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2. Estrutura concetual

2.3. Mensuração contabilística

2.3.4. Fatores que influenciam as escolhas contabilísticas

2.3.4.1.

Escolha da base de mensuração

Uma escolha contabilística refere-se a uma decisão que visa influenciar os resultados contabilísticos, quer na forma, quer na substância, numa certa direção (Fields, Lys & Vincent, 200118, mencionado em Conceição, 2009, p. 5). Um exemplo de uma escolha

contabilística poderá ser a escolha da base de mensuração a ser utilizada na fase de dar valor a um elemento. Várias normas prevêem tratamentos contabilísticos distintos em função do ativo ou passivo a ser avaliado, pelo que compete à entidade escolher o tratamento mais ajustado aos seus objetivos.

Como afirma McEnally (2007a), é importante que as entidades de normalização e de regulação compreendam as necessidades de informação dos investidores (e, se quisermos, de outros agentes), aquando da definição de como mensurar os itens nas demonstrações financeiras. Com efeito, é fundamental equacionar previamente sobre os critérios que podem tornar a informação mais útil para a tomada de decisão económica.

Neste sentido, o projeto de revisão da EC do IASB de 2010, emitido em 2018, previsto para entrar em vigor em 2020, salienta, a propósito da mensuração de ativos e passivos, num tópico novo, dois fatores a serem considerados na etapa de selecionar a base de mensuração para cada elemento das demonstrações financeiras, sendo eles a relevância e a representação fidedigna.

Dentro da relevância, o documento emitido pelo IASB (2018, p. 13) acrescenta ainda que esta pode ser influenciada pelas “características do ativo ou do passivo”, designadamente a volatilidade associada aos cash-flows a serem gerados no futuro e a sua sensibilidade a riscos de mercado, bem como outros tipos de risco. Adicionalmente, é afetada também pela “contribuição para fluxos de caixa futuros”, nomeadamente se os cash-flows de um ativo ou passivo estão ou não interligados a cash-flows de outros ativos e passivos, assim como o tipo de modelo de negócio da entidade.

Quanto ao critério da representação fidedigna, este também depende de outros dois fatores, a “inconsistência da mensuração”, que, no fundo, consiste em falhas de ligação (mismatches) na Contabilidade que possam colocar em causa a perceção da posição e desempenho financeiros reais da entidade, e a “incerteza da mensuração”, traduzido na falta

18 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Fields,

T. D., T. Z. Lys, e L Vincent (2001), “Empirical Research on Accounting Choice”, Journal of Accounting and

24 de objetividade e exatidão daquilo que é medido, que, sendo demasiado elevada, pode ser o suficiente para que se opte por uma base de mensuração em detrimento de outra.

Outro fator apontado pela EC revista, não apenas importante para a escolha da base de mensuração, mas também para todo o tipo de escolhas contabilísticas, é o custo associado a cada base de mensuração. Por vezes, uma base de mensuração pode ser relevante para a tomada de decisão, mas ser muito trabalhosa e custosa para a entidade, levando a que esta opte por escolher um outro critério para mensurar determinados ativos e passivos.

2.3.4.2.

Escolhas contabilísticas agressivas e conservadoras

Deixando de debruçar uma atenção especial sobre a escolha de bases de mensuração e, olhando, agora, para as escolhas contabilísticas, em geral, como frisámos atrás, uma escolha contabilística procura influenciar resultados. Para Fields et al. (200119, mencionado em

Conceição, 2009, pp. 5-6), os gestores fazem determinados tipos de escolhas em função de três imperfeições do mercado: os custos de agência20, a assimetria de informação21 e as

externalidades22. Procurando resolver ou, pelo menos, mitigar estas imperfeições, as escolhas

e, por conseguinte, a elaboração da informação financeira por parte de uma entidade pode ter vários propósitos, designadamente (i) sinalizar o desempenho relativo à geração de fluxos de caixa no futuro, (ii) reduzir a probabilidade de incumprimento das cláusulas de contratos com os credores, (iii) reduzir a volatilidade dos resultados, (iv) minimizar conflitos de agência, (v) minimizar o pagamento de impostos e (vi) minimizar custos políticos (Young, 199823, mencionado em Conceição, 2009, p. 6).

19A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Fields,

T. D., T. Z. Lys, e L Vincent (2001), “Empirical Research on Accounting Choice”, Journal of Accounting and

Economics, Vol. 31, pp. 255-307.

20 Segundo Jensen e Meckling (1976) e Eisenhardt (1989), os conflitos de agência surgem quando existe

divergência de interesses entre os stakeholders de uma organização. Esta é vista como uma rede de contratos, nos quais estão estabelecidos os direitos e deveres de cada stakeholder (Jensen & Meckling, 1976). A relação de agência é então um contrato no qual uma pessoa (o principal) delega a outra (o agente) o desempenho de um determinado serviço aliado aos seus interesses, o que implica, naturalmente, uma delegação de poder ao agente, por parte do principal. (Jensen & Meckling, 1976). Na visão de Eisenhardt (1989), existem essencialmente dois problemas de agência. O primeiro deriva do facto de os interesses do principal não serem os mesmos que os do agente e, mais do que isso, conflituarem entre si. Adicionalmente, este primeiro problema será maior ainda se for difícil ou demasiado custoso monitorizar se o agente está a agir conforme os interesses do principal. O segundo problema deriva do facto de o principal e o agente preferirem ações distintas, por possuírem uma perceção diferente de risco associada a essas ações.

21 Existe assimetria de informação quando, no contexto de uma transação, uma parte detém mais

informação do que a outra parte relativamente a essa transação.

22 Externalidades referem-se a efeitos colaterais de uma decisão sobre aqueles que não participaram nela. 23 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Young,

S. (1998), “The Determinants of Managerial Accounting Policy Choice: Further Evidence for the UK”,

25 Em particular, a escolha da base de mensuração a utilizar para cada classe de ativos e passivos, seja ela qual for, influencia, por natureza, o valor dos mesmos, podendo também estar relacionada com técnicas de aumento ou diminuição de resultados. A este respeito, denota-se que os gestores possuem alguma discricionariedade no que concerne às escolhas contabilísticas, podendo optar por soluções mais conservadoras, no sentido de atenuar resultados, ou mais agressivas, de maneira a aumentá-los (Bagnoli & Watts, 200524,

mencionado em Conceição 2009, p. 32). Por exemplo, e como se constará mais para a frente, as escolhas pelos critérios do custo histórico e do justo valor poderão ser conotadas como escolhas conservadoras e agressivas, respetivamente.

2.3.4.3.

Sistema legal common law vs code law

Um fator apontado como determinante nas escolhas contabilísticas, em termos amplos, é o sistema contabilístico de cada país (Nobes, 198325; Shenkar & Luo 200426, mencionados

em Conceição, 2009, p. 18, e Barlev et al., 2007, pp. 1029-1030, respetivamente). O critério mais usado para este efeito é a natureza do sistema legal do mesmo. Nobes (1983) destaca dois modelos, o modelo Anglo-Saxónico e o modelo da Europa Continental.

O modelo da Europa Continental, conhecido como code law, no qual se inclui Portugal, é um sistema suportado no direito romano, dando muita ênfase aos códigos e leis. O processo contabilístico é amplamente baseado em normas e, como tal, a participação dos profissionais de contabilidade é menos intensa (Guerreiro, Rodrigues & Craig, 200527,

mencionados em Conceição, 2009, p. 18), dado a gestão financeira ser pouco necessária. Este modelo é também caracterizado pela influência significativa do Governo na definição das políticas contabilísticas e, muitas vezes, as demonstrações financeiras são preparadas precisamente para efeitos fiscais. Por outro lado, podem também ser preparadas para esclarecer a relação de agência entre a entidade de relato e os seus credores (Bertoni &

24A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Bagnoli,

M. e S. G. Watts, (2005), “Conservative Accounting Choices”, Management Science, Vol. 51, Nº5, pp. 786-801.

25 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Nobes,

C. (1983), “A Judgmental International Classification of Financial Reporting Practices”, Journal of Business and

Economics, Vol. 10, pp 1-19.

26 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Barlev et al. (2007) é a seguinte: Shenkar,

O. and Y. Luo (2004), International Business (New York, NY: John Wiley & Sons)

27 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte:

Guerreiro, M. S., L. L. Rodrigues e R. Craig (2005), “The Preparedness of Companies to Adopt International Financial Reporting Standards: Portuguese Evidence”, disponível no sítio da Internet: www2.eeg.uminho.pt/gestao/nege/n_idmembdetailed. asp?Id=303007 - 40k -

26 DeRosa 200528; Guerreiro et al., 2005, ambos mencionados em Conceição, 2009, pp- 18-19),

nomeadamente os bancos, que assumem posição de destaque nos financiadores das empresas. Em síntese, o modelo está muito orientado para fornecer informação aos credores e aos governos, os principais stakeholders das empresas. Adicionalmente, o modelo caracteriza-se pela decorrência de práticas contabilísticas conservadoras, com os normativos subjacentes a proporcionarem pouca flexibilidade em termos de escolhas (Barlev et al. 200729;

Catuogno, Mauro & Sansone, 200730; Jermakowicz & Gornik-Tomaszewski, 200631, ambos

mencionados em Conceição, 2009, p. 19), sendo o custo histórico a base de mensuração de preferência (Demaria & Dufour, 200732, mencionado em Conceição, 2009, p. 19).

Já o modelo Anglo-Saxónico, também apelidado de common law, do qual fazem parte países como a Inglaterra e os EUA, é baseado no direito anglo-saxónico, que está fundamentalmente orientado em princípios, e não regras, para reger as políticas contabilísticas (Conceição, 2009). Deste modo, o modelo dá papel de destaque ao princípio da substância sobre a forma33. Ao contrário do modelo anterior, os profissionais da

Contabilidade têm uma participação mais ativa, bem como interpretativa, na aplicação dos princípios e leis. Este modelo também se diferencia do anterior, na medida em que envolve a separação da propriedade e da gestão das empresas, pouca interferência do Governo no processo contabilístico e autonomia do relato financeiro face à Fiscalidade. Outro aspeto relevante é a importância do capital próprio. Neste modelo, a principal fonte de financiamento das empresas é o mercado de capitais, pelo que a informação financeira é

28A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Bertoni,

M. e B. DeRosa (2005), Comprehensive Income, Fair Value, and Conservatism: A Conceptual Framework for

Reporting Financial Performance”, disponível no sítio da Internet:

www.economia.unitn.it/michele.bertoni/file/Bertoni-DeRosa Performance.pdf

29 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Barlev,

B., D. Fried, J. R. Haddad e J. Livnat (2007), “Reevaluation of Revaluations: A Cross-Country Examination of the Motives and Effects on Future Performance”, Journal of Business finance and Accounting, Vol. 34, Nº7-8, pp. 1025-1050(26).

30 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte:

Catuogno, S., M. Mauro e C. Sansone (2007), “Measurement of de facto Harmonization: The Case of Participating Investments in Italy”, disponível no sítio da Internet: http://www.essec- kpmg.net/us/eufin/pdf/papers/Catuogno-%20Mauro-Sansone.pdf.

31 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte:

Jermakowicz, E. K. e S. Gornik-Tomaszewski (2006), “Implementing IFRS from the Prespective of EU Puvlicly Traded Companies”, Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, Vol. 15 Nº2, pp. 170-196.

32 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Demaria,

S. e D. Dufour (2007), “First time adoption of IFRS, Fair value option, Conservatism: Evidences from French

listed companies”, disponível no sítio da Internet:

http://hp.gredeg.cnrs.fr/demaria/recherche/First%20adoption%20and20fair%20value%20Demaria%20Du four.pdf

33Isto é, as transações e outros acontecimentos são contabilizados tendo em conta a sua “substância e

27 preparada, essencialmente, tendo em conta os investidores. A base de mensuração do justo valor assume-se, para o efeito, como a base de mensuração mais característica deste modelo (Sucher & Jindrichovsa, 200434, mencionado em Conceição, 2009, p. 19).

Assim, denota-se que o normativo do IASB tem uma ligação muito próxima com o modelo Anglo-Saxónico, estando especialmente orientado para os investidores, privilegiando nas suas normas o justo valor como base de mensuração (Bertoni & DeRosa, 2005; Catuogno et al., 2007; Demaria & Dufour, 200735, ambos mencionados em Conceição,

2009, p. 20).

2.3.4.4.

Conclusões sobre as escolhas contabilísticas

Como é referenciado na EC do IASB (2010, §4.56), a “base de mensuração geralmente adotada pelas entidades ao preparar as suas demonstrações financeiras é o custo histórico”, apesar de ser normalmente combinada com outras bases de mensuração para responder a necessidades distintas dos utentes da informação financeira.

Além do mais, as escolhas contabilísticas e, em particular, a escolha da base de mensuração, podem ser influenciadas por uma panóplia de fatores, que podem ir desde questões de relevância e objetividade da informação, até à natureza do sistema legal do país em causa. Por esta via, repetem-se as palavras de Palea (2015): o relato financeiro está muito longe de ser um processo neutro e mecanizado. Está incutido num contexto amplo, dependente de inúmeros fatores, pelo que ignorar esse contexto é, por vezes, pouco adequado. Assim, tendo a Contabilidade impacto significativo num conjunto de atores da sociedade, servindo para moldar processos sociais e económicos, é imperativo que esta seja atualizada permanentemente em função do surgimento de novos factos económicos, sociais e políticos, e da evolução de mentalidades ao longo do tempo. No entanto, constata-se que a EC do IASB não faz referência alguma ao justo valor como uma base independente de mensuração, pese embora as bases do custo corrente, do valor realizável e do valor presente tenham ligação com este conceito.

Como foi mencionado na parte introdutória, o justo valor, enquanto novidade em termos de opções de tratamento contabilístico, no âmbito da transição para as IFRS, em

34 A referência bibliográfica completa apresentada no trabalho de Conceição (2009) é a seguinte: Sucher,

P. e I. Jindrichovsa (2004), “Implementing IFRS: A Case Study of the Czech Republic”, Accounting in Europe, Vol. 1, pp. 109-141.

35 A bibliografia completa destes autores no trabalho de Conceição (2009) encontra-se nas notas de

28 2002, teve uma adesão bastante modesta. Porém, denota-se que o IASB está, atualmente, a incentivar os países a colocar mais ênfase na adoção do justo valor no relato financeiro (Cairns, 2006; Barth, 2007), já sendo utilizado, neste momento, em várias normas emitidas por esse organismo, como será dada devida atenção no tópico “Aplicações do justo valor”. Contudo, o justo valor não surge na EC, sendo este aspeto elencado como uma grande lacuna da mesma, dado não atender à “evolução do pensamento contabilístico internacional” (Bastos, 2009, p. 29)

Contudo, é importante salientar que está a ser feita, atualmente, uma revisão da EC por parte do IASB. Num documento disponibilizado online, em março de 2018, denominado de “Conceptual Framework for Financial Reporting”, é elaborado um resumo do projeto de mudanças a serem feitas na EC, incluindo-se, a este respeito, a descrição dos fatores que influenciam a escolha das base de mensuração e, o mais relevante para o que se falou anteriormente, a inserção do justo valor nas bases de mensuração passíveis de serem utilizadas nas demonstrações financeiras. Esta nova EC, que se espera vir a ser implementada a partir de 2020, permitirá, então, resolver a lacuna mencionada no parágrafo anterior.

Por fim, resta dizer que nenhuma base de mensuração previamente mencionada é perfeita. Cada base assume vantagens e desvantagens comparativamente a outras no que concerne ao cumprimento dos critérios presentes na EC (Barth, 2007). Para Laux e Leuz (2009), pode ser uma decisão ótima combinar diferentes bases de mensuração em função das características dos ativos e passivos a serem avaliados. Para estes autores, é fundamental elaborar uma análise económica cuidadosa dos trade-offs existentes entre usar uma base ou outra, e que certamente irão variar de acordo com os ativos, modelos de negócio e fins a dar à Contabilidade.