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Esdudantes haitianos em Florianópolis: escalas dos processos migratórios

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Academic year: 2021

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RAFAEL GRINBERG CHASLES

ESTUDANTES HAITIANOS EM FLORIANÓPOLIS: ESCALAS DOS

PROCESSOS MIGRATÓRIOS

Florianópolis 2017

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ESTUDANTES HAITIANOS EM FLORIANÓPOLIS: ESCALAS DOS

PROCESSOS MIGRATÓRIOS

Monografia submetida ao Curso de Geografia do Departamento de Geociências, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de bacharel em Geografia. Orientadora: Profª. Drª Leila Christina Dias

Florianópolis 2017

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ESTUDANTES HAITIANOS EM FLORIANÓPOLIS: ESCALAS DOS PROCESSOS MIGRATÓRIOS

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do Título de Bacharel, e aprovada em sua forma final pelo Curso de Geografia

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Para apresentar este trabalho, tenho que começar com minha relação com a temática. Desde muito pequeno, adquiri o interesse sobre o tema migrações, as histórias de pessoas que saem de seu lugar de origem, de sua terra, de perto de sua família (ou com elas), sempre me fascinaram. Acredito que todo o ser humano ainda tem um pouco de nômade em si.

Meus avôs por parte de mãe são imigrantes. Minha avó, Ester, é alemã, refugiada da segunda guerra e meu avô argentino, seus pais também fugidos da guerra. Eu, quando finalizei meus estudos regulares, também migrei, saí de São Paulo para viver, trabalhar e estudar em Florianópolis.

Quando ingressei na universidade, no ano de 2010, e me aproximei dos estudos geográficos, tive o conhecimento do terremoto que destruiu parte da antiga ilha Hipaniola, hoje ilha de São Domingos (Haiti e República Dominicana), e isso me sensibilizou bastante. Durante toda a graduação acompanhei a situação haitiana e a relação do Brasil com o caso. Sempre que tive a oportunidade tentei conversar com estes migrantes, para saber de sua história, trajetória e cotidiano aqui no Brasil. No dia a dia os vejo na universidade, nas construções, nos caixas de supermercado, limpando as áreas comuns de prédios, etc. Agora, com a finalização do curso, decidi que escrever sobre o Haiti e os migrantes que vivem aqui, penso que essa possa ser minha contribuição com esse povo.

A escolha se deu, também, pelo fato desta temática ser uma “mão cheia” para os estudos geográficos, possuindo aspectos econômicos, geopolíticos, sociais, humanos, naturais e históricos, em diferentes escalas.

Após ter em mãos o livro Êxodos, de Sebastião Salgado, que retrata – de maneira poeticamente triste – diversos povos migrantes, por meio de registros fotográficos, tive certeza que queria me aprofundar sobre o tema.

Outra motivação pessoal em escrever sobre migrações é pelo fato que minha antiga companheira de vida, que conheci na Geografia, na universidade, também foi uma migrante temporária. De origem costarriquense, veio fazer sua graduação completa no Brasil permanecendo aqui por 5 anos, retornando para seu país ao término do ano de 2015.

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emigrou para Israel, para tentar fazer sua vida lá. Pude identificar que sua migração não foi espontânea, faz parte de um processo visível de jovens judeus, patrocinados e influenciados pelos diversos setores sionistas no Brasil e em Israel (mas isso é motivo de outra monografia ou tese). Também um primo próximo, Diego, abandonar os estudos básicos regulares e emigrou para Boston, Estados Unidos.

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Primeiramente, gostaria de agradecer a todas as haitianas e haitianos que concederam entrevistas para esta pesquisa. Sem as entrevistas, o trabalho não teria sentido algum. Gostaria de agradecer também a todas as haitianas e haitianos que concederam entrevistas nos diferentes trabalhos, filmes, documentários e reportagens consultados, ou não, por mim.

As pesquisadoras e pesquisadores que estão comprometidos com a temática migratória e que buscam melhorias, com suas pesquisas, para uma imigração mais humana.

A todas as pessoas envolvidas em projetos sociais, associações, núcleos de estudos, apoio psicológico e legal, grupos de qualquer espécie, instituições governamentais, ou não, que trabalham com migrantes e com a questão migratória.

Gostaria de agradecer todos os meus professores e professoras da Universidade Federal de Santa Catarina do curso de Geografia, em especial, Leila Dias, minha orientadora, da qual tenho muita admiração intelectual, ao professor Nazareno, que aceitou participar da minha banca e ao professor Orlando que, além de aceitar participar da banca, fez parte de toda minha trajetória acadêmica e que vejo como exemplo.

Agradeço imensamente a todos meus familiares. Em especial, Teresa, Danilo e Sandra que me deram muito apoio nesta jornada. Amo vocês.

Gostaria de agradecer minha companheira Laura e aos meus amigos, companheirxs de vida e de universidade. Consideração especial a todxs que já passaram pelo Cafofo do Bigode.

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Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o processo migratório haitiano para Florianópolis-SC, Brasil, através da metodologia de levantamento bibliográfico, entrevistas e redes sociais. Os objetivos se desmembraram em identificar os motivos históricos, econômicos, sociais, políticos e ambientais para a emigração haitiana; estabelecer a relação entre o Haiti e o Brasil que culminou na ativação de um processo migratório e; analisar o processo migratório dos estudantes universitários haitianos por meio das redes sociais do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti–Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir da década de 2010. Este trabalho concluiu que as redes sociais criadas neste processo, em específico, da migração de estudantes haitianos por meio do Programa Emergencial Pró-Haiti é incipiente e com laços fracos sem grandes nós e substrato de apoio. Conclui-se também que todo o processo migratório do Haiti (emigração/ imigração) é justificado por dimensões não somente econômicas, como também culturais, políticas, sociais e ambientais.

PALAVRAS-CHAVE: Haiti. Migração. Redes Sociais. Florianópolis. Programa Emergencial

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Lista de Quadros

Quadro 1: Etapas da

pesquisa... 21 Quadro 2: Classificação do Índice de Desenvolvimento Humano –

IDH... 37

Quadro 3: Indicadores sociais de Haiti e Brasil,

2016... 39

Lista de Figuras

Figura 1: Localização do

Haiti... 12 Figura 2: Local do epicentro do terremoto no Haiti no ano de

2010... 43

Figura 3: Fluxograma de movimento de expulsão de

haitianos... 79

Figura 4: Fluxograma de movimento de atração de haitianos para o

Brasil... 80

Lista de Gráficos

Gráfico 1: Haiti: Produto Interno Bruto por atividade no ano de

2013... 34

Gráfico 2: Haiti: Produto Interno Bruto de 2010 e

2014... 35

Gráfico 3: Brasil: Entrada de haitianos de 2001 e

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2014...

Gráfico 5: Florianópolis: Distribuição do PIB por atividade em

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1. INTRODUÇÃO ... 11

2. OBJETIVOS ... 14

2.1 Objetivo geral ... 14

2.2 Objetivos específicos ... 14

3. PROCEDIMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS... 15

3.1 Definições conceituais ... 15

3.2 Procedimentos metodológicos ... 18

3.2.1 Entrevistas ... 20

3.2.2 Recorte temporal ... 22

4. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO HAITI ... 24

5. MOTIVOS HODIERNOS DA EMIGRAÇÃO HAITIANA ... 34

5.1 Dimensão econômica ... 34

5.2 Dimensão social ... 38

5.3 Dimensão ambiental ... 42

5.3.1 O dia que abalou o Haiti ... 43

6. OS LAÇOS BRASILEIROS E HAITIANOS ... 48

6.1 O Brasil nos governos petista ... 50

6.2 Política externa “altiva e ativa” ... 57

6.2 Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – Minustah ... 60

7. O DESTINO INSULAR CATARINENSE ... 63

7.1 Redes sociais no Programa Pró-Haiti ... 70

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 83

APÊNDICES ... 88

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista para os Estudantes ... 88

APÊNDICE B – Questionário SINTER ... 90

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1. INTRODUÇÃO

O tema migração está na pauta principal por todo o planeta, na atualidade, devido ao crescente movimento de pessoas pelo espaço, atravessando fronteiras. A Europa, o Oriente Médio, a América, a África e Ásia passam por um crescente fluxo migratório, uma crise migratória em certas localidades. Diversos são os motivos pelos quais as pessoas saem de seu país de origem para tentar a vida em outro lugar, um recomeço. Em linhas gerais, neste trabalho, tratarei dos motivos da ação migratória com vetor Haiti – Brasil, adentrando a situação econômica, social e ambiental do Haiti, sua historiografia, a relação direta com o Brasil. Também destaco a economia brasileira e sua política externa da época, a intervenção militar da ONU liderada pelo Brasil com a Missão das Nações Unidas pela Estabilização do Haiti – MINUSTAH. Destaque para o estado de Santa Catarina e a cidade de Florianópolis neste contexto e as redes sociais na migração de estudantes haitianos para a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

O estado da arte desta temática possui riqueza e diversidade. Pontuo, em especial, o livro organizado por Rosana Baeninger, Roberta Peres, Duval Fernandes, Sidney Antônio da Silva, Gláucia de Oliveira Assis, Maria da Consolação G. Castro e Marília Pimentel Contiguiba, intitulado Imigração Haitiana no Brasil (2016), publicado pela editora da Universidade de Campinas – UNICAMP, possuindo diversas pesquisas de diferentes autores e autoras, com os mais diversos espectros de análise. Desta coletânea, foram utilizados diversos textos para esta pesquisa, principalmente quando analisada a migração em Santa Catarina e a dimensão ambiental do motivo da migração haitiana. A seção referente às definições conceituais e aos procedimentos metodológicos e as definições conceituais foram embasadas nas pesquisas de Nádia Evelyn Burgos e Gislene Aparecida dos Santos, intituladas, respectivamente, Trajetórias Migratórias e Redes Sociais: a

mobilidade espacial de professores universitários argentinos para Florianópolis (SC) e Estado, Redes Sociais e Fronteira: A migração do sul catarinense para os Estados Unidos,

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O movimento migratório do Haiti não é um processo atual, mas bastante antigo, estando intrínseco na sua história, presente na vida cotidiana desse povo. Populações já migravam (e ainda migram) para os Estados Unidos, França, Canadá e seu vizinho, a República Dominicana, segundo diversas historiografias referentes à imigração do Haiti. A partir da crise econômica de 2008 (que afetou em maior grau estes países) e com o enrijecimento das políticas migratórias dos mesmos, o Brasil passa a ser um destino plausível e desejável para esta população historicamente emigrante.

Além desta introdução, o trabalho está estruturado em quatro seções. Na primeira delas é feita uma breve contextualização histórica do Haiti, nas suas mais diversas dimensões. No capítulo subsequente, são retratados os motivos pelos quais os imigrantes haitianos emigram de seu país, dentre estes motivos, os aspectos econômicos, sociais e ambientais, neste último, em especial o terremoto de 2010. No capítulo imediatamente posterior é apresentado uma análise dos motivos pelos quais o Brasil se tornou uma opção para se emigrar. Dentre os aspectos trabalhados, à relação direta do Brasil com o Haiti, o cenário econômico do período em questão, a política externa brasileira à época e uma seção especial dedicada à Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. Finalmente, no último capítulo, introduzo Florianópolis neste contexto e analiso as redes sociais da migração dos estudantes haitianos da Universidade Federal de Santa Catarina que vieram pelo Programa Emergencial em Ensino Superior Pró-Haiti.

Inicialmente esta pesquisa tinha a intenção de entrevistar haitianos em Florianópolis, não somente estudantes, mas trabalhadores e suas famílias. Porém, percebendo que não se conseguiria alcançar este objetivo em tempo hábil, decidiu-se por fazer um recorte mais específico neste Trabalho de Conclusão de Curso. Deixemos esta possibilidade aberta para uma futura pesquisa. Se entende que o limite se dá pela falta de análise muito interessante das Redes Sociais de imigrantes haitianos que não são amparados institucionalmente pela universidade, além de a análise social e de classe ser bastante distinta.

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localidades.

Figura 1: Localização do Haiti.

Fonte: Elaborado pelo autor.

O Haiti está localizado na América Central e divide a ilha de São Domingos com a República Dominicana. Localizado a aproximadamente 930km da costa do estado de Miami, EUA e a 90km da costa cubana.

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2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Analisar o processo migratório de estudantes haitianos para Florianópolis – SC, Brasil, através da metodologia de levantamento bibliográfico, entrevistas e redes sociais, a partir da década de 2010.

2.2. Objetivos Específicos

• Identificar, a partir de uma macroanálise, os motivos históricos, econômicos, sociais, políticos e ambientais para a emigração haitiana.

• Estabelecer a relação entre o Haiti e o Brasil (análise macro) que culminou na ativação de um processo migratório.

• Analisar a microescala do processo migratório dos estudantes universitários haitianos por meio das redes sociais do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti–Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir da década de 2010.

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3. PROCEDIMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS

Neste capítulo serão tratadas as definições conceituais que dão suporte a este trabalho, assim como os procedimentos metodológicos utilizados para alcançar os objetivos específicos. Nesta seção, também se justifica o recorte temporal e as estruturas das entrevistas realizadas.

3.1. Definições Conceituais

Os conceitos desta pesquisa serão embasados em duas categorias fundamentais para a Geografia, sendo estas, o conceito de migração e território.

Neste trabalho, o termo migração é entendido como o “cruzamento por estrangeiros nas fronteiras entre Estados-nações […] posteriormente, passou a ser aplicado para a travessia de qualquer linha territorial político-administrativa” (GEIGER, 2002,

apud SANTOS, 2007, p.89) e, evidentemente, “movimento de mudança, de lugar e de

moradia” (SORRE, 1984, apud SANTOS, 2007, p. 125).

A partir da década de 1960, as tradições dos estudos migratórios partiam de uma análise macroeconômica e estrutural, da oferta e procura de trabalho e oportunidades. Pouco se considerava sua dimensão política, social e cultural.

Ao priorizar tão somente a estrutura econômica, a migração se viu limitada à análise de oferta e procura de empregos, ou na teoria de atração e repulsão de determinadas regiões. […] A experiência cotidiana dos que saem de um lugar para outro, a variabilidade de suas práticas sociais, as estratégias e os recursos que disponibilizam, os contatos tecidos no trajeto da migração, as relações de sociabilidade entre os mirantes e a articulação interna e externa ao seu grupo apresentam-se ausentes das análises macroestruturais. (SANTOS, 2007, p. 52)

A partir de 1980 os estudos com a temática migratória giravam em torno das Leis da Migração propostas por Ravenstein (1989), comprovando que a migração é derivada a

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partir da expulsão/atração (push and pull) dos territórios, de acordo com a “estruturação produtiva do capital e de suas necessidades” (SINGER, 1973 apud MARANDOLA, GALLO, 2010, p.1). Segundo Ravenstein, a migração é motivada “[...] à busca por trabalhos mais remunerados e atraentes do que os disponíveis nos locais de nascimento” (RAVENSTEIN, 1980, p. 126). Isto pressupõe que o migrante é um agente racional que migra a partir do conhecimento sobre as características deste território. Ravenstein, em seu trabalho The

Law of Migration (1989), apostava para a importância da questão climática na produção de

correntes migratórias. Porém, essa ideia perdeu importância nos estudos seguintes sobre esta temática (migração e meio ambiente). Neste trabalho, é feita uma tentativa de relação entre estes fatores, aspectos e dimensões.

Aqui, com Marandola e Gallo (2010, p.7): “É (também) na experiência da migração que buscamos compreender o que é ser migrante. Assim, migrar é sair do seu lugar, envolvendo processos de redefinições das territorialidades, que não são necessariamente sucessivos nem ordenados”.

A partir de um contexto de redes, levando em conta suas aspirações subjetivas e imaginações, tentar-se-á, neste trabalho, fazer uma síntese entre a macroanálise sócio-histórica que impulsionou o processo de migração com o vetor Haiti para o Brasil com o microcosmo individual e social, em redes sociais, desta migração.

Segundo Ahmed (1999) e Padilla (2009):

Nos estudos migratórios, observam-se alterações nas tradicionais abordagens explicativas das migrações (estruturalistas), com fortalecimento da atenção na identidade e nos elementos simbólicos do processo. (AHMED, 1999; PADILLA, 2009, apud SANTOS, 2007, p 156)

Para Gislene Aparecida dos Santos (2007, p. 62):

Pensar em migração implica pensar dois processos complementares: a emigração e a imigração. Não há emigração sem imigração e nem imigração sem emigração. Quem sai de um lugar é emigrante para quem fica, mas se torna imigrante para a

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sociedade que o recebe. O migrante carrega assim uma dupla condição: o de ser ao mesmo tempo e/imigrante, mas como não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, sua existência individual e social é ambiguamente vivida. [...] Ausência do corpo de onde parte e não participação na vida imediata de seu grupo e ainda, ausência de participação política.

Para Eduardo Marandola Jr. e Priscila Marchiori Dal Gallo (2010, p. 4) “Migrar é ser obrigado a desenvolver outros tipos de territorialidade, dando um salto em direção ao desconhecido”.

O conceito de território, neste trabalho, é definido como:

Uma construção social dotada de sentido e mesmo de existência por um grupo social […] O território é um momento de negociação, endógeno e exógeno à população concernida, que produz e reproduz a identidade coletiva através de manifestações diferentes do lugar e de sua consciência. O território é apropriação. Através dele uma população define o que, no espaço, revela de um uso legítimo, prático e simbólico. O território é memória: ele é o marco temporal da consciência de estar em conjunto. […] O território é regulação: não há identidade sem regras, implícitas ou explícitas, impostas ou consentidas, modulando as trocas entre si e com os outros. A partir de um mesmo espaço pode-se construir territórios múltiplos, disjuntos ou superpostos, conflitais ou não, de uns em relação aos outros. […] O território é, pois, o espaço – definido de um modo muito geral como sistemas de proximidade, de distância e de escalas, ao mesmo tempo como identidade coletiva”. (OFFER e PUMAIN, 1996, apud SANTOS, 2007, p. 155)

Com referência às ideias de Gislene Aparecida Santos (2007, p. 59), o território possui atributos espaciais e simbólicos, podendo articular a rede ao território: “Território aqui concebido não somente como suporte material, como também expressão e portador de práticas e representações simbólicas e culturais. ” Ainda segundo a autora que “o território é apropriação […] em/ser um grupo que porta uma identidade coletiva, marcada por referências espaciais e temporais. ”

O território, como propõe M. Santos (1999), usado distintamente por todos os homens, articulando ao movimento da população no espaço internacional, é rico em possibilidades. A rede forma um espaço social onde é tecida uma variabilidade de ações intersubjetivas, como relações de poder, conflito, consensos, força, dissenso e sentimento de solidariedade e compaixão. Nesse sentido, trazer a dimensão do território à rede social implica inserir a política, não só a institucional, mas que se faz no espaço imediato/cotidiano a migração. Colocar o território como ponto nodal, significa, sobretudo, reconhecer que o movimento da população é um dos elementos fundamentais da história do território e, ao se territorializar, a migração torna-se uma questão da sociedade e não só dos migrantes, em sua invisível rede

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de solidariedade doméstica. (SANTOS, 2007, p. 59)

O conceito de escala (macroescala, mesoescala e microescala), - fenômeno multiescalar, - permeia por toda esta pesquisa, é feita uma tentativa de articulação entre as distintas escalas espaciais. A escala se articula com a metodologia apresentada a seguir e com os conceitos acima apresentados. Os indivíduos como microescala de análise (ou microescala). Onde Universidade Federal de Santa Catarina aparece como análise local, o estado de Santa Catarina e a cidade de Florianópolis enquanto escala regional (mesoescala). O Brasil e a presença brasileira no Haiti. Enquanto escala de análise nacional. E os pactos e influências internacionais, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o terremoto enquanto uma escala global/internacional (macroescala).

3.2. Procedimentos Metodológicos

Para a análise macro e introdutória desta pesquisa, foi realizada uma revisão

bibliográfica em teses, artigos científicos, dissertações, livros, documentários e

reportagens, procurando encontrar subsídios teóricos para a fundamentação desta investigação. Com isto, foi possível a obtenção dos conhecimentos relativos às dimensões históricas sociais, políticas, econômicas e ambientais do Haiti que corroboraram para o processo de evasão (fuga/push) do Haiti. Ainda neste procedimento metodológico, foram levantadas teorias que explicam como a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti - MINUSTAH, com liderança brasileira, e as ONG's ajudaram a criar laços entre o Haiti e o Brasil e como este processo foi a gênese para a construção de redes sociais para a efetivação e consolidação do fluxo migratório, assim como o terremoto de 2010 foi fator desta migração e fez com que o Brasil criasse o Programa Emergencial em Ensino Superior Pró-Haiti.

Para o embasamento conceitual-metodológico, também se utilizou do procedimento metodológico de revisão bibliográfica, sendo realizado também o estado da arte no que diz respeito aos estudos sobre migração em Florianópolis, redes sociais e

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território e migração haitiana. Foi feita uma análise documental, em instituições públicas, em meio digital, da Polícia Federal, Exército brasileiro, Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Itamaraty, EMBRAPA, SENAI e Ministério da Educação (MEC) e órgãos internacionais como a ONU, Banco Mundial, CIA e UNICEF e notícias de jornais eletrônicos de diferentes canais de comunicação.

Para atingir o objetivo de identificar as redes sociais, foi utilizada a abordagem teórico-metodológica de Análise de Redes Sociais, concebida, neste trabalho, segundo Massey (1987):

Em ligações sociais que ligam comunidades de origem a pontos específicos de destino nas sociedades receptoras. Esses laços ligam migrantes e não migrantes dentro de uma complexa teia de papéis sociais complementares e relações interpessoais que são mantidos por um tipo informal de expectativas mútuas e comportamentos prescritos. As relações sociais que constituem as redes sociais de migrantes não são exclusivas aos migrantes, mas se desenvolvem como um resultado de laços humanos universais que são moldadas por circunstâncias especiais na migração internacional. Esses laços sociais não são criados pelo processo migratório, mas adaptados a ele, e ao longo do tempo são reforçados pela experiência comum da própria migração. (MASSEY, 1987, apud SANTOS 2007, p. 53)

Segundo Gislene Aparecida dos Santos (2007, p. 53), as “redes sociais de relações [...] propiciam a circulação de informações e de pessoas, aliciando, amenizando e facultando a travessia e o alojamento do migrante desde o seu lugar de origem até o país de destino. ”

Em relação aos contatos estabelecidos, “a rede social da migração formou-se a partir de redes pessoais que existiam antes da ação migratória” (SANTOS, 2007, p. 55).

A rede social é geralmente definida como um “conjunto de relações específicas (por exemplo: colaboração, apoio, conselho, controle ou ainda influência) entre um conjunto ilimitado de atores. [...] Estas entidades, ou atores coletivos, são mais que um sistema de relações entre membros: elas compreendem também, por exemplo, uma cultura ou um sistema de normas” (LAZEGA apud SANTOS, 2007, p. 55).

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3.2.1. Entrevistas

Para contemplar o objetivo de identificar as redes sociais criadas neste processo e poder mapear, de forma geral, as trajetórias dos imigrantes haitianos em Florianópolis, foram realizados trabalhos de campo com entrevistas semiestruturadas abertas que ajudaram no entendimento das trajetórias migratórias; nos vínculos criados entre os migrantes e não migrantes; suas relações de parentesco ou não; e se existe um padrão que possa ser definido com estudantes haitianos na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Buscou-se, nesta pesquisa, dados qualitativos, diferentemente da aplicação de questionário que, prioritariamente, busca dados quantitativos. As entrevistas foram realizadas e gravadas pelo autor deste trabalho. Foi aplicado um questionário nesta pesquisa por falta de disponibilidade da questionada de conceder entrevista. Este questionário foi realizado com a atual coordenadora de relações internacionais do SINTER, Juliana Kumbartzki.

Por meio da Secretaria de Relações Internacionais (SINTER) da UFSC, foi possível identificar o número de estudantes haitianos que estão cursando a graduação e os que já cursaram e se formaram, assim como os que desistiram do Programa, desde o ano de 2010. Por meio da mesma secretaria, foi possível estabelecer o contato com estes estudantes para a realização das entrevistas. Além do SINTER, o autor conseguiu estabelecer contatos com haitianos estudantes da universidade, por meio de pessoas conhecidas em comum. Segundo Juliana Kumbartzki Ferreira, coordenadora de programas internacionais do SINTER, já veio ao Brasil, por meio do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti–Graduação, um total de 27 estudantes desde o ano de 2010. Doze destes estudantes já se formaram, três desistiram e voltaram ao Haiti e doze ainda estão cursando a graduação na Universidade Federal de Santa Catarina. No total, foram realizadas cinco entrevistas e um questionário aplicado via e-mail (Apêndice B): quatro entrevistas com estudantes haitianos e com o antigo secretário de relações internacionais, professor Enio Pedrotti (Apêndice C), além do questionário com a atual coordenadora Juliana Kumbartzki. Com isso foi alcançado um terço (33%) dos estudantes ainda presentes na UFSC pelo

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programa em questão.

A organização do roteiro de entrevista buscou primeiramente traçar um perfil do entrevistado. Para tanto, foram realizadas perguntas referentes à sua história pessoal e familiar. A seguir, foram feitas perguntas tendo como o eixo principal a história haitiana e sua relação com o processo migratório. Em seguida, foram feitos questionamentos acerca do Brasil, como, por exemplo, o primeiro contato com o país, o imaginário e expectativas antes da migração. Após, foram formuladas perguntas a respeito das redes sociais propriamente ditas, quem ou quais instituições corroboraram com o processo migratório, os haitianos e brasileiros que conhecia e influenciaram ou ajudaram aqui no Brasil ou lá no Haiti. E, para finalizar, foram formuladas questões sobre sua experiência no Brasil e suas perspectivas e opiniões para um melhor amparo neste processo migratório (Apêndice A).

As entrevistas abertas foram estruturadas e simplificadas a partir da metodologia proposta por Garcia (2002), extraída da dissertação de Nádia Evelyn Burgos (2009), intitulada Trajetórias Migratórias e Redes Sociais: A Mobilidade Espacial de professores

universitários argentinos para Florianópolis (SC). Garcia (2002) propõe uma estrutura

contendo sete blocos temáticos, sendo estes: 1. dados sociodemográficos e legais; 2. projeto migratório; 3. indicadores de aculturação; 4. percepção de problemas; 5. percepção de rejeição; 6. utilização de recursos; e, por último, 7. satisfação vital.

A entrevista semi-estruturada de apoio social, utilizada por García (2002) com base na Arizona Social Support Interview Schedule – ASSIS (BARRERA, 1980). Explora seis categorias de apoio: sentimentos pessoais, ajuda material, conselho, feedback positivo, assistência física e participação social. Tal categorização recolhe de maneira exaustiva os tipos de apoio social que tradicionalmente tem se definido na literatura especializada: o Apoio Emocional se descreve pela combinação das áreas de Sentimentos Pessoais e Participação Social, o Apoio Informacional pelas categorias de Conselho e Feedback Positivo, e o apoio tangível pela Ajuda Física e Material. Esta entrevista facilita aos sujeitos a discriminação do que se entende por ação de ajuda, quem a provê e qual é a sua natureza. Além disso, obtêm-se quatro indicadores sobre a estrutura e funcionalidade do Sistema de Apoio: tamanho percebido da rede, necessidade de apoio, utilização da rede para obtê-lo e satisfação com o apoio recebido (BURGOS, 2009, p. 47).

Para preservar a identidade dos estudantes entrevistados, neste trabalho estes estão identificados com a primeira letra de seu nome.

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3.2.2. Recorte temporal

O recorte temporal desta pesquisa é justificado pelo fato de que o ano de 2010 foi um ano, infelizmente, marcante para a realidade haitiana. Em 2010, o país sofreu um terremoto com magnitude sísmica de 7,3 na escala Richter, destruindo grande parte da infraestrutura do país. “Além dos danos materiais, acredita-se que aproximadamente 230 mil haitianos perderam suas vidas e 1,5 milhão ficaram desabrigados em razão do tremor”1

(GIRALDI, 2012, apud GOTZ, 2015, p. 28). Frente a essa realidade, muitas pessoas não tiveram outra alternativa a não ser migrar para outro país. Os países principais que “recebem” estes emigrantes são: EUA, Canadá, França, Antilhas Francesas, República Dominicana e o Brasil – este último por motivos que tratarei por todo o Trabalho de Conclusão de Curso.

O quadro abaixo sintetiza as etapas da pesquisa.

Quadro 1: Etapas da pesquisa.

ETAPA INICIAL

Após a disciplina Trabalho de Conclusão de Curso – TCC Projeto foi definido o tema desta pesquisa. Sua metodologia surgiu após a orientação.

ETAPA DE PESQUISA DOCUMENTAL

Durante as disciplinas de Monografia I e II foi realizado o levantamento bibliográfico que embasou esta pesquisa.

ETAPA DE CAMPO

Durante o segundo semestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017 foram realizadas as entrevistas desta pesquisa.

1 Em 2010 a população do Haiti correspondia a, aproximadamente, 10 milhões de habitantes (Banco Mundial,

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Participação da festa de independência do Haiti e das feiras gastronômicas.

ETAPA DE REDAÇÃO

Esta etapa se deu de forma processual ao decorrer da etapa de campo e da etapa da pesquisa documental.

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4. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO HAITI

A crise migratória haitiana necessita ser analisada sob um espectro que leve em conta a história haitiana que é e foi marcada por intervenções internacionais, crises democráticas, golpes, ditaduras, rebeliões, fraudes eleitorais e desastres ambientais. Para compreender a atual conjuntura política, social e econômica deste país e suas consequências migratórias, este capítulo se dedica a mostrar uma breve contextualização histórica do Haiti.

Em 5 de dezembro de 1492, Cristóvão Colombo chega a ilha que nomeia de Ilha Hispaniola. Lá encontra o povo tradicional chamado de Quisqueya pelos indígenas

arauaques ou taínos, que já habitavam esta região há mais de 7.000 anos. No fim do século

XVI, a maior parte dos habitantes nativos da ilha foi morta ou escravizada pelos colonizadores (GOTZ, 2015, p.13). Segundo Valler Filho, na época, ali viviam os povos

arauaques e taínos, praticamente exterminados pelos conquistadores. Os franceses, à

revelia dos espanhóis (que por decisão papal teriam a posse de toda a ilha), instalaram-se na porção ocidental da Hispaniola, a partir de meados do século XVII, e acalentavam o sonho de ocupar toda a ilha. Em 1697, os franceses recebem direitos sobre a área que ocupavam, reconhecidos no Tratado de Ryswick. A região era conhecida como Saint-Domingue e rapidamente assumiu a liderança na produção açucareira no Caribe, com base no trabalho escravo (VALLER FILHO, 2007, p. 142). A primeira troca de metrópole ocorre em 1697 em que a Espanha cede parte da ilha (ocidental), atual Haiti, devido à sua decadência de influência, para a França, no tratado conhecido como Tratado de Ryswick (JAMES, 2010 apud CONTIGUIBA 2014, p. 71), tornando-se a colônia mais próspera das Américas, com grandes produção e exportação de açúcar, cacau e café. A seguir, a ilha passa a ser chamada de Saint Domingue.

Inicialmente, os espanhóis buscaram minerais preciosos na ilha, à custa da escravidão e do uso compulsório da mão de obra indígena. Em pouco tempo, este processo dizimou a população nativa. O insucesso da atividade mineradora deu

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lugar, já no século XVI, à produção de cana-de-açúcar. Com a escassez da mão de obra na ilha, o tráfico de escravos africanos para trabalhar nas lavouras foi impulsionado. (FARIA, 2012, p. 54)

Eduardo Galeano mostra alguns dados em relação à vinda de africanos escravizados para a ilha para trabalharem nas plantações:

Na segunda metade do século, o melhor açúcar do mundo brotava do solo esponjoso das planuras da costa do Haiti, uma colônia francesa que nessa época se chamava Saint Domingue. Ao Norte e a oeste, Haiti converteu-se em sorvedouro de escravos: o açúcar exigia cada vez mais braços. Em 1786, chegaram à colônia 27 mil escravos, e no ano seguinte 40 mil. (GALEANO, 1994 p. 47)

O Haiti foi colônia francesa de 1697 até 1804, quando o ex-escravo Toussaint L’Ouverture, influenciado pela Revolução Francesa (1789), que exigia o fim da escravidão em suas colônias, e pela independência dos Estados Unidos. Lidera, em 1791, uma revolta popular, conseguindo a Independência em 1804. Foi o “primeiro Estado americano a afirmar a liberdade civil de todos os habitantes” (BLACKBURN, 2002, apud CONTIGUIBA, 2014, p. 69). Toussaint L’Ouverture ainda é um símbolo de resistência e luta para este povo caribenho.

A abolição da escravidão ocorreu no ano de 1794 e Toussaint foi nomeado governador vitalício em 1801. No entanto, uma expedição francesa encarregada de reconquistar a ilha prendeu Toussaint, que foi enviado para França, onde morreu em 1803 (FRANCISCO, 2016).

Jean-Jacques Dessalines, um dos generais de Toussaint, assume a liderança no processo de revolta e emancipação e, no primeiro dia de 1804, é proclamada a independência haitiana, tornando-se a “primeira República Negra das Américas e o primeiro país latino-americano a se declarar independente” (FRANCISCO, 2016). Mas foi somente “em 1825 que a França reconheceu a independência de sua antiga colônia, mas em troca de uma gigantesca indenização em dinheiro” (GALEANO, 1976, p. 57). O processo de emancipação foi bastante sangrento, as guerrilhas mataram muitos brancos com os mesmos métodos de tortura e extermínio dos escravos e também queimaram diversas

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plantações como forma de protesto (JAMES, 2007 apud CONTIGUIBA, 2015, p. 63).

Depois de dois anos da independência, em 1806, Dessalines, o autodeclarado imperador e assassinado devido à insatisfação da elite composta de mulatos no país. A consequência disso foi a separação de dois reinos, do norte, comandado por Henri Christophe, e do sul, sob a administração de Alexandre Pétion, que retorna a parte leste da ilha novamente aos espanhóis. A ilha é novamente unificada em 1820 com o governador Jean-Pierre Boyer, sob um regime ditatorial que vai até 1843.

Com o pretexto de cobrar a dívida externa e estabilizar a economia, os Estados Unidos, em 1905, se apropriaram do controle alfandegário do Haiti e, dez anos depois, tomam o país militarmente, assumindo seu controle. Motivados pela política Monroe (“América para os americanos”) e pela política do Big Stick idealizada por Theodore Roosevelt, os EUA queriam proteger os “saneamentos norte-americanos das finanças do país e pela ameaça aos interesses da empresa estadunidense Sugar Company” (GOTZ, 2015, p. 14). Em 1915, os Estados Unidos intervêm militarmente o país, durando cerca de 19 anos, anos estes marcantes para a história haitiana. Neste hiato de 1843 a 1915, o Haiti passa por vinte e um governantes que acabaram depostos de formas diversamente trágicas ou foram brutalmente assassinados.

Sob o pretexto de estabilizar o Haiti, os Estados Unidos ocuparam o país caribenho para estender seu imperialismo e o capital estadunidense através da implantação de suas corporações, que se dedicaram principalmente às indústrias do açúcar e de bananas. A ocupação americana foi acompanhada por grandes expropriações de terras dos campesinos e pela apropriação dos recursos financeiros do Banco Nacional da República do Haiti (BNRH) (LOUIDOR, 2013, apud CONTIGUIBA, 2015, p. 70).

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instabilidade política e social, neste período de intervenção estadunidense:

Entre 1913 e 1931, emigraram para a província Leste de Cuba entre 30.000 e 40.000 trabalhadores haitianos. A República Dominicana, cuja produção açucareira era menor do que de Cuba, também recebeu um número representativo de haitianos, até que em 1919, o governo militar americano introduziu o sistema de contratos regulamentados para a importação de trabalhadores. Embora não exista um número exato de trabalhadores empregados, estima-se que nas duas décadas, após 1919, tenham sido contratados 5.000 haitianos por ano.

A retirada americana ocorre “em 1º de agosto de 1934, depois que Franklin D. Roosevelt reafirmou em agosto de 1933 um acordo de retirada. O último contingente dos

marines partiu em 15 de agosto de 1934 após uma transferência formal de poder” (GOTZ,

2015, p. 14). Porém, a influência americana continuaria por um longo período, conforme retratado posteriormente neste trabalho.

Mesmo com certa melhora infraestrutural devido à intervenção americana, com construções de escolas, hospitais e estradas, o Haiti, no que diz respeito à sua democracia, política e socioeconomia se encontrava desorganizado e destruído, conduzindo-o a mais um período conturbado.

Em 1946, uma rebelião popular derrubou o presidente Elis Lescot, levando ao poder Dumarsais Estimé, que é destituído por um golpe militar liderado por Raoul Magloire. É promulgada uma nova constituição que, pela primeira vez, dá ao povo haitiano o direito de eleger diretamente o presidente. Magloire, porém, decide perpetuar-se no poder com o apoio do exército, o que provoca uma violenta reação popular, resultando na renúncia do presidente. Segue-se novo período de instabilidade: nos nove meses seguintes à queda de Magloire, o Haiti conhece sete governantes diferentes (GOTZ, 2015, p. 15).

No contexto da Guerra Fria, com financiamento norte-americano e apoio da Igreja Católica, se instaura no Haiti uma ditadura sem precedentes. Em 1957, foi eleito François Duvalier, conhecido como Papa-Doc, que fica no comando do país até 1971. Neste período, foi criada a milícia secreta tontons macoutes ou “bichos-papões”.

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Em 1962, François Duvalier instalou um regime autoritário de governo no Haiti: eliminou a oposição política, criou uma força sob seu comando, os Voluntários da Segurança Nacional, e assegurou que o poder fosse transferido a seu filho, Jean-Claude Duvalier, em 1971. O desgaste político causado por tantas medidas centralizadoras e a falta de habilidade política de Jean-Claude Duvalier resultaram no fim do regime duvalierista em 1986. (MATIJASCIC, 2010, apud MORAES et. al., 2013, p. 98)

O governo de Jean-Claude Duvalier, o Baby-Doc, se estende até 1986, somando quase 30 anos de ditadura. “Os quase trinta anos da ditadura dos Duvalier foi provavelmente o período mais doloroso e sangrento da história do Haiti” (FARIA, 2012). Grande parte da População Economicamente Ativa (PEA) foi morta ou migrou para sobreviver ao sangrento regime. Este ponto da história haitiana é a gênese do processo migratório comum ao povo da ilha.

As bases desse regime foram impostas por François Duvalier com adesão dos setores conservadores da sociedade haitiana: militares, Igreja Católica e elite mulata. O regime duvalierista também amparava os interesses dos Estados Unidos no contexto bipolar, pois afastava a possibilidade de acontecer revoltas populares e a expansão da ameaça comunista no Haiti. (MATIJASCIC, 2010, apud MORAES et.

al., 2013, p. 13)

Após Baby-Doc ser deposto devido a pressões políticas e sociais, a democracia haitiana passa por mais um período conturbado. É eleito, em 1990, Jean-Bertrand Aristide, com maioria do voto popular da parcela da população votante. Neste meio tempo (1986 a 1990), o Haiti é governado por diversos governos provisórios.

Em um país onde a quase totalidade da população sempre esteve condenada ao silêncio político e à marginalização, a figura franzina e aparentemente humilde do sacerdote, seu estilo messiânico, suas pregações populistas e seu clamor por justiça social encontraram pronta resposta na camada mais carente da população, assegurando-lhe estrondosa vitória nas eleições de 1990, com 67,48% dos votos de 1,6 milhão dos eleitores haitianos. (CÂMARA, 1998, apud SOUSA, 2011, p. 15)

Este lapso democrático dura apenas alguns meses. Em 1991, Aristide é deposto por não agradar as elites locais, por ter um discurso demasiado progressista, e ao exército, devido à dissolução de um braço importante e, também, devido à criação de uma guarda

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pessoal. Com auxílio da OEA (Organização dos Estados Americanos), da ONU (Organizações das Nações Unidas) e apoiado com uma coalizão militar estadunidense, Aristide retornou em 1994 como representante máximo do país.

Neste período, o Haiti entra em mais um período conturbado para a democracia2.

Em 29 de fevereiro de 2004, o diplomata americano com seis guardas entra na casa de Aristide, em Porto Príncipe. De modo geral, duas versões explicam este fato. A primeira delas se baseia na explicação norte-americana de que Aristide solicitou aos Estados Unidos abandonar o país em segurança. Porém, essa versão é negada pelo próprio ex-presidente e fundamentada em uma carta de renúncia que exalta a paz e a não violência e o anúncio do seu próprio “sequestro”. A segunda versão contrapõe a primeira. Nesta, há relatos do zelador da residência de Aristide, em que ele deixa sua casa apavorado, não querendo partir, sendo colocado em um helicóptero acompanhado de “brancos americanos” (SEITENFUS, 2014, p.63).

As eleições de 21 de maio de 2000 tinham extrema importância democrática para o país, pois as atividades legislativas estavam interrompidas desde janeiro de 1999 e as eleições seriam sua resolução. Os órgãos internacionais sabiam disso, principalmente a OEA que já participara acompanhando quatro eleições, trazendo resultados positivos, como: “registro de eleitores, importante nível de participação e ausência de violência no dia da votação” (SEITENFUS, 2014). Porém, em 2000 percebeu-se uma irregularidade muito grande na metodologia de contagem dos votos e votantes (excluía 1,2 milhão de eleitores) e, infringia o princípio de um cidadão ser igual a um voto. Isso fez com que a situação elegesse oito Senadores em primeiro turno, quando deveriam ir para o segundo. A oposição ficou furiosa. As fraudes foram denunciadas, porém, materialmente, nada mudou, a não ser a não participação da OEA na observação do segundo turno (SEITENFUS, 2014, p.70).

O segundo turno é boicotado por diversos partidos da oposição, criando uma crise

2 Darei um pouco mais de atenção nesta seção, pois ela explica muito da gênese histórica contemporânea

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de instabilidade democrática da política representativa que levou a uma crise econômica, devido a suspensão de “centenas de milhões de dólares” da comunidade internacional por falta de transparência democrática (SEITENFUS, 2014, p.83).

Em 4 de agosto de 2000, a OEA criou uma Missão para identificar “alternativas e recomendações destinadas a resolver, com a maior brevidade possível, como as que surgiram das diferentes interpretações da Lei Eleitoral, e continuar fortalecendo a democracia nesse país” (SEITENFUS, p. 89). Resolve-se marcar eleições para 26 de novembro de 2000. Nesta eleição 66% dos eleitores participaram e Aristide venceu com ampla maioria em primeiro turno, totalizando 91,81% dos votos válidos (descartando os nulos e brancos). Porém, a oposição não aceita o resultado das urnas, do voto popular e indicou que seu candidato, Gérard Gourgue, seria o novo presidente do Haiti (SEITENFUS, 2014, p. 92).

Até meados de 2001, a OEA e Caricom (Comunidade do Caribe) tentam ajudar a conciliação política e uma possível resolução produzindo relatórios, fazendo reuniões e visitas regulares ao país, sem muito sucesso. Até que em dezembro de 2001 a oposição recorreu a violência e tentou, de forma armada e violenta, tomar o Palácio Nacional, também sem sucesso. Houve mortes de civis e militares. Aristide, no dia seguinte, fez um apelo à mobilização popular com um pronunciamento que exaltava a paz, entretanto somente no discurso. Após o pronunciamento uma onda de agressões, saques e invasões as sedes dos partidos de oposição acontecem (SEITENFUS, 2014, p. 93).

A onda de violência se estende até o final do segundo semestre de 2003, segundo Ricardo Seitenfus (2014, p. 101):

Um pequeno grupo de militares sob o comando de Guy Philippe, das antigas Forças Armadas (FAH) – extintas por Aristide em 1995 –, se reúne a Norte da República Dominicana, junto à fronteira do Haiti. Sob proteção do governo dominicano e armados pelos Estados Unidos, ingressam no país em busca de uma revanche.

Nesta época, o governo Aristide estava muito enfraquecido e prestes a cair. Ocorreu então uma intervenção internacional mais contundente. A França se mobilizou para que o presidente Aristide caia. Uma das explicações da aversão francesa a Aristide é o fato de

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que, no ano dos 200 anos da independência, o presidente lança uma campanha que exigia um ressarcimento no valor de aproximadamente US$ 21 bilhões de dólares que foram pagos pelo Haiti na época (calculada a inflação), para ser reconhecida sua independência (SEITENFUS, 2014, p.103). França quer se vingar do que já foi sua “pérola do Atlântico. ”3

A imprensa internacional apoia o posicionamento francês e isto faz com que a Comunidade Internacional assumisse um posicionamento contrário a Aristide. Os argumentos se baseavam na “legalidade constitucional” de seu mandato, além da total desordem e violência. O Grupo do Rio4 assume um posicionamento contrário ao da

Comunidade Internacional, apesar de oferecerem apoio e assistência humanitária a ONU e Caricon devido à situação instaurada.

É neste momento (2000) que o Brasil aparece com um papel de maior destaque no intervencionismo internacional no Haiti. Neste período, a América Latina enviou tropas militares sob comando brasileiro para uma Operação de Paz das Nações Unidas.

A consequência deste processo é um elevado número de refugiados. O ministro de Relações Exteriores da Jamaica dá o seguinte pronunciamento:

O Conselho deve prestar atenção urgentemente à rápida situação deteriorante no Haiti. A situação alcançou proporções críticas, dado o contínuo colapso da ordem jurídica, a insurgência crescente e as condições de verdadeira anarquia e caos, bem como a agravante crise humanitária, a qual, por seu turno, causou deslocamento populacional, resultando no crescente número de refugiados que transbordam o país. (SEITENFUS, 2014, p.111)

Os Estados Unidos, com papel central na geopolítica internacional, “defende a tese que… diante das crises políticas haitianas segundo a qual elas deixam de ser assunto estritamente interno e se transformam em ameaça à paz e à segurança internacional a partir do momento em que provocam ou ameaçam provocar um fluxo de boat people5”. A

3 Termo comumente usado na historiografia sobre o Haiti.

4 Composto por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala,

Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

5 A intervenção americana de 1994 foi fortemente motivada devido ao êxodo dos haitianos para o litoral da

Flórida, conhecidos como boat people. A consequência disto foi a volta de Aristide ao poder (SEINTENFUS, 2014, p. 120)

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Comunidade do Caribe apoia (SEITENFUS, 2014, p.111).

Aristide deixou o poder, ocorrendo a intervenção idealizada pela França e pelos Estados Unidos. Não foi necessário derrame de sangue e mortes, desta vez a intervenção tem características “imperiais” ou, pelo contrário, como aponta Seitenfus (2014): “humanitárias”? A decorrência disto será “O Mar do Caribe o Grupo ABC (Argentina, Brasil e Chile), bem como outros estados sul-americanos, enviaram seus militares ao Haiti” (SEITENFUS, 2014, p.112).

Historicamente, os Estados Unidos são o destino preferencial, pela proximidade, pela atuação das redes sociais, pela economia do país e, principalmente, pela atuação do imperialismo norte-americano [...] São 664.000 os haitianos residentes nos Estados Unidos. A seguir, os destinos mais comuns são a França, com 77.000 emigrantes haitianos, o Canadá, com 70.000, e Bahamas, onde 44.000 emigrantes haitianos atuam no sistema hoteleiro da região ou apenas usam a região como etapa migratória para os Estados Unidos. (ASSIS e MAGALHÃES, 2016, p. 228)

O período anterior a Aristide e o que se segue foi igualmente conturbado, confuso. René Préval foi presidente por duas vezes no Haiti. A primeira foi de 1996 à 2001 ficando por cinco anos no poder, sendo o primeiro presidente em 200 anos que completa seu cargo democraticamente eleito, entregando-o pelo fim de seu mandato. Foi eleito com 87,9% dos votos. Préval volta em 2006, permanecendo até 2011. Antes dele, o cargo era ocupado por Boniface Alexandre que assumiu porque era o seguinte na linha sucessória do governo de Aristide. Boniface ocupava, na época, o cargo de Presidente Juiz da Suprema Corte.

Após o período Préval, com certa “estabilidade”, seu sucessor foi Michel Martelly, que ficou no cargo entre 2011 e 2016. Ele enfrentou um país recém afetado pelo terremoto de 2010. As eleições subsequentes foram também bastante agitadas. Em 2015 eram previstas eleições. Porém, foram cometidas irregularidades e fraudes e com isso, foi instaurado mais um período de crise eleitoral e violência no Haiti. Quatro pessoas foram mortas com a onda de violência decorrente das eleições por parte da oposição. Para o cargo não ficar em aberto e o país sem representante máximo, foi estabelecido que, após o término do mandato de Martelly, o primeiro-ministro ocuparia o cargo. Contudo, Evans

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Paul ficou somente sete dias no governo. Ainda desorganizado eleitoralmente e com muitas manifestações, ficou estabelecido por votação que o presidente do Senado, Jocelerme Privert, seria o presidente interino do país por 120 dias até as próximas eleições. As eleições eram para acontecer em outubro de 2016, porém, devido a diversos fatores elas só aconteceram em fevereiro de 2017, depois de serem adiadas por quatro vezes. Nesse ínterim aconteceram diversas denúncias de fraudes eleitorais e o país foi assolado pelo furacão Matthew, que destruiu grande parte do sul do país. A oposição ainda está nas ruas clamando por um processo eleitoral mais transparente, por mais democracia e com contestações a legalidade do presidente eleito e a necessidade de um segundo turno.

Trinta e quatro golpes aconteceram e vinte três Constituições foram promulgadas ao longo dos 200 anos de independência. Diante de um cenário tão conturbado verifica-se uma difícil consolidação da democracia (SOUSA, 2011, p. 14).

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5. MOTIVOS HODIERNOS DA EMIGRAÇÃO HAITIANA

Como apresentado no capítulo anterior, a historiografia haitiana é singular e, ao mesmo tempo, se insere na historiografia latino-americana. Colonização, intervenções militares, processo de independência, escravidão, dívida externa, dependência econômica internacional, corrupção, imperialismo, fraude, falta de democracia, etc. são tópicos comuns entre os latinos. O nascimento da explicação do processo migratório está em sua história passada que se repercute em sua história presente.

Para poder entender a complexidade do processo migratório haitiano atual, é necessária uma análise escalar que perpasse todas (ou a maioria) dimensões da vida. Neste capítulo serão tratados os motivos endógenos da migração haitiana atual em uma perspectiva macroescalar, nas dimensões econômicas, sociais e ambientais.

5.1. Dimensão econômica

Segundo dados do sítio do Banco Mundial, o PIB do Haiti é composto pelos seguintes setores da economia: comércio e serviços que corresponde a 66%, seguido da agricultura, que corresponde a 25%, e da indústria representando apenas 9% do Produto Interno Bruto, identificado no gráfico 1. Em 2015, o PIB foi de $8,8775 bilhões.

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Fonte: Banco Mundial, 2016. Elaborado pelo autor.

As principais indústrias haitianas são de refino de açúcar, produção de farinha, têxteis, cimento e de montagem de componentes importados. O Haiti não baseia sua economia no setor industrial, não é considerado um país industrializado. Segundo The

World Factbook (2016), dois quintos da economia haitiana são baseados no setor agrícola,

principalmente de subsistência ou pequena escala, ficando muito suscetível a mudanças climáticas e desastres naturais como furacões e terremotos. Grande parte da população (aproximadamente 4,43 milhões em 2015, segundo BM - 2016) vive no meio rural. Na agricultura, os principais produtos agrícolas produzidos são: café, manga, cacau, cana-de-açúcar, arroz e milho. Os principais parceiros importadores do Haiti são: República Dominicana representando 31,5% das exportações, Estados Unidos com 25%, Antilhas Holandesas 8,6% e China 7,1%. O país importa principalmente: alimentos, bens manufaturados, máquinas e equipamentos de transporte, combustíveis e matérias-primas, em geral. Em 2016, o Haiti gastou 3,149 bilhões de dólares em importações. (Word

Factbook, 2016)

Gráfico 2: Haiti: Produto Interno Bruto de 2010 a 2014. 66%

25% 9%

PIB por atividade em 2013

Comércio e serviços Agricultura Indústria

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Fonte: Banco Mundial, 20166.

Elaborado pelo autor.

O Haiti é considerado o país mais pobre do hemisfério ocidental. O Banco Mundial estima que mais de 80% dos haitianos com ensino superior estavam vivendo no exterior em 2004 (fenômeno conhecido como fuga de cérebros), sendo que as remessas de dinheiro que enviam para casa representavam 52,7% do PIB do país. “Entre 2005 e 2014, as remessas dos migrantes representavam mais de 20% do PIB haitiano, um em cada Gourde (moeda nacional do Haiti) que circula no Haiti é proveniente de remessas de migrantes enviadas ao país” (MAGALHÃES e BAENINGER, 2015, p. 243). A elite econômica concentra a maior parte riqueza do país, enquanto mais da metade da população vive em situação de pobreza. Estima-se que somente do Brasil saiu para o Haiti o equivalente a 7.5 milhões de dólares por mês em 2015, segundo reportagem da Folha de São Paulo (2013), 80% dos imigrantes enviam remessas para seu país.

Pensar em emprego formal no Haiti é difícil, o desemprego é uma realidade histórica por lá. A maneira que a população encontrou para se sustentar são os chamados

6 Extraído do Google Public data. Disponível em: ,

https://www.google.com.br/publicdata/explore?ds=d5bncppjof8f9_&met_y=ny_gdp_mktp_cd&idim=country:H TI:JAM&hl=pt&dl=pt> Acessado em: 12 de agosto de 2017.

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sistemas de trabalhos rotativos ou temporários, no qual não recebem salários regulares. Existem problemas de infraestrutura por todos os setores da economia haitiana. No que diz respeito à produção de energia, não é diferente. O país tem um déficit em produção de energia devido à falta de investimentos, fazendo com que o país não tenha uma produção industrial expressiva.

Em suma, o Haiti continua com um pequeno crescimento do PIB – 2,8% em 2014; 1,2% em 2015; e somente 0,8% em 2016 – devido a baixos investimentos, incertezas políticas e uma recuperação tímida do setor agrícola depois de diversas secas que fizeram com que não se produzisse suficientemente bem para uma boa exportação.

O PIB per capita, em 2016, foi de 1.800 dólares, porém não representa a realidade material da maior parte da população, evidencia a desigualdade social de lá. Somado a isso, a ajuda internacional caiu de 16,5% do PIB para apenas 5,3% entre 2011 e 2015 (Banco Mundial, 2016).

Trata-se de um país que reproduz sistematicamente fatores estruturais de expulsão de sua força de trabalho: não se trata de um país que não é capitalista, mas sim de um país capitalista dependente, que ocupa a posição das mais subalternas na divisão internacional do trabalho, cujas relações de produção são incapazes de incorporar as massas haitianas à produção, ao consumo e a forma digna de existência. (ASSIS e MAGALHÃES, 2015, p. 223)

De acordo com as pesquisas bibliográficas, com a historiografia haitiana e com as entrevistas realizadas, a migração para busca de trabalho, melhoria de qualidade de vida e maneiras de enviar dinheiro para os familiares é uma realidade da população deste país. Abaixo trechos de relatos de alguns estudantes:

Minha mãe mora em outro país. Martinica, ela foi lá pra ajudar nós. Ela era costureira e ela percebeu que a gente tava crescendo e também não está dando muito dinheiro na costureira e ela decidiu de ir pra lá. [...] A minha irmã foi morar nos Estados Unidos há nove anos. Ela migrou na verdade ela estava trabalhando bem lá no meu país, só que uma tia minha queria ajudar minha mãe dizendo que se ela ajudar a minha irmã lá nos Estados Unidos […] A minha tia tá lá também. Mas se ela ajudar minha irmã lá também ela vai ajudar a gente mais, a mandar dinheiro pra ajudar a família melhor além da minha mãe a minha irmã vai ajudar mais. [...] Tem primos nos Estados Unidos bastante, eles moram no Brooklyn, New Jersey e Flórida. [...] A maioria dos haitianos querem ir pra França, Estados Unidos, Canadá…(N.) [...] As pessoas estão procurando uma boa qualidade de vida, um trabalho. Nestes

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últimos tempos que os haitianos estão chegando no Brasil, e a direção deles sempre foram os EUA, Canadá e também tem algumas ilhas do Caribe que vão muitos haitianos, e também na França. São essas destinações, destinos, que eles pegavam antes. (M.)

Eu tenho uma irmã mais velha, ela se mudou para os Estados Unidos. E na verdade não foi muito difícil pra ela, ela já estava antes na França [...] ela foi primeiro para a França e depois para os Estados Unidos (J.).

5.2. Dimensão social

O Índice de Desenvolvimento Humano no Haiti é igual a 0,493, considerado baixo (pior intervalo da classificação) como mostra o quadro 02. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH mede, basicamente, o alcance do desenvolvimento humano e econômico de um país por meio da distribuição, para sua população, dos recursos básicos para uma vida plena. Quando é feito um desconto, levando em consideração a desigualdade entre esta população, este índice cai para 0,298. Isso mostra que o Haiti é um país bastante desigual socialmente. Um dado assustador é que 53,9% dos haitianos vivem com menos de 1,90 dólares por dia, considerados abaixo da linha da pobreza. Haiti se posiciona em 163º de 188 países avaliados. Já o Brasil possui um IDH igual a 0,754, considerado um índice alto segundo o Human Development Report. Com este índice, o Brasil ocupa a 79ª posição dentre os países avaliados. O Haiti também está abaixo da média da América Latina e Caribe, que corresponde a 0,751.

Quadro 2: Classificação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

Índice de desenvolvimento Humano – IDH Baixo (menos de 0.550)

Médio (0.550–0.699) Alto (0.700–0.799) Muito alto (0.800 - 1)

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Fonte: Human Development Reports, 2016 UNDP – United Nation Development Program. Adaptado e traduzido pelo autor.

Segundo o documento The World Factbook de 2015, o Haiti conta com uma alta taxa de mortalidade por AIDS, que gera uma grande porcentagem de mortalidade infantil (52,2 a cada 1.000 nascidos – Human Development Report, 2016), baixa expectativa de vida (63.1 anos – Human Development Report, 2016), altas taxas de mortalidade em geral, baixo crescimento populacional. Segundo os dados, 1,7% da população possui HIV, colocando o país na 27ª posição em comparação com os outros países do mundo. Só em 2015, foram identificadas 133.500 pessoas vivendo com a doença e computadas aproximadamente 8.000 mortes pelo vírus da AIDS. As principais doenças virais e bacterianas no país são dengue, zika, malária, hepatite E, hepatite A e cólera. Essa última desenvolveu-se principalmente após o surto devido à sua introdução pela presença militar nepalesa, após o terremoto de 2010, que em seu auge matou aproximadamente 9.000 pessoas. Apenas 1,5% do PIB é investido em saúde (Banco Mundial, 2013).

O acesso à água potável no país é um grande problema. A maior parte da população tem um sistema improvisado de acesso na região urbana, que corresponde a 64,9% da população. No meio rural, praticamente metade da população se encontra na mesma situação: 47,6% dos habitantes dessas regiões têm um sistema improvisado de acesso à água potável. “Apenas 17% da população do país possui acesso à rede sanitária, razão pela qual a maior parte das causas de morte do Haiti, as infecto-parasitárias, são deriváveis de razões evitáveis” (ASSIS & MAGALHÃES, 2014, p. 226).

O quadro 3 apresenta alguns indicadores sociais haitianos e brasileiros (selecionados pelo autor) extraídos do Human Development Report de 2016, para uma análise comparativa.

Quadro 3: Indicadores sociais de Haiti e Brasil, 2016

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Índice de Desenvolvimento Humano – IDH / Rank 0,493/ 163 0,754/ 79

Saúde

Expectativa de vida 63.1 anos 74.7 anos

Mortes por malária (a

cada 100.000 pessoas) 5.1 0.6

Mortes por tuberculose (a cada 100.000 pessoas) 20 2.6 Mortalidade infantil (a cada 1.000 nascidos) 52.2 14.6 Educação

Média de escolaridade 9.1 anos 15,2 anos

Alfabetismo 60,7% 92,6% Pobreza Índice Multidimensional de Pobreza (MPI) 0,242 0,010 População em situação “multidimensional” de Pobreza 50,2% 2,4%

População que vive abaixo da linha da pobreza (até $1.90 por dia)

53.9% 3,7%

Fonte: Human Development Reports, 2016 UNDP – United Nation Development Program. Adaptado e traduzido pelo autor.7

Apenas um terço das crianças de até 14 anos está na série apropriada para sua

7 Não cabe a este trabalho a explicação da metodologia de análise e construção destes dados. A

metodologia pode ser consultada neste sítio:

<http://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/RelatoriosDesenvolvimento/undp-br-2016-human-development-report-2017.pdf> ou no trabalho Human Development Reports, 2016 do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

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idade, segundo o Banco Mundial8 . A taxa de analfabetismo é de 39,3% e a média de

escolaridade é de apenas 9,1 anos. “Segundo o Banco Mundial, 84% dos universitários haitianos passam a viver fora do país com o término de seus cursos superiores, o que revela o elitismo e distância do ensino superior em relação aos problemas nacionais mais dramáticos. Os elementos sociais, econômicos e políticos desse drama condicionam historicamente o país como um país de emigração, criando no país uma tradição migrante (MAGALHÃES & BAENINGER, 2014, p. 234).

O Multidimensional Poverty Index – MPI, ou como mostrado no quadro 3, ou Índice Multidimensional da Pobreza, indica a sobreposição de privações no âmbito da educação, saúde e qualidade de vida. O Haiti possui um índice muito alto comparado com o Brasil e com o resto do mundo. Mais da metade de sua população sofre algum tipo de privação educacional, de saúde e/ou qualidade de vida em todas as suas esferas. Segundo o índice de Gini, o Haiti ocupa o quinto lugar comparado com os outros países do mundo (0,61), portanto é o quinto país com maior desigualdade social do planeta Terra. O consumo médio de calorias dos haitianos é apenas 2.080 calorias por dia, se equiparando ao Iêmen e Tanzânia.

Segundo The World Factbook (2015), a taxa de migração é igual à 1,5 pessoas a cada mil. Taxa elevada que coloca o Haiti em 55º lugar, comparado com os outros países no mundo no quesito migração. Segundo o PNUMA Brasil (2015), mais de 4 milhões de haitianos vivem fora de suas fronteiras.

No Haiti a migração ultrapassa a esfera das escolhas pessoais, assumindo o caráter de questão de estado, com a existência de um ministério específico para cuidar das questões dos que vivem fora do território, o Ministério dos Haitianos vivendo no Exterior (Ministère des Haïtiens Vivant à l'Étranger) construído em 2004 e que, depois do terremoto de 2010 assumiu a tarefa de arrecadar recursos para a reconstrução do país junto à comunidade haitiana transnacional... (VINENTE, p. 261)

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5.3. Dimensão ambiental

As notícias relacionadas ao Haiti, no noticiário brasileiro, comumente relacionam o terremoto como causa da emigração haitiana. Como mostrado nas seções anteriores esta não é a causa única, porém, é bastante expressiva. Nesta seção serão tratados os motivos ambientais, como o terremoto, e suas consequências para o país, e o papel do Brasil nesta situação.

Considerado o país mais afetado por catástrofes naturais do mundo, o Haiti contabiliza 229.699 mortes ao longo dos últimos 20 anos de vítimas fatais por catástrofes naturais, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU, 2016).

Em termos gerais, o Haiti sofre com o generalizado desflorestamento, pouco resta de suas florestas originais. Sem a camada protetora que é a floresta, as consequências são erosões severas com ravinas e voçorocas e mudanças climáticas com estiagens e secas. Como consequências, grandes áreas (já escassas no país pequeno de formação vulcânica) se perdem para a agricultura e produção agrícola.

O Haiti é um país muito vulnerável a desastres ambientais, devido à falta de infraestrutura e pela não diversificação econômica, afetando diretamente a vida de seus habitantes.

A nação já foi afetada por diversos furacões ao longo de sua história, pois está localizado em uma área do Caribe muito propícia a esse evento climático. Por falta de infraestrutura especializada estes furacões causam grandes danos e estragos com inundações que destroem plantações. Em 2008, o país foi afetado pela tempestade tropical

Fay e o furacão Gustav; anteriormente, em 2007, com os furacões Dean e Noel; e, em 2004,

pelo furacão Jeanne. Em 2004, as inundações causadas pelo furacão Jeanne deixaram mais de 3.000 mortos. Quatro anos depois, o furacão Hanna foi seguido por quatro tempestades. Os cinco fenômenos deixaram um total de 1.100 mortos (GOTZ, 2015, p. 55)

O furacão mais recente foi chamado de Matthew, atingiu o Haiti no dia 4 de outubro de 2016 e foi classificado na Categoria 4 (categoria que mede intensidade de furacões).

Referências

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