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5. MOTIVOS HODIERNOS DA EMIGRAÇÃO HAITIANA

5.3 Dimensão ambiental

5.3.1 O dia que abalou o Haiti

“Maior desastre natural das Américas” (PNUMA Brasil, 2015).

No dia 12 de janeiro de 2010, terça-feira, às 14h53m10s do horário local, um terremoto, cujo epicentro (Figura 2) foi na parte oriental da península de Tiburon (cerca de 25 km de distância de Porto Príncipe), de magnitude 7.0 na escala Richter, a 10km de profundidade que durou apenas 35 segundos abalou o Haiti. O serviço geológico dos Estados Unidos registrou uma série de pelo menos 33 réplicas sismológicas. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha estimou que cerca de três milhões de pessoas foram afetadas pelo sismo. Duzentas e trinta mil pessoas foram mortas, 300 mil feridas e mais de um milhão e meio ficaram desabrigadas por conta da destruição.

A Organização das Nações Unidas informou que a sede da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti – MINUSTAH, localizada na capital, desabou e que um grande número de funcionários da ONU havia desaparecido. A morte do Chefe da Missão, Hédi Annabi, foi confirmada em 13 de janeiro pelo presidente René Préval” (GOTZ, 2015, p. 50).

Disponível em: https://lascosasdecandido.wordpress.com/2010/01/19/haiti-terremoto-experimental-enlace- pasado-por-edu/. Acesso em: 15/05/2015

Os danos materiais também foram substanciais: a maior parte dos prédios públicos foi totalmente derrubada ou parcialmente destruída, como o Palácio Presidencial, edifício do Parlamento, a Catedral de Notre-Dame de Port-au-Prince, assim como hospitais, prisões, a rede de comunicação, estradas, pontes, casas, rede de energia elétrica, etc. Segundo a ONU, 300 mil prédios foram derrubados. Dentre esses danos, a destruição das

universidades do país tem destaque neste trabalho, pois foi um dos fatores que levou a

criação do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti-Graduação, segundo os entrevistados para esta pesquisa. Abaixo relatos de estudantes afetados pelo terremoto e a relação com o Programa.

Em 2010 que aconteceu o terremoto. Eu estava estudando lá na minha universidade de tarde. Aí aconteceu o terremoto. Aí eu tava lá estudando aí destruiu o prédio e eu estava lá dentro. Eu sobrevivi. Eu fiquei intacta. Nada aconteceu. Aí depois a minha universidade foi para um lugar longe da capital, por que foi destruído o local. Não dava pra dar aula lá. Naquela época eu trabalhava um dia na minha empresa, outro dia para ir para a universidade, eu não podia fazer os dois no mesmo dia... Naquela época eu parei de estudar porque foi muito pesado de trabalhar junto, porque foi um trabalho que eu gosto também (S.)

Eu nasci lá em Porto Príncipe, na capital e eu estava estudando lá no Haiti e foi depois do terremoto que a gente conseguiu uma bolsa e a gente veio pro Brasil. (M.) Eu estudava enfermagem lá em uma universidade particular. Lá eu estava na oitava fase e eu já estava terminando. Aí, quando eu estava na sexta fase deu o terremoto. Graças a Deus eu não tive nada, mas teve bastante estudantes que morreram, bastante estudantes. [...] Eu tava na minha universidade, eu tinha aula das sete da manhã às seis da noite. Eu tava lá e de repente deu o terremoto e eu não sabia o que era. A professora segurou a gente, a gente ia sair, ela falou de não sair e ficar calma e não aconteceu nada com a gente e também, a minha família não teve nada. Graças a Deus. E, passei um semestre um dia sim e um dia não indo pra aula. (N.)

Abaixo, o depoimento do antigo secretário de Relações Internacionais da UFSC, professor Enio Pedrotti, em relação à motivação para a criação do Programa.

Quando o Brasil... Quando o mundo, ficou interessado em apoiar os haitianos, o Brasil era um país que, na época, era governado por um outro governo e manifestou ajuda aos haitianos da forma que podia ajudar. Uma delas foi trazer os estudantes haitianos cuja as universidades haviam sido destruídas lá para estudar aqui no Brasil, completando vagas disponíveis aqui nas universidades públicas e gratuitas. [...], já que, depois do terremoto, as universidades que, já eram precárias pelos relatos dos próprios estudantes, estavam tendo aulas em tendas, em alojamentos improvisados, sem laboratórios, já que eles não tinham mesmo. Ai então piorou aquelas condições que eles tinham. (Enio Pedrotti, ex-secretário de relações internacionais)

O terremoto agravou substancialmente as possibilidades de trabalho no país, o

sistema formal de educação, a vida política, a segurança alimentar, as condições de

higiene e saúde, além de fragilizar ainda mais a economia do país (SILVA, 2012). Antes do terremoto estimava-se que o desemprego era de 45% e que, com o abalo, aumentou exponencialmente (PNUMA Brasil, 2016).

Outro fator da intensidade sofrida pelo tremor se dá pelo fato que a população está distribuída irregularmente pelo país. A maior parte dos habitantes do Haiti vive concentrada perto de onde ocorreu o terremoto.

A consequência do tremor se deu em diversas instâncias, fez com que 3 em cada 10 residentes da região metropolitana de Porto Príncipe emigrasse, partindo para outras regiões do país, aumentando a situação de vulnerabilidade na região de acolhida, fazendo com que os efeitos deste desastre natural se espalhassem por todo o território. (FARIA, p. 634)

a migração haitiana, explana que: “A degradação ambiental, conectada aos fatores ambientais, socioeconômicos, culturais e políticos, sem dúvida, causa os movimentos forçados da população haitiana, cuja sobrevivência depende diretamente dos recursos naturais. ” (FARIA, 2012, p.610)

Apesar de todos os indicadores, o Banco Mundial faz uma análise otimista quanto a recuperação do Haiti pós-terremoto.

Six years after the magnitude 7.0 earthquake struck Haiti on January 12, 2010, Haiti has moved from recovery to longer term development as it continues to improve infrastructure and strengthen institutions, work toward increasing access to and quality of education, health and other services, and stimulate investment. (Banco Mundial, 2016)

Segundo o mesmo Banco, de 1,5 milhão de pessoas deslocadas, mais de 1,4 milhão já não estão mais em abrigos e acampamentos; o número de crianças com acesso primário à educação aumentou de 79% para 90% nestes últimos anos; extrema pobreza caiu de 31 para 24% na última década (especialmente nas áreas urbanas) e o setor de turismo tem crescido muito com a construção de novos hotéis em Porto Príncipe. (tradução livre pelo autor) Em 2015, segundo o PNUMA Brasil, mais de 400 mil postos de trabalho foram abertos aos haitianos após o terremoto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, necessidade esta que o órgão considera fundamental e de extrema importância para a reconstrução e estabilização do país de “maneira sustentável”. Citando uma de suas representantes: “Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, é disto que o Haiti necessita”9

Para Continguiba (2014), a tese da migração haitiana para o Brasil motivada pelo terremoto encontra seu principal argumento em um documento, a Resolução nº 97, publicada pelo governo brasileiro no dia 12 de janeiro de 2012, exatos dois anos após o sismo. Esse documento, inédito por sua natureza, outorga, pela primeira vez na história brasileira, o Visto por Razões Humanitárias a estrangeiros. Ademais, essa legislação só se

9 Vídeo institucional do Banco Mundial. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fSzknvwFcZw>.

aplica, dentre todos os estrangeiros, aos haitianos. Em seu Parágrafo Único, o documento diz que “consideram-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010”. Antes de discutirmos mais a Resolução 97, cabe contextualizar outros acontecimentos que estão relacionados à entrada de haitianos no Brasil os quais, juntamente com o terremoto, somarão um conjunto composto por diferentes elementos motivadores dessa migração.