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Viabilidade da Aplicação do Justo Valor no Relato Financeiro - Perceções de Diferentes Utilizadores da Informação Financeira

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Academic year: 2021

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VIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO JUSTO NO RELATO

FINANCEIRO – PERCEÇÕES DE DIFERENTES UTILIZADORES

DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA

por

Luís Bruno Silva Sousa

Dissertação de Mestrado em Contabilidade e Controlo de Gestão

Orientada por:

Manuel Emílio Mota de Almeida Delgado Castelo Branco

(2)

i

Agradecimentos

A conclusão deste trabalho somente foi alcançada graças ao suporte e colaboração de várias pessoas, às quais não se podia deixar de agradecer.

Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador, o Professor Manuel Castelo Branco, por toda a disponibilidade evidenciada ao longo da elaboração desta dissertação, assim como por todos os comentários, correções e conselhos pertinentes.

Agradeço também a todos os participantes no estudo empírico pela sua boa vontade e dedicação do seu tempo a responder ao inquérito, pois sem eles não seria possível concluir este projeto.

Queria também agradecer aos meus colegas de faculdade pelo apoio mútuo demonstrado, assim como pelas sugestões muitas vezes valiosas dadas durante a concretização desta investigação.

Por fim, agradeço aos meus familiares, nomeadamente ao meu pai, pelas suas dicas constantes, e à minha mãe, especialmente pela pressão colocada em mim para finalizar este projeto.

(3)

ii

Resumo

As Estruturas Concetuais de determinados organismos de normalização, entre elas as do IASB e do FASB, reconhecem a utilidade da informação para a tomada de decisão como o objetivo primário do relato financeiro. Contudo, até hoje, os estudos no âmbito da Contabilidade ainda não foram capazes de revelar uma base de mensuração indiscutível do ponto de vista da prossecução desse propósito e, muito menos, de estabelecer uma relação hierárquica entre vários critérios de mensuração para o mesmo fim. No entanto, as entidades de normalização supracitadas têm estimulado consideravelmente a utilização do justo valor, por reverem neste método diversas características qualitativas da informação financeira benéficas para os seus utentes, nomeadamente nos domínios da fiabilidade e da relevância. Assim, face aos debates ainda em aberto acerca do tema da mensuração, designadamente a discussão frequente entre as propriedades do justo valor e do custo histórico, este último visto normalmente como o seu principal rival, conhecer as preferências dos utilizadores da informação financeira sobre o modelo contabilístico que deve, idealmente, predominar no futuro, e, em concreto, analisar a viabilidade da aplicação do justo valor nesse modelo, reveste-se de total importância. Tendo por base um inquérito online, estas e outras questões pertinentes são debatidas empiricamente à luz da visão de um grupo diversificado de utilizadores composto por Revisores Oficiais de Contas/Auditores, Contabilistas Certificados, Académicos/Investigadores, Gestores e Reguladores. De entre várias conclusões importantes, destaca-se que, em geral, o modelo contabilístico preferido pelos participantes parece ser um modelo assente em várias bases de mensuração, além do justo valor e do custo histórico, em que cada uma delas seja utilizada em função da natureza do ativo/passivo em causa, obedecendo ao previsto concretamente nas normas contabilísticas, em detrimento de um uso arbitrário pela entidade de relato. Olhando isoladamente para o justo valor, infere-se, com base na maior parte das opiniões dos participantes, que o seu uso apenas deverá ser alargado para outros ativos e passivos se oferecer vantagens informacionais ligadas simultaneamente à fiabilidade e à relevância. De uma outra perspetiva, aspetos ligados à volatilidade das contas, à apresentação da informação financeira e ao custo de aplicação inerentes ao justo valor aparentam ser um entrave a uma maior aceitação deste critério. Por fim, denota-se que os participantes não têm visões muito extremas acerca da utilização do justo valor no relato financeiro, quer no que concerne à sua maior, quer menor, utilização. Por exemplo, os cenários de full fair value ou de descarte completo do justo valor são percetíveis, em geral, como medidas menos desejáveis.

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iii

Abstract

The Conceptual Frameworks of certain standard setters, among them those of the IASB and FASB, recognize the usefulness of information for decision making as the primary objective of financial reporting. However, to date, studies in accounting have not yet been able to reveal an undisputed basis of measurement from the point of view of prossecution of that purpose and, much less, to establish a hierarchical relationship between various measurement criteria for the same end. However, the aforementioned standard setters have considerably encouraged the use of fair value, by reviewing in this method several qualitative characteristics of financial information beneficial to their users, notably in the domains of reliability and relevance. Thus, given the still open debates on the subject of measurement, namely the frequent discussion between the properties of fair value and historical cost, the latter normally seen as its main rival, knowing the preferences of users of financial information about the accounting model which should, ideally, prevail in the future, and, in particular, analyzing the feasibility of applying fair value in this model, is of utmost importance. Based on an online survey, these and other pertinent issues are debated empirically in the light of the vision of a diverse group of users, composed of Chartered Accountants/Auditors, Certified Accountants, Academics/Researchers, Managers and Regulators. Among several important conclusions, it is noteworthy that, in general, the accounting model preferred by the participants seems to be a model based on several measurement bases, besides the fair value and the historical cost, in which each one is used according to the nature of the asset/liability concerned, in accordance with what is provided objectively in the accounting rules, rather than an arbitrary use by the reporting entity. Looking at fair value in isolation, it is inferred, based in most participants' opinions, that its use should only be extended to other assets and liabilities if it offers informational advantages linked to both reliability and relevance. From another perspective, aspects related to the volatility of the accounts, the presentation of financial information and the cost of application intrinsic to fair value appear to be a barrier to a greater acceptance of this criterion. Finally, it is noted that the participants do not have very extreme views about the use of fair value in financial reporting, whether regarding its higher or lower use. For example, the scenarios of full fair value or complete discard of fair value are generally perceived as less desirable measures.

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iv

Índice Geral

Agradecimentos ... i Resumo ... ii Abstract ... iii Índice Geral ... iv

Índice de tabelas ... viii

Lista de Siglas e Abreviaturas ... ix

1. Introdução... 1

1.1. Enquadramento ... 1

1.2. Objetivos do estudo e metodologia ... 4

1.3. Motivações e pertinência do estudo ... 5

1.4. Delimitação do objeto de estudo ... 7

1.5. Estrutura da dissertação ... 9

2. Estrutura concetual ... 11

2.1. Objetivo da Contabilidade ... 11

2.2. Reconhecimento contabilístico ... 14

2.3. Mensuração contabilística... 17

2.3.1. Conceito e propósito da mensuração ... 17

2.3.2. Valores passados, presentes e futuros ... 18

2.3.3. Bases de mensuração ... 19

2.3.3.1. Custo Histórico ... 19

2.3.3.2. Custo corrente ... 20

2.3.3.3. Valor realizável (de liquidação) ... 21

2.3.3.4. Valor presente... 21

(6)

v

2.3.4.1. Escolha da base de mensuração... 23

2.3.4.2. Escolhas contabilísticas agressivas e conservadoras ... 24

2.3.4.3. Sistema legal common law vs code law ... 25

2.3.4.4. Conclusões sobre as escolhas contabilísticas ... 27

2.3.5. Lacunas na estrutura concetual do IASB ... 28

2.3.6. Características qualitativas da informação financeira ... 33

2.3.6.1. Relevância ... 35

2.3.6.2. Fiabilidade ... 36

2.3.6.3. Relação entre relevância e fiabilidade ... 39

2.3.6.4. Comparabilidade e Compreensibilidade ... 45

2.3.6.5. Restrição de custo na elaboração de um relato financeiro útil ... 46

2.3.6.6. Conclusões ... 47

2.3.7. Utilizadores da informação financeira ... 48

2.3.8. Ligação entre os utilizadores e as características qualitativas da informação financeira ... 50

3. O desenvolvimento do conceito de Justo Valor ... 52

3.1. Origens do Justo Valor ... 52

3.1.1. FASB ... 65

3.1.2. IASB ... 77

3.1.3. União Europeia ... 90

3.1.4. Conclusões sobre as origens do Justo Valor ... 100

3.2. Evolução da definição de Justo Valor ... 105

3.2.1. Versão do FASB ... 105

3.2.2. Versão do IASB ... 107

3.2.3. Comparação entre definições – Projeto conjunto do FASB e IASB .. 109

(7)

vi

3.3. Níveis hierárquicos do Justo Valor ... 113

3.3.1. Apresentação da hierarquia do Justo Valor ... 113

3.3.2. Considerações relevantes sobre os níveis hierárquicos do Justo Valor118 3.4. Aplicações do Justo Valor ... 125

3.4.1. Casos onde o Justo Valor é aplicado ... 125

3.4.2. Adequabilidade geral do Justo Valor ... 132

3.5. Rivalidade entre Custo Histórico e Justo Valor... 136

3.5.1. Justo Valor e Custo Histórico e o critério da relevância ... 139

3.5.2. Justo Valor e Custo Histórico e o critério da fiabilidade ... 151

3.5.3. Outras considerações sobre o Custo Histórico e o Justo Valor ... 163

3.5.3.1. Volatilidade das demonstrações financeiras ... 163

3.5.3.2. Interpretação da informação financeira ... 168

3.5.3.3. Reporte do sucesso como falhanço e do falhanço como sucesso ... 171

3.5.3.4. Prociclicidade e efeito contágio ... 173

3.5.3.5. Custos de aplicação ... 176

4. O paradigma do Justo Valor ... 179

4.1. Vantagens e inconvenientes da junção de várias bases de mensuração (modelo contabilístico misto) ... 181

4.2. Vantagens e inconvenientes do uso de uma só base de mensuração (modelo contabilístico mono-base) ... 191

4.3. Viabilidade da Aplicação do Justo Valor no Relato Financeiro ... 192

4.3.1. Justo Valor e Custo Histórico são importantes ... 194

4.3.2. A favor do Justo Valor ... 200

4.3.3. Opiniões neutras ... 202

4.3.4. Opiniões adversas ao justo valor ... 207

(8)

vii

5.1. Objetivos do estudo ... 210

5.2. Instrumento de recolha de dados ... 210

5.2.1. Abordagem quantitativa vs qualitativa ... 210

5.2.2. Metodologia baseada em inquéritos ... 213

5.2.3. Construção e caracterização do inquérito enviado ... 216

5.3. Identificação e justificação da população do estudo ... 220

5.4. Critérios de escolha e caracterização da amostra ... 222

5.5. Processo de recolha dos dados ... 226

5.6. Processo de tratamento e análise dos dados ... 229

6. Resultados do estudo ... 232

6.1. Caracterização da pessoa inquirida ... 232

6.2. Familiarização com o conceito de justo valor e experiência no seu uso .... 234

6.3. Opinião sobre questões contabilísticas de caráter geral ... 237

6.4. Vantagens e desvantagens do justo valor/custo histórico ... 245

6.5. Viabilidade da aplicação do justo valor no relato financeiro ... 262

7. Conclusão ... 271

7.1. Principais conclusões dos resultados obtidos ... 271

7.2. Contribuições da presente dissertação ... 275

7.3. Limitações do estudo ... 276

7.4. Pistas para investigação futura ... 278

(9)

viii

Índice de tabelas

Tabela 1: Relevância e Fiabilidade como dois conceitos independentes. ... 42

Tabela 2: Uso do justo valor na mensuração inicial de transações. ... 126

Tabela 3: Uso do justo valor na atribuição dos montantes iniciais de uma transação, nos casos em que esta seja reconhecida pelos elementos que a compõem... 128

Tabela 4: Uso do justo valor na mensuração subsequente. ... 129

Tabela 5: Uso do justo valor na determinação de imparidades de ativos. ... 130

Tabela 6: Estatísticas descritivas da amostra selecionada. ... 233

Tabela 8: Opiniões dos inquiridos sobre questões contabilísticas de âmbito mais geral – Objetivos do relato financeiro. ... 238

Tabela 8 (continuação): Opiniões dos inquiridos sobre questões contabilísticas de âmbito mais geral – Características qualitativas da informação financeira. ... 241

Tabela 8 (continuação): Opiniões dos inquiridos sobre questões contabilísticas de âmbito mais geral – Utilidade do modelo contabilístico atual. ... 244

Tabela 9: Vantagens e desvantagens do justo valor/custo histórico – Relevância. .. 248

Tabela 9 (continuação): Vantagens e desvantagens do justo valor/custo histórico – Fiabilidade. ... 254

Tabela 9 (continuação): Vantagens e desvantagens do justo valor/custo histórico – Outros efeitos derivados do uso do justo valor. ... 259

Tabela 9 (continuação): Vantagens e desvantagens do justo valor/custo histórico – Conclusões gerais. ... 261

(10)

ix

Lista de Siglas e Abreviaturas

AAA - American Accounting Association AIA - American Institute of Accountants

AICPA - American Institute of Certified Public Accountants APB – Accounting Principles Board

ARS - Accounting Research Study ASB – Accounting Standards Board

ASOBAT – A Statement of Basic Accounting Theory ASC - Accounting Standards Committee

ASSC -Accounting Standards Steering Committee BBA - British Bankers’ Association

CAP – Committee on Accounting Procedure CASB - Canadian Accounting Standards Board CC – Contabilista Certificado

CFA - Chartered Financial Analyst

CNC - Comissão de Normalização Contabilística EC – Estrutura concetual

EUA – Estados Unidos da América

FASB - Financial Accounting Standards Board FSF - Financial Stability Forum

G7 – Group of Seven G20 - Group of Twenty G30 - Group of Thirty

IASB - International Accounting Standards Board IASC - International Accounting Standards Committee

ICAEW - Institute of Chartered Accountants in England and Wales IFRS - International Financial Reporting Standards

JWG - Joint Working Group ROC – Revisor Oficial de Contas

SEC - Securities and Exchange Commission

SFAC - Statement of Financial Accounting Concepts SFAS – Statement of Financial Accounting Standards UE - União Europeia

(11)

1

1. Introdução

1.1. Enquadramento

A Contabilidade, no seu percurso histórico, que tem cerca de 4000 anos, tem visado continuamente ajustar-se aos contextos e exigências dos mercados para os quais aplica as suas normas. Encontrar um modelo ideal de mensuração de ativos e passivos tem sido sempre um processo delicado, dando origem a muita controvérsia (de Iudícibus & Martins, 2007).

Neste contexto, devido a um debate aceso sobre a incorporação da inflação na contabilidade, entre 1960 e 1970, começaram a ser criadas duas visões diferentes: por um lado, “os defensores “antiquados” do custo histórico” e, por outro, os “defensores “modernos” do valor corrente” (Whittington, 2008, p. 154). A questão decisiva era se as variações nos preços deveriam ou não estar refletidas nas contas. A este respeito, em 1994,

The Jenkins Committee, um comité especial referente ao reporte financeiro, elaborou um

relatório que evidenciava que os “utilizadores estão profundamente interessados na relevância, fiabilidade e comparabilidade da informação”1 (American Institute of Certified Public

Accountants [AICPA], 1994, p. 28). No entanto, “não estão a favor de substituir o atual

modelo contabilístico, amplamente baseado no custo histórico determinado em transações de mercado, por um modelo contabilístico assente em valores correntes” (AICPA, 1994, p. 81).

Segundo Lev (2018, p. 485), o objetivo do relato financeiro é o de “informar investidores, grandes ou pequenos, ativos ou passivos, sobre o desempenho periódico das empresas e as suas condições financeiras, bem como permitir aos investidores e outros

stakeholders2 monitorizar as atividades e capacidades da gestão”. Para tal, a divulgação de

informação tem assumido um papel fulcral no estabelecimento de um elo de ligação entre as empresas e o mercado em geral, de modo a que seja possível avaliar quer a sua posição atual, quer perspetivar o seu desempenho futuro. Neste sentido, a Contabilidade deve contribuir para este objetivo, identificando, medindo e comunicando informação de cariz económico que possibilite aos utilizadores de informação elaborar julgamentos e tomar decisões adequadas (Bastos, 2009). Naturalmente, sendo todo este processo dependente da

1 Todas as traduções realizadas no decorrer da dissertação são de autoria própria.

2 Stakeholders, traduzido para português, partes interessadas ou grupo de interesses, representam o

conjunto de pessoas ou organizações que podem afetar ou serem afetados pela consecução dos objetivos de uma determinada organização (Freeman, 2010).

(12)

2 envolvente, é necessário que a Contabilidade se ajuste à evolução da mesma de forma contínua, de modo a que seja capaz de dar resposta às necessidades, muitas vezes, contraditórias, de um extenso conjunto de stakeholders.

Contudo, até um passado recente, o objetivo referido ainda estava longe de ser cumprido. Os normativos contabilísticos eram muito heterogéneos, dado cada país adotar o seu próprio conjunto de regras, traduzindo-se, portanto, numa reduzida harmonização contabilística. Por outro lado, o método de mensuração predominante era o custo histórico, que consiste, de forma breve, em mensurar ativos e passivos de acordo com o custo dos investimentos relacionados com fatores produtivos no momento da aquisição dos mesmos, deduzidos pelas respetivas depreciações (Bignon, Biondi & Ragot, 2009). De acordo com um documento publicado pelo Chartered Financial Analyst (CFA) Institute, em 1993, citado em McEnally (2007a, p. 26), a demonstrar a sua posição sobre o tema, esta forma de mensuração dificulta a comparação de informação entre empresas. Na sua visão, “O custo histórico, por si próprio, é, na verdade, um valor de mercado histórico, um montante derivado de uma transação passada feita pela empresa (…) Dados sobre o custo histórico nunca são comparáveis entre empresas, porque os custos foram incorridos em diferentes momentos por diferentes empresas (ou mesmo no seio de uma única empresa)”. Além disso, esta base de mensuração apenas indica as condições existentes no momento da compra ou produção, ignorando valores de mercado e custos de oportunidade (Barlev & Haddad, 2003), sendo, por conseguinte, menos útil para efetuar previsões sobre a performance das empresas no futuro (McEnally, 2007a).

Recentemente, fruto da globalização da economia e do crescimento repentino das tecnologias de informação, tem-se assistido a uma rápida evolução dos mercados de capitais e da realização de negócios a uma escala mundial, tornando a realidade económica cada vez mais complexa. No decorrer do tempo, a informação financeira divulgada pelas empresas deixou de se destinar apenas a um grupo restrito de utilizadores, passando a estar acessível a um conjunto mais extenso de stakeholders, agora provenientes de várias localizações geográficas e com novas e mais exigentes necessidades de obtenção de informação (Bastos, 2009). Atualmente, estes requerem informação que seja não somente fiável, mas que efetivamente os ajude na tomada de decisão. Assim, toda esta mudança na envolvente levantou a necessidade, por parte dos stakeholders, nomeadamente os investidores, de se poder comparar facilmente a informação financeira divulgada pelas empresas de diferentes países.

(13)

3 Deste modo, em 2002, a União Europeia (UE), posteriormente a outros esforços de harmonização3, que serão mencionados no próximo capítulo, instituiu a obrigatoriedade da

adoção das normas do International Accounting Standards Board (IASB) a todas as empresas cotadas que prestassem as suas contas a um nível consolidado, o mais tardar a partir de 2005, visando, entre outros aspetos, dar suporte mais sólido à tomada de decisão por parte dos investidores, eliminando a heterogeneidade resultante da existência de diferentes formas de mensurar os itens presentes no Balanço e na Demonstração de Resultados em países distintos, e reduzir os custos associados à elaboração de informação financeira com base em diferentes normativos (van Tendeloo & Vanstraelen, 2005).

A grande novidade introduzida pelas International Accounting Standards (IAS), que são as normas emitidas pelo IASB, hoje conhecidas como International Financial Reporting Standards (IFRS)4, consistia em permitir o uso de tratamentos contabilísticos opcionais a determinados

ativos e passivos, designadamente as opções pelo custo histórico e justo valor (Bignon et al., 2009). A este respeito, é relevante destacar um estudo feito pela KPMG (20065), ao qual será

dado mais profundidade no próximo capítulo, que incide expressamente sobre a transição para as IFRS. Sucintamente, a adoção do justo valor, excetuando em algumas normas, foi bastante fraca, sendo o custo histórico a base de mensuração de preferência. Contudo, denota-se que o IASB está, atualmente, a incentivar os países a colocar mais ênfase na adoção do justo valor no relato financeiro, dando primazia à característica relevância da informação financeira (Cairns, 2006).

Como se pôde observar, o modelo contabilístico atual não impossibilita a combinação de diferentes bases de mensuração. Como é afirmado por Ball (2006, p. 14), “é simplesmente incorreto encarar o modelo dominante do relato financeiro como “contabilidade a custo histórico”. O relato financeiro (…) é um processo combinado que envolve tanto o custo

3 Por exemplo, os esforços que conduziram às Diretivas Contabilísticas 78/660/CEE e 83/349/CEE

(IV e V Diretivas Contabilísticas, respetivamente)

4Segundo Bastos (2009), a primeira versão da estrutura conceptual do IASB foi aprovada pelo International

Accounting Standards Committee (IASC) em abril de 1989, tendo sido publicada em julho do mesmo ano. Foi mais

tarde adotada em abril de 2001, época em que a normalização contabilística a nível mundial passou a ser desenvolvida pelo IASB, um órgão resultante do processo de reestruturação do IASC. As IAS emitidas no passado pelo IASC (IAS 1 à IAS 41) encontram-se ainda em vigor, apesar da sua responsabilidade ter sido totalmente transferida para o IASB. Por outro lado, as IAS entretanto emitidas pelo IASB, desde o momento da sua criação, passaram a ser denominadas de normas internacionais de relato financeiro (IFRS). A este respeito, nesta dissertação, optou-se por simplificar na parte da terminologia e tratar as IFRS e IAS de maneira idêntica.

5Mencionado em Conceição (2009, pp. 11-12). A referência bibliográfica completa apresentada no seu

trabalho é a seguinte: KPMG (2006) “The Application of IFRS Choices in Practice” disponível no sítio da Internet: www.kpmg.fi/Binary.aspx?Section=2978&Item=3598

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4 histórico (…) como o justo valor”. Todavia, o uso de diferentes bases de mensuração significa que acontecimentos económicos similares podem receber tratamentos contabilísticos distintos (Barth, 2006). Tal conduz a uma maior dificuldade de interpretação e comparação da informação financeira por parte dos stakeholders, fazendo com que estes tenham de conhecer as bases de mensuração subjacentes a cada elemento contabilístico.

Ao nível da fiabilidade da informação financeira, a literatura dá a entender que o custo histórico é superior ao justo valor (Abreu, Magro & David, 2009; Barth, 1994; Bastos, 2009; Bignon et al., 2009; Cullinan & Zheng, 2014; Guthrie, Irving & Sokolowsky, 2011; Haswell & Evans, 2018; Jarva, 2009; Khurana & Kim, 2003; Magnan, 2009; Magnan, Menini & Parbonetti, 2015; Mala & Chand, 2012; Milburn, 2008; Pinto, 2013; Richard, 2004). Contudo, no que diz respeito à relevância, a literatura indicia o inverso, sugerindo a superioridade do justo valor face ao custo histórico (Barlev & Haddad, 2003; Barth, 1994; Barth, 2007; Barth & Landsman, 2010; Bastos, 2009; Cullinan & Zheng, 2014; Elad, 2004; Guthrie et al., 2011; Haswell & Evans, 2018; Jarva, 2009; Khurana & Kim, 2003; Mala & Chand, 2012; Martín & Osma, 2009; McEnally, 2007a; Palea & Maino, 2013; Penman, 2007; Quagli & Avallone, 2010; Richard, 2004). Deste modo, constata-se que existe um trade-off, que será devidamente explorado mais tarde, entre estas duas bases de mensuração. Resumidamente, quase que se pode afirmar que o justo valor é um critério bom em termos teóricos, mas falha na prática, enquanto que o custo histórico é de fácil aplicação, mas pouco adequado na teoria (Penman, 2007; Whittington, 2008).

1.2. Objetivos do estudo e metodologia

Deste modo, como se pôde averiguar, não existe uma base de mensuração ideal a ser usada na Contabilidade Financeira. Neste sentido, com este estudo pretende-se não só explorar, a um nível geral, as preferências de um vasto leque de utentes da informação financeira sobre as propriedades do modelo contabilístico que idealmente devia vigorar nos dias de hoje, mas também analisar, com uma relevância acrescida, a viabilidade da aplicação do justo valor nesse modelo hipotético, de maneira a perceber se, no futuro, a sua utilização deverá ser estendida a um maior conjunto de ativos e passivos, ser restrita aos itens onde atualmente vigora tal critério ou, no limite, ser removida, sem nunca se assumir como uma alternativa sólida ao custo histórico. No fundo, é o mesmo que procurar entender se, no futuro, será dada primazia à característica relevância da informação financeira, ou se, por

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5 outra via, será a obtenção de fiabilidade nos números presentes na contabilidade o grande objetivo do relato financeiro. Claro está que uma das possibilidades poderá ser também a continuidade de um modelo de mensuração misto (mix-model), sendo, nesse caso, dada uma importância semelhante às duas características da informação financeira.

Em concreto, pretende-se, após uma breve definição e contextualização histórica do justo valor, caracterizá-lo em torno das características qualitativas da informação financeira, bem como das necessidades dos stakeholders, comparando-o, quando necessário, ao custo histórico, normalmente admitido como seu rival; analisar assuntos relevantes associados à fase de mensuração contabilística (por exemplo, as consequências da existência de um modelo mix ou de uma única base) e, por fim, identificar os caminhos mais desejáveis no desenvolvimento futuro do modelo atual de mensuração (por exemplo, adoção do justo valor para todos os ativos e passivos ou modelo mix).

Para tal, pretende-se, além da devida revisão de literatura, realizar um estudo empírico no qual se possa recolher a opinião de um conjunto diversificado de stakeholders, em que haja interesses mistos na informação financeira, de modo a que os resultados sejam o menos enviesados possível. Em concreto, será utilizada uma abordagem qualitativa, recorrendo, para o efeito, ao envio de e-mails aos destinatários da investigação, disponibilizando uma ligação na Internet para a elaboração de um inquérito online.

Concluindo, resta dizer que não é objetivo do estudo apresentar soluções exatas, mas sim discutir sobre as principais ideias apresentadas no decurso da dissertação, para que, no final, em particular, se possa obter uma perceção de qual o rumo relacionado com o uso do justo valor mais desejável a ser seguido no futuro. Assim, por intermédio de uma revisão de literatura, bem como da recolha de evidência empírica, procura-se, sobretudo, aprofundar concetualmente o tema em escrutínio, nomeadamente identificar opiniões e, por conseguinte, tendências gerais sobre determinados assuntos que se achem pertinentes para esse efeito, e não validar hipóteses ou teorias previamente estabelecidas.

1.3. Motivações e pertinência do estudo

Com base na literatura, já existem alguns estudos a explorar a presença do justo valor na Contabilidade Financeira. Martín e Osma (2009) discutem as vantagens e inconvenientes quer do modelo contabilístico usado atualmente (modelo mix), quer da possibilidade de utilizar o justo valor para todos os ativos e passivos. Gassen e Schwedler (2010) procuram avaliar a utilidade de várias formas de mensuração, entre elas o justo valor, para a tomada de

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6 decisão dos utilizadores da informação financeira, recorrendo, para o efeito, à opinião de investidores profissionais e dos seus assessores, mediante inquéritos. Tan, Hancock, Taplin e Tower (2005) examinam, no seu estudo, as perceções de Chief Financial Officers (CFO) de instituições financeiras australianas, mediante inquéritos, sobre um modelo contabilístico assente no justo valor, procurando entender a relevância proporcionada por tal modelo para todos os instrumentos financeiros. Christensen e Nikolaev (2013) debruçam as suas atenções sobre o debate entre custo histórico e justo valor, no sentido de entender como é feita a escolha de mensuração entre estes dois métodos quando as forças de mercado, e não os reguladores, influenciam o resultado dessa escolha. Não obstante, o estudo elaborado por Bastos (2009) é o que se identifica mais com os objetivos pretendidos nesta investigação, servindo, portanto, de modelo de referência. O estudo feito pela autora explora, precisamente, se o justo valor constitui verdadeiramente um método passível de substituir o custo histórico, analisando, nesse caso, eventuais desenvolvimentos no modelo de mensuração contabilístico no futuro, ou se, por contraste, apenas servirá como instrumento de redução de algumas das suas insuficiências, sem nunca se assumir como uma base de mensuração de referência. Para tal, realizou entrevistas a um conjunto de interessados na informação financeira.

Assim, de forma sucinta, o meu interesse pelo tema e pela metodologia a ser usada no estudo advém dos seguintes motivos. Por um lado, através da análise de vários artigos de referência na literatura, foi denotado que uma proporção muito significativa destes utiliza abordagens quantitativas, em detrimento de qualitativas, nas suas investigações empíricas. Neste sentido, o presente estudo visa dar um contributo, em termos metodológicos, para a literatura, adotando uma abordagem qualitativa, que aparenta ser pouco usada no âmbito desta problemática. Adicionalmente, visa complementar os estudos feitos por Tan et al. (2005) e Gassen e Schwedler (2010), no sentido de, além de inquirir CFOs de instituições financeiras e investidores de forma isolada, respetivamente, obter a opinião de um conjunto mais alargado de stakeholders.

Por outro lado, vários dos artigos analisados exploram um tópico específico associado ao justo valor, como a sua relação com a característica relevância da informação financeira (Barth, Beaver & Landsman, 1996; Blankespoor et al., 2013; Eng, Saudagaran & Yoon, 2009), com a subjetividade que lhe é inerente (Dechow, Myers & Shakespeare, 2010; Guthrie et al., 2011), entre outros. Deste modo, o presente estudo visa abordar o justo valor de uma forma genérica, considerando todos os seus atributos, não apenas uma característica específica,

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7 com o intuito de elaborar um panorama geral sobre o que a literatura, bem como os interlocutores da análise qualitativa, pensam acerca da sua utilização futura na Contabilidade Financeira. Neste contexto, como já foi possível deduzir na secção do Enquadramento, é um tema que não é consensual, existindo opiniões bastante distintas no que concerne às limitações e benefícios do uso do justo valor, o que é interessante para a elaboração da parte teórica, que englobará, assim, várias perspetivas, acrescentando mais riqueza e relevância ao conteúdo da dissertação.

Outro motivo para a realização deste estudo prende-se com o facto de vários dos artigos explorados terem sido publicados pouco tempo depois da crise financeira dos Estados Unidos, ocorrida em 2008, cuja origem, com base em evidência recolhida na literatura, parece estar substancialmente ligada à utilização de um modelo contabilístico assente no justo valor (Allen & Carletti, 2008; Bignon et al., 2009; Haswell & Evans, 2018; Katz, 2008; Kothari & Lester, 2012; Magnan, 2009; Persaud, 2008; Plantin, Sapra & Shin, 2008), pelo que este fenómeno, na opinião de alguns autores (por exemplo, Francis, Hasan & Wu, 2013), poderia ter tido menor impacto nos números na contabilidade se tivessem sido usadas, inversamente, práticas contabilísticas mais conservadoras, deixando, portanto, uma má imagem e receio aos utilizadores de informação sobre o uso de valores correntes na Contabilidade. Contudo, existem também estudos a argumentar que o uso do justo valor não foi um fator crucial para o desencadeamento da crise (André, Cazavan-Jeny, Dick, Richard & Walton, 2009; Badertscher, Burks & Easton, 2011; Barth & Landsman, 2010; Laux & Leuz, 2009; Ryan, 2008), pese embora seja possível que, mesmo assim, tenha permanecido uma certa visão negativa sobre o mesmo. Neste sentido, complementando também o estudo feito por Bastos (2009), procura-se fazer uma investigação mais atualizada sobre o futuro papel do justo valor na Contabilidade, passados alguns anos do início da crise e de modificações importantes aos normativos contabilísticos referentes a esta base de mensuração desde esse período.

Por fim, outra razão incide sobre o facto de constituir não só um tema atual, mas que continuará a ter pertinência no futuro, pelo que o contributo desta dissertação, por mais pequeno que seja, poderá ser útil para estudos futuros.

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8 Apesar de existirem outras formas de mensuração, o presente estudo irá aludir, essencialmente, ao custo histórico e ao justo valor, dado o primeiro ser, atualmente, o modelo principal de mensuração e dado o último ser a temática alvo de estudo, que tem vindo, globalmente, a ser implementada na contabilidade, pese embora também sejam referenciadas outras alternativas de mensuração de ativos e passivos, em termos de contextualização. Por outro lado, no que concerne às características qualitativas da informação financeira, será dada ênfase sobretudo à fiabilidade e relevância, visto constituírem os principais fatores de conflito nas escolha dos métodos referidos.

Deste modo, o foco essencial estará na etapa de mensuração de ativos e passivos. Assim sendo, as etapas de reconhecimento e classificação contabilísticas serão pouco discutidas, servindo apenas para contextualizar o tema. O ponto chave da presente dissertação é abordar a forma como se dá valor aos ativos e passivos, debatendo vantagens e desvantagens das principais bases de mensuração, para posteriormente discutir a sua viabilidade futura na Contabilidade Financeira. Adicionalmente, também foi feita uma referência pontual à fase de divulgação, como uma etapa importante para melhorar aspetos relacionados com a relevância e fiabilidade da informação financeira.

A este respeito, será adotada uma perspetiva mais debruçada sobre os ativos, em detrimentos dos passivos, pois “dado os passivos dependerem dos ativos – os passivos são obrigações de pagar ou entregar ativos – os ativos são o elemento mais importante do relato financeiro” (R. K. Storey & S. Storey, 19986, citado em Lev, 2018, pp. 472-473).

Por fim, sempre que for necessário recorrer a normativos contabilísticos para explorar o tema do justo valor, tal será feito com recurso às normas emitidas pelo IASB e pelo

Financial Accounting Standards Board (FASB), dado serem duas entidades com bastante

importância e representatividade no papel de normalização contabilística a nível global, sendo igualmente mencionadas na literatura com bastante frequência. Por vezes, será também referenciado o normativo nacional, emitido pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC), que está substancialmente em linha de conta com o normativo do IASB. Naturalmente, também será feita referência aos esforços de harmonização contabilística promovidos pela UE, dado terem tido um contributo importante para o surgimento e crescimento do uso do justo valor na Contabilidade.

6 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Lev (2018) é a seguinte: Storey, R. and

Storey, S., 1998. The Framework of Financial Accounting Concepts and Standards. Norwalk, CT: Financial Accounting Standards Board.

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9

1.5. Estrutura da dissertação

A dissertação encontra-se estruturada em duas partes, perfazendo um total de seis capítulos. A primeira parte refere-se à revisão de literatura, onde são abordadas questões mais teóricas em torno dos conceitos chave intrínsecos ao tema em escrutínio, à qual foram dedicados três capítulos. A segunda parte contempla o estudo empírico, englobando os últimos três capítulos.

Assim, no primeiro capítulo visa-se apresentar vários conceitos importantes para contextualizar o debate acerca da mensuração contabilística. Numa primeira instância, serão discutidos as definições e objetivos da Contabilidade. Posteriormente, será dada ênfase às fases de reconhecimento e de mensuração na elaboração de um relato financeiro, da qual se destaca, essencialmente, a apresentação das várias bases de mensuração, assim como os fatores que estão na origem da sua escolha, as características qualitativas da informação financeira e os utilizadores da mesma, sendo a discussão de grande parte destes temas orientada por o que está previsto na Estrutura Concetual das principais entidades de normalização. A este respeito, foram também identificadas e debatidas neste capítulo algumas fragilidades associadas à mesma, neste caso concreto, à do IASB.

No segundo capítulo, procurou-se explicitar melhor o conceito do justo valor. Numa primeira fase, foi feita uma extensa revisão da sua evolução, no seio da Contabilidade, até a um passado recente, sendo, em particular, destacados acontecimentos relevantes inerentes ao seu desenvolvimento conexos com os organismos de normalização do IASB e do FASB, assim como com a União Europeia. De seguida, foi feita uma análise da evolução da definição do justo valor à luz do enunciado nas normas contabilísticas emitidas pelo IASB e pelo FASB, sendo, sempre que necessário, exploradas algumas das suas particularidades, para efeitos de uma melhor compreensão do conceito. Posteriormente, também associado à sua definição, foram identificados e explorados os três níveis hierárquicos do justo valor, sendo feita também uma breve descrição dos casos onde este é atualmente aplicado, acompanhada igualmente de uma discussão de ideias no seio da literatura sobre a sua adequabilidade, em geral. Posto isto, no final deste capítulo, foram exploradas as propriedades do justo valor, a um nível individual, mas também em termos relativos, comparando-as com as do custo histórico.

No terceiro capítulo, com base numa revisão de literatura, foram discutidas, por um lado, as vantagens e inconvenientes de utilizar uma só ou várias bases de mensuração em simultâneo no relato financeiro e, por outro lado, a viabilidade da aplicação do justo valor

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10 nesse âmbito, de maneira a perceber se, em geral, na visão desses autores, se está ou não perante uma mudança iminente de paradigma na Contabilidade, em que este critério de mensuração assuma uma especial preponderância no relato financeiro.

Os últimos três capítulos, como referido, encontram-se reservados para a investigação empírica realizada por via de um inquérito online. No quarto capítulo, são descritos todos os processos intrínsecos à realização desse estudo. Em primeiro lugar, foram relembrados novamente os objetivos da análise. Numa fase posterior, foi descrito o instrumento de recolha de dados utilizado, sendo igualmente justificada a escolha e explicada a maneira como o inquérito foi construído. Após uma breve caracterização do inquérito, visou-se descrever e fundamentar a população e a amostra selecionada. Finalmente, foram explicitadas as várias etapas percorridas nos processos de recolha, tratamento e análise dos dados. No quinto capítulo, foram apresentados e analisados os dados recolhidos da amostra, sendo feita, paralelamente, uma breve análise dos resultados obtidos. Por fim, no último capítulo, foram elencadas as principais conclusões e contribuições da pesquisa empírica realizada, sendo referidas também as limitações existentes ao longo da mesma, bem como salientados possíveis caminhos a utilizar em investigações futuras que aqui não foram explorados.

(21)

11

2. Estrutura concetual

Neste capítulo, vamos percorrer a estrutura concetual7 (EC) de algumas entidades com

poder normativo, com especial foco na do IASB, na da CNC (que tem por base a primeira) e na do FASB. Assim, será feita, em primeiro lugar, uma abordagem ao conceito e propósito da Contabilidade, que se julga relevante para entender, posteriormente, se as bases de mensuração já referidas vão de encontro a esse objetivo ou não. De seguida, de maneira a que seja mais acessível para o leitor enquadrar o tema do justo valor, será realizada uma abordagem às várias fases de construção do Relato Financeiro, sendo dada especial ênfase, como referido atrás, à etapa de mensuração.

2.1. Objetivo da Contabilidade

A palavra Contabilidade deriva etimologicamente de “conta”, palavra originária do latim “computum”, que se entende por cálculo ou contagem. Segundo o dicionário Infopédia (2019), à semelhança de outros dicionários, Contabilidade é definida como “uma técnica do cálculo e do registo das operações comerciais ou financeiras realizadas por uma pessoa, sociedade, empresa ou repartição do Estado”. Em 1941, o AICPA, através do “Accounting

Terminology Bulletin nº1”, vem definir Contabilidade como “a arte de registar, classificar e

sintetizar de maneira significativa e em termos monetários, transações e eventos que são, pelo menos em parte, de caráter financeiro, interpretando os seus resultados” (citado em Ijiri, 1975, p. 29). Alguns anos mais tarde, em 1966, a Contabilidade, segundo a American

Accounting Association (AAA), via “A Statement of Basic Accounting Theory”, surge definida como

“o processo de identificar, medir e comunicar informação económica que permita aos utentes da informação efetuar julgamentos e tomar decisões informadas” (citado em Ijiri, 1975, p. 29). Para Cañibano Calvo (19918, citado em Bastos, 2009, p. 15), o conceito de

Contabilidade aparenta ser mais complexo, sendo “uma ciência de natureza económica que tem por objetivo produzir informação para tornar possível o conhecimento passado, presente e futuro da realidade económica em termos quantitativos em todos os seus níveis

7 O FASB definiu inicialmente a Estrutura Concetual como “uma constituição, um sistema coerente de

objetivos e fundamentos inter-relacionados que pode conduzir a normas consistentes e que prescreve a natureza, a função e os limites da contabilidade financeira e demonstrações financeiras” (FASB, 1976, citado em Dennis, 2018, p. 376). Numa outra perspetiva, como resumem Sutton, Cordery & van Zijl (2015, p. 117), as Estruturas Concetuais “estabelecem os princípios que guiam as normas de contabilidade”.

8 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte: CAÑIBANO

CALVO, L. (1995). Contabilidad - Análisis Contable de la Realidad Económica. Séptima Edición. Madrid: Ediciones Pirámide.

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12 organizacionais, mediante a utilização de um método específico apoiado em bases suficientemente examinadas com o objetivo de facilitar a tomada de decisões financeiras externas e as de planificação e controlo interno”.

Tais dados quantitativos surgem, essencialmente, nas demonstrações financeiras, que são um dos principais instrumentos da Contabilidade para informar um grupo extenso de destinatários, com interesses muitas vezes divergentes (Pinto, 2013). As demonstrações financeiras são parte integrante do relato financeiro, incluindo geralmente um balanço, uma demonstração de resultados, uma demonstração de alterações na posição financeira e uma demonstração de fluxos de caixa, assim como notas e demonstrações ou materiais explicativos que sejam inclusos nas mesmas (CNC, 2009, §8). No grupo de utentes da informação financeira incluem-se “investidores atuais e potenciais, empregados, mutuantes, fornecedores e outros credores comerciais, clientes, Governo e seus departamentos e o público” (§9).

É então objetivo das demonstrações financeiras o de “proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de decisões económicas” (CNC, 2009, §12), ou seja, que lhes permita avaliar a aptidão das organizações para gerar caixa e seus equivalentes, bem como a tempestividade e certeza da sua geração (§15). Todavia, as demonstrações financeiras não fornecem toda a informação necessária para os utilizadores tomarem decisões económicas, pois estas têm subjacente, na sua maioria, os efeitos financeiros de acontecimentos do passado e, por vezes, não proporcionam informação não financeira (§13). De uma outra perspetiva, o seu objetivo não é determinar o valor exato de uma empresa, mas antes fornecer inputs aos utilizadores da informação económica para esse processo de avaliação, de maneira a que estes possam fazer os julgamentos e cálculos necessários para apurar esse valor, que será, então, o output final (Barker & Teixeira, 2018; Lambert, 2010).

Além disso, as políticas contabilísticas aplicadas em cada país são dependentes do contexto em que são desenvolvidas, designadamente do seu ambiente legal, económico e cultural (Barlev, Fried, Haddad & Livnat, 2007). Como referem Shenkar e Luo (20049,

citados em Barlev et al., 2007, p. 1029), “em geral, o sistema contabilístico de um país é moldado pelas suas instituições, cultura social e relações externas com outros países. As

9A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barlev et al. (2007) é a seguinte: Shenkar,

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13 instituições do país, em particular como ele organiza os seus sistemas económicos, políticos, legais, tributários e profissionais, são as forças centrais que determinam o desenvolvimento do sistema contabilístico”. Como também explica Palea (2015, p. 1), “o relato financeiro não é um processo neutro, mecânico e objetivo que simplesmente mede os factos económicos relativos a uma empresa. É, antes, uma poderosa prática calculista que está incutida num contexto institucional e que molda os processos sociais e económicos”. Assim, segundo a autora, a informação presente no relato financeiro tem impacto em várias pessoas; não somente entidades ligadas aos mercados, como empresas e investidores, mas também cidadãos comuns, colaboradores e Estados, dado constituir um ponto de partida na definição de um conjunto de direitos. Como afirma Tinker (198510, citado em Barlev &

Haddad, 2003, p. 401-402), “os membros da sociedade estão interconectados pelas suas interdependências económicas e sociais (…) A informação contabilística não é meramente uma manifestação dessa miríade de interdependências; é um esquema social para julgar essas relações. Somos todos custos e receitas uns para os outros; todos são potencialmente um benfeitor e uma vítima no nexo contabilístico da decisão social”. Deste modo, como sugere Palea (2015), considerar as normas de Contabilidade de forma isolada, sem atender ao seu contexto social, pode ser inadequado.

Por conseguinte, dado as demonstrações financeiras representarem um importante utensílio para comunicar informação útil na tomada de decisão e tendo, por esta via, um impacto acrescido num conjunto de atores da sociedade, tal implica que a informação divulgada tenha que ter qualidade, devendo, para o efeito, ser fiável e transparente (Abreu et

al., 2009), bem como objetiva, quer na vertente de independência da informação em relação

ao preparador da mesma, quer da eventualidade de prova quantificada dessa informação, de maneira a que o cargo de contabilista possa manter um estatuto de independência elevado para assegurar a credibilidade da informação divulgada (Pinto, 2013). Neste sentido, Ronen (2008) sugere que, apesar de a capacidade de uma empresa em gerar fluxos de caixa no futuro depender, além de fatores internos, também de fatores externos à mesma, é a própria empresa que deve assumir o papel de comunicação desta informação aos stakeholders, dado ter um conhecimento muito mais aprofundado sobre o que se passa dentro da sua realidade empresarial, mas também uma noção mais apurada sobre as expectativas do seu desempenho no futuro. Por este motivo, para Ronen, “a contabilidade cumpriria o seu

10A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barlev e Haddad (2003) é a seguinte:

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14 propósito se a gestão comunicasse honestamente sua própria estimativa dos fluxos de caixa futuros através dos relatórios contabilísticos” (Ronen, 2008, p. 187). Adicionalmente, segundo Barlev e Haddad (2003), o relato financeiro também possuirá valor pelo contributo que possa dar para aferir a eficiência e ética da gestão. Por outras palavras, na sua ótica, este serve não só para fornecer informação relevante para a tomada de decisão, mas também como um mecanismo de controlo da gestão e de salvaguarda dos interesses económicos dos

stakeholders.

Deste modo, o conceito de Contabilidade adquiriu uma maior profundidade ao longo do tempo. Antes, era vista como uma mera atividade rotineira de registo de atividades económicas de uma empresa, surgindo, como comenta Batista (2017, p. 4), à luz das ideias de Borges (201011), “de uma necessidade prática: de registar, de maneira mais perdurável do

que a memória, certos factos da vida económica”. Atualmente, tem em vista o fornecimento de informação organizada a um leque diverso de stakeholders, de maneira a não só auxiliar as suas decisões, mas também proteger os seus interesses, dado permitir monitorizar, em certa medida, os órgãos de gestão.

Deste modo, é essencial identificar corretamente e de maneira precisa os factos ou acontecimentos económicos que constroem a realidade das empresas, pois serão esses elementos que irão estar presentes na informação divulgada pelas mesmas. Contudo, nem todos os factos ou acontecimentos económicos aparecem nas demonstrações financeiras. Efetivamente, é necessário que estes cumpram um conjunto de requisitos de maneira a que se proceda ao seu registo contabilístico, fase que se denomina de reconhecimento (Abreu et

al., 2009), à qual iremos dar atenção de seguida.

2.2. Reconhecimento contabilístico

Segundo a EC do IASB (2010, §4.37), reconhecimento corresponde ao “processo de incorporar no balanço ou na demonstração de resultados um item que cumpra com a

definição12 de um elemento e satisfaça os critérios13 de reconhecimento estabelecidos no

parágrafo 4.38. Isso envolve a descrição do item por palavras e por uma quantia monetária e a inclusão dessa quantia nos totais do balanço ou da demonstração de resultados”.

Trata-11 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Batista (2017) é a seguinte: António

Borges, A. R. e R. R. (2010). Elementos de Contabilidade Geral. (Á. E. S.A., Ed.). Lisboa.

12 Ênfase própria. 13 Ênfase própria.

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15 se, assim, de uma fase do processo da Contabilidade que procura essencialmente definir quais os factos a reconhecer, o momento do seu reconhecimento, onde reconhecer e, por fim, por que quantia reconhecer.

Focando no primeiro requisito do reconhecimento de itens nas demonstrações financeiras, isto é, no cumprimento da “definição de um elemento”, importa precisar, de antemão, o significado deste termo. Os “elementos” correspondem, segundo a EC do IASB (2010, § 4.2), a grandes classes das demonstrações financeiras formadas tendo em conta as suas características económicas, revelando efeitos financeiros de transações e de outros acontecimentos ocorridos numa entidade. Estas classes englobam os ativos, passivos e capitais próprios, que estão associados diretamente à demonstração da posição financeira, também conhecida como balanço, bem como os rendimentos e gastos, que estão diretamente ligados à demonstração de resultados.

Em concreto, tendo em linha de conta a EC do IASB (2010):

- um ativo corresponde a “um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros” (§ 4.4, alínea a));

- um passivo é “uma obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da entidade incorporando benefícios económicos” (§ 4.4, alínea b));

- o capital próprio é “o interesse residual nos ativos da entidade depois de deduzir todos os seus passivos” (§ 4.4, alínea c));

- os rendimentos são “aumentos nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de influxos ou aumentos de ativos ou diminuições de passivos que resultem em aumentos no capital próprio, que não sejam os relacionados com as contribuições dos participantes no capital próprio” (§ 4.25, alínea a));

- os gastos são “diminuições nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimento de ativos ou na ocorrência de passivos que resultem em diminuições do capital próprio, que não sejam as relacionadas com distribuições aos participantes no capital próprio” (§ 4.25, alínea b)).

No entanto, não basta que um item cumpra com este primeiro requisito para que seja reconhecido nas demonstrações financeiras. Adicionalmente, é necessário que este satisfaça os tais “critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 4.38”, que incidem sobre a probabilidade da existência de um benefício económico futuro ligado a um item e sobre a

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16 fiabilidade da sua mensuração. Como é dito na EC do IASB (2010, §81), após cumprir com o requisito da definição de um elemento, o item deve ser objeto de reconhecimento contabilístico se:

- “For provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade” (alínea a));

- “O item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade” (alínea b)).

Deste modo, mesmo existindo incerteza relativamente ao surgimento de benefícios económicos futuros, se existir uma probabilidade elevada de que estes ocorram e se tais efeitos possam ser mensurados com fiabilidade, então o item está apto a ser reconhecido nas demonstrações financeiras. Todavia, se essa probabilidade for reduzida e as estimativas do custo ou valor do item forem pouco fiáveis ou de obtenção impensável, o item não poderá ser reconhecido, devendo, eventualmente, ser divulgado em notas ou materiais anexos às demonstrações financeiras (§ 4.43).

Em particular, a EC do IASB (2010) delimita que:

- Em relação aos ativos, estes apenas são reconhecidos no balanço “quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade” (§4.44). Contudo, “um ativo não é reconhecido no balanço quando, relativamente ao dispêndio incorrido, seja considerado improvável que benefícios económicos fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente. Em vez disso, tal transação resulta no reconhecimento de um gasto na demonstração dos resultados” (§4.45);

- Relativamente aos passivos, estes poderão ser reconhecidos no balanço “quando for provável que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos resulte da liquidação de uma obrigação presente e que a quantia pela qual a liquidação tenha lugar possa ser mensurada com fiabilidade” (§4.46);

- No que concerne aos rendimentos, estes serão reconhecidos na demonstração de resultados “quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num ativo ou com uma diminuição de um passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade” (§4.47);

- Por fim, um gasto será reconhecido na demonstração de resultados “quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma

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17 diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade” (§4.49).

Daqui se conclui que o critério da fiabilidade é, de facto, um critério que tem extrema importância no reconhecimento contabilístico, podendo ser decisivo para afastar a presença de um item nas demonstrações financeiras. Por conseguinte, pese embora a fiabilidade seja considerada por vários utilizadores da informação financeira um aspeto qualitativo bastante importante para a tomada de decisão, tem levado a que um número crescente de factos patrimoniais não sejam objeto de reconhecimento contabilístico por ficarem aquém nesse requisito (Bastos, 2009). De facto, como afirma Rashad Abdel-Khalik (2011, pp. 61-62), “a precisão e a verificabilidade são totalmente inúteis se a informação não for relevante”. Em concordância com o autor supracitado, esse é, precisamente, para McEnally (2007a), um dos fatores responsáveis pela atual perda de qualidade da informação financeira, dado, por vezes, informação relevante para a tomada de decisão não constar nas demonstrações financeiras por não ser passível de ser mensurada com a fiabilidade desejada, com o capital intelectual à cabeça como exemplo disso (Bastos, 2009).

2.3. Mensuração contabilística

2.3.1.

Conceito e propósito da mensuração

Após a determinação dos elementos que compõem a realidade económica de uma entidade, é necessário atribuir valor a esses elementos, de forma a finalizar o processo de reconhecimento contabilístico.

Segundo a EC do IASB (2010, §4.54), mensuração é “o processo de determinar as quantias monetárias pelas quais os elementos das demonstrações financeiras devam ser reconhecidos e inscritos no balanço e na demonstração dos resultados. Isto envolve a seleção da base particular de mensuração”. Podemos ainda enquadrar no processo de mensuração duas etapas diferentes, as fases de mensuração inicial e subsequente. A primeira diz respeito à determinação da quantia monetária pelos quais os elementos devem ser registados inicialmente nas demonstrações financeiras. A segunda fase consiste em identificar e efetuar possíveis alterações nessa quantia registada inicialmente no final de cada período contabilístico.

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18 Nas palavras de Mock (197614, citado em Bastos, 2009, p. 20), “um sistema de

mensuração pode ser visto como uma tentativa de capturar ou representar, utilizando números, alguns atributos de um objeto”. Na opinião de Hitz (2007), a “perspetiva de mensuração” (p. 332), usando os termos do autor, traduz o lado tradicional acerca do objetivo do relato financeiro de transmitir informação, servindo para medir e comunicar diretamente aos investidores informações básicas exigidas pelos mesmos, isto é, o valor total ou parcial de uma empresa. Num mundo utópico composto por mercados completos e perfeitos, a comunicação por parte das empresas de informação relativa aos seus ativos e passivos permitiria cumprir com esse propósito, traduzindo diretamente o valor da empresa. Contudo, na realidade não é assim, sendo necessário, além de informação numérica que sirva de input para modelos de avaliação ou decisão, um conjunto de sinais, em sentido abstrato, que permita alterar ou confirmar expectativas iniciais, auxiliando a tomada de decisão, a que o autor apelida de “perspetiva de informação” (p.333).

Numa vertente económica, o valor de um objeto está associado, entre outros fatores, à sua utilidade, traduzida na sua capacidade para resolver certas necessidades. De acordo com Carqueja (199815, mencionado em16 Bastos, 2009, p. 21), a utilidade de um elemento pode

constituir um fator com impacto na opção por soluções contabilísticas distintas. Por conseguinte, esta etapa de atribuir valor a algo está muito dependente de quem avalia a utilidade desse objeto. Todavia, é fundamental que essa avaliação seja o menos subjetiva possível, devendo ser livre de juízos ou interesses pessoais do sujeito que elabora a informação. Caso o processo de determinar o valor de um objeto implique alguma subjetividade, é essencial que existam critérios bem definidos e que estes sejam percetíveis pelos utilizadores da informação.

2.3.2.

Valores passados, presentes e futuros

14A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte: MOCK, T.

J. (1976). Measurement and Accounting Information Criteria. Sarasota: American Accounting Association.

15 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Bastos (2009) é a seguinte:

CARQUEJA, H. O. (1998). A Medida Contabilística: Introdução. Revista de Contabilidade e Comércio. Julho/Setembro. 55(Anexo ao n.º 219): 1.

16 Para efeitos deste estudo, quando se utiliza a expressão “mencionado em”, significa que não foi feita

uma leitura do artigo original, neste caso, de Carqueja (1998). Neste sentido, as ideias do autor foram expostas no trabalho que se encontra a seguir a essa expressão, sendo interpretadas e utilizadas nesta dissertação à luz do que foi dito no mesmo. Por outro lado, utiliza-se a expressão “citado em” quando uma frase que consta no artigo original (que, novamente, não foi lido) é proferida tal como ela é no trabalho referido imediatamente a seguir a essa expressão. Tal é válido para o resto do texto deste trabalho.

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19 Nas palavras de Carqueja (1998, mencionado em Bastos, 2009, p. 22), o valor de um objeto pode dizer respeito a “um valor passado (histórico), um valor presente ou um valor futuro”. À partida, quanto mais recente for esse valor, mais útil este será para a tomada de decisão, especialmente no que concerne ao mercado de capitais. No entanto, os valores passados também têm a sua relevância, dado poderem constituir o ponto de partida, mediante a avaliação de factos históricos, para a obtenção de valores presentes e futuros.

Para o autor, a forma mais adequada de se obter um valor presente é através de transações registadas em mercados formais aos quais a entidade de interesse consiga ter acesso, bem como opiniões fundamentadas de peritos em avaliações, tendo por base a análise de transações similares. Por outro lado, caso o objetivo seja a obtenção de um valor futuro, as previsões revelam ser uma grande ajuda, através, por exemplo, da análise de tendências, inferidas a partir de dados históricos.

2.3.3.

Bases de mensuração

Focando na segunda parte da definição de mensuração, são utilizadas várias bases de mensuração nas demonstrações financeiras, as quais serão explicadas brevemente de seguida. O custo histórico e o justo valor serão ainda mais pormenorizados no próximo capítulo, uma vez que constituem parte integrante do debate aceso que existe atualmente sobre a forma ideal de mensurar ativos e passivos. Adicionalmente, como referido na Introdução, será dada mais atenção à perspetiva dos ativos, em detrimento da dos passivos. Genericamente, as bases de mensuração podem basear-se em valores de aquisição ou produção, bem como estar associadas a valores de mercado (Bastos, 2009). A Contabilidade está, atualmente, de certa forma, mais voltada para os primeiros, embora o uso de valores relativos ao mercado esteja cada vez mais em uso, como se pôde observar na parte introdutória desta dissertação.

A EC do IASB (2010, §4.55) prevê como bases de mensuração o custo histórico, o custo corrente, o valor realizável (de liquidação) e o valor presente, que são passíveis de serem combinadas de forma variada nas demonstrações financeiras.

2.3.3.1.

Custo Histórico

Pelo método do custo histórico, “os ativos são registados pela quantia de caixa, ou equivalentes de caixa paga ou pelo justo valor da retribuição dada para os adquirir no momento da sua aquisição. Os passivos são registados pelo montante recebido em troca da

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20 obrigação ou, em algumas circunstâncias (por exemplo, impostos sobre o rendimento), pelas quantias de caixa, ou de equivalentes de caixa, que se espera que venham a ser pagas para liquidar o passivo no decurso normal dos negócios” (alínea a)). Por outras palavras, esta base de mensuração trata de mensurar ativos e passivos de acordo com o custo dos investimentos relacionados com fatores produtivos no momento da aquisição dos mesmos, deduzidos pelas respetivas depreciações (Bignon et al., 2009). Desta forma, para os autores, esta abordagem visa a identificação do lugar e do propósito de cada classe de ativos e passivos na vida económica de uma empresa. Não obstante, permite efetuar a ligação entre o balanço e as operações e transações que a empresa vai efetuando no decorrer do seu período contabilístico.

Dado o custo histórico ser suportado por faturas ou outros documentos relevantes, derivados de factos que efetivamente ocorreram no passado (Abreu et al., 2009; AICPA, 1994), a informação inerente a esta base de mensuração apresenta normalmente um grau significativo de fiabilidade17 (Abreu et al., 2009; Barth, 2007; Bastos, 2009; Bignon et al., 2009;

Haswell & Evans, 2018; Magnan, 2009; Pinto, 2013). Consequentemente, torna-se relativamente acessível verificar se a informação é fidedigna ou não, sendo igualmente fácil a sua compreensão. Por outro lado, a aplicação do custo histórico nas demonstrações financeiras não suscita grandes problemas, pois os valores a serem registados corresponderão, essencialmente, ao montante inscrito nos documentos mencionados anteriormente.

Todavia, por se basear em dados históricos, originados por vezes, em momentos temporais bastante longínquos, o custo histórico pode ficar aquém no que concerne à relevância da informação para a tomada de decisões económicas (Barlev & Haddad, 2003; Barth, 2007; Barth & Landsman, 2010; Bastos, 2009; Elad, 2004; Martín & Osma, 2009; McEnally, 2007a).

2.3.3.2.

Custo corrente

Sob a forma de custo corrente, “os ativos são registados pela quantia de caixa ou de equivalentes de caixa que teria de ser paga se o mesmo ou um ativo equivalente fosse correntemente adquirido. Os passivos são registados pela quantia não descontada de caixa,

17 Por vezes, como explica Barth (2007), o custo não é identificável de forma clara, dando o exemplo de

ativos construídos pela própria entidade ou ativos adquiridos conjuntamente, aumentando a preocupação com a fiabilidade do valor obtido.

Referências

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