• Nenhum resultado encontrado

1 VITIMOLOGIA

3.2 LEGISLAÇÃO ESPANHOLA

3.2.1 Estatuto da Vítima de Delito - Lei 4/2015, de 17 de abril

Chamada de Estatuto da Vítima de Delito, a Lei 4/2015, de 17 de abril, foi elaborada com o objetivo de, como dispõe o seu preâmbulo, oferecer, dos Poderes Públicos às vítimas de delitos, uma resposta não só jurídica, como também social, e não só reparadora dos danos por meio do processo penal, como também minimizadora de outros efeitos traumáticos que podem ser gerados por sua condição.

Conforme disposto em seu preâmbulo, a pretensão do Estatuto é de, partindo do reconhecimento da dignidade das vítimas, defender os bens materiais e morais para, com isso, defender os bens da sociedade como um todo.

O Estatuto da Vítima de Delito aglutinou, em um só texto legislativo, o catálogo de direitos - processuais e extraprocessuais - das vítimas de delitos cometidos na Espanha, compreendendo a vítima direta e as vítimas indiretas, como, por exemplo, seus familiares.

O Estatuto visa a proteção e o apoio da vítima não só processualmente, como se baseia num conceito amplo de reconhecimento, proteção e apoio, objetivando a defende integral. Para isso, oferece à vítima o máximo de facilidade possível para exercício e tutela de seus direitos, por meio da diminuição de trâmites

desnecessários - que podem desencadear numa vitimização secundária, fornecendo orientação e informação eficaz de seus direitos, mediante tratamento humano e adequado. Leva em conta, portanto, que o reconhecimento, a proteção e o apoio à vítima não se limita aos aspectos materiais e a reparação econômica, mas que se estende à dimensão moral.

O art. 1 do Estatuto garante que as disposições da lei alcancem a todas as vítimas de delitos cometidos na Espanha - ou que lá possam ser perseguidos - , independentemente da nacionalidade da vítima, da sua idade ou, ainda, se possui ou não residência legal no país. É dizer, a lei não restringe sua proteção a determinadas vítimas de determinados delitos, pelo contrário, ela é extremamente abrangente e aborda todas as pessoas que foram vitimizadas em território espanhol.

O artigo 3º faz um breve resumo do que se entende como os direitos da vítima:

Artigo 3. Direito das vítimas

1. Toda vítima possui direito a proteção, informação, apoio, assistência e atenção, assim como a participar ativamente no processo penal e a receber um tratamento respeitoso, profissional, individualizado e não discriminatório desde seu primeiro contato com as autoridades ou funcionários, durante a atuação dos serviços de assistência e apoio às vítimas e de justiça restaurativa, ao longo de todo o processo penal e por um período de tempo adequado após sua conclusão, independente se ser reconhecida, ou não, a identidade do infrator e o resultado do processo (tradução nossa)36.

Esse único artigo já demonstra, de maneira clara, a preocupação da legislação espanhola no que se refere à atenção dedicada ao cumprimento dos direitos da vítima e, principalmente, na busca por evitar a vitimização secundária. Em razão disso, o Estatuto protege a vítima desde o primeiro contato com as autoridades, até ao que denomina de "tempo adequado" após a conclusão do processo - independente de seu resultado. Esse direito é fundamental para que se evite a vitimização gerada não mais pelo agressor, mas pelo próprio sistema legal e judicial (GARCÍA, 2015).

36 Trecho Original: Artículo 3. Derechos de las víctimas. 1. Toda víctima tiene derecho a la protección, información, apoyo, asistencia y atención, así como a la participación activa en el proceso penal y a recibir un trato respetuoso, profesional, individualizado y no discriminatorio desde su primer contacto con las autoridades o funcionarios, durante la actuación de los servicios de asistencia y apoyo a las víctimas y de justicia restaurativa, a lo largo de todo el proceso penal y por un período de tiempo adecuado después de su conclusión, con independencia de que se conozca o no la identidad del infractor y del resultado del proceso.

O artigo 4º da lei dispõe sobre o direito da vítima entender e ser entendida, desde o momento que antecede à denúncia - incluindo as informações prévias ao ato - até o fim do processo penal. Para isso, determina que a linguagem utilizada seja clara, simples e acessível, levando em consideração as características pessoais e, principalmente quando a vítima necessitar de atenção especial - como nos casos de pessoas com discapacidade sensorial, intelectual ou mental e as vítimas menores de idade. Garante, ainda, a assistência do apoio necessário às vítimas que comunicam-se através da língua de sinais, surdas, com deficiência auditivas e as vítimas surdocegas. Por fim, o artigo assegura o direito de estarem acompanhadas, desde o primeiro contato com autoridades e funcionários, de uma pessoa a sua eleição.

O objetivo do acompanhante é o de evitar, ou ao menos minimizar, a vitimização secundária, porque reviver a experiência vitimizante pode gerar dúvidas, angústias e temores, que, embora nem sempre possam ser evitados, nos obrigam a, ao menos, tentar impedir (RODA, 2016).

O direito à informação assegurado no artigo 5º determina que a vítima deve receber, desde o momento que antecede a denúncia e sem atrasos desmotivados, informações adaptadas às suas circunstâncias, condições pessoais, natureza do delito e dos danos sofridos, sobre, entre outras: as medidas de assistência e apoio (médicas, psicológicas ou materiais - e o procedimento para obtê-las); o direito de denunciar (e o procedimento para interposição da denúncia); o procedimento para obtenção de conselhos e defesa jurídica - além de como conseguí-los de maneira gratuita; a possibilidade de solicitar medidas de proteção e como fazê-lo; das indenizações que se pode ter direito; aos serviços de interpretação e tradução; dos recursos que pode interpor contra as resoluções que entender que ferem seus direitos; e o serviço de justiça restaurativa, quando legalmente couber.

Quanto aos serviços de justiça restaurativa, sua atuação está direcionada para a reparação material e moral da vítima, partindo-se do consentimento livre e informado da vítima e do conhecimento prévio dos feitos essenciais do autor, estando a aplicação do instituto vedada nos casos em que possam gerar riscos para a segurança da vítima ou qualquer outro prejuízo (GARCÍA, 2015).

No que concerne aos importantes serviços de assistência e apoio, o artigo 10 do Estatuto garante a todas as vítimas o direito de acesso, de forma gratuita e confidencial, podendo, a depender da gravidade causada pelo delito, que esse

acesso se estenda aos familiares da vítima. O encaminhamento a esses serviços pode ser feito por autoridades e funcionários ou, ainda, mediante solicitação da vítima.

O título III do Estatuto é destinado exclusivamente à proteção e reconhecimento da vítima, assim como às medidas de proteção específicas a cada tipo de vítima. Por meio dessas medidas, a Lei visa evitar represálias, intimidação, vitimização secundária e danos psicológicos ou violação à dignidade da vítima durante os interrogatórios e declarações.

Para proteger as vítimas, o Estatuto delega às autoridades e aos funcionários responsáveis, a adoção de medidas necessárias estabelecidas em lei para garantir a vida da vítima e de seus familiares, sua integridade física e psicológica, sua segurança, liberdade e integridade sexual, assim como para proteção adequada de sua intimidade e dignidade, particularmente quando em fase de declaração em juízo, visando evitar o risco de uma vitimização secundária ou reiterada. O artigo exige, ainda, nos casos de vítima menores de idade, que o cumprimento dessas medidas seja velado pelo Ministério Público.

O artigo 20 da lei determina que o contato entre vítima e infrator seja evitado. Para isso, as dependências de onde ocorrem os atos do procedimento penal, inclusive em fase em investigação, devem ser dispostas de modo que se evite um contato direto do infrator com a vítima e seus familiares.

Durante a investigação penal, o artigo 21 da lei exige que as declarações das vítimas sejam feitas somente quando extremamente necessário e sem demora injustificada. Ainda, que estas declarações sejam tomadas no menor número de vezes possível, evitando, portanto, que a vítima reviva, desnecessariamente, o ato que a violou. O artigo ainda fornece à vítima o direito de estar acompanhada de uma pessoa de sua escolha, além de seu representante processual, salvo os casos em que, motivadamente, entenda-se o contrário.

É dever dos juízes, tribunais e demais funcionários e autoridades que de alguma maneira participem do processo a realização de medidas de proteção à intimidade da vítima e seus familiares e, em especial, impedir a disseminação de qualquer informação que facilite a identificação da vítima menor de idade ou vítimas com deficiência que demandem proteção especial, conforme disposto no art. 22 do Estatuto.

Para determinar as necessidades de proteção de cada vítima, o artigo 23 determina que sejam levadas em consideração: a) as características pessoais das vítimas - especialmente quando a vítima portar alguma deficiência, ou for, de alguma maneira, dependente de seu agressor, além das vítimas menores de idade ou aquelas que necessitem proteção especial em razão da sua situação de vulnerabilidade; b) a natureza do delito, a gravidade dos prejuízos sofridos e o risco de reiteração do crime - especialmente em casos de delitos cometidos por pessoa a qual possui alguma relação de afeto; delitos contra a liberdade ou integridade sexual; delitos cometidos por motivos racistas, antissemitas ou referentes a ideologia, religião, origem, sexo, entre outros; e c) as circunstâncias do delito, especialmente nos casos de uso de violência.

As medidas de proteção estão estabelecidas no artigo 25 do Estatuto e divididas em dois grupos: as medidas que podem ser adotadas durante a fase de investigação e as que podem ser adotadas durante o processo.

Durante a investigação a vítima tem direito a realizar suas declarações em locais adequados para esse fim, tomadas por profissionais especializados, visando reduzir possíveis prejuízos. Ainda, que todas as declarações de uma vítima sejam tomadas pela mesma pessoa. Nos casos de delito em que há vínculo de afeto com o agressor, delito contra a dignidade sexual e delito de tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, a declaração deve ser tomada por uma pessoa do mesmo sexo da vítima, quando esta assim solicitar.

Durante o processo, devem ser aplicadas, entre outras, medidas que visam evitar o contato visual entre vítima e delinquente, podendo, inclusive, ser utilizado meios tecnológicos para garantir a medida; e medidas que evitem a formulação de perguntas relativas à vida privada da vítima e que não possuam qualquer relevância para esclarecimento do feito.

No que diz respeito às medidas de proteção dedicadas às vítimas menores de idade e vítimas com deficiência que necessitam proteção especial, o art. 26 dispõe sobre a aplicação de medidas destinadas a evitar, ao máximo possível, que o desenvolvimento da investigação e/ou do processo se tornem uma nova fonte de prejuízos para as vítimas. Para isso, a lei assegura que as declarações recebidas durante a fase de investigação sejam gravadas para, nos casos e condições determinados em lei, serem reproduzidas em juízo; além de garantir a possibilidade de que as declarações sejam tomadas por profissionais especializados.

O artigo 26 ainda garante que seja designado às vítimas menores de idade e portadores de deficiências que necessitam proteção especial um defensor judicial, para que a represente na fase de investigação e durante o processo penal, nos seguintes casos: quando houver, entre a vítima e seu representante legal, conflito de interesse que coloque em risco uma gestão adequada dos interesses da vítima ou, ainda, quando a vítima não esteja acompanhada ou encontre-se, por algum motivo, separada de seu representante.

Sobre as oficinas de assistência às vítimas, o Estatuto, em seu art. 28, dispõe que serão prestados, entre outros: serviços de informação sobre os direitos das vítimas; apoio emocional; assessoramento sobre direitos econômicos relacionados ao processo; informações e conselhos sobre o risco e a forma de prevenir a vitimização secundária, a intimidação e as represálias. Entre os serviços de apoio à vítima destacam-se a prestação de assistência psicológica, o acompanhamento a juízo, e informações sobre os recursos psicossociais e assistenciais disponíveis. A lei é clara ao definir que esses serviços de apoio não são condicionados a uma prévia apresentação da denúncia. É dizer, o Estatuto confere, a qualquer vítima e na medida de sua necessidade, o direito de acesso aos serviços de apoio, independentemente de ter ou não feito a denúncia.

Por ser uma lei relativamente nova e com resultados ainda não catalogados, sua aplicação gera incertezas. As principais críticas à aplicação da norma são em relação à falta de recursos e à própria legislação espanhola, que necessita de uma nova lei de processo penal que modernize seu sistema, porém, isso não torna a avaliação negativa, pelo contrário, uma vez que foi oferecido às vítimas de delitos um tratamento global, digno e humano (SIERRA, 2017).

O Estatuto da Vítima do Delito espanhol é uma medida que busca estabelecer bases que melhorarão o status da vítima no processo, ainda que reste um longo caminho para percorrer (GARCÍA, 2015) para que se alcance o resultado ideal.

3.3 COMPARAÇÃO ENTRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A ESPANHOLA

Ainda que o ideal fosse uma comparação direta entre as legislações de cada país, esta conferência se frustra de início. Mesmo que tenham sidos selecionados os principais artigos que visam a garantia da proteção de direitos das vítimas,

especialmente aqueles que procuram combater a vitimização secundária, nota-se a insuficiência de material para uma análise direta.

As três leis selecionadas do ordenamento jurídico brasileiro (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e Lei Maria da Penha), embora possuam inegável avanço na busca pela proteção dos direitos das vítimas, ainda deixam muito a desejar. A importância dessas legislações às funções que se propõem são indiscutíveis, mas isso não as torna suficientes.

A Lei dos Juizados Especiais, embora resgate "um débito histórico dos ordenamentos jurídicos com tradicional esquecimento das vítimas, que sofrem diretamente as consequências do delito" (BITTENCOURT, 1996, apud JORGE, 2005, p.94), possui competência para atuar somente em casos de infrações de menor potencial ofensivo. Dessa maneira, as vítimas dos demais crimes não acessam os direitos e proteções previstas na Lei nº. 9.099/95.

A Lei nº 9.807/99, por sua vez, preocupa-se com a proteção das vítimas e testemunhas ameaçadas. Um olhar um pouco mais atento já é capaz de perceber o problema desse dispositivo: limita-se estritamente às vítimas e testemunhas que estejam sendo coagidas no curso do processo. Não é suficiente ter sido vítima de um delito (vitimização primária), o Estado só age a partir do momento em que a vítima é novamente vitimizada (por meio da coação ou grave ameaça). No ponto de vista da autora, essa exigência gera uma nova vitimização: a secundária. É dizer, o Estado só se move após uma nova vitimização, sendo a primeira, portanto, insuficiente para, sozinha, acionar a função de proteção do Estado.

Necessário ressaltar que essa crítica não visa defender que as vítimas e testemunhas ameaçadas não mereçam receber proteção ou que a estejam recebendo de forma demasiada. Ao contrário: entende-se e prestigia-se a intenção do legislador. O cerne da questão não diz respeito ao que dispõe a lei, mas ao que nela não consta. Apesar da situação duplamente agravada de uma vítima ameaçada em razão de sua participação no processo, as demais vítimas também possuem direitos que devem ser protegidos. O Estado deveria, portanto, aumentar seu rol de abrangência, incluindo nele não só as vítimas ameaçadas, como todas as demais - também dignas de tratamento adequado.

A Lei Maria da Penha é, na opinião da autora, a Lei que melhor contempla os objetivos almejados pela Vitimologia. Destinada a todas as mulheres vítimas de

violência doméstica ou familiar, a lei não restringe sua proteção somente às vítimas de agressão física, mas tipifica a violência em suas outras quatro formas: psicológica, sexual, patrimonial e moral. É evidente, portanto, que a ampliação da compreensão do que é violência (não se restringindo à clássica violência física) traz um maior número de vítimas para a proteção do Estado.

Ao encontro dos propósitos da Vitimologia, a lei dedica tratamento adequado à vítima por ela protegida, visando não apenas salvaguardar e respeitar os direitos inerentes à pessoa humana, como também evitar a ocorrência de uma nova vitimização, que poderia ser causada, dessa vez, pela atuação dos órgãos estatais e seus membros.

Essa proteção é garantida por meio de, entre outras medidas já citadas anteriormente, prestação de serviços de assistência, atendimento por profissionais especializados e realização do procedimento adequado na fase de investigação e em juízo, visando garantir a preservação da integridade física e psicológica da vítima.

É evidente a importância das medidas concebidas nesta legislação, porém, assim como ocorre com a Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas ameaçadas, a abrangência da Lei Maria da Penha também se mostra insuficiente.

Não é novidade que estamos inseridos em uma sociedade machista e patriarcal, onde a vida e os direitos das mulheres pouco significam. "[...] A morte está à espreita dentro das casas, no transporte público, nas ruas e nos espaços de educação e lazer. A violência compõe um cotidiano perverso sustentado por relações sociais profundamente machistas" (BUENO; LIMA, 2019).

Em fevereiro de 2018, o Datafolha realizou um levantamento de dado encomendado pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil (FRANCO, 2019).

Nos últimos 12 meses, 1,6 milhões de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Dentro de casa, a situação não foi necessariamente melhor. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda (FRANCO, 2019).

Os dados são alarmantes e indicam uma série de problemas. As medidas existentes para proteção à mulher ainda são insuficientes para resguardar seus direitos.

A pesquisa apontou que 42% das mulheres que foram vítimas de violência sofreram tal ataque em ambiente doméstico. Significa dizer que as outras 58% das vítimas não são abrangidas pela proteção da Lei Maria da Penha. Ainda, de todas as mulheres vitimizadas, apenas 48% denunciou o agressor ou buscou por ajuda (FRANCO, 2019).

Analisando os resultados dessa pesquisa, resta inequívoca a necessidade de uma legislação que ampare todas às mulheres vítimas de violência no Brasil, não somente aquelas que foram vitimizadas num contexto doméstico ou familiar.

Buscadas as semelhanças do que dispõem as leis que mais se direcionam à proteção das vítimas no nosso ordenamento jurídico com o que dispõe o Estatuto das Vítimas de Delito no ordenamento espanhol, é possível observar o longo caminho que ainda precisamos percorrer.

Nossas leis carregam sempre um porém: são aplicadas somente em determinados tipos de infrações; como pré-requisito, exige que a vítima seja duas vezes vitimizada - sem mencionar que isso acarreta numa terceira vitimização, por parte do Estado; ou, ainda, embora forneça proteção e instrução quase completas, a limita para crimes ocorridos em determinados contextos.

Por outro lado, o Estatuto hispânico abrange toda e qualquer pessoa vitimizada em território espanhol, independente da nacionalidade ou de desfrutar ou não de residência legal no país, oferecendo uma resposta o mais ampla possível, não apenas jurídica, como também social às vítimas. Além de reparar o dano ao longo de um processo penal, também minimiza os efeitos traumáticos que sua condição pode gerar, independentemente da situação processual, conforme consta no preâmbulo da Lei.

Quanto aos direitos extraprocessuais elencados na legislação espanhola (como, por exemplo, o direito de entender e ser entendida, o direito a receber informação e o direito a acessar os serviços de assistência e apoio de maneira gratuita e confidencial), eles são comuns a todas as vítimas, independente de serem ou não parte de um processo penal, o que inclui a fase anterior à denúncia que inicia o processo penal e, ainda, às vítimas que optaram por não exercer qualquer tipo de ação.

No que diz respeito à vitimização secundária, o Estatuto das Vítimas de Delitos espanhol dedica todo seu Título III ao tema, exigindo, entre outros, que a declaração da vítima seja tomada da maneira mais rápida e no menor número de vezes possível, garantindo a ela o direito de estar acompanhada não só por seu representante legal, mas também por alguém de sua escolha e confiança - salvo disposição motivada em contrário. O Estatuto exige, ainda, que a vítima receba todas as informações necessárias de como proceder caso entenda que seus direitos estão sendo tolhidos pelo Estado.

Não se pretende, neste trabalho, defender que a legislação brasileira não é digna de reconhecimento ou negá-la importância. Ao contrário, prestigia o que já está legislado e a atenção e proteção dedicada às vítimas, principalmente no que diz respeito a evitar, ou ao menos diminuir, a vitimização secundária.

Fica demonstrado, porém, que o ordenamento jurídico já existente não é

Documentos relacionados