas através da garantia de seus direitos [...]. É também objeto da Vitimologia a adaptação da legislação a um novo conceito de vítima (JORGE, 2005, p. 25).

Não se pode exigir que as vítimas saibam quais são os seus direitos ou, ainda, como buscá-los, se não há uma legislação que os ampare. Na maciça maioria dos casos, as vítimas não possuem conhecimento técnico para, por exemplo, compreender o funcionamento de um processo. Inclusive, em muitas situações, as vítimas não sabem nem mesmo como realizar uma denúncia. Há de se falar, ainda, nos casos em que os direitos das vítimas começam a ser tolhidos no exato momento dessa denúncia, fazendo crescer os índices de vitimização secundária (gerada por meio do próprio sistema ou através de atitudes de determinados profissionais), assunto que trataremos no segundo capítulo deste trabalho.

É comum, em juízo, que a vítima tenha medo de se pronunciar por sentir-se intimidada pela presença do juiz, do acusado ou pela estrutura como um todo, além das situações em que a vítima é incapaz de recordar o que aconteceu e acaba se culpando por isso (informação verbal)19. Por essa razão, mas não somente, uma das

finalidades principais da Vitimologia é a de garantir políticas de acompanhamento jurídico, psicológico e assistencial às vítimas.

A Vitimologia também se dedica a estudar e pesquisar métodos a fim de evitar novos processos de vitimização, buscando maneiras de impedir a ocorrência de novos crimes e, consequentemente, a necessidade de assistência a essas vítimas. Essas pesquisas auxiliam no acesso aos índices de criminalidade e de eficácia das instâncias formais de controle social. Em poder desses dados, é possível trabalhar numa melhor prevenção da vitimização e, como resultado, o delito é atingido na sua base, tornando menor a frequência e a gravidade dos crimes (JORGE, 2005).

19 Conferência realizada por Raquel Campos Cristóbal, na Universitat de València - Campus dels

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Alline Pedra Jorge tece uma crítica à doutrina penal que atribui a aplicação da pena como um método de prevenção aos delitos e explica que não é essa a função da pena, uma vez que quem comete um delito, não está preocupado com a posterior ação do sistema penal. Dessa forma, as penas servem "somente como efetiva retribuição do dano causado, raramente como prevenção de vitimização" (JORGE, 2005, p. 26).

Outra finalidade da Vitimologia é a utilização da mediação, quando possível, uma vez que essa é uma ferramenta que humaniza o sistema. Por exemplo, em muitos casos de agressões contra as mulheres, a vítima não se satisfaz com a reparação civil, mas o que verdadeiramente busca é o reconhecimento do erro por parte do seu agressor e, uma vez que no sistema judicial o acusado não tem obrigação de gerar provas contra si mesmo, a mediação é o caminho para esse tipo de reparação (informação verbal)20. "É o entendimento de que não só o algoz, mas

também a vítima precisa passar por um processo de ressocialização (JORGE, 2005, p. 26).

A Vitimologia, nas palavras de Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (1997, apud JORGE, 2005, p.26), também busca a "redefinição global do status de vítima e de suas relações com o delinquente, o sistema legal, a sociedade". É necessário, portanto, que a vítima seja reintegrada na sociedade, porque determinados traumas tem o poder de modificar para sempre o modo como uma pessoa convive (ou fica incapacitada de conviver) em sociedade, razão da necessidade de criação de centros de atendimento assistencial, jurídico e psicológico para vítimas de crimes, objetivando a diminuição do trauma sofrido.

A Vitimologia não só é importante, como é necessária, posto que dá voz ao ofendido, permitindo que ultrapasse os limites de mero sujeito passivo do crime e obtenha o reconhecimento de seu papel preponderante na trama criminal, passando a ser entendido como sujeito de direitos e merecedor de tratamento justo e igualitário.

É imprescindível que o sistema penal se preocupe em respeitar os direitos humanos dos réus (embora, na prática, infelizmente nem sempre funcione), mas é necessário que essa preocupação estenda-se aos direitos das vítimas.

20 Conferência realizada por Raquel Campos Cristóbal, na Universitat de València - Campus dels

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2 VÍTIMA

2.1 CONCEITO DE VÍTIMA

A palavra vítima é derivada do latim victima, que significa, nas palavras de Alline Pedra Jorge (2005, p.15): "pessoa ou animal sacrificado ou destinado aos sacrifícios, oferecido como forma de pedido de perdão pelos pecados humanos". Esse termo é advindo do verbo vincire, que significa o ato de atar ou amarrar, posto que a pessoa ou o animal oferecidos a sacrifício após uma vitória eram amarrados (JORGE, 2005).

No Novo Dicionário da Língua Portuguesa, a palavra é definida como:

1. Homem ou animal imolado em holocausto aos deuses. 2. Pessoa arbitrariamente condenada à morte, ou torturada, violentada: as vítimas do

nazismo. 3. Pessoa sacrificada aos interesses ou paixões alheias. 4.

Pessoa ferida ou assassinada. 5. Pessoa que sofre algum infortúnio, ou que sucumbe a uma desgraça, ou morre num acidente, epidemia, catástrofe, guerra, revolta, etc. 6. Tudo quanto sofre qualquer dano. 7. Jur. Sujeito passivo do ilícito penal; paciente. 8. Jur. Pessoa contra quem se comete crime ou contravenção (FERREIRA, 1986, p.1784).

Ao somarmos a explicação de Alline Pedra Jorge com alguns dos significados dados pelo "dicionário Aurélio"21, é possível compreender porque a palavra vítima carrega a conotação de perdedor. Para JORGE (2005, p.15), "A expressão vítima por si só tem o significado de perda, atado, amarrado, pessoa ou animal que, ao perder uma batalha, não tem como impor resistência ao sofrimento". Não sem razão, o entendimento geral é de que a vítima é a pessoa que perde, o polo débil, frágil. Isso esclarece o motivo pelo qual as pessoas resistem em imaginar a si próprias como vítimas, ainda que ninguém esteja isento de, em algum momento, estar nessa posição.

Benjamin Mendelsohn interpretava a vítima de uma maneira bastante ampla, conforme explana Piedade Júnior:

É a personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está afetada pelas consequências sociais de seu sofrimento determinado por fatores de origem muito diversificada, físico, psíquico, econômico, político ou social, assim como o ambiente natural ou técnico (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 88).

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Para Mendelsohn, vítima não é só a pessoa que está sujeita a danos causados por terceiros. É possível entender que um dos pioneiros no estudo da Vitimologia acreditava que também eram consideradas vítimas quem padecia por doenças, preconceito, desigualdade social, entre outros. Kirchhoff (apud FERNANDES, 1995, p.35), definiu a perspectiva de Mendelsohn como "universal", uma vez que abrangia todo "tipo de vítima, vítimas da natureza, da tecnologia, do meio ambiente, do trânsito, da energia cósmica".

Sobre o olhar de Mendelsohn sobre as vítimas, Bodero explica que aquele não restringe seu trabalho a vítimas de delitos, mas que abre sua pesquisa a todas as pessoas que sofrem em razão de um fenômeno natural ou humano:

A Vitimologia mendelsohniana acolhe as vítimas de inundações, terremotos, temporais, explosões vulcânicas, etc., os casos de psicose destrutiva do homem, como armamentismo, as explosões atômicas, a destruição da camada de ozônio, os atentados contra o meio ambiente, o depósito de lixo nuclear nos países de terceiro e quarto mundo, como depreciativamente os Estados centrais referem-se aos da periferia, vítimas de sua exploração (BODERO, 2001, p. 75, tradução nossa).22

Da mesma maneira pensa Frederico Abrahão de Oliveira (1996, apud JORGE, 2005), quando explica que a vítima é alguém que tenha sofrido qualquer tipo de dano de ordem física, mental, econômica ou que, ainda, tenha tido seus Direitos Fundamentais ceifados, seja por meio da violação de Direitos Humanos, seja como sujeito passivo de um crime.

Paul Z. Separovic defende que o "foco da abordagem deve ser mais amplo, já que existem vítimas de crime e de não crime" (FERNANDES, 1995, p. 39). Segundo Piedade Júnior (1993, p. 89), Separovic "define vítima como sendo 'qualquer pessoa, física ou moral, que sofre como resultado de um desapiedado desígnio, incidental ou acidental'".

Scarance Fernandes tece uma crítica sobre quem adota o mesmo entendimento que Separovic, uma vez que tal posição impede que sejam fixados limites para determinar quais são as vítimas abrangidas, além das vítimas de crimes (FERNANDES, 1995).

22 Trecho original: La Victimologia mendelsohniana recoge en sus dominios a las víctimas de

inundaciones, terremotos, temporales, explosiones volcánicas, etc., y a las ocasiones por la psicosis destructiva del homem, como el armamentismo, las explosiones atómicas, la destrucción de la capa de ozono, los atentados contra la ecología, o el depósito de la basura nuclear en los países del tercer y cuarto mundo, como despectivamente denominan los Estados centrales a los de la periferia, víctimas de su explotación.

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2.2 A VÍTIMA PENAL

Ao tratar da concepção jurídica da vítima penal, Scarance Fernandes explica que há duas dificuldades principais. A primeira está relacionada à abrangência do conceito, se ele é amplo ou restrito, preso ou não à vítima penal. Leciona que, quando se opta pelo conceito restrito, limitado à área criminal, encontra-se uma diversidade de papéis que a vítima penal pode desempenhar dentro do processo criminal, o que gera uma variedade terminológica, sendo essa, portanto, a segunda dificuldade a ser ultrapassada (FERNANDES, 1995).

Quanto ao conceito amplo de vítima, que abrange outras áreas do direito, como civil, trabalhista ou penal, por exemplo, Scarance Fernandes define que as vítimas:

[...] seriam as pessoas que, em razão da ofensa a uma norma jurídica substantiva, viessem a sofrer algum prejuízo, algum dano, alguma lesão. Incluídas estariam portanto as vítimas de crimes, as vítimas dos ilícitos civis, dos acidentes de trabalho, das ofensas às leis trabalhistas, as vítimas de violações de tratados internacionais e outras mais (FERNANDES, 1995, p. 41).

Porém, quando estuda a vítima dentro do processo criminal, o foco da questão recai sobre a análise da vítima penal, "aquela que é atingida pela violação de normas de direito penal, ou, em outras palavras, devido à prática de crime" (FERNANDES, 1995, p. 42).

Necessário, porém, recordar que uma vítima pode, através do mesmo ato criminoso, sofrer prejuízos em outras esferas, como a civil e administrativa. Nesses casos, a vítima pode participar, no processo criminal, para defender seus interesses nessas áreas (FERNANDES, 1995).

Agora, especificamente sobre a vítima penal, vejamos como conceitua a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder:

Entendem-se por "vítimas" as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como conseqüência de

atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num Estado membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder.

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Uma pessoa pode ser considerada como "vítima", no quadro da presente Declaração, quer o autor seja ou não identificado, preso, processado ou declarado culpado, e quaisquer que sejam os laços de parentesco deste com a vítima. O termo "vítima" inclui também, conforme o caso, a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar assistência às vítimas em situação de carência ou para impedir a vitimização (grifo nosso).

A Declaração da ONU para as Vítimas de Delito define como vítima penal quem é afetado por meio de uma violação de lei penal, seja algo que acarrete dano à integridade física ou mental, um sofrimento moral, a perda de um bem material e, ainda, ato que ofenda Direitos Fundamentais.

Vistos todos esses conceitos, já podemos concluir que não existe um conceito único de vítima e impossível seria criá-lo. Manzanera (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.90), propõe uma definição bastante ampla para esclarecer o objeto de estudo principal da Vitimologia: "vítima é o indivíduo ou grupo que sofre um dano, por ação ou omissão, própria ou alheia, ou por caso fortuito".

Dessa forma, resta nítido que a Vitimologia preocupa-se com os mais diversos tipos de vítimas, incluso as vítimas estudadas do Direito Penal, objetivo principal deste trabalho.

2.3 CLASSIFICAÇÃO

2.3.1 Segundo Benjamin Mendelsohn

A primeira classificação que se tem notícia é a do pioneiro da Vitimologia, o professor e advogado Benjamin Mendelsohn.

Mendelsohn foi o primeiro a descobrir a existência de uma relação inversamente proporcional entre a culpabilidade do vitimário e a participação da vítima no fato que a vitimiza. É dizer que, no plano real (e não no plano jurídico), quanto maior a participação da vítima, menor a culpa do ofensor (BODERO, 2001, p.75, tradução nossa).23

Benjamin Mendelsohn classificou as vítimas em cinco perfis diferentes, são eles: 1) vítima completamente inocente ou vítima ideal; 2) vítima menos culpada que

23Trecho original: Mendelsohn fue el primero a descubrir la existencia de una relación inversamente

proporcional entre la culpabilidad del victimario y la participación de la víctima en el hecho que lo victimiza. En otras palabras, que a una mayor participación de la víctima corresponde (en el plan de la realidad, no en el jurídico) una menor culpabilidad del hechor.

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o delinquente ou vítima por ignorância; 3) vítima tão culpada quanto o delinquente ou vítima provocadora; 4) vítima mais culpada que o delinquente ou pseudovítima; 5) vítima como única culpada ou vítima agressora (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Edmundo Oliveira apresentou e explicou a classificação proposta por Mendelsohn da seguinte maneira:

1. Vítima completamente inocente ou vítima ideal. Está eventualmente alheia à atividade do criminoso, nada provocando ou nada elaborando para a produção do crime.

2. Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância. Caracteriza-se por um impulso não voluntário ao delito, mas um certo grau de culpa leva essa pessoa à vitimização.

3. Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator. Qualquer um pode ser o criminoso ou a vítima.

4. Vítima mais culpada que o infrator. Pode ser a) Vítima provocadora, que incita o autor do delito; b) Vítima por imprudência, que determina o acidente por falta de controle de si mesma.

5. Vítima unicamente culpada. Classificam-se em: a) Vítima infratora, que comete uma infração e resulta finalmente vítima, como na circunstância do homicídio por legítima defesa; b) Vítima simuladora, portadora de séria Psicopatia ou outra desordem mental como Psicose, Paranoia, Esquizofrenia ou Neurose (OLIVEIRA, 2001, p. 154, grifos no original).

A partir dessa primeira classificação, Mendelsohn percebeu a existência de três grandes grupos, chamados: 1) vítima inocente ou ideal - aquela que não participou na produção do resultado; 2) vítima provocadora, imprudente, voluntária e ignorante - aquela que participa da ação querida pelos agentes; e 3) vítima agressora, simuladora e imaginária - aquela que não deve ser considerada vítima, senão co-autora do resultado criminoso.

2.3.2 Segundo Hans von Hentig

Segundo Bodero, quanto às vítimas, Hans von Hentig dizia:

Há, sem dúvida, vítimas casuais, aquelas que são postas em contato com o autor do delito apenas por azar. Mas, quase sempre, nos delitos contra a honestidade, na fraude, no assassinato e em vários tipos de roubo - encontra-se alguma relação com ele [...] Somente na dosimetria da pena o juiz pode levar em conta a contribuição da vítima. A ciência que estuda os nexos causais das condutas não pode deixar de prestar atenção nas vítimas [...] Ainda que a lei tente excluir a vítima da participação no crime e no que é inerente a ele, já se reconheceu, de forma hesitante, seu envolvimento (BODERO, 2001, p. 75, tradução nossa).24

24 Trecho Original: Hay, sin duda, víctimas casuales, a las que sólo el azar pone en contacto con el

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Em sua obra principal, von Hentig elaborou uma classificação geral e um estudo sobre tipos psicológicos das vítimas. Dividiu-as em treze categorias, como, por exemplo: idosos, jovens, mulheres, estrangeiros, homossexuais, prostitutas, viciados, entre outros sujeitos que considerava vítimas em potencial. Além disso, analisava as atitudes das vítimas em relação a seu agressor (BODERO, 2001). Após, von Hentig as insere em diferentes grupos que não classifica de maneira precisa, mas refere-se à existência de vítimas solitárias, deprimidas, atormentadas, libertinas, etc. (OLIVEIRA, 1999).

Hans von Hentig, em 1957, durante um trabalho sobre Psicologia dos Delitos em particular, sugere uma nova divisão para as vítimas em dois grupos, sendo eles: 1) resistente; 2) cooperadora ou coadjuvantes (PIEDADE JÚNIOR, 1993). No primeiro grupo estariam as vítimas que reagem ao ataque do agressor e no segundo grupo as vítimas que concorrem para a produção do resultado querido pelo agressor.

Foi a partir das publicações e conferências ministradas por von Hentig que o mundo cientifico passou a admitir que alguns delitos restariam sem solução se não fossem analisados através do prisma da relação autor-vítima ou se não se contemplassem a conduta cooperadora ou provocadora do sujeito passivo do delito (BODERO, 2001).

2.3.3 Segundo Jiménez de Asúa

A resistência do professor espanhol Luis Jiménez de Asúa em aceitar a Vitimologia como uma ciência, como era defendida por muitos outros estudiosos, não o impediu de criar a sua própria classificação para as vítimas.

Para Jiménez Asúa, as vítimas diferenciavam-se entre: indiferentes, indefinidas ou inominadas e vítimas determinadas (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

As vítimas indiferentes seriam aquelas escolhidas ao acaso, sem nenhum critério pré-definido. Piedade Júnior (1993) a exemplifica como aquela vítima que é

tipos de hurto - se encuentran en alguna relación con él (...) Sólo en la medición de la pena puede tener en cuenta el juez la contribución de la víctima. La ciencia que estudia los nexos causales en las conductas, no puede dejar de prestar atención al problema de la víctima (...) Aunque la ley trate de excluir a la víctima de la participación en el delito y de lo a él inherente, ha reconocido a veces, titubeando y de mala, su implicación.

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escolhida por um assaltante que busca, em uma via pública, por uma pessoa qualquer para praticar um roubo.

De outra banca, a vítima determinada é aquela escolhida pelo criminoso por algum motivo específico ou por alguma característica própria da pessoa da vítima, como, por exemplo, nos casos de crimes praticados com abuso de confiança.

Por último, as vítimas indefinidas ou indeterminadas seriam aquelas representadas pela coletividade, sem qualquer tipo de individualização. Piedade Júnior (1993, p.101), citando Nuvolone, explica que, nesse grupo, se encontram "as vítimas que sofrem, genérica e indeterminadamente, todos os tipos de agressões em atentados e violências da sociedade moderna". Neste grupo, estão, entre outros exemplos, as vítimas de ataques terroristas, vítimas das propagandas enganosas e as vítimas do desenvolvimento e do processo científico (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

2.3.4 Segundo Elías Neuman

O autor argentino Elías Neuman propõe uma divisão em quatro grupos. São eles: 1) vítimas individuais; 2) vítimas familiares; 3) vítimas coletivas; e 4) vítimas da sociedade e do sistema social. Para cada um desses grupos, Neuman acrescentou desdobramentos que atendiam a realidades locais e universais diárias (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

As vítimas individuais seriam o sujeito passivo do crime quando apresentado por uma pessoa física. Por sua vez, as vítimas familiares seriam as vítimas de crimes ocorridos em contexto familiar ou doméstico, como maus tratos ou agressões sexuais. As vítimas coletivas são aquelas cujo titular do bem jurídico tutelado não é uma pessoa física, podendo ser uma pessoa jurídica, a coletividade ou, até mesmo, o Estado. Por fim, as vítimas da sociedade e do sistema social são aquelas que ocorrem por ação ou omissão do Estado, como, por exemplo, as mortes por falta de atendimento médico nos hospitais públicos.

2.3.5 Segundo Lola Aniyar de Castro

A vitimóloga venezuelana Lola Aniyar de Castro, que dedicou seus esforços a estudar o sistema de vitimização na América Latina, criou uma classificação bastante prestigiada pelos estudiosos, porque, segundo eles, a clareza e

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objetividade utilizadas nesse agrupamento abarcou todos os tipos de vítimas, não deixando espaço para esquecimento (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

Dividida também em quatro grupos, Lola Aniyar de Castro separou as vítimas em: 1) vítima singular e coletiva; 2) vítima de si mesma e vítima de crimes alheios; 3) vítima por tendência reincidente, habitual e vítima profissional; e 4) vítima que atua com culpa inconsciente, vítima consciente e vítima que age com dolo (PIEDADE JÚNIOR, 1993).

2.4 VITIMIZAÇÃO

2.4.1 Conceito de Vitimização

Vitimização (ou processo vitimatório ou, ainda, vitimação) é o nome dado ao procedimento no qual alguém, indivíduo ou um grupo, torna-se vítima, por meio de uma conduta própria, de uma conduta de terceiro ou, ainda, de uma fato natural (PIEDADE JÚNIOR, 1993). Edgard de Moura Bittencourt (1978, apud JORGE, 2005) define a vitimização como a ação ou efeito de um grupo de pessoas ou uma nação capaz de tornarem vítimas a si mesmos ou outras pessoas, outro grupo ou outra nação.

Luis Rodríguez Manzanera (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 116), define vitimização como “a ação ou efeito de vitimizar ou o fato de ser vitimizado em qualquer sentido”.

Alline Pedra Jorge esclarece:

É, na verdade, um processo, processo de infligir prejuízos a alguém, o que implica uma séria de ações ou omissões, não um ato isolado, pelo qual alguém, entendendo-se pessoa, grupo de pessoas, um segmento a sociedade, um país, transforma-se no objeto-alvo da violência de outrem (JORGE, 2005, p. 20).

Ou seja, o processo que torna alguém vítima, independente de quem seja o sujeito ativo da ação, é chamado de vitimização. Independe, portanto, qual seja a razão que motive o processo de vitimização. Desde atos comissivos a atos omissivos, passando por situações que fogem de qualquer controle humano, como acidentes da natureza.

Referências

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