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6. OS LAÇOS BRASILEIROS E HAITIANOS

6.2 Política externa “altiva e ativa”

Por uma série de fatores, a política externa brasileira, no período petista, se deu de forma estratégica, até agressiva. Segundo o ex-chanceler Celso Amorim, de forma “altiva e ativa” (2011). No período imediatamente anterior à era petista, a geopolítica internacional do Brasil estava atrelada aos interesses dos países do norte e à lógica de mercado dos órgãos e fundos internacionais. Com Lula e Dilma, nem tanto.

Altiva, pois não devemos nos submeter a outras potências mais poderosas, mas sim devemos expor e lutar pelos nossos pontos de vista. E ativa porque a política externa não se resume a ficar reagindo diante de situações, mas promover assuntos e agendas novas. (Celso Amorim, ex-Ministro das Relações Internacionais – Conferência Nacional: 2003-2013, uma nova política externa, 2011)

Temas como pobreza, fome, paz mundial, saúde e educação entraram na pauta do Itamaraty e do Ministério de Relações Internacionais. Neste período, o Brasil se aproximou dos países periféricos e do Sul. Foi formado o BRICS14 (Brasil, Rússia, Índia, China e África

do Sul) e fortaleceram-se os laços com o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e outros

13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZhqMTisqVtM Acessado em: 05 de abril de 2017. 14 Bloco econômico de países com economia emergente.

blocos ganharam maior importância, como UNASUL (União Sul-Americana de Nações), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), a Cúpula América do Sul-África, a União Africana e o fortalecimento do G20 sobre o G8.

O Conselho de Segurança (CS) é um órgão da ONU composto por um selecionado grupo de países responsáveis por tomar posições referentes a grandes conflitos e crises internacionais. Atualmente, o conselho é composto por 15 membros, sendo cinco deles permanentes (EUA, China, França, Inglaterra e Rússia), além de 10 provisórios. A intenção do Brasil era fazer parte do conselho permanente (Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU), defendendo uma reforma neste Conselho, para torná-la mais “legítima e representativa” e ter poder de veto às decisões tomadas neste conselho. Mesmo com a presença no Haiti, com a MINUSTAH e com o envio de tropas brasileiras para o Timor Leste (também em uma Missão de Paz), acabou não conseguindo tal espaço.

Outros fatores mostram o posicionamento brasileiro perante a política internacional: a não reivindicação por parte do governo brasileiro da nacionalização do gás boliviano, a reincorporação de Cuba à OEA (Organização dos Estados Americanos), o apoio do Brasil ao programa de enriquecimento de urânio para fins pacíficos do governo iraniano, com a tentativa de proposta de acordo feito com a Turquia para acabar com conflito com os EUA, tentativa de mediação de paz entre Israel e Palestina, papel desempenhado na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a consequente criação do G20. Além de forte oposição ao golpe de Honduras, entre outros, são alguns exemplos da política externa deste período.

Essa nova agenda de política externa foi marcada, segundo Lessa (2003), pelo compromisso com o desenvolvimento econômico vinculado ao social, com a democratização das relações internacionais, com a ascensão brasileira ao papel de líder regional na América do Sul e, especialmente, com a candidatura do Brasil a um assento permanente no CSNU. Tais objetivos deveriam ser alcançados a partir de uma postura diplomática ativa e da busca pelo fortalecimento do multilateralismo (LUCENA, apud

SEINTENFUS, 2014 p. 157).

Apesar de todas as críticas que foram feitas ao governo Lula que fez uma política de expansão e de divulgação e de ajuda a África e de ajuda a América Central, é fundamental que o país pense diferente dos americanos que fazem uma política externa porque tem petróleo, [...] minério [...]. Então, eu acho que o Brasil tem esse papel e, infelizmente mudou agora neste último golpe aí [...], mas, que o Brasil tem um papel fundamental e ele deve exercer esse papel, né? Porque se a gente quer um mundo melhor, esse mundo não pode ser somente teu mundo melhor. O dele também tem que ser bom para ser melhor, não adianta eu ficar rico e você pobre, ou vice-versa. (Enio P.)

O Princípio da Não Indiferença, assim como o multilateralismo, foram os preceitos que regeram a política externa brasileira no período de Lula, que se refletiu na vontade de liderança da MINUSTAH. Nas palavras de Celso Amorim:

O Brasil não podia permanecer alheio a uma situação de verdadeira falência do Estado no Haiti, com provável repercussão em toda a região. Moveu-nos uma solidariedade ativa, ou seja, a não indiferença. (...) não estamos inventando um princípio novo e sim sugerindo uma maneira distinta de ver a não intervenção. Agregamos a ela uma dimensão ética e moral de solidariedade com o próximo, sem interferir nas escolhas e no direito soberano de cada povo de resolver o seu próprio destino. (Extraído de: <http://mundorama.net/2006/04/20/discurso-do-ministro-das- relacoesexteriores-embaixador-celso-amorim-na-cerimonia-de-formatura-das- turmas-2003-2004-e-2004-2005-do-instituto-rio-branco-palacio-itamaraty-brasilia- df-2004/>. Acesso em:15/05/2017)

O Princípio da Não Indiferença nasce de um discurso humanista da política lulista, que reconhece a importância e a busca por valores da solidariedade e cooperação aqueles da indiferença e omissão perante os excluídos (SEITENFUS, 2014, p. 122), além de assumir a responsabilidade na cena internacional. A partir de um discurso de Lula:

Em um mundo globalizado e interdependente, nossa contribuição à paz e à democracia é determinada pelo Princípio da Não Indiferença. Por isso, nos engajamos nos esforços de estabilização do Haiti” (Transcrito pelo autor do vídeo Agora no Planalto).

A política externa do governo Lula se esforçou na criação de um modelo de inserção internacional do Brasil orientado pela busca por uma autonomia decisória na política externa, pela redução das assimetrias entre as nações e pela construção de meios de poder, indicando uma aproximação dos preceitos da teoria realista de relações internacionais (CERVO apud LUCENA, 2014, p. 135). Buscou, também, amenizar e solucionar a

“globalização assimétrica” nesta estrutura desigual e combinada do atual neoliberalismo. Nesse sentido, Fátima Ishitani observa que o engajamento brasileiro atende aos objetivos da política externa do governo Lula em múltiplos aspectos, tais como: i) a ênfase no desenvolvimento e combate à pobreza; ii) postura internacional mais afirmativa; iii) não indiferença; iv) defesa do multilateralismo; e v) prioridade regional (LUCENA, 2014, p. 141).

As Missões de Paz da ONU servem, também, para demonstração de força e poder de decisão no cenário internacional. Liderar uma Missão deste cunho significa querer a busca por reconhecimento enquanto potência e referência na geopolítica internacional. A próxima seção é dedicada a explicar o que é a MINUSTAH e de que maneira esta influi no processo migratório com vetor Haiti-Brasil.