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História e legitimidade social : história e memória da EMEF Oziel Alves Pereira, uma escola em área de ocupação urbana em Campinas

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

GISELLE MORAES PINTO

ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL: HISTÓRIA E

MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA

ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM

CAMPINAS.

CAMPINAS

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ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL- HISTÓRIA E

MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA

ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM

CAMPINAS.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Martins.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA GISELLE MORAES PINTO E ORIENTADA PELA PROF.ª DRª MARIA DO CARMO MARTINS.

CAMPINAS 2016

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Pinto, Giselle Moraes,

P658h PinHistória e legitimidade social - História e memória da EMEF Oziel Alves Pereira, uma escola em área de ocupação urbana em Campinas / Giselle Moraes Pinto. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

PinOrientador: Maria do Carmo Martins.

PinDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Pin1. Escolas. 2. Memória. 3. História. 4. Movimentos sociais. 5. Legitimidade Social. 6. Ocupação urbana. I. Martins, Maria do Carmo,1964-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: History and social legitimacy - History and Memory EMEF Oziel

Alves Pereira, a school in urban settlement area in Campinas

Palavras-chave em inglês: Schools Memory History Social activity Social legitimacy Urban ocupacion

Área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte Titulação: Mestra em Educação

Banca examinadora:

Maria do Carmo Martins [Orientador] Carolina de Roig Catini

Eliana Nunes da Silva

Data de defesa: 24-02-2016

Programa de Pós-Graduação: Educação

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL- HISTÓRIA E

MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA

ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM

CAMPINAS.

Autor : Giselle Moraes Pinto

COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Maria do Carmo Martins Profa. Dra. Carolina de Roig Catini Profa. Dra. Eliana Nunes da Silva

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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À Professora Maria do Carmo Martins pelas considerações pertinentes, pela orientação gentil, séria e responsável, que contribuíram para ampliação de minha formação profissional e acadêmica.

Aos Professores Carolina de Roig Catini, Eliana Nunes da Silva e Rogério Adolfo de Moura pelas contribuições preciosas durante a qualificação e defesa dessa dissertação.

Aos Professores: Ernesta Zamboni, Heloisa Helena Pimenta Rocha, Maria Carolina Bovério Galzerani (in memoriam), Salvador Sandoval e Vicente Rodrigues por contribuírem em minha formação no mestrado.

À Sonia Regina Ferreira de Oliveira pelo incentivo, parceria, empréstimos de livros desde o início até a conclusão dessa dissertação.

À João Zinclar (in memoriam) pelo trabalho realizado durante toda sua vida profissional juntamente aos movimentos sociais, registrado em fotografias maravilhosas e por compartilhar com alunos da EMEF Oziel Alves Pereira um pouco dessa experiência.

À José da Mata, líder de movimento social que contribuiu no pensamento desse projeto.

Aos professores Ana Maria de Mendonça Chaves e Rodrigo Christofoletti que desde a graduação incentivaram a continuidade de minha formação acadêmica.

Aos companheiros do grupo MEMÓRIA, Carla de Oliveira, Carla Sampaio, Getúlio Chartier, Maurício Demori, Priscila Kaufmann Corrêa e Rayane Aranha da Silva, que compartilharam parte de minha trajetória, pelos nossos encontros, trocas, momentos de descobertas e aprendizados durante o mestrado.

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com mensagens e interesse pelo andamento da dissertação.

Aos professores e funcionários da EMEF Oziel Alves Pereira que estiveram desde o começo da escola, que resistiram aos primeiros anos e ajudaram a conquistar esse espaço.

Aos moradores dos bairros Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Vila Taubaté, que construíram com tanta determinação uma parte da história da cidade de Campinas.

À minha cunhada Sylvia, que vislumbrou juntamente comigo a possibilidade do mestrado, aos seus apontamentos que contribuíram em minha formação desde o início.

Aos meus pequenos sobrinhos, Lucas e João Gabriel, que alegraram meus dias com sorrisos, simplicidade e vontade de viver.

Aos meus irmãos, Cristiane e Jonas que me ensinaram a continuar a caminhada sempre!

Aos meus pais, José e Roseli por me ensinarem a amar o conhecimento, o valor do trabalho, da dignidade, da justiça e do amor ao próximo.

Ao Alexandre pelo companheirismo e apoio incondicional em todas as situações durante esses anos juntos.

E ao meu filho, Pedro, por assistir aulas do mestrado comigo, por me acompanhar nas orientações, por entender minha ausência durante o processo de escrita, por fazer cafés, sucos e lanchinhos enquanto estudava. Por ouvir sobre a dissertação incontáveis vezes. Pela torcida dele a cada etapa vencida durante esses anos. Pelos abraços compartilhados, pelos sorrisos e pelo amadurecimento que me proporcionou com sua presença.

Muito obrigada!

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“O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de

transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contra-escola.

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A dissertação propõe uma análise histórica sobre o percurso de criação e construção do aparato físico da Escola Municipal de Ensino fundamental Oziel Alves Pereira, construída numa área de ocupação urbana apoiada no movimento social que reivindicava o direito à moradia. Atualmente designada “Parque Oziel”, a ocupação ocorreu em meados de 1997 na cidade de Campinas, SP. A partir da consolidação do direito à moradia, outras reivindicações foram aparecendo e a escola foi uma dessas frentes. A dissertação pretende contribuir na escrita de um marco importante para a comunidade em questão, compreendendo como a construção da escola pode esclarecer as tensões e os ganhos obtidos pela organização social dos moradores e, como ela ainda pode simbolizar elementos da cena política da época, mirando elementos que contribuíram para a legitimidade de um dado movimento social e político. Como fontes documentais foram usados registros documentais da escola e materiais fotográficos diversos, além de matérias de jornais.

Palavras chave: Escola – Memória e História; Movimentos Sociais- Ocupação Urbana – Legitimidade Social.

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physical apparatus of the Elementary school called “Oziel Alves Pereira”, built in an urban occupation, supported by a social movement that demanded the right to housing. Currently designated "Oziel Park", the occupation took place in mid-1997 in the city of Campinas, SP. From the consolidation of the right to housing, other claims were appearing and the school was one of those fronts. The dissertation aims to contribute in the writing of an important milestone for the community in question, including as building the school can clarify the tensions and gains by the social organization of residents and, how it can also symbolize elements of the political scene of the time, aiming elements contributing to the legitimacy of a given social and political movement. As documentary sources were used the administrative and pedagogical school documents, various photographic materials and newspaper clippings.

Key words: School history – Memory and History - Social Activity- Urban Occupation- Social Legitimacy.

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Figura 1 Oziel Alves Pereira. ... 33

Figura 2 Mãe de Oziel...45

Figura 3 Oziel Alves Pereira. ...46

Figura 4 Sala de informática da Emef Oziel. ...49

Figura 5 Marcha dos trabalhadores na fazenda Annoni...44

Figura 6 Área da ocupação na região sul de Campinas...49

Figura 7 Passeata dentro do bairro Parque Oziel...52

Figura 8 Vista parcial do bairro Parque Oziel...53

Figura 9 Vista parcial do bairro Parque Oziel...53

Figura 10 Vista dos fundos da EMEF Oziel Alves Pereira...54

Figura11 Vista parcial do bairro Parque Oziel...54

Figura 12 Vista parcial do Centro de Saúde do Parque Oziel. ...55

Figura 13 Moradora do Jardim Monte Cristo. ...55

Figura 14 Vista parcial da Praça do Parque Oziel. ...56

Figura 15 Vista parcial do Córrego Taubaté...56

Figura 16 Fachada principal da EMEF Oziel Alves Pereira. ...61

Figura 17 Vista da entrada lateral pela Rua Fauze Selhe, s/nº...61

Figura 18 Vista do corredor lateral...62

Figura 19 Vista parcial do refeitório da EMEF Oziel Alves Pereira...62

Figura 20 Vista parcial da quadra poliesportiva da EMEF Oziel Alves Pereira...63

Figura 21 Mapa parcial da região do Parque Oziel e Jardim das Bandeiras. ...66

Figura 22 Balancete mensal dos Contêineres Parque Oziel...68

Figura 23 Balancete mensal Humberto Souza Melo. ...69

Figura 24 Alunos ao lado dos contêineres...71

Figura 25 Alunos esperando para fazer uma apresentação teatral nos contêineres do Parque Oziel...71

Figura 26 Vista parcial dos contêineres, alunos fazendo uma refeição. ...72

Figura 27 Vista parcial dos contêineres. Alunos...72

Figura 28 Sala de aula dos contêineres...73

Figura 29 Apresentação teatral nos contêineres...73

Figura 30 Sala de aula na estrutura pré-moldada...77

Figura 31 Vista parcial do pátio na estrutura pré-moldada...77

Figura 32 Vista parcial do refeitório...78

Figura 33 Vista parcial do refeitório...78

Figura 34 Vista parcial das salas de aula na estrutura pré-moldada...79

Figura 35 Vista parcial da estrutura pré-moldada e ao fundo prédio de alvenaria da atual Emef OZIEL Alves Pereira...79

Figura 36 Sala de aula/contêiner. EMEF Oziel Alves Pereira. ...92

Figura 37 Sala de aula EMEF Oziel Alves Pereira. ...92

Figura 38 Interior da sala de aula/ contêiner. EMEF Oziel Alves Pereira...92

Figura 39: Interior da sala de aula EMEF Oziel Alves Pereira...92

Figura 40: Contêineres e o prédio atual EMEF Oziel Alves Pereira...93

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LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS

Anpur- Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em planejamento Urbano e Regional. CEB – Coordenadoria de Educação Básica

COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo

CONPEDI- Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental.

MTST- Movimento dos Trabalhadores dos Sem-Teto. MST- Movimento dos Sem Terra.

NAED- Núcleo de Ação Educativa Decentralizada. OIT- Organização Internacional do Trabalho SME – Secretaria Municipal de Educação.

SESC- Serviço Social do Comércio. PMC- Prefeitura Municipal de Campinas PPP- Plano Político Pedagógico.

PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira PT- Partido dos Trabalhadores

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1.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ... 20

2 CAPÍTULO 1: OZIEL ALVES PEREIRA: O SUJEITO QUE DÁ NOME AO BAIRRO E A ESCOLA. ... 31

3 CAPÍTULO 2: BREVE HISTÓRICO DO BAIRRO PARQUE OZIEL NA CIDADE DE CAMPINAS: A LUTA DO MOVIMENTO SOCIAL PELA POSSE DA TERRA. .. 54

4 CAPÍTULO 3: EMEF OZIEL ALVES PEREIRA: O PERCURSO DE CRIAÇÃO, CONSTRUÇÃO E OCUPAÇÃO DA ESCOLA. ... 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 106 6 FONTES E REFERÊNCIAS ... 109 6.1 DOCUMENTOS CONSULTADOS ... 109 6.2 PERIÓDICOS ... 109 6.3 SITES CONSULTADOS ... 110 6.4 BIBLIOGRAFIA ... 111 7 ANEXOS ... 115

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação aborda a história da “Escola Municipal de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira”, entre o período de 1997 a 2004, construída no bairro de ocupação urbana, denominado Parque Oziel. A Escola fica na cidade de Campinas, estado de São Paulo esurgiu sob o signo da resistência popular diante da real iminência de desapropriação das pessoas que ocuparam essa área da cidade. Diz-se, portanto, que a escola se vincula estreitamente ao período de lutas em que uma ocupação urbana buscava a legitimidade social para tornar-se um bairro nesta cidade.

A ocupação urbana é vista, na maioria das vezes, como um fato negativo na história recente da cidade. Em geral, sabe-se pouco sobre ela e esse desconhecimento foi um dos ingredientes que movimentou a pesquisa nesta dissertação, tendo em vista o fato de, como professora da própria escola, presenciar e vivenciar experiências preconceituosas em relação a esse espaço urbano e lugar educativo. Associado, não raras vezes, à compreensão que o bairro surgiu de uma “invasão”, estigmas sobre a escola e a comunidade escolar foram frequentes durante todo tempo em que nela atuei.

Referente aos termos invasão e ocupação, cabe reiterar que o primeiro está ligado ao ato ilegal de invadir propriedade privada, ao passo que o termo ocupação está ligado ao ato de tomar posse de alguma coisa que está abandonada e/ou não apropriada. Esses dois conceitos estão ligados à questão da distribuição de terra.

No que tange os conceitos acima citados cabe-nos ir além do senso comum e tentar engendrar minimamente uma reflexão sobre essa questão que nos permeia desde sempre, a posse da terra. Nesse trabalho não nos cabe apresentar um estudo sociológico profundo sobre as causas que estão relacionadas a esses dois conceitos e sobre a questão da terra no Brasil, mas cabe refletir um pouco sobre as formas como ele se apresenta no caso do Parque Oziel.

Esta história insere-se no contexto dos movimentos sociais recentes do Brasil, na história da política habitacional brasileira e mais detidamente na história recente da cidade de Campinas. Se de um lado temos o direito fundamental à moradia

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do indivíduo, garantido pela Constituição, do outro temos o direito à propriedade privada, também vista como direito fundamental. Para reiterar essa ideia Almeida (2006) num ensaio sobre Direito faz uma reflexão sobre a função social da propriedade e diz:

Invasão de certo, possui um sentido construído em torno de alguma ilegalidade. Como afirma os dicionaristas, denota algo contrário ao juízo de valor social, algo reprovável. De seu turno, a ocupação mitiga essa ilegalidade e nos põe a par de um sentido mais brando, é posse legalizada de algo; significaria ter a posse legal de alguma coisa abandonada ou ainda não apropriada. (ALMEIDA, 2006)

Sob o prisma do conflito entre proprietários de terra e os chamados “sem terra”, temos pessoas com seus lotes e o seu direito fundamental à propriedade privada, e de outro temos homens, mulheres e crianças afrontados em seu direito fundamental à moradia, que lhes conferiria dignidade humana.

E Almeida (2006) ainda diz:

A propriedade é um direito fundamental. Não pode ser violado, ressalvadas as hipóteses que a própria Lei maior dispõe, já que constitucionalmente, nenhum direito é absoluto. Ser proprietário implica em ter a garantia de que sua propriedade não será violada por quem quer que seja. (ALMEIDA, 2009)

E continua:

De outro lado, a moradia, a habitação, o trabalho e outros direitos também são previstos na Constituição como fundamentais. Sua importância é indiscutível e seu pressuposto é a própria dignidade da pessoa humana- essa dignidade justifica a existência de uma ordem constitucional. Contudo esses direitos sociais e sua aplicação padecem de algum esquecimento por parte do Estado e por parte do povo. Há um misto de negligência e aceitação. O famoso art.5º da Constituição Federal, nunca lido e interpretado, e o desconhecido art.6º, que prevê os direitos sociais, raramente são alvos de análise mais profunda. (ALMEIDA, 2006)

Assim Almeida (2006) tece argumentos que permitem, de modo sucinto, que possamos observar o quão paradoxal é a questão da distribuição de terra no Brasil, seja ela rural ou urbana. Tanto uma quanto a outra estão intimamente relacionadas ao direito à propriedade e também a moradia, e sob essa perspectiva do Estado Democrático de Direito, estes – os direitos – deveriam caminhar para o equilíbrio, usando como caminho de acesso à via política e da participação popular.

Outro autor que trata dos termos invasão/ocupação, mais especificamente sob o prisma do bairro Parque Oziel, é Carvalho (2003), que foi considerado importante para a reflexão sobre o tema que não deixa de ser atual, diz:

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Antes de entrarmos nas espeficidades das ocupações de Campinas cabe um alerta conceitual: invadir e ocupar são dois conceitos que podem até se firmar no mesmo ato concreto, mas que carregam em si conotações políticas e morais completamente diferenciadas. O primeiro é tipificado no Código Penal Brasileiro como “esbulho possessório visando a obtenção de vantagens econômicas ou financeiras”. Invadir é ferir o direito à propriedade previsto em Constituição. O segundo forjado na própria dinâmica dos movimentos sociais de luta pela terra seja urbana ou rural, se legitima a partir da discussão da função social do uso, da posse e da propriedade da terra (Petuba, 2001). Sendo assim, todo esse trabalho tem como princípio que, terra vazia não é terra invadida é terra ocupada para cumprir seu fim social, visto que o ato em si não visa o enriquecimento ou o aproveitamento pessoal. (CARVALHO, 2003, p.4-5)

Assim, podemos pensar a complexa disputa entre os grandes proprietários de terra e os diversos movimentos sociais, que buscam legitimar seu direito a uma vida digna, pelo direito à moradia, entre tantos direitos que muitas vezes lhe são negados.

O Parque Oziel surge de uma ocupação organizada pelo MTST - Movimento dos Trabalhadores sem Teto, que promove nos espaços urbanos um conjunto de ações voltadas para a conquista das moradias e de ressignificação dos espaços urbanos.

Em pesquisa bibliográfica para a dissertação foram localizados cinco trabalhos de caráter acadêmico, que tratam especificamente da ocupação do Parque Oziel sob pontos de vista do Urbanismo, do Direito e da Informática. No que tange, porém, à historiografia da educação e sobre a EMEF Oziel Alves Pereira que fica no referido bairro, não foram encontrados trabalhos acadêmicos que se refiram a escola.

Tais dissertações e artigos contribuíram para a compreensão da realidade desta ocupação, quando e como ela aconteceu e, trouxeram dados sobre os primeiros moradores e suas impressões. Problematizaram a respeito do meio ambiente, as questões da urbanização da cidade, propriedade da terra e tão logo serviram de estofo para a pesquisa que essa dissertação pretende engendrar: a história da escola.

A primeira dissertação é de Ghilardi (2012) que trata sobre a questão da urbanização e como os pobres vão fazendo uso do espaço da cidade, ele toma o caso da ocupação do Parque Oziel para refletir sobre essas questões, nos traz o panorama das políticas habitacionais, da legislação e dos movimentos sociais mais recentes da história de Campinas.

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Ghilardi (2012) afirma que a questão urbana e habitacional da cidade de Campinas são fatores que compõe o cenário para a ocupação do Parque Oziel. Ele faz a análise sobre o direito à moradia e as lutas para conquistá-la, mostra que esta ocupação antagoniza com os projetos políticos anteriores de reforma urbana da cidade, em especial, pelas práticas anteriores, ao depender de financiamentos públicos, como são os casos da COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, para formação dos bairros. Uma de suas justificativas para aproximação com essa ocupação mais especificamente é a existência de uma grande área vazia, próxima ao centro da cidade e também pela estrutura que circunda a área de ocupação, levando em consideração questões habitacionais e urbanas:

Os três bairros que conformam a ocupação do Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B chamam a atenção, na paisagem de Campinas, daqueles que chegam à cidade de carro ou de ônibus. Trata-se de um grande setor de habitações precárias- se considerado o entorno imediato- bem próximo ao centro da cidade, cerca de quinze minutos de deslocamento por transporte público, e localizado no entroncamento de duas importantes rodovias de estado: Santos Dumont e Anhanguera. (GHILARDI, 2012, p. 21).

E continua:

(...) impressiona pela certa rapidez com que se processou, em um período de um pouco mais de quinze anos. Existem diversas ocupações e loteamentos irregulares na periferia de Campinas- dentre os mais de duzentos núcleos de assentamento precários mapeados pela municipalidade- que possuem mais tempo de formação sem contar, no entanto, com o mesmo nível de melhorias urbanas. (GHILARDI, 2012, p.22).

Para Ghilardi (2012) a ocupação do bairro Parque Oziel nos leva a pensar sobre o processo histórico de formação das periferias urbanas, e cita os autores Kowarick e Brandt (1976) para tratar a questão:

Em estudo final da década de 1970, Kowarick e Brandt (1976) apontaram para a seguinte característica da urbanização brasileira: os espaços vazios que se formam nas cidades brasileiras em busca da valorização imobiliária e apropriação dos benefícios dos investimentos públicos em infra-estrutura. Conforme os autores descrevem esse processo, o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao anterior, já provido de serviços públicos. (...) entre o novo loteamento e o último já equipado, deixava-se uma área de terra vazia, sem lotear. Completado o novo loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a partir do último centro equipado. Quando estendida, a linha de ônibus passava pela área na loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorria com os demais serviços públicos. Desta forma, transferia-se para o valor da terra, de modo direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública. (apud GHILARDI, 2012, p.22)

Assim sendo, Ghilardi (2012) contribui para pensarmos nas questões que envolvem as ocupações urbanas recentes, e mais especificamente a ocupação do

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bairro Parque Oziel, tais como: conflitos de interesses, disputas políticas e aproveitamento do aparato público em beneficio privado, questões essas que permeiam a história da criação de bairros, como por exemplo, a especulação imobiliária e falta de políticas habitacionais.

Na dissertação de mestrado de Silva (2009), o autor descreveu sua aproximação com o bairro Parque Oziel, tomando por seu objeto de pesquisa o trabalho junto aos professores da EMEF Oziel no laboratório de informática, já que ele era dono de uma escola de informática. Assim, fez um paralelo sobre a apropriação do espaço de viver (habitação) e a apropriação do espaço virtual.

O primeiro encontro de Silva (2009) com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira aconteceu quando ele se ofereceu para guiar dois estudantes alemães da Universidade de Siegen que desenvolveriam um “projeto de pesquisa sobre a diversidade sociocultural da ocupação que compreendia o Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B” (SILVA, 2007, p.27).

Silva (2007) descreve que realizava as reuniões com os dois estudantes no laboratório de informática da escola e neste local vislumbrou um projeto junto com os professores:

Tínhamos como quartel general a ‘EMEF Oziel Alves Pereira’ e, em uma das reuniões, que aconteciam no laboratório de informática, percebi que este era pouco usado devido à falta de domínio da maioria dos professores na utilização dos computadores lá instalados como instrumento pedagógico e resolvi ministrar um curso aos interessados. (SILVA, 2009, p 26-27).

O projeto tornou-se inviável já que o laboratório de informática era utilizado para outros fins. Mesmo assim o autor conta que as reuniões com os estudantes alemães continuaram e nesse momento a escola era o lugar desses encontros, assim descritos:

(...) a escola era o centro de nossas idas ao Oziel, sempre nos encontrávamos e discutíamos educação. Falávamos sobre a escola, sobre políticas públicas e as vicissitudes de se ensinar para uma comunidade fruto de uma ocupação (SILVA, 2009, p. 29).

Segue descrevendo uma parceria que a EMEF Oziel Alves Pereira estabeleceu com uma escola em Santiago, Chile, Escuela Cardenal de Krakovia, com características estruturais parecidas com a do Oziel. Alguns professores foram à

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escola, porém o autor não dá maiores detalhes sobre esta viagem, e diz que: “a

viagem gerou outro projeto que não é pertinente a esta pesquisa” (Silva, 2009, p. 29).

O autor ainda destaca que participou do projeto GERES1, que tinha como

objetivo a aplicação de testes de matemática e leitura, mapeando os mesmos alunos desde a 1ª até a 4ª série, estes testes levavam em conta fatores sócio- familiares e escolares no início da aprendizagem do Ensino Fundamental, Silva (2009) destaca que a EMEF Oziel Alves Pereira na época do projeto tinha 11 primeiras séries, com 400 alunos. Destacou que além dos alunos, professores, diretores e pais estiveram envolvidos na pesquisa.

Silva (2009) diz:

Como um dos Supervisores de aplicação destes testes, eu tinha intenção de utilizar os resultados relacionados à EMEF Oziel Alves Pereira, para entender um pouco melhor a escola da comunidade estudada em minha pesquisa de mestrado. Muito embora esses resultados não tenham se convertido diretamente em dados objetivos de analise deste trabalho, contribuíram para a compreensão geral do contexto em que ele se deu. (SILVA, 2009, p.31).

Conviver com os estudantes alemães e participar do projeto GERES fez com que Silva (2009) quisesse saber como o uso da tecnologia poderia contribuir para a constituição de identidade da comunidade do bairro Parque Oziel. A partir daí ele usa, entre outros caminhos metodológicos, a entrevista com pessoas que participaram direta e indiretamente da ocupação física para falar sobre a ocupação cibernética.

(...) passaríamos então a provocar os moradores do Oziel, Monte Cristo e Gleba B para experimentarem a conquista de outro espaço: esta região abstrata invisível que permite a circulação de informações na forma de imagens, sons, textos entrecruzados, denominada de ciberespaço. (SILVA, 2009, p.33)

A dissertação de Silva (2009) faz apontamentos que também são encontrados em Menegaço (2005), que corroboram para a tessitura da historiografia da EMEF Oziel Alves Pereira que usaremos como fonte para essa pesquisa.

Entre as melhorias realizadas na então ocupação/ bairro Parque Oziel apontadas por Silva (2009) encontramos:

A escola municipal foi uma conquista já em 1997, como extensão de outra de um bairro próximo, o Jardim das Bandeiras II, mas funcionava em containeres- e, por isso, era chamada de “escola de lata”. Os containeres

1 GERES é um projeto de pesquisa que focaliza a aprendizagem no início do Ensino Fundamental, levando em conta fatores

escolares e sócio familiares que incidem sobre o desempenho escolar, além de outras dimensões, como a autoestima e a motivação, que podem afetar o desenvolvimento dos alunos.

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foram instalados próximos ao local ainda hoje funciona a escola de alvenaria, sendo que nos primeiros dias da ocupação este espaço já estava reservado para este fim. (SILVA, 2009, p.40)

Observamos que a ocupação ocorrida em meados de 1997 é tratada com interesse pelo mundo acadêmico, que contribui para o aprofundamento de discussões referentes ao espaço urbano e a maneira como a cidade absorve ou dificulta a instalação social desse grupo. São evidentes as razões pelas quais a referida ocupação é pesquisada, já que esta guarda algumas particularidades, como sua proporção, o tempo relativamente curto em que o estado começou a realizar e implantar suas políticas públicas em comparação a bairros mais antigos da cidade, entre outras; logo consideramos que a abordagem que traremos para essa pesquisa é bastante relevante, será mais um ponto na construção da história do bairro e da cidade.

Por fim a dissertação tentará através da história de criação e construção da escola, propriamente dita, colocar em perspectiva as lutas travadas, as tensões, as permanências, a oficialização, e a ampliação da escola. A partir daí observarmos se há nessa trajetória traços que corroboram para a construção de identidade, se poderemos tomá-la como referência concreta de legitimidade da luta por um lugar de pertencimento de um dado grupo de pessoas.

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1.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

O interesse pela pesquisa começou quando cheguei à cidade de Campinas para lecionar no Ensino Fundamental da rede pública, precisamente na escola do bairro Oziel no ano de 2009. Seria professora do 5º ano (antiga 4ª série). Essa história começa antes mesmo da minha chegada à escola, durante as atribuições de aulas. Percebi que a escola não era escolhida por demais professores em processo de atribuição de aulas, eu mesma fui designada para lá depois de pedir informações se a escola ficava próxima ao centro da cidade. Enfim, como não conhecia absolutamente nada de Campinas, pedi essa informação para a pessoa que atribuía às aulas já que ficaria hospedada no centro.

O começo dos trabalhos naquela unidade escolar foi caótico, nos primeiros dias as aulas foram suspensas por falta d’água, só era possível organizar um planejamento mínimo. Juntamente com as demais colegas de trabalho tentávamos conhecer os alunos e suas especificidades e dimensionar quão grande era o desafio pedagógico. Com o apoio da escola, da Orientadora e Coordenadora Pedagógica foi organizado um Grupo de Trabalho para discutir, estudar e propor ações pedagógicas. Interessei-me particularmente em conhecer a história do bairro e da escola, para que pudesse elaborar melhor as aulas de História, e concomitantemente começar a produzir uma memória daquela comunidade.

No diálogo com professores que estavam há mais tempo na escola e com a Coordenadora Pedagógica, procurava compreender as representações que se teciam sobre aquela comunidade escolar, em especial as com os alunos, uma vez que ouvia, vez por outra, manifestações em tom pejorativo sobre eles. Expressões como

“Eles (moradores/crianças) estão acostumados a ganhar tudo de graça, não querem fazer nada, não querem fazer força para estudar”, e mesmo falas como “Não suporto essa pobreza, essa sujeira” outras vezes ouvia-se “São um bando de marginais, ladrões de terra privada” e “Essa é a maior invasão da América Latina” ou ainda “Não suporto ver aquele retrato do Oziel”. Todas essas informações me fizeram refletir

sobre os estigmas sociais criados a partir da história e formação do bairro e de sua comunidade.

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A impressão era quase que se criara outra história, que não a vivida pelos moradores que lutaram para que a ocupação acontecesse, uma versão do que realmente havia acontecido e, repetidas tantas vezes, com ênfase nos ingredientes de violência, desobediência civil, na qual os moradores eram vistos como invasores e atuantes em um processo que recebia a pecha de ilegal. Tudo isso ressoava fortemente em mim, primeiro como professora, porque estava em busca de uma identidade para a escola que acabara de ingressar, e também queria encontrar, naquele espaço escolar, canais que legitimassem socialmente as ações dos moradores, que reconhecessem e valorizassem a trajetória da comunidade, da construção da escola e de uma participação política. Outro fator advém do interesse de conhecer mais sobre a cidade e história de Campinas.

Nessa perspectiva comecei a fazer os primeiros movimentos para ouvir outras vozes, tentar compreender, construir uma história, diferente daquela narrada pela comunidade escolar, que por vezes, era tão estigmatizada, e permitir que outros também pudessem fazê-lo ou fossem instigados a isso.

Ainda no ano de 2011, no plano pedagógico para o 5º ano, enfatizava-se o estudo das memórias individuais e coletivas da comunidade, tendo em vista os estudantes e outros sujeitos que estariam ligados de alguma forma com a construção histórica da comunidade em questão.

Dessa forma, os alunos participaram de atividades interdisciplinares dentro deste projeto, dentre as quais algumas atividades foram registradas em vídeo, assim tínhamos: o estudo do meio no bairro Oziel, entrevista com sujeitos que participaram da ocupação, pesquisas em livros que faziam referência a esta memória, escrita de relatórios, e por fim, os depoimentos com as impressões que os próprios alunos tiveram sobre este estudo2. Essas atividades estimularam a busca por uma forma mais

sistemática de compreensão da história daquela comunidade. Dentro do exercício crítico e reflexivo sobre o trabalho docente e que se desdobra para o compromisso de pesquisa, trago Freire (1996), que escreveu:

2 Vídeo intitulado “Histórias fantásticas que devemos contar às crianças” foi apresentado no 18º Congresso de Leitura do

Brasil, no período de 16 a 20 de fevereiro de 2012, na Unicamp. O vídeo é um registro dos trabalhos realizados pelos alunos e que teve como recorte a história do bairro Parque Oziel e algumas informações sobre a escola homônima.

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A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, desarmada, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. (FREIRE, 1996, p. 38)

E continua:

Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p. 29)

Neste exercício crítico constatei que havia elementos que poderiam ser mais bem organizados. Que poderia existir uma história a ser contada, compilada e ser recontada. Para se construir uma imagem do passado, era preciso limpar o terreno, era preciso passar por certas desconstruções conceituais, parar de idealizar ou generalizar sobre determinada experiência, podemos percorrer um caminho sério para tentar encontrar uma dentre muitas possibilidades interpretativas da verdade.

Considerando o que Gagnebin (2006) diz: “O conceito de verdade não se

esgota nos procedimentos de adequação e verificação” (p. 42). E, continuando no

diálogo com Paul Ricoeur:

Preconizar um conceito de referência – de verdade – que dê conta do “enraizamento e da pertença (appartenance) que precedem a relação de um sujeito a objetos” é uma atitude radicalmente diferente do relativismo complacente, apático, dito pós-moderno, que de fato, nada mais é que a imagem invertida e sem brilho de seu contrário, o positivismo dogmático. (GAGNEBIN, 2006, p.43).

No início, parecia necessário contar a história dos moradores do bairro Parque Oziel, para tentar superar o discurso arbitrário que se ouvia por inúmeras vezes. Arbitrário porque a maioria destes discursos eram feitos a partir do senso comum, de dados não confirmados e fragmentados, de opiniões reducionistas e ligadas a uma visão de mundo, que não levavam em conta as discrepâncias sociais. O discurso arbitrário que generaliza como mau e errado tudo que vai à contramão da ordem social estabelecida, desconsidera as contradições, as mazelas e por desconsiderá-las então nega e discrimina tudo o que destoa do seu conteúdo.

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Para pensar sobre esse discurso arbitrário que classifica pessoas como de

“bem” e as “não de bem”, Chalhoub (1996) descreve um período do Brasil Império e

a formação dos cortiços mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro. O autor expõe o que isso significou para a população mais pobre nos termos de urbanização.

Visando compreender um pouco melhor a dinâmica entre pessoas que ocupam espaços urbanos e a ação dos agentes do Estado, que muitas vezes atuam de forma a reprimir a ação desses que ocupam, e tendo como desdobramentos para a construção de um pensamento que se arrasta através dos anos como sendo correta, tomamos como exemplo o cortiço conhecido como Cabeça de Porco, que foi desocupado pela intimação da Intendência Municipal, pois depois da desocupação o local seria demolido:

A intimação não fora obedecida e o prefeito Barata Ribeiro prometia dar cabo do cortiço à força. Às sete horas e trinta minutos da noite, uma tropa do primeiro batalhão da Infantaria, comandada pelo tenente Santiago, invadiu a estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquer pessoa. Piquetes da cavalaria policial se posicionaram nas ruas transversais à Barão de São Félix, e outro grupo de policiais subiu o morro que havia nos fundos da estalagem, fechando o cerco pela retaguarda. (CHALHOUB, 1996, p. 15 e16)

Diante de tamanho aparato repressivo, não há nota que fale sobre a possível resistência dos moradores do cortiço, mas vale lembrar, o autor está centrando sua narrativa, nessa parte do livro, justamente ao processo de violência que é lembrado naquele caso. Tal repressão tinha por justificativa, de parte das autoridades da época, que difundiam (e provavelmente acreditavam) que os cortiços eram antros de desordeiros.

O autor diz que o jornal “A Gazeta”, publicou que homens e mulheres tentaram solicitar às autoridades que pudessem permanecer por mais um dia no cortiço, a fim de retirar suas coisas. Seus pedidos não foram atendidos e, quase todos os moradores perderam tudo, ficando seus poucos pertences sob escombros. A data da operação foi o dia 26 de janeiro de 1893.

A cena descrita anteriormentenão difere muito do que vemos até hoje em comunidades que estão em áreas de ocupação, espaços esses que não estão regularizadas e sofrem ordens de despejo e desocupação mediante força policial, na ocupação do bairro Parque Oziel não foi diferente, por diversas vezes houve pedido

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de reintegração de posse o que acarretaria o despejo das famílias, como relatou um dos líderes da ocupação José da Mata (2011):

A primeira vez que teve uma liminar de despejo, nós fomos no Fórum conversar com o juiz. E o juiz deu uma decisão contrária à gente e falou: “ não, tem que despejar as famílias”. E agora, o que que a gente faz, o que que a gente faz? E a gente pensou, vamos fazer uma marcha para a cidade.

O que Chalhoub (1996) segue descrevendo é a repercussão na impressa e o que significou a destruição do mais famoso cortiço do século XIX. As metáforas usadas para designar o cortiço e o então prefeito, Barata Ribeiro, descrito como um herói dos “novos tempos”, que limpou a cidade do Rio de Janeiro, são construturas com imagens fortes e significativas para a população carioca da época. Não há menção para onde foram tantas pessoas, desalojadas do dia para a noite, sem nenhuma alternativa, e mais, sem condições financeiras para começar nova vida. O que prevaleceu foi a eliminação do indesejado, seja lá de que forma se deu.

Neste ponto Chalhoub (1996) chama-nos atenção para o que ele considera como o mito de origem para tamanha violência com os habitantes da cidade, e mais ainda sobre como agir diante da diversidade dos sujeitos inseridos na dinâmica urbana.

Ele destaca dois pontos para lidar com a diversidade urbana. Ele escreve:

O primeiro é a construção da noção de que classes populares e classes perigosas_ para usar a terminologia do século XIX_ são duas expressões que denotam, que descrevem basicamente a mesma realidade. O segundo refere-se ao surgimento da ideia de que uma cidade pode ser apenas “administrada”, isto é, gerida de acordo com critérios unicamente técnicos e científicos (...). (CHALHOUB, 1996, p. 19 e 20.)

E conclui que:

Essas duas crenças combinadas, têm contribuído muito, em nossa história, para a inibição do exercício da cidadania, quando não para o genocídio mesmo de cidadãos. (CHALHOUB, 1996, p. 20).

Chalhoub (1996) continua sua explanação de modo sucinto e objetivo em seu livro Cidade Febril, o uso do termo “classes perigosas”, usado pela escritora inglesa Mary Carpenter por volta de 1840, para designar um grupo social que estava à margem da sociedade civil. Para ela o termo era usado para se referir as pessoas que tinham passado pela prisão, ou se não, por pessoas que sustentavam a si mesmo, e às vezes suas famílias, através de furtos e não do trabalho. Enfim, usada de forma restrita e não generalizando a população pobre como perigosa.

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No Brasil, porém, foi um conceito usado como um dos eixos de um importante debate na Câmara dos Deputados, nos meses subsequentes a lei da abolição da escravatura. O que estava realmente em pauta na ocasião era um projeto de lei para a repressão da ociosidade. O autor diz que os parlamentares dessa época liam muitos autores franceses, dentre eles M. A. Frégier, funcionário da polícia francesa, que escreveu um livro baseado na análise de inquéritos e estatísticas policias de 1840, a obra tratava das “classes perigosas da população nas grandes

cidades”.

O objetivo de Frégier era mostrar de forma detalhada todos os tipos de malfeitores. Ele consegue até certo ponto realizar este objetivo, porém há um ponto no seu trabalho que ele mais descreve amplamente a condição de vida dos pobres parisienses de forma generalizada, e não consegue definir com precisão a fronteira do que seriam “classes pobres” e “classes perigosas”.

É exatamente nessa imprecisão que nossos parlamentares buscam uma fonte, para tratar do trabalho, da ociosidade e da criminalidade, que chamam de salvação nacional. E citam M.A.Frégier para corroborar com a estratégia que estava em curso, que era a de criminalizar a crescente população pobre que não encontrava trabalho neste período no país3.

Ora, percebemos uma tendência a ser qualificado como bom cidadão aquele que tem gosto pelo trabalho, se ele não está trabalhando, logo tem gosto pela ociosidade, e se é ocioso então é classificado como perigoso/vicioso, aquele que carrega o vício e, os vícios produzem os malfeitores, que são perigosos à sociedade. Juntando uma ponta à outra temos que por definição os pobres são perigosos. Ou pelo menos são perigosos em potencial.

Destaca-se a importância de todo este preâmbulo para dizer que nessa dissertação o conceito de “classes perigosas” e mesmo “bairro perigoso” perpassaram por muitos desses discursos. Não pretendo, contudo, desconsiderar atos de violência

3 As classes pobres e viciosas, diz um criminalista notável, sempre fora e hão de ser sempre a mais abundante

causa de todas as sortes de malfeitores: são elas que se designam mais propriamente sob o título de – classes perigosas – pois quando o mesmo vício não é acompanhado pelo crime, só o fato de aliar a pobreza no mesmo indivíduo constituiu um justo motivo de terror para a sociedade. O perigo social cresce e torna-se de mais a mais ameaçador, à medida que o pobre deteriora a sua condição pelo vício e o que é pior, pela sua ociosidade (CHALHOUB, 1996, p.21).

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cotidiana vividos por ocupantes, por agentes da segurança pública e nem tampouco por professores dentro de seu local de trabalho, a própria EMEF Oziel Alves Pereira. Porém considero pertinente o que autor traz como a “naturalização” e a “generalização” sobre o pobre ser perigoso, povoando o nosso imaginário social.

Quando Chalhoub (1996) alerta sobre importância dos cortiços durante a transição do período escravocrata para o período pós-abolição, é importante salientar que os cortiços eram vistos como lugar de negros refugiados, como lugar de resistência e luta. E diz:

(...) é preciso mencionar um ou outro motivo para a truculência contra os cortiços nesse contexto: tais habitações fora um importante cenário da luta dos negros da Corte contra a escravidão nas últimas décadas do século XIX. Em outras palavras, a decisão política de expulsar as classes populares das áreas centrais da cidade podia estar associada a uma tentativa de desarticulação da memória recente dos movimentos sociais. (CHALHOUB, p. 25 e 26).

Há nesse binômio cortiço e classes perigosas algo que ainda ressoa hoje. Pobres que não tem trabalho e que ousam de alguma forma lutar contra o que está posto em suas vidas, sendo vistos, muitas vezes, como perigosos e arruaceiros, e seus lugares de morar, sejam eles ocupações regularizadas pelo Estado ou não, são alvo de descrédito, já que não foram conquistados/comprados com o suor de seus “trabalhos”, então, pelo senso comum pode vir a conclusão, por vezes reducionista, que foram roubados. Mas a pergunta é: e quando não há trabalho para todos? E quando uma parcela da nossa sociedade é relegada a tornar-se invisível? E ainda, como superar a linha que diz qual o tipo de trabalho que cada um vai exercer?

Mesmo passado tanto tempo do fato descrito por Chalhoub no cortiço do Rio de Janeiro, e de nossa atualidade, acredita-se, porém, que seja possível que este fato, ainda que isoladamente mencionado, corrobore minimamente para estabelecermos relações com o que ainda acontece nas periferias dos grandes centros urbanos, para observamos os discursos, as ações de políticas habitacionais ou a falta destas, que configuram ao pobre a pecha de ser perigoso.

Em grande medida, dentro da escola, e não só na EMEF Oziel, mas em grande parte das escolas da periferia, é possível perceber essa tensão, na qual a escola é o palco onde contracenam as pessoas conceituadas “de bem” e as ditas “perigosas”.

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A escola é o ponto de partida, mas não a finalidade última dessa dissertação, observaremos e faremos considerações que pretendem contribuir para reflexões que apontem se a escola possui algum potencial para dirimir as condições discursivas de opressão e desqualificação dessa comunidade e, ainda mais, se a sua configuração histórica, contribuiu para o fortalecimento dessa mesma comunidade.

Como se sabe, outros pesquisadores já ouviram e usaram como recurso metodológico, entrevistas com moradores e sujeitos que participaram do movimento social pela ocupação do bairro Oziel, sob diferentes recortes. Isto posto, consideraremos que para esta dissertação faremos uso de uma pesquisa com fonte documental, como atas de conselho de escola, jornais, livros ponto, diários oficiais da Secretaria de Educação do Estado e do Município de Campinas.

Outro conceito importante na construção e elaboração para essa dissertação será o uso do conceito de memória, haja vista que escrever sobre a história de uma instituição escolar é antes de tudo revisitar um passado, passado esse que vai tornando-se cada vez mais apagado e longínquo para quem não o viveu, sendo assim, Bosi (2012), ajuda a elucidar a memória como uma construção social, no qual o passado pode ser trazido como fonte e não somente como refúgio:

Porque o passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte, um manancial de razões para lutar. Então, a memória deixa de ter aqui um caráter de restauração do passado e passa a ser a memória geradora do futuro: memória social, memória histórica e coletiva. (BOSI apud BRUCK, 2012, p.198).

Logo, pretende-se trilhar um caminho nesta pesquisa que se aproxime ao que Gagnebin (2001), chama de narrador sucateiro, que:

(...) não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo que parece não ter importância nem sentido, algo com que a história oficial não saiba o que fazer. (GAGNEBIN, 2001, p.88).

Há, porém, que se dizer que não é função do historiador tão somente recolher os cacos e fragmentos da história, há outra condição que a mesma autora nos chama atenção, e que se considera dentro dessa perspectiva metodológica de suma importância, de que não devemos perder de vista a ascese da atividade do

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historiador, na qual este não escreve sobre aquilo que é narrado, mas abrem-se as incompletudes dessa narrativa, assim trazendo o que Bosi (2012) diz:

“(...) a fala emotiva e fragmentada do nosso memorialista é portadora de significações que nos aproxima da verdade. Nós temos que aprender a amar esse discurso tateante, as suas pausas, as suas franjas, com fios perdidos quase irreparáveis. Bem mais que um documento unilinear, a narrativa da testemunha mostra a complexidade do real. Oferece uma via privilegiada para compreender a articulação dos movimentos da história com a cotidianidade”. (BOSI apud BRUK, 2012, p. 197).

Para corroborar na construção da história da instituição escolar em questão, usaremos também como referência o conceito de memória sob o prisma de Benjamin (1987), o qual aponta caminhos os quais nos levam para longe da pura celebração de um passado não vivido, conceito que abarca um posicionamento de distanciamento do historiador com o fato histórico, não somente porque este supostamente não o viveu, mas porque é impossível escrever e remontar no presente qualquer fato ocorrido. O que apresentamos no presente é uma apropriação do passado, apenas uma parte da trama de um tecido irreal. Assim:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo como ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às clasentregar-ses dominantes como entregar-seus instrumentos. (BENJAMIN, 1987, P.224)

Assim podemos nos apropriar de outra maneira para falar sobre memória, já que não precisamos contar como foi esse passado em todos os seus pormenores, visto que isso seria impossível e realmente dispensável e enfadonho. Tão antes o contrário, é olhar um instante ou fato passado, e tratá-lo no presente de forma reflexiva. Para Benjamin (1987), o historiador tem compromisso com o agora, que toma o passado e a memória como ponto de partida para pensar no seu presente.

Benjamin (1987) nos inspira a abandonar o jeito de ver a história de forma linear, como se essa maneira de vê-la, pudesse realmente ser possível, corrobora ainda nessa linha de pensamento Bosi (2012), que declara:

O passado não é uma sucessão de fatos ou camadas que se vai escavando. A memória desconhece a ordem cronológica. Minha hipótese é que ela opera com grande liberdade, recolhendo fatos memorados no espaço e no tempo, não arbitrariamente- mas por que se relacionam através de índices de significação comum. São constelações de eventos mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um significado coletivo. (BOSI, 2012, p. 198).

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Mesmo escrevendo, ainda que de forma simplificada, é preciso recorrer sempre a essa percepção, que entre dois pontos existem infinitas possibilidades. É como pensar em números, dentro da reta numérica, escrever o número um e o dois é possível e relativamente fácil, porém a situação muda se considerarmos todas as dízimas, os números fracionários, decimais e os irracionais entre esses dois números, teremos então infinitas possibilidades. Sendo assim, é impossível dentro de uma perspectiva ‘benjaminiana’ falar de memória de um jeito pragmático, controlador, estreito, explicativo e demarcando vencedores. Há assim muitas possibilidades dentro do estudo da memória.

Outro conceito considerado relevante para a nossa escrita e reflexão, será a tentativa de ‘escovar a história a contrapelo’, Benjamin (1987), visto que contar a história que contempla a luta de classes pela posse da terra ainda que de forma despretensiosa, é também contemplar as dores, as tensões, os embates pelos quais passaram pessoas; contemplar tudo isso pode nos levar a questionar onde estamos dentro da tessitura social. ‘Escovar a história a contrapelo’, ou melhor, escrever a contrapelo a história da escola é tentar promover reflexão, quem sabe uma tentativa de que essa possa ser contada e recontada quantas vezes for preciso, como uma pequena chama de vela, ela possa perdurar, não como única, unânime e triunfante luz de um farol, mas que ela não seja apagada, nem renegada e esquecida pelo sopro do tempo.

A escolha por tentar escrever minimamente a história da escola a contrapelo se faz com a intenção de fazer da escola, da sua materialidade uma fonte, na qual esta possa ser um elemento corroborativo na história da própria comunidade, da cidade de Campinas e sirva como apontamentos para posteriores reflexões sobre a História da Educação.

Essa dissertação buscará apoio na pesquisa documental, em leis, decretos, jornais da cidade, atas de conselhos da escola, artigos do MST, livros, dissertações e fontes iconográficas. Abarcará o conceito de memória da escola do bairro Parque Oziel com contrapontos e contrastes importantes, pois como escreve Bosi (2003, p.15)

“A história que se apoiar unicamente em documentos oficiais, não pode dar conta das paixões individuais que se escondem atrás dos episódios”.

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A justificativa para a realização da pesquisa em nível de mestrado fica a cargo da importância de se ter registrado, ainda que tão despretensiosamente, uma parte da história de uma entre tantas instituições de ensino público da cidade de Campinas, a legitimidade que esta possa ter dado a um movimento social por habitação e que tão logo essa dissertação possa servir de suporte para posteriores reflexões e estudos acerca do assunto. A história da escola justifica-se ainda, no âmbito da História da Educação, como elemento de percepção sobre como esta instituição se legitima nos espaços sociais e como sua materialidade e sua espacialidade relacionam-se à política cultural de nossa época. Como nos mostra Martins (2015) tanto a poética do espaço quanto a materialidade da escola estão hoje subsidiando estudos da história da educação por sua potencialidade para os estudos sobre a cultura urbana.

O trabalho será assim apresentado: um primeiro capítulo tentando recuperar, refazer a imagem de quem foi Oziel Alves Pereira, já que sua persona figura de modo pouco ou quase nada representativo na escola. Sendo que ele dá nome ao bairro e à escola, sua presença é incômoda e questionada como legítima para nomear uma unidade escolar, realizando uma reflexão sobre como um sujeito pode ou não servir a uma causa, legitimando-a através da sua militância, sua morte e sua permanência como símbolo.

Num segundo capítulo mostrar os contornos e o contexto histórico ao qual estavam inseridos à ocupação da área na qual foram construídos posteriormente três bairros, a configuração da tessitura urbana e o que isso pode representar para uma parcela da classe trabalhadora da cidade.

No terceiro capítulo a apresentação da escola, mais detidamente, sua construção, sua localização, referenciada por documentos oficiais, como atas de reuniões, livros ponto, decretos do diário oficial do município e do Estado, a participação popular, as reivindicações para sua construção, os meandros pelos quais teve que passar até a conclusão e entrega do prédio atual.

Por fim serão feitas algumas considerações finais, que tentarão mais do que responder ou fechar questões que surgiram ao longo da pesquisa e da dissertação, mas enunciar com maior clareza pontos de reflexão permeados no texto.

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CAPÍTULO 1: OZIEL ALVES PEREIRA: O SUJEITO QUE DÁ NOME AO BAIRRO E A ESCOLA.

“Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.”

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Oziel é o nome do bairro e, Oziel Alves Pereira é o nome da escola que tem sua trajetória narrada nessa dissertação. Nome bíblico, Oziel significa “fortaleza do

Senhor”, e em sua matriz hebraica, esse nome aparece em vários personagens do

antigo testamento. É também o nome de um jovem que foi um líder do MST, morto em 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás, no estado brasileiro do Pará, em um trecho conhecido como a curva do S, rodovia PA 150, num conflito com a Polícia Militar do referido Estado.

Desde quando cheguei ao bairro Parque Oziel e a escola EMEF Oziel Alves Pereira, não pude deixar passar despercebido a vontade de saber quem era essa pessoa que se transformou em símbolo na ocupação urbana. Nas cidades, os nomes de ruas, avenidas, escolas, praças, são indicados por motivos diversos. Pelo reconhecimento ao trabalho prestado à sociedade, por simples nepotismo, por um número sem fim de condições arbitrárias e, por vezes, parece que não obedece a lógica nenhuma. Mas ali, naquela ocupação, o nome e o personagem histórico a que se referia carregava uma carga simbólica forte e percebi mobilizar tantos sentimentos contraditórios nas pessoas, que senti necessidade de saber mais sobre ele e o imaginário que se criava em torno de sua existência e suas lutas.

É necessário explicar melhor: há, na escola uma representação imagética da pessoa de Oziel Alves Pereira, que causava certo questionamento e estranhamento por parte dos professores. Não sendo um personagem representante da hegemonia vigente, pode-se dizer que a imagem de Oziel foge aos estereótipos da maioria das pessoas que geralmente dão seus nomes a lugares públicos. Sua representação é o oposto aos bons costumes, à ordem, a abnegação em sua condição social e econômica. Representada em um desenho, seria mesmo a imagem de Oziel? É uma imagem fidedigna? Abaixo a imagem que está na escola

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Figura 1: Oziel Alves Pereira, que fica no corredor da área administrativa da escola. Fonte: Elaborada pela autora. Novembro/2011

Não se sabe quem é o autor de tal produção, não há nem mesmo uma assinatura no desenho. Mas, a figura é de um jovem rapaz, de traços fortes, bem demarcados, que lembra um bom desenho em um retrato falado. Seu boné virado para o lado mostra o cuidado em deixar seu rosto bem visível, ao mesmo tempo em que lhe confere um ar quase infantil, despojado.

Porque há a inscrição “Viva o MST” nessa imagem, infere-se que sua trajetória pessoal esteja vinculada a esse movimento, mas por que o escolheram, já que o MST tem várias lideranças, não ficava claro e, não há, fora dessa imagem, qualquer outra representação ou mesmo uma inscrição, que esclareça a homenagem.

Sua imagem, em um quadro simples, não possui uma legenda, mas sim uma frase do educador Paulo Freire, mostrando a importância daquela representação para adornar uma escola. Amplificando a curiosidade, a imagem e os dizeres me levavam a perguntar como um nome vinculado a um fato ocorrido tão distante ganhava

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Essas e outras pequenas especulações movimentam a curiosidade acerca da história de uma pessoa, que faz parte do imaginário social do bairro, mas que na escola torna-se uma figura lendária, e sobre o qual pairava o desconhecimento tanto de sua luta como do indivíduo propriamente dito.

Considera-se importante levantar essas questões, pois elas servirão de estofo para a construção da história do sujeito que empresta seu nome ao bairro e à escola pesquisada.

Foi a partir da representação na imagem, sem referencial algum, que a presente pesquisa se iniciou para encontrar os primeiros vestígios da vida do jovem Oziel Alves Pereira.

Os primeiros registros encontrados foram pesquisados na internet, mais precisamente na página oficial do MST4, em que foram encontrados alguns textos que

falavam sobre o dia da chacina, no qual ele foi morto; sobre os outros mortos e feridos, a respeito do julgamento de policiais e possíveis mandantes, a propósito das testemunhas, e sobre a memória dos sobreviventes depois de tantos anos passados. Em muitos desses textos o nome de Oziel era encontrado. Sempre dentro de um mesmo formato de escrita, a mesma descrição, jovem líder do MST morto brutalmente em Eldorado dos Carajás. Tentei algumas vezes estabelecer contato com a direção do MST por e-mail para encontrar mais registros sobre ele, mas não obtive retorno.

Entre tantas buscas foi encontrada uma poesia referindo-se a Oziel Alves Pereira como Zumbi dos Palmares, o autor é Azuir Ferreira Tavares Filho professor e morador de Campinas. Segue abaixo a poesia de 2009.

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OZIEL ALVES PEREIRA O ZUMBI DO PARÁ 17-04-1996

Salve Oziel Alves Pereira, Salve Zumbi do Pará. Salve a Raça Brasileira, E a determinação do seu lutar. Salve o ideal trabalhador,

E a necessidade de plantar a terra. Salve o Oziel Agricultor,

Comandante e senhor da Guerra.

Salve o Zumbi destemido. Heroico e ameaçador. Sem medo e decidido. Merece todo louvor. Pelas massas consagrado. Não se deixou acovardar. Por Deus Abençoado. Pra sempre vamos lembrar.

Salve Oziel Pereira. Humilde mais lutador. Salve a alma Guerreira, O Homem pobre sem temor.

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Traz a luz reveladora,

Enfrenta a repressão com pau. É a vida salvadora,

Sempre armado de ideal

Salve Oziel, és Brasil, És Justiça, és Dignidade. Dezessete anos tão varonil. Esperança no Campo e na Cidade. És força pra nossa união,

Pra Juventude és alento. És Boa Vontade e comunhão. És beleza todo momento.

Salve Oziel Alves Pereira Para salvar a nação. Tens a coragem primeira. Estás em cada cidadão. Redime a nossa gente, Defende a todos explorados. Ressurge Zumbi valente Santo Guerreiro Encarnado.

Salve Zumbi nascedor. Revive em seu povo.

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Iluminado e cheio de amor. Anuncia um Brasil Novo. Vem resgatar a terra.

Vem escrever nossa História. Comanda os Anjos de Guerra, Traz a liberdade e glória. É Hora de organizar.

Não conter mais a expressão. Sabe incorporar no lutar. É hora de Transformação. Hora sagrada de consciência. Hora sagrada pra unir. Covarde vivo é indecência. Cada um de nós é Zumbi.

Salve Oziel Alves Pereira Salve o Zumbi do Pará Alma amiga Brasileira. Pra fazer nos irmanar

Por nossa terra e nossa gente. Em Eucaristia dando a mão. No Povo esta o Cristo presente A nossa Felicidade por união

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Ainda na página do MST foi encontrada uma escola que fica em Eldorado dos Carajás- PA, homônima à escola que pesquiso. É uma escola municipal, que também tem um site, mandei uma carta, sem resposta. Prosseguiram-se então inúmeras tentativas de telefonemas, os quais foram todos infrutíferos. O próximo passo foi encaminhar alguns e-mails, mas estes voltaram para a caixa de entrada de meu correio eletrônico dizendo que seria impossível encaminhá-los. Depois dessas tentativas frustradas, houve uma tentativa de aproximação com a Secretaria de Educação do Pará, mas também não consegui contato, nem por telefone, nem por correio eletrônico.

A pesquisa por notícias do massacre em Eldorado dos Carajás prosseguiu e foi encontrado um artigo de Lucas Figueiredo, jornalista da Folha de São Paulo. O artigo é de 20 de abril de 1996, sob o título: “Líder foi morto com tiro à queima roupa”, na qual Lucas, correspondente do referido jornal, conta que foi até a cidade de Curionópolis, Pará5. Lá, conversou com várias testemunhas da chacina e com

pessoas que viram o corpo de Oziel, já no Instituto Médico Legal, inclusive com o deputado estadual, João Batista do Partido dos Trabalhadores, que era membro da Comissão de Direitos Humanos local. Segundo este deputado, o caso do massacre de Oziel teria sido o mais grave, pelo grau de violência empregado contra ele. Enfim, o jornalista escreveu sobre os fatos nos momentos que se seguiram e relatou sobre um possível líder morto de nome Oziel.

Essa reportagem levou-me a procurar por Lucas Figueiredo, e pela internet constatei que ele atualmente é escritor de livros-reportagem e biográficos, pela Companhia das Letras. Encontrei seu blog e seu contato de e-mail. Resolvi tentar contatá-lo, ao que ele prontamente e tão generosamente respondeu. Mandou-me mais alguns artigos e um ensaio que fora publicado no livro “Jornadas Literárias de Passo Fundo” de 2001.

5Curionópolis, Pará, é uma cidade a 753 Km de Belém, na região de Parauapebas. Seu nome, dado em 1981, homenageia a Sebastião Rodrigues de Moura, o “Sebastião Curió”, um militar do exército, hoje reformado na condição de coronel, que destacou-se pela perseguição e massacre de militantes da Guerrilha do Araguaia na década de 60 e 70. É município limítrofe ao de eldorado de Carajás e, como se sabe, histórica região de conflito na luta pela terra e reforma agrária.

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O ensaio intitulado: “O cheiro de um país”, começa descrevendo o velório de um homem conhecido sob a alcunha de “o Irmão”, por outros como Antônio, em que autor descreve:

Nunca tinha ido a um velório tão cheio e triste, apesar de ninguém ali conhecer direito o Irmão. Esse fato, aliás, havia se transformado num dos problemas do velório. Era preciso escrever alguma coisa na cruz branca de madeira que ficaria à cabeceira da sepultura dele, mas escrever o quê, se ninguém sabia o sobrenome ou a data de nascimento do Irmão. (FIGUEIREDO, 2001,163)

O falecido e seu velório causaram comoção, por tudo o que aquele corpo ali representava: a miséria, a falta de oportunidades de trabalho e estudo, descaso do Estado com seus cidadãos, a negação do sujeito histórico, sem nome nem sobrenome, sem certidão de nascimento.

Figueiredo (2001) seguiu descrevendo quando e como o Irmão e outros sem-terra foram parar em Eldorado dos Carajás, descreve o cenário onde mais tarde aconteceria uma das maiores tragédias de nossa história recente na luta pela reforma agrária. Foi em 1995 que Irmão e cerca de mil famílias que estavam atrás de um pedaço de chão se encontraram e, juntos, eles foram ocupar uma fazenda, chamada Macaxeira.

Estimava-se que quatro mil pessoas acampavam nas matas dessa fazenda, caminhando cerca de dez quilômetros para chegar à cidade mais próxima que era Eldorado dos Carajás. O desespero da fome levava famílias a saquearem os armazéns da cidade, a esconderem-se no mato, a portarem-se como animais famintos.

No dia 17 de abril de 1996, Irmão e mais de mil sem-terra bloquearam a rodovia PA-150, na altura do km 100, tentando pressionar o governo federal, sob a presidência da república de Fernando Henrique Cardoso, membro do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), para desapropriar as terras da fazenda Macaxeira. Os sem-terra entre eles, crianças, impediriam o trânsito e exigiam um ônibus para que uma comissão fosse até Marabá para a negociação sobre a desapropriação (mas também reivindicavam comida), para, posteriormente, saírem de lá.

Referências

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