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APOSTILA DE DIREITO CONSTITUCIONAL I

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APOSTILA DE DIREITO CONSTITUCIONAL I

1 – CONSTITUCIONALISMO E DIREITO CONSTITUCIONAL

ACEPÇÕES DA PALAVRA CONSTITUCIONALISMO

CONSTITUCIONALISMO é um termo que pode ser empregado para designar qualquer sistema jurídico que tenha uma Constituição para regular o poder do Estado. Nesse estudo, trataremos do constitucionalismo em seu sentido ESTRITO, que estabelece a limitação dos poderes governamentais e estabelece um leque de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Será visto como um sistema jurídico dotado de uma constituição do regime democrático, que se consolidou a partir das revoluções do século XVIII.

EVOLUCÃO HISTÓRICA

A evolução histórica do constitucionalismo representa o poder dos governantes contra a liberdade dos governados. Enfoque interdisciplinar, pois se conecta com elementos da ciência política.

O constitucionalismo não é um paradigma igualmente utilizado em todos os países. Movimentos constitucionais se diferenciam do constitucionalismo. O primeiro se refere ao desenvolvimento do constitucionalismo, daí se verificar as diferenças entre o constitucionalismo de um país em relação ao do outro. Vejamos a classificação do constitucionalismo

• Constitucionalismo PRIMITIVO – surgiu nas primeiras coletividades

humanas, as quais eram geralmente ágrafas, regidas por costumes (convicções religiosas), e no seio delas começaram a ser lançadas as primeiras sementes. Essas comunidades se baseavam no costume, não havia constituições escritas. Porém existiam referências antigas, que a doutrina majoritária, costuma citar como exemplo os Hebreus que são considerados os precursores do constitucionalismo. Eles de forma costumeira desenvolveram a noção de que os poderes dos governantes estariam limitados pelos chamados poderes do “senhor”, e os profetas deveriam dar esses limites.

• Constitucionalismo ANTIGO – a antiguidade greco-latina é uma fonte

importante do constitucionalismo e para o direito público. Na Grécia antiga vigorou uma forma de organização política chamada de “polis”. As cidades

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podem ser visualizadas como importantes formas de reconhecimento dos cidadãos, sobretudo nas cidades-Estado que seguiam o modelo de Atenas de democracia direta (os cidadãos participavam ativamente das decisões da comunidade).

Com isso vemos a afirmação da cidadania e dos direitos dos cidadãos. Marcado pela supremacia do Estado sobre a sociedade. Sócrates (colocou o homem como a medida de todas as coisas, valorizou um governo limitado pela lei, e morreu porque observou a lei – “é necessário que os homens bons sigam as leis más, para que os homens maus sigam as leis boas”).

Platão e Aristóteles (obra política) criaram uma teoria de governo, nas formas puras e impuras, até hoje seguidas por nós. Se essas formas puras de governo (seguir o interesse comum) se degenerassem, haveria uma transição de uma forma de governo para outra que também contribuíram para a afirmação do constitucionalismo.

Em Roma também pode ser observada sementes do constitucionalismo. Embora não houvesse Constituições escritas nem controle de constitucionalidade, havia uma valorização do parlamento e algumas sementes que limitavam o poder dos governantes.

• Constitucionalismo MEDIEVAL – período marcado por uma profunda

fragmentação política econômica e cultural. Panorama fragmentário, desenvolvendo o feudalismo, onde os senhores feudais exerciam não só o poder econômico, mas também o poder político.

Marcado pela prevalência do poder da Igreja. Como contribuição importante, podemos citar o desenvolvimento da idéia de que o REI só seria REI se respeitasse a Lei, a qual nesse caso, não era o diploma escrito... lei nesse momento, era um conceito amplo, que abarca do direito natural e os costumes. Descumprindo esse conceito, o REI estaria descumprido as “ordens de DEUS”.

• Constitucionalismo INGLÊS – Magna Carta Libertatum – considerada

uma Constituição porque estabeleceu uma limitação ao poder do Rei, garantindo o direito de propriedade, sobretudo da burguesia.

Petition of right, bill of rights, são exemplos de pactos escritos que foram moldando o constitucionalismo inglês, com a progressiva limitação do poder dos governantes e poder da burguesia. Foram se aprimorando as idéias de liberdade dos cidadãos, do tribunal do júri, habeas corpus, liberdade religiosa, acesso à justiça, e o devido processo legal.

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O processo de formação do constitucionalismo inglês é peculiar, pois não é fruto de revoluções – constituição histórica de governo misto – pois ao longo da história foi acomodando diversas forcas (rei, igreja, burguesia), criando um governo equilibrado, harmonizando as forças.

Essa harmonização inspirou Montesquieu. CRÍTICA: não nos levou a outros elementos importantes (princípio da supremacia constitucional, porque na Inglaterra com a valorização do parlamento, o qual tinha atos Supremos, não puderam adotar esse princípio) e também não se afirmou o constitucionalismo escrito, e nem a idéia de Rigidez constitucional (divergência na doutrina).

• Constitucionalismo MODERNO – a rigor, o que entendemos hoje como

constitucionalismo, surge no constitucionalismo em sua acepção estrita. A idade moderna não se inicia muito aberta para a idéia do constitucionalismo, pois ela se inicia baseada no absolutismo monárquico, onde a burguesia almejava não só poder econômico, mas também político.

A burguesia tinha uma aliança com o rei, constituindo os primeiros Estados absolutistas monárquicos, sendo muito importantes, pois firmaram 02 noções: a) noção de territorialidade (território com espaço para exercício do poder soberano do Estado); b) afirmação da soberania do poder estatal. Entretanto o absolutismo monárquico se tornou um estorvo para a monarquia, exatamente por limitar o poder dos governantes.

Um dos autores que mais contribuiu foi John Locke(tratados sobre o governo civil – idéia de relação de fidúcia – direito natural à revolução), que se contrapunha às idéias do Leviatã. 02 marcos simbólicos:

a) a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte – 1787 – a

independência dos EUA, foi um marco importante para a afirmação do constitucionalismo moderno – revolução burguesa. Com a declaração de independência, foi criada a constituição escrita dos EUA que até hoje está em vigor.

Contratos de colonização – Contribuição importante: em 1º lugar a afirmação de uma constituição escrita; em 2º lugar a supremacia constitucional; em 3º lugar a idéia de controle de constitucionalidade realizado pelo poder Judiciário (Madison X Marbury); em 4º lugar foi o Presidencialismo como sistema de governo, porque este é a melhor salvaguarda a separação dos poderes; em 5º lugar o Federalismo, porque este, nada mais é do que uma forma de repartição vertical de poder; em 6º lugar o Bicameralismo, pois limita o poder do parlamento, com a desvantagem de manter a casa dos Lordes – os norte-americanos criaram o Bicameralismo democrático, onde o povo elege os representantes; em 7º lugar contribuiu para a reafirmação da democracia

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representativa, enfatizando o papel do povo, pois o poder legislativo emana do povo.

b) a Constituição Francesa de 1791 – se desenvolveu de modo totalmente

contrário do constitucionalismo inglês. Aqui, foi criado através de um processo revolucionário, de uma ruptura constitucional através da revolução francesa. Foi a revolução liberal burguesa de maior relevância.

Contribuiu para o constitucionalismo ao criar a Declaração dos direitos do cidadão frente a sociedade, afirmando que só haveria Constituição se o Estado prevesse a declaração de poderes e os direito dos cidadãos, posteriormente se transformando no preâmbulo da Constituição francesa.

Contribuições importantes: em 1º Constituição escrita; 2º soberania /mais associada à nação e não ao povo – Jackes Rousseau; 3º princípio da separação dos poderes, em sua forma Tripartite; 4º previsão de direitos e garantias individuais; 5º não edificou a idéia do constitucionalismo no controle de constitucionalidade, pois temiam que o Judiciário pudesse restaurar o antigo regime (embora estivesse sofrendo mutações), mas podemos observar o Conselho de Estado fazendo um controle de constitucionalidade.

CONCLUSÂO

As grandes contribuições do constitucionalismo MODERNO foram: 1) poder constituinte (poder do povo);

2) afirmação do direito escrito / constituição; 3) rigidez constitucional;

4) afirmação de um Estado de direito / império da legalidade constitucional / processo de jurisdicização do Estado;

5) afirmação da legalidade como expressão da vontade popular; 6) afirmação do princípio da democracia representativa;

7) afirmação da dignidade da pessoa humana.

CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Final do século XIX para o início do século XX – é um constitucionalismo social. Período marcado pela questão social frente ao capitalismo, onde as sociedades constatam a exploração dos trabalhadores no socialismo.

Verifica-se assim a necessidade do Estado intervir no livre jogo das forças individuais, passando a um processo de intervenção do Estado para proteger os mais fracos (trabalhadores) realizando justiça social. Essa tendência se robustece no início do Século XX.

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Pode citar como marcos desse momento: a Constituição mexicana (1917) e a Constituição Alemã (1919) referidas como modelos importantes para a criação da Constituição Brasileira de 1934.

CONTRIBUIÇÕES:

a) a idéia de um Estado intervencionista na economia, com a idéia de Justiça social;

b) previsão dos direitos sociais e econômicos – direitos de 2º dimensão ou geração;

c) prestações positivas do Estado para implementar direitos sociais e econômicos, como educação, moradia, previdência social etc.;

d) constitucionalismo DIRIGENTE – que muitos negam ser base para a Constituição brasileira;

e) desenvolvimento dos instrumentos de democracia participativa, pois verificou-se que a democracia representativa não atendia à vontade do povo, pois os governantes atuavam em nome próprio buscando seus próprios interesses;

f) iniciativa popular – plebiscito, referendo, veto popular, Recall etc.; g) normas constitucionais programáticas;

h) relativização do poder legislativo;

i) previsão ou organização do Estado social de direito, Estado comprometido com a Justiça Social.

NEOCONSTITUCIONALISMO

Nova forma de interpretação surgida após a segunda grande guerra mundial. Tem como primeiras referências históricas, a Constituição alemã de 1949 e a Constituição Italiana de 1947. Não se inicia ao mesmo tempo em todos os países. Na Europa continental se deu com a promulgação das Constituições acima descritas; no Brasil, com a Constituição Federativa do Brasil de 1988. Do ponto de vista filosófico, o chamado neoconstitucionalismo é uma expressão do pós-positivismo jurídico, que é um novo modelo de compreensão e interpretação do direito. Ele representa a superação das posições do jus naturalismo e do positivismo jurídico dos séculos XIX e XX, porque o jusnaturalismo é uma doutrina dos direitos naturais, fundamentação axiológica do direito.

Essa concepção embora tenha um mérito, é muito critica por tratar de um valor justiça único e imutável, pressupondo uma única idéia de justiça. Positivismo Legalista – direito legislado – implica no sistema jurídico como sistema de normas – teoria de Hans KELSEN. Positivismo Jurídico, embora ofereça parâmetros de segurança – dimensão normativista, não contempla o

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exame da legitimidade e justiça do sistema jurídico; essa discussão se tornou nítida com a segunda grande guerra mundial.

Com tudo isso se criou o PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO, aproveitando do pós-naturalismo o debate jurídico sobre a justiça realizada na dimensão concreta / princípios. Do positivismo ele se apropria da preocupação em operacionalizar a aplicação de normas. O NEOCONSTITUCIONALISMO é a expressão desse movimento no âmbito da Constituição. No Brasil com a CF/88, ele veio a oferecer elementos importantes para o direito brasileiro.

CARACTERÍSTICAS DO NEOCONSTITUCIONALISMO:

A) Previsão da forma do Estado constitucional de direito – Estado que sintetiza o Estado social de direito, o Estado deve buscar através de suas políticas sociais e fins em si mesmo, conciliar legalidade com legitimidade, igualdade com liberdade;

B) As Constituições deixam de ser vislumbradas como meras cartas políticas, cartas que ofereciam meras recomendações, pois nele as constituições são entendidas como conjunto de normas fundamentais imperativas com ampla eficácia jurídica e fundamental para os cidadãos;

C) Implica a consideração da Constituição não somente em seu sentido formal, mas também no sentido substancial ou material – a CF não deve ser entendida como um sistema PURO de normas, deve ser entendida também como um espelho dos fatos sociais e repositório dos valores mais importantes da sociedade;

D) Previsão de novo valor fundamental do Estado de direito – a dignidade da pessoa humana. Proibição de toda e qualquer ação do Estado ou do particular que venha a degradar a dignidade do ser humano. Hoje largamente reconhecida, promove também a conexão da ordem jurídica interna com a ordem jurídica internacional (art. 5º, § 3º, CF/88. – BLOCO de constitucionalidade, ampliando os parâmetros para o controle de constitucionalidade);

E) Previsão de amplo aberto e inexaurível catálogo de direitos humanos fundamentais. Lembrando que esses direitos não excluem outros direitos sociais como saúde, segurança, educação, proteção à maternidade, etc. Direito trans-individuais – interesses difusos (art. 216, CF e art. 5º, § 2º, CF);

F) Normas regras – ex: Brasília é a capital Federal – art. 18, CF;

G) Desenvolvimento de uma nova interpretação constitucional – hermenêutica constitucional – não mais aqueles métodos: gramatical,

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sociológico, intelectual, etc., mas a colocação de novo métodos como, por exemplo: método hermenêutico concretizador e normativo estruturante;

H) Os princípios constitucionais são normas jurídicas, devem ser levados a sério, considerados superiores do ponto de vista axiológico;

I) Nova teoria da justiça – hoje em dia vem sendo discutida a teoria de John Rawls, inserindo 02 princípios: o da liberdade e o da diferença;

J) Legitimação do ativismo judicial – o poder judiciário está sendo chamado para implementar os direitos fundamentais, para promover a concretização do regime democrático, podendo examinar o mérito de opções discricionários feitas pelo administrador em função da sociedade – RESERVA DO POSSÍVEL;

K) A emergência do fenômeno da constitucionalização do direito. Constitui-se em 03 Constitui-sentidos básicos:

- SENTIDO AMPLÍSSIMO – seria a previsão de uma Constituição como lei fundamental e hierarquicamente superior. Não nos ajuda a compreender a essência do fenômeno.

- SENTIDO AMPLO – seria mera previsão do direito infraconstitucional no texto da Constituição. O Brasil se identifica com esse sentido, pois prevê os diversos ramos do direito, diversos artigos, etc. No Brasil essa Constituição prolixa se justifica pelos fatos históricos envolvidos.

- SENTIDO ESTRITO – seria a própria expansão dos efeitos jurídicos da Constituição que se situada no centro do sistema jurídico passa a irradiar a aplicação a todos os ramos do direito condicionando a aplicação dos mesmos, inclusive a aplicação do direito privado – processo de filtragem

hermenêutica. Estabelece os vetores para a interpretação e aplicação de

todos os direitos.

DIREITO CONSTITUCIONAL

Conceito: ramo do saber que se debruça sobre o estudo da constituição. É importante entendermos que a constituição é, por excelência, o instrumento que disciplina o poder do Estado, visto que cria os próprios elementos constitutivos deste, assim como dispõe sobre os limites e obrigações estatais. Sendo assim, vemos que a constituição é o elemento central do estudo do direito público, pois este nada mais é do que o ramo de estudo que aborda a relação de poder soberano que o Estado exerce tanto no

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sentido vertical (em relação aos cidadãos, aos particulares), quanto no sentido horizontal (em relação a outros Estados). Assim, podemos dizer que estudar a constituição é estudar o próprio Estado, pois será ela, repete-se, quem dará os contornos e as possibilidades de exercício do poder estatal.

Devemos notar que a função constitucional de dar os contornos ao poder estatal representa a dimensão constitucional que se realiza no presente, enquanto a função de expor todas as possibilidades de exercício do poder do Estado representa uma dimensão que se projeta para o futuro, tornando, assim, a constituição também um documento programático no que tange à evolução do povo, da nação e do próprio Estado.

Da perspectiva didática do ensino do direito, o direito constitucional se conceitual como um ramo do direito público. Devemos ter em mente que não é tarefa das mais simples, como pensam alguns, separar o que é direito público do que é direito privado. Enquanto de forma superficial se diz que o direito público é aquele em que se verifica a predominância do poder soberano do Estado, vê-se que de forma crescente áreas tidas como essencialmente privadas, a exemplo do direito civil, passam a apresentar interferência gradativa do poder publico, mesmo que como vetor regulador das relações entre particulares.

Como essa discussão passa ao largo do nosso objetivo neste estudo, contentamo-nos em afirmar que o direito constitucional é um ramo do direito público nos limites impostos pelo interesse estritamente didático do ensino jurídico, mas sempre nos lembrando de que é defensável a tese de que não há e nem mesmo é possível a distinção entre público e privado no direito, pois ele é um só.

Conceito de Constituição

O termo constituição significa o ato de constituir, estabelecer, firmar. É o modo pelo qual se constitui alguma coisa, um ser vivo, um agrupamento. Em termos jurídicos, a Constituição é uma norma de ordem superior a qual expressa a forma, o regime, a estrutura, a organização do Estado, a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais e outros assuntos de relevante interesse social.

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9 Nas palavras de Alexandre de Moraes:

"Lei fundamental e suprema de um Estado, que contem normas referentes à estruturação do estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos."

José Afonso da Silva, assim conceitua o que seja uma Constituição:

"Constituição é lei fundamental de um Estado, a qual organiza os seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma do seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, os estabelecimentos de seus órgãos e limites de sua ação."

Objeto da Constituição

O objeto da Constituição foi evoluindo de acordo com as evoluções sociais, políticas e econômicas, de modo que atualmente, em principio o objeto das Constituições estão estruturados da seguinte forma:

· Estruturação do estado;

·Organização dos Poderes e seus órgãos;

· Disposição sobre o modo de aquisição de poder e a forma de seu exercício; · Limitação da atuação do poder;

· Proteção aos direitos e garantias dos indivíduos; · Fixação do regime político;

· Fixação e disciplina das finalidades sociais e econômicas do Estado;

· Determinação dos fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais do Estado.

2 - CONCEPÇÕES SOBRE AS CONSTITUIÇÕES

A Teoria da Constituição como conhecimento jurídico, político e filosófico deve-se à doutrina alemã. Sua formação e autonomia decorreram da preocupação de se chegar a um conceito substantivo de Constituição. Ela examina, identifica e critica os limites, as possibilidades e a força normativa do Direito Constitucional, ocupando-se em estudar os diversos conceitos de Constituição, o Poder Constituinte e a legitimidade da Constituição; reforma constitucional; direitos fundamentais e separação de poderes, como elementos característicos do Estado de Direito etc.

O vocábulo “Constituição” tem muitos significados, mas há um sentido primário: a Constituição é Lei Fundamental ao Estado e ao seu povo, ditando ao primeiro os limites de atuação como forma de proteger ou tutelar o segundo.

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1 Sentido Sociológico

Ferdinand Lassalle leciona que a Constituição corresponde ao somatório dos fatores reais de poder que vigoram em um país. Segundo o mestre alemão: “De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais de poder”.

Esses fatores reais de poder, entre nós, estão identificados na força dos produtores rurais e dos movimentos de sem terra, no sistema financeiro e nas federações empresariais, nos sindicatos e nas centrais sindicais, nas corporações militares e civis, dentre outras forças que impõem a forma e o conteúdo da Constituição.

“Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”.

A doutrina de Lassalle é concebida como sociológica por Jorge de Miranda, que ao analisar a concordância das normas constitucionais com a realidade do processo de poder destaca a existência de Constituições normativas, Constituições nominais e Constituições semânticas. Constituição normativa é aquela que efetivamente submete o processo de poder às suas regras. Ou seja, é respeitada e cumprida, pois reflete os princípios fundamentais do constitucionalismo sendo, assim, legítima.

A Constituição nominal é aquela que embora tenha por pretensão representar os valores fundamentais da sociedade, não possui regras que representem a dinâmica do processo político, pelo que ficam sem realidade existencial.

Por fim, a Constituição semântica (ou de fachada para Canotilho), serve apenas para beneficiar os detentores do poder de fato, instrumentalizando sua dominação sobre a sociedade.

2 Direito de Resistência

Direito de resistência é a denominação dada à legítima oposição de um povo a regras formais opressivas que não correspondem aos reais anseios de uma sociedade, podendo ser manifestado pela desobediência civil ou mesmo por uma revolução.

Em síntese, é o direito de descumprir e combater determinações governamentais que afrontem as liberdades fundamentais da maioria do povo. As liberdades fundamentais segundo leciona Norberto Bobbio, são aquelas que “cabem ao homem enquanto tal e não dependem do beneplácito do soberano (entre as quais, em primeiro lugar, a liberdade religiosa)”.

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3. Sentido Político

Carl Schmitt concebe a Constituição no sentido político, pois para ele Constituição é fruto da “decisão política fundamental” tomada em certo momento.

Para Schmitt há diferença entre Constituição e lei constitucional; é conteúdo próprio da Constituição aquilo que diz respeito à forma de Estado, à forma de governo, aos órgãos do poder e à declaração dos direitos individuais. Outros assuntos, embora escritos na Constituição, tratam-se de lei constitucional (observe-se que essas ideias estão próximas as de Constituição material e formal).

4. Sentido Jurídico

Segundo Hans Kelsen (sentido lógico-jurídico ou formal) – a Constituição consiste na norma fundamental hipotética, pressuposta e não posta pela autoridade, concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta na norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. O ordenamento jurídico é representado por uma pirâmide.

De acordo com a Teoria Pura do Direito, Kelsen destaca vários significados de constituição:

Material – é o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração.

Formal – consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação destas normas.

Sentido amplo – compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o poder estatal.

3 - CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Quanto ao Conteúdo

• Constituição material ou substancial: conjunto de regras jurídicas materialmente constitucionais, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Tais regras podem ou

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não estar na Constituição e justamente por isso é mais abrangente que a Constituição Formal. Há, por exemplo, regras materialmente constitucionais disciplinadas em lei ordinária, como o Estatuto dos Estrangeiros.

• Constituição formal: conjunto de regras jurídicas, inseridas no texto unitário da Constituição escrita, diga ou não respeito à matéria constitucional. Exemplo: o art. 14, § 4.º9, da Constituição Federal, que trata da inelegibilidade, é regra formal e materialmente constitucional porque delineia o modo de aquisição e exercício do poder. Mas os casos de inelegibilidade não são apenas os previstos nesse dispositivo; a Lei Complementar n. 64, de 18.5.1990 disciplina outras hipóteses, em consonância com o prescrito no § 9.º10 do próprio art. 14.

• Instrumentais (instrument of government): é aquela lei fundamental entendida, essencialmente, como lei processual e não como lei material. Estabelece competências, regula o processo e define os limites da ação política. Como instrumento de governo, contém as regulamentações necessárias para a vida política de uma comunidade.

Vale lembrar o fato de não haver óbices que a norma reúna concomitantemente as mesmas características.

Quanto à Forma

• Escritas: suas normas se acham expressas em um ou vários documentos escritos.

É o próprio texto escrito da Constituição, ou seja, é o conceito formal de Constituição, cuida-se de um texto redigido em um momento de reflexão do constituinte originário, podendo ser:

Analítica (expansiva, abrangente ou prolixa) – quando o texto constitucional, além de dispor de normas materialmente constitucionais, trata de matérias que não deveriam ser tratadas pela Constituição. É, por exemplo, a Constituição brasileira, que possui 250 artigos, ADCT, várias emendas etc.

Tais constituições são instáveis, haja vista que necessitam de reiteradas modificações.

Sintética (concisa ou negativa) – traz apenas normas materialmente constitucionais, como a norte-americana, que possuía inicialmente sete artigos e, após dois séculos de existência, foi modificada apenas 27 vezes. São sumárias, breves, principiológicas e de grande estabilidade.

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• Não escritas (costumeiras ou históricas): as normas constitucionais não constam de um documento único e solene, são textos esparsos, elaborados em épocas distintas sendo formadas por usos e costumes válidos como fontes de direito.

Com efeito, ainda que não seja escrita, esta Constituição terá parte do seu sistema necessariamente escrito. A rigor a diferença dos Estados que adotam esta forma para a escrita, é fonte, isto é, a existência ou não de apenas uma única fonte. Portanto, devemos fixar que a Constituição não escrita possui várias fontes (costumes, decisões dos tribunais, práticas administrativas e textos escritos).

Tais constituições são formadas por meio de um processo histórico, e adotam o sistema da common Law.

Segundo o livro Curso de Direito Constitucional, de autoria do Prof. Fernando Capez e outros, tem-se ainda:

a) Constituições legais: aquelas cujas normas são escritas, mas não estão codificadas, ou seja, estão espelhadas em diversos textos; e

b) Constituições orais: conjunto de normas proclamadas solenemente pelos chefes máximos de um povo para reger a vida de todos, como ocorreu na Islândia, no século IX, quando os Vikings instituíram o primeiro parlamento livre na Europa.

Quanto ao Modo de Elaboração

• Constituição dogmática: reflete a aceitação de certos dogmas, ideais vigentes no momento de sua elaboração, reputados verdadeiros pela ciência política. Dogma: ponto mais importante que caracteriza um sistema, um determinado modelo, corporifica as opções daquele que elaborou o texto constitucional. • Constituição histórica: é a Constituição não escrita, resultante de lenta formação histórica. Não reflete um trabalho materializado em um único momento.

Quanto à Ideologia

• Eclética, pluralista, complexa ou compromissória: possui uma linha política indefinida, equilibrando diversos princípios ideológicos.

• Ortodoxa ou simples: possui linha política bem definida, traduzindo apenas uma ideologia.

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Quanto à Origem ou ao Processo de Positivação

• Constituição outorgada: são aquelas impostas por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo regular de escolha dos constituintes. Nesse ponto podemos traçar a diferença entre Carta Constitucional, expressão reservada às constituições outorgadas, e Constituição que objetiva designar as promulgadas.

• Constituição promulgada (democrática ou popular): são aquelas elaboradas por representantes eleitos pelo povo, de forma livre e consciente, para exercer o poder constituinte.

• Constituição cesarista (plebiscitária, referendaria ou bonapartista): trata-se da Constituição que, não obstante elaborada sem a participação do povo ou dos seus representantes, é submetida a um referendo popular antes de ganhar vigência. Recebe esse nome por ter sido um método utilizado por Napoleão Bonaparte nos denominados plebiscitos napoleônicos.

• Constituição mista (pactuada, positivada por convenção ou dualista): nessas constituições o diploma fundamental não é já uma Carta doada pela vontade do soberano, mas um pacto entre o soberano e a representação nacional, em regra entre o monarca e o Poder Legislativo.

Parte da doutrina classifica a Constituição, quanto ao modo de positivação, da seguinte forma: a) Por convenção ou votada – os representantes do povo, mediante assembleia convocada especificamente para tal fim, votam uma nova Constituição; e b) Por outorga ou outorgada – quando uma nova Constituição é imposta ao povo. Nesse caso, é comum a utilização da expressão Carta Constitucional.

Ainda nesse esteio, alguns manuais asseguram que todas as constituições votadas são democráticas, o que para alguns seria na verdade um equívoco, pois para saber se uma Constituição é democrática ou não, deve-se analisar se o seu processo de positivação é legítimo.

Malgrado o fato de a maioria das vezes uma Constituição votada ser democrática pode ocorrer de uma Constituição votada não ser democrática, como a Constituição de 1967, um perfeito exemplo para ilustrar tal posicionamento, e a recíproca é verdadeira, pois é possível sim haver uma Constituição outorgada e democrática, desde que atenda aos reclames sociais.

“A Carta Constitucional de 1967, segundo prevalece amplamente na doutrina, é outorgada quanto à sua origem, já que o Congresso Nacional, convocado extraordinariamente pelo AI n. 4 para apreciar a proposta dos militares entre

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12 de dezembro de 1966 e 24 de janeiro de 1967 não possuía liberdade suficiente para alterar de forma substancial o documento. Formalmente, contudo, o Congresso aprovou e promulgou a Constituição de 1967, razão por que alguns (minoria) classificam tal Carta como sendo uma Constituição positivada por convenção, dualista.”).

Quanto à Estabilidade, à Mutabilidade ou à Alterabilidade

• Rígida (ou condicional): demandam processo especial, mais solene e difícil para sua alteração do que o da formação das leis ordinárias. Não devemos associar rigidez constitucional com estabilidade constitucional, pois a CFRB, apesar de rígida, não possui estabilidade (constituição escrita, analítica).

• Flexível (não condicional): é a Constituição que pode ser modificada livremente pelo constituinte derivado, utilizando-se do mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Não devemos associar flexibilidade com instabilidade, já que a Constituição inglesa, apesar de flexível é bastante estável.

Constituição plástica – de acordo com a doutrina de Pinto Ferreira, Constituição flexível também é chamada de Constituição plástica. Todavia, na doutrina de Raul Machado Horta, Constituição plástica possui outro significado, sendo, portanto, aquela que para ter eficácia necessita de grande regulamentação por parte do legislador infraconstitucional. Para ele, ainda, Constituição plástica é aquela suscetível de adaptação a uma nova realidade social, por meio de integração normativa futura.

Constituição transitoriamente flexível – o texto constitucional é suscetível de reforma, em determinado período, com base no mesmo rito das leis comuns. Ultrapassado aquele período, passa a ser rígida.

• Semirrígida: contém uma parte rígida, para alteração das regras materialmente constitucionais e outra flexível, para a modificação das regras formalmente constitucionais. Foi o caso da Constituição brasileira do império (art. 178).

O professor Kildare Gonçalves cita ainda a Constituição fixa, que “somente pode ser alterada por um poder de competência igual àquele que a criou (poder constituinte originário)”, sendo também conhecida como Constituição silenciosa, pois não estabelece, expressamente, o procedimento para sua reforma (tem valor apenas histórico). Cita também a Constituição imutável (granítica ou intocável), que se pretende eterna, pois se funda na crença de que não haveria órgão competente para proceder à sua reforma, sendo incomum na atualidade e normalmente relacionada a fundamentos religiosos.

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Por fim, cumpre dizer que alguns manuais reconhecem ainda a existência de uma Constituição moldura que é tão somente a possibilidade do legislador atuar livremente dentro dos ditames constitucionais, funcionando a Constituição justamente como uma.

Quanto à Função

Esta classificação, apresentada pelo Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho15, tomando por base lições de José Joaquim Gomes Canotilho, não apresenta categorias que sejam logicamente excludentes, ou seja, a Constituição poderá receber mais de uma destas classificações.

Em geral, fala-se que a Constituição pode ser:

a) Garantia (quadro ou negativa): tem o escopo de assegurar os direitos fundamentais das pessoas, haja vista que toda vez que se enuncia um direito, há limitação do poder. Também é conhecida como negativa justamente pelo fato de impedir o poder arbitrário do Estado. Originou-se a partir da reação popular ao absolutismo monárquico. É denominada quadro porque há um quadro de direitos definidos e negativa porque se limita a declarar os direitos e, por conseguinte, o que não pode ser feito.

b) Dirigente (abrangente, programática ou doutrinal)16: além de organizar e limitar o poder, a Constituição também preordena a atuação governamental em um determinado sentido, por meio de planos de governo, de “programas” vinculantes (previstos em normas programáticas) seja qual for o Partido, são as chamadas diretrizes políticas permanentes. É a “Constituição do dever-ser”. A nossa Constituição Federal inspirou-se no modelo da Constituição portuguesa.

Função prospectiva – está consubstanciada na Constituição dirigente, pois se o texto constitucional é voltado para o futuro, a sua finalidade é dirigir a ação política e de toda a sociedade, segundo um modelo proposto, e para a realização de determinados objetivos, gerais ou específicos, informados pela ideia de direito nela consignada.

As normas programáticas possuem eficácia limitada, pois dependem de lei. Para que a criação de tal lei não dependesse da boa vontade do legislador, o constituinte originário criou dois remédios constitucionais processuais para solucionar a desídia, a saber: a) mandado de injunção; e b) ADI por omissão.

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considerando o aspecto normativo-político e a realidade social em que se insere o ordenamento constitucional.

4 - TEORIA DO PODER CONSTITUINTE (*) Introdução

O poder constituinte pode ser estudado em uma dupla dimensão: originária e reformadora. Trata-se do poder que constitui, que faz e que elabora normas constitucionais. O poder constituinte produz normas constitucionais tanto ao elaborar a Constituição quanto ao alterá-la.

Na primeira hipótese, diz-se originário, primário, de primeiro grau; na segunda, tem-se o poder reformador, derivado, instituído, constituído, secundário, de segundo grau, ou, simplesmente, competência constituinte. “Entende-se por poder constituinte o poder de elaborar (poder constituinte originário) ou de modificar (poder constituinte derivado) a Constituição”.

As normas produzidas pelo poder constituinte – seja o originário, seja o reformador – compõem um texto normativo (a Constituição) localizado em posição de superioridade, em relação às demais normas do ordenamento jurídico de um País.

Poder constituinte originário

Noção

O poder constituinte originário cria o Estado. Pode fazer isso a partir do nada, quando cria o Estado e lhe dá a primeira Constituição, ou a partir de uma

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ruptura da ordem jurídica existente, quando estabelece um novo tipo de Estado e lhe dá uma nova Constituição, substituindo a anterior.

Nesse sentido, o poder constituinte originário cria o Estado, dando a este sua primeira forma, partejando o que não existia. Contudo, ele pode também recriar o Estado, dando-lhe uma nova forma. Assim, o poder constituinte pode criar ou recriar o Estado.

A manifestação constituinte, ao produzir uma nova Constituição, faz nascer um novo tipo de Estado. “Antes dessa manifestação, o Estado, tal como veio positivado, não existia. Existe, é, a partir da Constituição [...]. Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente”

O poder constituinte dá uma constituição ao Estado e à sociedade. Trata-se, sob esta ótica, de uma “vontade política cuja força ou autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política, determinando assim a existência da unidade política como um todo” .

Tem-se entendido, também, o poder constituinte como competência, capacidade ou energia para cumprir um fim. “Se por ‘poder’ entendemos uma competência, capacidade ou energia para cumprir um fim, e por ‘constituinte’ o poder que constitui ou dá constituição ao estado, alcançamos com bastante precisão o conceito global: poder constituinte é a competência, capacidade ou energia para constituir ou dar constituição ao estado, é dizer, para organizá-lo”. Nota-se, então, que o poder constituinte originário está localizado fora do Direito e precede o Estado e a Constituição, os quais, tanto aquele quanto esta, são criados por ele.

Natureza

É bastante controvertida a natureza do poder constituinte. Para alguns, de formação jusnaturalista, é poder de direito. Para outros, em regra positivistas, trata-se de um poder de fato.

De acordo com a primeira tese, o poder constituinte originário é um poder de direito, tendo por fundamento o Direito natural, que é anterior e superior ao Direito do Estado. “Deste Direito natural decorre a liberdade de o homem estabelecer as instituições por que há de ser governado. Destarte, o poder que organiza o Estado, estabelecendo a Constituição, é um poder de direito”.

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O poder constituinte originário é compreendido também como um poder de fato. Encontra-se vinculado à realidade concreta da vida social em determinado espaço territorial. Sob esse enfoque, dizer que é um poder de fato equivale a dizer que é um poder político. “Mais até, estamos a falar de um poder exclusivamente político, porque originariamente imbricado em toda a polis, naqueles raros instantes em que a polis se sobrepõe ao Estado para dizer, por ela mesma, sob que tipo de Direito-Constituição quer viver”.

Titular

A titularidade do poder constituinte tem mudado de acordo com as circunstâncias históricas. Primeiro, pertenceu a Deus; depois, ao monarca; mais tarde, à nação; atualmente, ao povo. No futuro, essa titularidade poderá pertencer a outro.

Deus. Na tradição judaico-cristã, Deus é a única fonte de todo o poder

que já existiu. Assim, toda autoridade provém de Deus. É ao Seu poder (supremo no Universo) que os homens devem estar submetidos. É o que se pode encontrar na Epístola de São Paulo aos romanos: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus”. Se todo o poder advém de Deus, a titularidade do poder constituinte a Ele pertence.

Monarca. O monarca, concentrando em suas mãos todo o poder

terreno, colocava-se como intermediário entre o povo e a divindade: “o príncipe é admitido como soberano legítimo porque sendo à imagem de Deus, ele não pode por definição contrariar a vontade divina”. Mas a luta travada contra o absolutismo “deslocou a soberania do príncipe para a comunidade política a fim de romper com a divinização da autoridade real”.

Os monarcas exerciam o poder de modo absoluto. Foi o caso, por exemplo, de Luís XIV na França pré-revolucionária. Quando o Rei Sol dizia “o Estado sou eu”, estava, em verdade, afirmando que o poder constituinte originário lhe pertencia, pois ele detinha em suas mãos todo o poder terreno.

Os revolucionários franceses, sob a influência do pensamento de Emmanuel Sieyès, substituíram o titular da soberania. Esta passou a residir essencialmente na Nação, ficando proibido a qualquer órgão ou indivíduo, especialmente ao monarca, exercer sem responsabilidade algum tipo de autoridade que não tivesse sua origem na Nação.

Nação. Na concepção do abade Sieyès, a titularidade do poder

constituinte pertencia à nação, única fonte legítima capaz de fazer uma Constituição. “A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Antes dela e acima dela só existe o direito natural “. Quando se desejar construir os

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fundamentos da ordem jurídica, deve-se recorrer a ela. “Em toda nação livre – e toda nação deve ser livre – só há uma forma de acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria nação. Se precisamos de Constituição, devemos la. Só a nação tem direito de fazê-la”.

Povo. Nos tempos atuais, tem-se entendido que o titular do poder

constituinte originário é o povo, um dos elementos constitutivos do Estado. Nesse sentido, afirma-se que “a soberania primária, o poder constituinte, reside essencialmente no povo, na totalidade e em cada um dos seus membros”.

Mais recentemente, em face da elaboração de um Projeto de Constituição para a União Européia, a titularidade do poder constituinte originário vem enfrentando um processo de transformação. Não obstante haver divergências quanto à titularidade do poder constituinte europeu, pode-se afirmar que, nesse específico contexto, ela já não pertence tão-somente ao povo. Os cidadãos europeus e os Estados membros da União Européia devem ser considerados nessa mutação de titularidade, que parece atingir o poder constituinte.

Agente

O agente do poder constituinte originário é aquele que elabora a Constituição. O agente não é órgão do Estado ou da Constituição; é órgão da sociedade, imbuído da tarefa de fazer uma Constituição e (re)criar o Estado. Esse órgão costuma ser a Assembléia Nacional Constituinte ou a Convenção Constituinte.

Agente e titular do poder constituinte originário: distinção. Não se

pode confundir o titular com o agente do poder constituinte originário. O titular jamais deixa de existir, apenas se retira de cena. Seu berço está fora do âmbito da obra que edita. Ao contrário de seu agente, ele, o titular, não morre. “Esse poder não se exaure jamais na obra que edita. Sobrevive ao seu próprio labor (mas sempre do lado de fora) e é assim que pode gestar quantas Constituições quiser. A qualquer tempo”.

O agente, assim que é constituído, começa a caminhada lenta para sua própria extinção. Elaborada a Constituição, ele desaparece, morre, deixa de existir. É certo que “no momento em que a Assembléia ou Convenção Constituinte promulga sua obra legislativa (o Magno Texto), ela morre de parto, sem remissão. Tem o destino trágico (ou glorioso) do louva-a-deus, cuja cabeça é devorada pela fêmea durante o acasalamento. Só uma outra Assembléia ou Convenção Constituinte é que pode gerar uma nova Constituição”. Em 05 de

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outubro de 1988, por volta das dezessete horas, promulgada a Constituição, a Assembléia Nacional Constituinte brasileira extinguiu-se. Para sempre.

Formas de manifestação

Há várias formas de manifestação do poder constituinte originário: a outorga, o bonapartista e a democrática. As duas primeiras não têm compromisso com a legitimação democrática do poder e do ordenamento jurídico. Prescindem da participação popular. Consistem, sob essa ótica, em verdadeira negação do poder constituinte do povo.

A forma democrática de exercício do poder constituinte pode ser classificada em quatro modos, conforme o lugar e o momento histórico em que tem sido utilizada para a elaboração da Constituição:

a) exercício direto do poder constituinte – um grupo de pessoas que assumiu o poder para governar transitoriamente elabora um projeto de Constituição e submete-o, diretamente, à apreciação popular. O projeto pode ser aprovado por referendo ou, pelo menos em tese, por aclamação. Após tal aprovação, a Constituição é promulgada sem que tenha existido uma Assembléia Nacional Constituinte;

b) exercício indireto do poder constituinte – o poder constituinte é exercido por um órgão cujos membros são eleitos pelo povo. Esse órgão – Assembléia Constituinte ou Convenção Constituinte – elabora a Constituição e a promulga. Exemplo: Assembléia Nacional Constituinte de 1988;

c) forma mista de exercício do poder constituinte – o poder constituinte é exercido por um órgão – Assembléia Constituinte ou Convenção Constituinte. Elaborada a Constituição, esta é submetida à aprovação popular;

d) exercício pactuado do poder constituinte – o poder constituinte é exercido de forma consensual. O pacto celebrado entre forças antagônicas faz nascer, de forma consensual, a Constituição. O equilíbrio de forças, embora precário, gera a Constituição pactuada.

Características

Podem ser apontadas várias características para identificar o poder constituinte originário. No âmbito desse estudo, entende-se o poder constituinte como sendo inicial, incondicionado e ilimitado.

Inicial. O poder constituinte originário inicia, instaura, inaugura,

implanta uma nova ordem jurídica. Como já afirmado anteriormente, ele pode fazer isso a partir do nada, quando cria o Estado e lhe dá a primeira Constituição, ou a partir de uma ruptura da ordem jurídica existente, quando estabelece um novo tipo de Estado e lhe dá uma nova Constituição,

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substituindo a anterior. Na primeira hipótese, ele cria o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Na segunda, ele substitui esse fundamento.

Com a obra do poder constituinte, algo nasce e algo morre, visto que, a um só tempo, o poder constituinte cria e mata, parteja e sepulta. No instante, em que o velho e o novo se encontram mortalmente, o poder constituinte realiza o féretro de uma Constituição e, ao mesmo tempo, o partejamento de outra. Nesse sentido, ele é, a um só tempo, poder constituinte e poder desconstituinte.

Sob tal perspectiva, reconhece-se que, “no fundo, o poder constituinte se revela sempre como uma questão de ‘poder’, de ‘força’ ou de ‘autoridade’ política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política”.

O momento de ruptura – em que o velho morre e, em seu lugar, nasce o novo – representa um ponto alto do constitucionalismo. A nova Constituição, fundamento de validade da ordem jurídica, substitui um Estado por outro. Porém, “só uma Constituição pode trocar o Estado por outro. Não um Estado a trocar sua Constituição por outra. E mais: o Direito feito para o Estado tem de permanecer o referencial do Direito feito pelo Estado, durante todo o tempo de vigência da obra que uma dada Assembléia Constituinte vier a promulgar”.

Desse modo, em 1988, no Brasil, não houve apenas a substituição de uma Constituição por outra. O que ocorreu, na verdade, foi a substituição do fundamento de validade do ordenamento jurídico. A nova Constituição, fruto do poder constituinte originário, criou um novo tipo de Estado, passou a ser o núcleo irradiador de legitimidade para todo o ordenamento jurídico.

Incondicionado. A incondicionalidade refere-se ao procedimento. O

poder constituinte cria as regras de acordo com as quais, em seguida, irá trabalhar. Não está condicionado a nenhuma regra jurídica pré-existente, podendo expressar-se por meio da forma que escolher. Cria suas próprias regras (regimento interno), as quais irá observar para elaborar a Constituição (a primeira ou uma nova). Criadas as regras, ele passa a atuar balizado por elas para elaborar a Constituição. É incondicionado, assim, porque não precisa observar as regras jurídicas que existem e regulam o nascimento de normas infraconstitucionais ou de normas constitucionais de reforma.

Isso já foi constatado pelo teórico do poder constituinte: “Qualquer que seja a forma que a nação quiser, basta que ela queira; todas as formas são boas, e sua vontade é sempre a lei suprema”.

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Pode-se mencionar o exemplo de 1987, quando, ao dar início aos trabalhos de elaboração da Constituição, a Assembléia Nacional Constituinte aprovou seu Regimento Interno, com base no qual passou a trabalhar.

Ilimitado. O poder constituinte originário não conhece limites para

atuar. É livre para escolher os valores que pretende assegurar na Constituição. Por exemplo, pode estabelecer o Estado federal ou o unitário, instituir ou proibir a pena de morte, restringir o direito adquirido etc.

O poder constituinte originário, por ser ilimitado, não fica submetido à Constituição que edita. Ao contrário, poderá substituí-la, quando entender necessário. “Não só a nação não está submetida à Constituição, como ela não pode estar, ela não deve estar, o que equivale a dizer que ela não está”.

Compreendendo a radicalidade do poder constituinte, tem-se afirmado que há dois poderes que tudo podem: o poder de Deus no Céu e o poder constituinte na Terra. O poder de Deus dá início ao mundo em geral, cuja obra terá seqüência com a natureza e os seres humanos. Mas há outro poder – o poder constituinte – que dá início à criação do mundo jurídico em particular, prescrevendo o modo pelo qual esse mundo jurídico irá receber seus complementos, que são necessários e infinitos.

O poder constituinte, em razão de sua ilimitabilidade, pode tudo. Todavia, esse poder tudo necessita ser mais bem compreendido.

A tese, segundo a qual o poder constituinte é ilimitado, tem sido rejeitada. Fala-se, por conseguinte, em uma ‘vontade de constituição’ capaz de condicionar a vontade do criador. A doutrina (CANOTILHO, 2002, p. 81) mostra a existência de algumas condicionantes, assim resumidas:

a) se a Constituição a ser elaborada deve ter por escopo organizar e limitar o poder, então o poder constituinte, ao fazer sua obra, estará condicionado por esta “vontade de constituição”. Deseja-se o poder organizado e limitado e esta circunstância condiciona a vontade do criador;

b) o poder constituinte é “estruturado e obedece a padrões e modelos de condutas espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade” (CANOTILHO, 2002, p. 81). Esses valores condicionam sua atuação;

c) certos princípios de justiça, impregnados na consciência de homens e mulheres, são condicionantes incontornáveis da liberdade e onipotência do poder constituinte. Se pode tudo, já não lhe é permitido contrariar os princípios de justiça, como, por exemplo, o de que não se deve lesar a outrem;

d) o poder constituinte, embora seja a expressão máxima da soberania popular no âmbito do Estado-nação, não pode simplesmente ignorar princípios de

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Direito Internacional. Ao contrário, deve estar vinculado a alguns desses princípios, tais como o princípio da independência, o princípio da autodeterminação dos povos, o princípio da prevalência dos direitos humanos, o princípio da igualdade entre os Estados, o princípio da defesa da paz e o princípio da solução pacífica dos conflitos.

Poder reformador Noção

O poder reformador tem vários nomes: poder constituinte reformador, poder de reforma constitucional, poder constituinte de segundo grau, poder constituinte secundário, poder constituído, poder instituído, poder de emenda constitucional, poder de emendabilidade, poder constituinte derivado, competência reformadora e competência constituinte derivada.

Utilizar-se-á a terminologia poder reformador. Trata-se do poder que, previsto na própria Constituição, é encarregado de fazer alterações que esta necessita. Sob tal ótica, ele “visa, em última análise, permitir a mudança da Constituição, a adaptação da Constituição às novas necessidades, a novos impulsos, a novas forças, sem que para tanto seja preciso recorrer ao Poder Constituinte originário”. Seu objetivo é “permitir a modificação da Constituição dentro da ordem jurídica, sem uma substituição da ordem jurídica, sem a ação, quase sempre revolucionária, do Poder Constituinte originário”.

O poder reformador atua por meio de duas formas, para alterar a Constituição: emenda ou revisão. A emenda deve ser utilizada quando se pretende fazer mudanças específicas, pontuais, localizadas (art. 60). A revisão, quando o objetivo for realizar alterações gerais na Constituição (ADCT, art. 3º). Frise-se que, no Brasil, já se fez uma revisão constitucional, não mais sendo possível utilizar este mecanismo para alterar a Constituição.

Natureza

O poder reformador é um poder de Direito. Tem, portanto, natureza jurídica, estando submetido às regras estabelecidas na Constituição Federal.

Titular

Pode-se identificar diferentes titularidades do poder de reforma, conforme o olhar do estudioso: a) um órgão estatal, em regra o Parlamento, sendo que, no caso brasileiro, seria o Congresso Nacional; b) o próprio titular do poder constituinte originário, que é o povo. Se este detém a titularidade do poder de fazer a Constituição, nada impediria que a detivesse para reformá-la.

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Agente

O agente do poder reformador é um órgão estatal, indicado pelo poder constituinte originário, devendo estar previsto na própria Constituição. No caso brasileiro, é o Congresso Nacional (art. 60, § 2º). Mas não se deve olvidar que o agente do poder de reforma constitucional será aquele que o poder constituinte originário disser que é. Por exemplo, a Constituição francesa de 1958 atribuiu ao presidente da República a competência para reformar a Constituição.

Formas de manifestação

O poder reformador, ao alterar a Constituição, pode atuar de duas formas: a) aprova a Emenda à Constituição e a promulga; b) aprova a Emenda à Constituição e, em seguida, submete à votação popular, para ser ou não referendada. Fala-se, nesse caso, em referendo constitucional.

Características

O poder reformador é derivado, condicionado e limitado. Trata-se, portanto, de um poder localizado no campo do Direito que o Estado produz, não existente por si, visto ter sido criado pelo poder constituinte originário.

Derivado. O poder de reforma da Constituição deriva do poder

constituinte originário, que o inseriu na Constituição. Ao contrário do seu criador, ele não inaugura, não instaura, não implanta uma nova ordem jurídica. Apenas atua no sentido de modificá-la.

Condicionado. O exercício do poder de reforma constitucional deve

observar os critérios estabelecidos na própria Constituição (art. 60). O processo de iniciativa, elaboração, discussão, votação e promulgação da Emenda à Constituição será aquele estabelecido pelo poder constituinte originário, completado, quando for o caso, por normas regimentais.

Limitado. Há limites ao poder de reforma constitucional. Ele não é

livre para agir. As limitações a ele impostas são de várias espécies: processuais, circunstanciais, temporais e materiais:

a) limitações processuais – são limitações de forma, de procedimento, de modo de fazer. O poder reformador, ao produzir normas constitucionais, terá que observar o procedimento estabelecido na Constituição. Assim: 1) o projeto de emenda constitucional deve ser subscrito pelo Presidente da República; por um terço, no mínimo, de Deputados Federais ou Senadores; ou por mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação (art. 60, incisos I, II e III); 2) a aprovação da emenda constitucional deve

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obter, por duas vezes, os votos favoráveis de três quintos dos parlamentares, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ou seja, são necessários três quintos dos votos, duas vezes na Câmara dos Deputados, e três quintos dos votos, duas vezes no Senado (art. 60, § 2º);

b) limitações circunstanciais – são, por óbvio, limitações de circunstância. Quando estiver presente uma das circunstâncias previstas na Constituição (art. 60, § 1º), esta não poderá ser emendada à Constituição. Desse modo, o poder reformador está impedido de atuar quando estiver em vigência o estado de sítio, o estado de defesa ou a intervenção federal. Presente uma dessas circunstâncias, não pode ser protocolado novo projeto de emenda constitucional e as que estiverem tramitando têm seu curso paralisado. Superada a circunstância, no entanto, o poder de emendabilidade pode retomar seu curso natural;

c) limitações temporais – O poder de reforma constitucional permanece imobilizado por certo lapso de tempo. Em dois momentos, o poder constituinte originário criou tais limitações na Constituição de 1988: 1) proibiu que a Constituição fosse alterada nos primeiros cinco anos, contados da data de sua promulgação pela Assembléia Nacional Constituinte (ADCT, art. 3º); 2) proibiu que a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada ou havida por prejudicada seja objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, ou seja, no mesmo ano em que foi rejeitada ou tida por prejudicada (art. 60, § 5º).

A Constituição de 1824, por exemplo, também estabeleceu uma limitação temporal ao poder reformador, impedindo que a Constituição pudesse ser alterada nos quatro primeiros anos de vigência (art. 174);

c) limitações materiais – são limitações impostas ao poder reformador que dizem respeito a certas matérias. Há determinadas matérias sobre as quais não pode haver emenda constitucional com o escopo de suprimir ou restringir. Há limitações materiais explícitas e, também, implícitas. As limitações materiais explícitas são as do art. 60, § 4º. Não pode haver emenda constitucional tendente a abolir (total ou parcialmente) qualquer das matérias ali referidas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes e os direitos e garantias individuais.

Todavia, há outras limitações que, embora não estejam expressas na Constituição (daí serem chamadas de implícitas), incidem sobre o poder de reforma constitucional. Podem ser relacionadas as seguintes limitações implícitas ao poder reformador:

1) não pode mudar o titular do poder constituinte originário; 2) não pode substituir o titular do próprio poder reformador, ou seja, substituir-se a si

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mesmo por outro; 3) não pode alterar o processo de elaboração da emenda constitucional, quando o objetivo for facilitar alterações constitucionais; 4) não pode alterar a cláusula que instituiu as cláusulas pétreas, ou seja, não pode alterar (revogar total ou parcialmente) o art. 60, § 4º da Constituição Federal e 5) não pode extinguir o Estado.

Poder constituinte decorrente

Entende-se por decorrente o poder que, no Estado federal, é concedido aos seus membros de elaborarem suas próprias constituições. Torna-se importante estudá-lo, na medida em que o Brasil é um Estado federal.

O poder constituinte originário assegurou a cada Estado, como unidade da Federação, o poder de organizar-se e de reger-se pela Constituição e pelas leis que adotar, dentro dos limites da Constituição Federal (art. 25). Ao prever o poder de o Estado-membro organizar-se, concedeu-lhe o poder de criar sua própria Constituição, ou seja, criar normas constitucionais estaduais.

Por outro lado, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o constituinte originário fixou prazo para a elaboração das constituições estaduais: “Cada Assembléia Constituinte, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta” (art. 11).

5 - HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Sob a expressão “Hermenêutica Constitucional”, enquadra-se a análise da

Validade, Vigência, Aplicabilidade, Interpretação e Integração das Normas Constitucionais (Visão Abrangente). Na visão em Sentido Estrito

Hermenêutica Jurídica significa, apenas, interpretação.

Validade

Validade pressupõe elaboração de normas segundo o Processo Legislativo Previsto (Validade Formal), bem como, a compatibilidade do Conteúdo das Normas com o Ordenamento Vigente (Validade Material).

As Normas Constitucionais Originárias são sempre válidas, pois, foram produzidas pelo Poder Constituinte Originário, que é Ilimitado e Incondicionado. O STF reconheceu que não cabe a um Poder Constituído invalidar Norma produzida pelo Poder Constituinte Originário. O STF, por mais de uma vez (ADI 815, 3300) não admitiu a aplicação, no Brasil, da Tese

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da Inconstitucionalidade de Normas Constitucionais Originárias, Tese esta desenvolvida pelo Alemão Otto Bachof.

Segundo esta Tese, seria possível a Declaração de Inconstitucionalidade de Normas Originárias da Constituição que violassem um Direito Suprapositivo, como o Direito Natural ou, então, que violassem o Núcleo Central da própria Constituição, como as Cláusulas Pétreas.

No Brasil, admite-se apenas a possibilidade de Declaração de Inconstitucionalidade de Normas Constitucionais Derivadas, ou seja, produzidas pelo Poder Constituinte Derivado Reformador (Ex: EC’s). Neste caso, pode-se questionar a Validade Formal ou Material.

Vigência

É a qualidade da norma, que dá a ela Força de Execução Compulsória. As Normas Constitucionais Originárias e Derivadas tem Vigência Imediata, via de regra, salvo, expressa previsão em sentido contrário na própria Norma Constitucional. A Repercussão da vigência de uma Nova Constituição em relação ao Ordenamento Jurídico Anterior é a seguinte:

a) Em relação a Constituição Anterior: No Brasil, prevalece a posição de

que a Nova Constituição provoca a Revogação Total ou Ab-rogação da Constituição Anterior, salvo, expressa menção em sentido contrário na Nova Constituição (art. 34, do ADCT);

b) Desconstitucionalização: O STF não admitiu no Brasil. Seria o

fenômeno pelo qual as normas da Constituição Anterior Compatíveis com a Nova Constituição, teriam sua Vigência Preservada, mas, com outra natureza, pois, passariam a ser Leis Infraconstitucionais. Diante da posição do STF que não reconheceu esse fenômeno, só será possível o Reconhecimento da Desconstitucionalização, por previsão expressa em uma Futura Constituição Brasileira. Da mesma maneira, só será admitida a Repristinação de Normas Constitucionais por previsão expressa em uma Futura Constituição.

Consequências da Vigência de uma Nova Constituição em relação a uma Legislação Infraconstitucional Anterior

Aplica-se no Brasil o Princípio da Recepção. Isto significa que, a Legislação Infraconstitucional Anterior Compatível com a Nova Constituição terá sua vigência mantida, sendo recepcionada. Ocorre verdadeira Novação da Legislação Anterior.

Para a verificação da Recepção promove-se, apenas, um Juízo de Conformidade Material, ou seja, é suficiente que o Conteúdo da Legislação

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