Prevenção
e Tratamento de Feridas
Da Evidência à Prática
Prevenção e Tratamento de Feridas
Da Evidência à Prática
TÍTULO
Prevenção e Tratamento de Feridas - Da Evidência à Prática
Coordenadores
Cristina Afonso, Gustavo Afonso Manuel Azevedo, Marta Miranda
Paulo Alves
Revisores
Alice Rodrigues, André Vaz Beatriz Araújo, Carlos Cancela Cristina Afonso, Eduardo Capitão Gustavo Afonso, Manuel Azevedo
Marta Miranda, Paula Caldas Paulo Alves, Rita Videira
Vanessa Dias
Editores
Eugénio Pinto Isabela Vieira
Paginação e design HARTMANN Portugal –
www.hartmann.pt
ISBN 978-989-20-5133-8
Internet www.care4wounds.com
Redes sociais https://www.facebook.com/pages/Care4Wounds/357547461059213
© 2014 – Prevenção e Tratamento de Feridas - Da Evidência à Prática
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Índice
1. Perspetiva histórica do tratamento de feridas
Paulo Alves; Lúcia Vales
2. Anatomia e fisiologia da pele
Ricardo Paço
3. Fisiologia da cicatrização e fatores que a influenciam
Ricardo Paço
4. Nutrição no tratamento de feridas
Sandra Lourenço
5. Avaliação e caracterização das feridas
Marta Miranda
6. Ferida traumática
Paulo Alves; Lúcia Vales
7. Queimaduras: tratamento ambulatório
Luís Simões
8. Preparação do leito da ferida
Gustavo Afonso; Cristina Afonso; Marta Miranda; Tahydi Collado
8. 1 Limpeza da ferida
8. 2 Desbridamento de tecidos não viáveis
8. 3 Abordagem da carga bacteriana e infeção
8. 4 Controlo do exsudado
9. Apósitos com ação terapêutica
10. Úlceras de pressão
Paulo Alves; João Neves Amado; Paulo Ramos; Filomena Mota; Jorge Oliveira
10. 1 Fisiopatologia das úlceras de pressão
10. 2 Epidemiologia das úlceras de pressão
10. 3 Classificação das úlceras de pressão
10. 4 Avaliação do grau de risco de desenvolvimento de úlceras de pressão
10. 5 Prevenção das úlceras de pressão
10. 5. 1 Posicionamentos terapêuticos
Helena Silva
10. 5. 2 Superfícies de apoio
Rui Reis
10. 6 Tratamento das úlceras de pressão
Paulo Ramos; Jorge Oliveira; Filomena Mota
11. Pé diabético
11. 1 Epidemiologia do pé diabético
Vanessa Dias
11. 2 Pé diabético: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento
José Neves
11. 3 Pé de Charcot
Vanessa Dias
11. 4 Avaliação do pé diabético e estratificação do risco
Cristina Afonso; Marta Ferreira
11. 5 Prevenção e tratamento da patologia não ulcerativa
Paula Carvalho
11. 6 Protética no pé diabético
Daniel Pereira
12. Úlceras de perna
Rui Escaleira
12. 1 Úlceras arteriais
12. 1. 1 Epidemiologia das úlceras arteriais
12. 1. 2 Anatomia do sistema arterial
12. 1. 3 Fisiologia da circulação
12. 1. 4 Patofisiologia das úlceras arteriais
12. 1. 5 Classificação da isquemia crónica
12. 1. 6 Tratamento da isquemia crítica
12. 2 Úlceras venosas
12. 2. 1 Introdução
12. 2. 2 Revisão histórica
12. 2. 3 Epidemiologia da insuficiência venosa crónica e das úlceras venosas
12. 2. 4 Anatomia e fisiologia do sistema venoso
12. 2. 5 Fisiopatologia da úlcera venosa
12. 2. 6 Classificação da insuficiência venosa crónica
12. 2. 7 Tratamento das úlceras venosas
12. 3 Stiffness, Static Stiffness Index (SSI) e Dynamic Stiffness Index (DSI)
André Vaz
12. 4 Projeto: consulta de úlcera de perna do C. S. de V. N. Famalicão
Cátia Cunha; Mónica Ribeiro
13. Linfedema
Carlos Cancela
14. Feridas malignas
15. Ostomias
Palmira Peixoto
15. 1 Ostomias de respiração
15. 2 Ostomias de alimentação
15. 3 Ostomias de eliminação
16. Feridas em pediatria – especificidades
Mariana Gil
17. Guia básico da abordagem ao doente com Epidermólise Bolhosa
Carla Sá Couto; Cristina Miguéns; Carolina Gouveia
18. Novas terapêuticas no tratamento de feridas
Luís Matos; Joana Oliveira
19. A dor e o tratamento de feridas
Marta Miranda
20. Qualidade de vida em pessoas portadoras de feridas
João Cainé; Rui Pereira
21. A ferida como prova de crime
Lúcia Vales; Paulo Alves
22. Desafios da investigação e indicadores de qualidade em feridas
Paulo Alves; Lúcia Vales; João Neves Amado
23. Registo clínico
Manuela Rodrigues
24. Recursos Web relacionados com o tratamento de feridas
Luís Matos; Joana Oliveira
Anexo I - Algoritmo de tratamento local da ferida – ACeS de Braga
6. Ferida traumática
Paulo Alves; LúciaVales
Sendo consideradas uma solução da continuidade da pele, as feridas podem ter várias causas para a sua origem: traumáticas (mecânicas, químicas e físicas), intencionais (cirúrgicas), isquémicas ou de pressão, alérgicas, inflamatórias, causadas por doenças sistémicas, e outras (Martins, 2005), (Dealey, 2006), (Rocha, Cunha, Dinis, & Coelho, 2006).
A ferida traumática é definida como uma lesão tecidular, causada por um instrumento ou meio que, atuando sobre qualquer superfície corporal, de localização interna ou externa, promove uma alteração na fisiologia da pele, com ou sem solução de continuidade da área afetada (Saukko & Knight, 2004), (Dealey, 2006), (França, 2008).
De acordo com a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem, versão 2.0, a ferida traumática consiste numa “solução de continuidade inesperada de tecido na superfície do corpo, associada a lesão mecânica devido a agressão ou acidente; lesão irregular da pele, mucosa ou tecido, tecido doloroso e magoado, drenagem e perda de soro e sangue; associada a tecido pouco limpo, sujo ou infetado” (CIPE, 2011).
A gravidade das feridas traumáticas é proporcional à força e ao quadrado da velocidade dos instrumentos utilizados, dotados de energia mecânica ou força viva, de forma ativa e / ou passiva, que atuam sobre os tecidos, associados a uma maior ou menor resistência da estrutura envolvida e da sua importância funcional (Jorge & Dantas, 2003), (Sadler, 1999). Por exemplo, colocar suavemente um tijolo sobre a cabeça de alguém pode não produzir nenhuma lesão. Porém, se o tijolo for atirado com força, pode provocar um corte ou até mesmo fratura do crânio (Vales & Roxo, 2009).
As feridas traumáticas incluem uma grande variedade de lesões, desde uma simples escoriação cutânea, a uma ferida com grande destruição dos tecidos e com perda de substância, até amputações de membros (Jorge & Dantas, 2003).
As feridas traumáticas mais graves que requerem cuidados cirúrgicos e de enfermagem especializados, necessitam de um olhar específico e mais profundo. Temas como a queimadura, a amputação, o esmagamento e lesões por armas brancas ou de fogo, requerem abordagens específicas. Uma correta avaliação e classificação são essenciais para o diagnóstico, definição do tratamento e prognóstico.
Avaliação do doente
O objetivo de qualquer avaliação é a cicatrização sem complicações, tentando repor a função com o mínimo de cicatrizes (Brunner & Suddarth, 1998).
A avaliação inicial, incluindo a história clínica, bem como a história da lesão, são importantes para definir e compreender o mecanismo de lesão e as possíveis complicações.
O controlo da hemorragia, da dor e a observação minuciosa para verificar a existência de corpos estranhos são primordiais (Dealey, 2006).
Classificação das feridas traumáticas
Classificar feridas traumáticas requer, por parte dos profissionais de saúde, conhecimentos que envolvam a anatomia, noções básicas dos diversos tipo de agentes produtores de lesão e a sua potencialidade danosa (Jorge & Dantas, 2003).
As feridas traumáticas são consideradas feridas agudas e, de um modo geral, reagem rapidamente ao tratamento cicatrizando sem complicações (Dealey, 2006), (Alves & Vieira, 2010).
As feridas traumáticas podem ocorrer de forma não intencional, quando resultam de situações inesperadas causadas acidentalmente, denominadas acidentais (Hammer, Moynihan, & Pagliaro, 2006). Por outro lado, lesões intencionais ou lesões relacionadas com violência são resultantes de atos deliberados com o intuito de causar dano. Podem ser cometidos pelo próprio ou terceiros (Hammer, Moynihan, & Pagliaro, 2006).
De acordo com a CIPE (2009), esta lesão pode ser provocada por diferentes causas que resultam em diversos tipos de ferida, como sendo a contusão, o corte, a escoriação, a ferida por arma de fogo, a ferida por punção, a laceração, a necrose e a queimadura por calor ou frio.
Não há consenso quanto à classificação das feridas traumáticas na prática, daí serem classificadas de acordo com os seguintes aspectos gerais: integridade cutânea, profundidade dos tecidos lesados e tipos de lesão (Jorge & Dantas, 2003), (Dealey, 2006).
No que diz respeito à integridade da pele pode-se aferir duas situações: lesões que envolvem interrupção da continuidade da pele, ou não, denominadas feridas abertas ou fechadas respetivamente (Vales & Roxo, 2009).
Quanto à profundidade são descritas como feridas de espessura parcial ou total (Dealey, 2006) ou, ainda, em superficiais, espessura parcial, espessura total ou espessura total com comprometimento do tecido subcutâneo (Irion, 2005).
Superficiais são aquelas em que apenas há dano da epiderme. Na espessura parcial há dano da epiderme, chegando até à derme. A espessura total é caracterizada pelos danos de ambas as camadas da pele, podendo mesmo envolver estruturas adjacentes (Dealey, 2006), (Irion, 2005), (Jorge & Dantas, 2003).
Ainda quanto à profundidade, outros autores defendem superficiais, profundas e transfixantes (Jorge & Dantas, 2003). Superficiais, quando envolvem apenas as camadas superficiais da pele; profundas, quando atingem tecido adiposo e músculo; e as transfixantes trespassam todas as estruturas subjacentes de um lado ao outro (Vales & Roxo, 2009). No entanto, nem sempre é possível avaliar a profundidade das lesões (Baranoski & Ayello, 2006).
No que diz respeito aos tipos de lesão, estes podem ser divididos em: incisas, contusas ou perfurantes (Vales & Roxo, 2009). As feridas incisas são originadas por instrumentos cortantes (França, 2008), (Jorge & Dantas, 2003). As feridas contusas são provocadas por meios ou instrumentos contundentes
(Jorge & Dantas, 2003). As feridas perfurantes, também chamadas de punctórias ou punctiformes caracterizam-se pela sua exteriorização em forma de ponto e são causadas por meios ou instrumentos perfurantes (Wolfbert, 2003).
Classificar uma ferida traumática é um processo complexo; subdividir apenas nestes tipos de classificação é limitado. Requer minucioso senso de observação tendo em conta outras evidências, como as várias características próprias da lesão (bordos, extensão, cor, perda de tecido, forma), o mecanismo causador e a localização precisa na área corporal (Jorge & Dantas, 2003).
Opções terapêuticas nas feridas
O tratamento da ferida traumática não só representa um grande custo para a sociedade como também provoca um impacto negativo na qualidade de vida da pessoa (Moore & Young, 2011). A preparação do leito da ferida constitui um processo organizado e holístico com vista à otimização da sua cicatrização. São inúmeras as variáveis que podem influenciar todo este processo e interferir na cicatrização: a idade, o estado nutricional, a existência de doenças de base, a localização, o tamanho, a profundidade, entre outros (Mandelbaum, Santis & Mandelbaum, 2003).
Daí que a implementação imediata de um conjunto de intervenções terapêuticas nos casos de ferida traumática irão contribuir para prevenir complicações. A observação das características permite uma análise seletiva neste processo de intervenção terapêutica, sendo possível à equipa de saúde tomar as melhores decisões clínicas.
Limpeza da ferida: irrigação e desbridamento
No que diz respeito ao tratamento da ferida traumática, a irrigação e o desbridamento são fundamentais na eliminação de tecido desvitalizado e de corpos estranhos, o que faz com que o número de microrganismos diminua, assim como o risco de infeção (Dearden, Donnel, Donelly & Dunlop, 2001).
Estes procedimentos causam dor ao utente e, dependendo das características da ferida, deve ser utilizada analgesia local ou geral a fim de controlar a mesma. A existência de tecido desvitalizado não é comum, mas a presença de corpos estranhos é frequente, facto que atrasa, significativamente, o processo de cicatrização e a sua remoção deve ser feita o mais precocemente possível (Dealey, 2006). Para a irrigação das feridas deve ser utilizada água ou uma solução salina, de preferência, aquecida, a cerca de 37° C (Dearden, Donnel, Donelly & Dunlop, 2001).
As feridas traumáticas, como, por exemplo, feridas causadas por mordeduras ou acidentes de viação, pela sua etiologia, têm um potencial de risco de infeção acrescido, e por isso está indicado o uso de antisséticos por um curto período de tempo com o objetivo de eliminar, reduzir e inibir os microrganismos patogénicos na ferida. A utilidade dos antisséticos na pele intacta é amplamente aceite, no entanto o seu uso como profilaxia da infeção das feridas traumáticas é controversa (Oliveira & Santos, 2008).
Material de penso
Os materiais utilizados no tratamento da ferida traumática, como noutras feridas, devem ter a capacidade de criar as condições ideais para a cicatrização. A seleção do material deve ser feita em função da profundidade tecidular atingida, do tipo de tecidos presentes e do nível de exsudado. Deve, ainda, ser capaz de criar um ambiente húmido, controlar os níveis de exsudado, permitir as trocas gasosas, fornecer uma temperatura constante e proteger a ferida.
A hemorragia ativa é frequente na ferida traumática, daí cuidados com alterações hematológicas e medicação hipocoagulante. Em casos de hemorragia ativa, está aconselhada a compressão direta e pensos com características hemostáticas.
Existem autores que defendem que o sucesso no tratamento de feridas depende mais da competência e do conhecimento dos profissionais envolvidos, da sua capacidade de avaliar e selecionar adequadamente técnicas e recursos, do que da disponibilidade de recursos e tecnologias sofisticadas (Mandelbaum, Santis & Mandelbaum, 2003).
Referências bibliográficas
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