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ANÁLISE DE UMA PIADACONFORME A TEORIA DA RELEVÂNCIA

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Academic year: 2021

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Leila Minatti Andrade∗

RESUMO: O presente artigo aplica os conceitos da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995) em consonância com as concepções teóricas do humor, no percurso interpretativo/comunicativo de uma piada de Joãozinho. O gênero piada revela-se como rico e abundante material de pesquisa por isso merece ser estudado. A escolha da piada de Joãozinho é devido à irreverência desse personagem e por nos parecer um campo vasto e pouco explorado. Isso nos motiva a tentar descobrir por que Joãozinho é o protagonista das piadas escolares e faz com que busquemos alternativas que revelem como o mecanismo cognitivo processa a interpretação humorística desse tipo de piada.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Relevância. Humor. Incongruência

1. Introdução

Alguns estudos sobre piada já foram desenvolvidos no Brasil, no entanto esse gênero continua sendo muito estigmatizado. Provavelmente por ser uma narrativa breve, anônima e cheia de preconceitos. Apesar de não ser um gênero valorizado no mundo acadêmico, acreditamos que as piadas contêm um material riquíssimo para trabalhar a compreensão e interpretação de textos de uma forma lúdica, atraente e divertida. Para Possenti (1998)1, a análise de chistes é interessante para os estudiosos da linguagem e das Ciências Humanas, porque praticamente só há piadas sobre temas que são socialmente controversos. Assim sendo, antropólogos e sociólogos poderiam ter nelas um excelente corpus para reconhecer ou confirmar diversas manifestações culturais e ideológicas, valores arraigados, etc. Uma análise de um livro de piadas mostrará que elas versam sobre: sexo, política, racismo, canibalismo, igreja, escola, casamento, maternidade, loucura, morte, desgraças, sofrimento, defeitos físicos, etc.

De acordo com Santos (2009), a piada não é um gênero bem visto no meio acadêmico, talvez por ser um texto breve, de origem popular, que geralmente fere a ética e a conduta humana e por abordar temas vistos como politicamente não corretos. No entanto, conforme Santos (2009, p.5), é

justamente por ser um texto relativamente breve, por ser anônimo, de domínio popular, por abordar temas politicamente não-corretos, por fazer parte do imaginário coletivo, do folclore brasileiro, por pertencer à cultura popular, a piada pode e deve ser analisada não só textualmente e psicologicamente, mas filosoficamente, sociologicamente, retoricamente, literariamente, estilisticamente e, é claro, linguística e pragmaticamente, pois se revela como rico e abundante material de pesquisa, porque já vem com uma certa garantia de humor.

Para Possenti (1998), as piadas revelam discursos com representações grosseiras, estereotipadas. Nas anedotas, judeu só pensa em dinheiro, mulher inglesa é fria, português é burro, gaúcho é afeminado, japonês tem o pênis pequeno, nordestino é mais potente do que qualquer gringo grandalhão, esposa é infiel e mineiro é o mais esperto. Quem produz piadas,

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Professora do Instituto Federal Catarinense – campus Sombrio. Ma. em Ciências da Linguagem. leila.minatti@ifc-sombrio.edu.br

1 Possenti (1998) não trabalha sobre os processos inferenciais de interpretação da piada nos moldes que

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trabalha com as desgraças do ser humano, pois, para muitos psicólogos, o riso está associado como desprezo e escárnio das infelicidades humanas.

É importante destacar que, no Brasil, ainda são poucos os estudos de base pragmática sobre a interpretação de piadas. Conforme indica Santos (2009, p. 2), em trabalho de tese sobre interpretação de piadas, “as poucas publicações brasileiras sobre humor, na sua maioria artigos avulsos de congressos e revistas, não se aprofundam na interpretação da piada, resumindo-se a análises linguísticas de tiras, quadrinhos, cartoons”.

Quando começamos a ler piadas, ficamos impressionados com a facilidade de encontrarmos piadas sobre o Joãozinho. Por que não Mariazinha? Por que é um homem o protagonista das piadas escolares? Bem, há um estereótipo de que as meninas são mais educadas, calmas e obedientes e que os meninos, ao contrário, são levados, mal educados, desobedientes, porém espertos. Joãozinho seria um exemplo disso. Observemos essa piada:

Na escola, a professora falava dos animais: * Para que serve a ovelha, Marcinha? * Pra nos dar a lã, fessora... * E para que serve a galinha, Marquinho? * Pra nos dar os ovos... * E para que serve a vaca, Joãozinho? * Pra nos passar o dever de casa...

Nessa piada, Joãozinho surpreende a professora com uma resposta ofensiva. E assim são vistos alguns meninos, como maus alunos. Esse estereótipo seria uma falsa generalização. Faz parte de nossa memória enciclopédica, mas não é um fato, já que existem maus alunos independentemente do sexo.

Segundo Pierrot e Amossy (2001), os estereótipos são imagens coletivas resultantes de expectativas, hábitos de julgamento ou falsas generalizações recorrentes na sociedade sobre determinado grupo. Para as autoras, essas imagens são fictícias: “no porque sean mentirosas, sino porque expresan un imaginario social” (PIERROT;AMOSSY, 2001, p.32)

Apesar de os meninos serem tachados como “burros”, nas piadas de Joãozinho, o que ocorre é uma irreverência, uma malandragem: ele é mais esperto do que burro. Na piada acima, Joãozinho optou por não dizer o óbvio (a vaca serve para dar leite), para comunicar sua indignação: “pra nos passar o dever de casa”. O que demonstra que Joãozinho é preguiçoso, que não quer, gosta ou tem vontade de fazer o dever de casa. O que causa o humor é que o discurso veiculado por Joãozinho causa uma ruptura, uma incongruência, ele explicita um discurso reprimido.

Quando escrevemos/falamos, normalmente evitamos certos discursos para não ofender nosso leitor/interlocutor. Nas piadas, aquilo que é inaceitável e proibido dizer em determinadas circunstâncias, encontra espaço para ser enunciado de forma implícita ou explícita. São livres de controles do discurso. Nelas podem haver preconceitos (loiras burras), racismo (negros são ladrões, portugueses são burros), generalizações (gaúchos são gays, sogras são chatas, casamentos são por interesse). Nas piadas, aquilo que é inaceitável e proibido dizer em certas circunstâncias encontra espaço para ser enunciado direta ou indiretamente, de forma subentendida. No caso específico das piadas de Joãozinho, os meninos são representados como maus alunos. Além disso, uma outra “verdade” aparece contada sem maiores censuras: os professores são chatos e não possuem (ou possuem pouco) conhecimento, contrapondo-se ao discurso corrente durante anos na sociedade (e ainda muitas vezes repetido) que coloca o aluno como uma “tábula rasa” e o professor como detentor de todo o conhecimento, dedicado, paciente. Assim, ao discurso que valoriza as virtudes dos professores, contrapõe-se o discurso das piadas, o seu contradiscurso.

Sabemos que a piada é uma narrativa curta, cujo final é engraçado, às vezes surpreendente e que o humor varia em cada cultura. O que é engraçado para um povo, pode não ser para outro. Observamos diversos temas recorrentes de piadas: de loiras, de negros, de gaúchos, de portugueses, de bêbados, de Joãozinho, etc. Estudando um pouco mais sobre

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Joãozinho, observamos que, em outros países, também existem “Joãozinhos”. Na cultura hispana, Jaimito e suas variações (Pepito/Benito/Toto/Pierino) é o protagonista principal conforme as diferentes culturas dos popularmente conhecidos como chistes de Jaimito. Assim como Joãozinho, Jaimito é um menino pequeno, bastante levado e continuamente está fazendo perguntas bobas para as pessoas. Estas piadas com frequência tratam de temas sexuais ou considerados de mau gosto. Esse personagem é usado amplamente na Espanha e nos países hispano-americanos e é comum que se repitam suas piadas nas reuniões de amigos e, inclusive, em reuniões familiares.

Optamos, então, por analisar piadas de Joãozinho por nos parecer um campo vasto e pouco explorado e por, posteriormente, podermos relacionar com os chistes de Jaimito, tentando encontrar os contínuos e as rupturas que por ventura surgirão.

Nosso intuito, nesse artigo, é aplicar os conceitos da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995) em consonância com as concepções teóricas do humor, no percurso interpretativo/comunicativo de uma piada de Joãozinho tentando verificar como se produzem os processos inferenciais e como o mecanismo cognitivo processa a interpretação de um enunciado. Optamos por analisar uma piada do Joãozinho, que é o protagonista das piadas escolares no Brasil e em Portugal.

Para dar conta dos nossos propósitos, este artigo foi dividido em mais quatro seções: na primeira seção, fazemos uma discussão geral sobre alguns aspectos da Teoria da Relevância que são importantes para o desenvolvimento de nosso trabalho; na segunda, desenvolvemos os princípios da Teoria da Incongruência e como o conceito de incongruência se ajusta à piada e como o riso é ou não gerado a partir dela; na terceira, aplicamos os conceitos desenvolvidos nas seções anteriores e analisamos uma piada; e na seção final, apresentamos as discussões finais de nossa análise em consonância com a fundamentação teórica apresentada.

2 Breves apontamentos sobre a Teoria da Relevância

De acordo com Sperber e Wilson (2001), desde Aristóteles até a semiótica moderna, as teorias da comunicação sempre se basearam em uma concepção de código, segundo a qual a comunicação decorre da codificação e da decodificação de mensagens. No entanto, o modelo de código não dá conta de explicar integralmente a comunicação humana. Podemos constatar isso no seguinte exemplo, no qual a mãe pergunta ao filho:

(1a) Mãe: Filho, são 7h, você não vai levantar? (1b) Filho: Mãe, estou de férias.

A decodificação da sentença do filho acabou sendo integrada ao ambiente cognitivo da mãe, que supostamente mobilizou um conhecimento prévio semelhante a (2a), que lhe permitiu gerar o esquema condicional (2b) de que se seu filho está de férias não precisa acordar cedo.

(2a) Quem está de férias, não precisa acordar cedo. (2b) Se seu filho está de férias, ele não irá acordar cedo.

O que ocorreu aqui foi um processo de inferência, que é diferente do processo de decodificação, já que neste toma-se um sinal como input para produzir como output uma mensagem integrada com o sinal através de um código que deve ser conhecido pelos participantes do diálogo. Em contrapartida, no processo de inferência, é tomado um conjunto de premissas como input, a partir disso será produzido o output, que será um conjunto de conclusões que acontecerão a partir daquelas premissas.

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Sperber e Wilson elaboram em sua Teoria da Relevância (1986) um modelo cognitivo da comunicação humana baseado numa reformulação das ideias de Grice (1975) em torno do Princípio de Cooperação2. Eles rejeitam explicitamente o modelo de código da comunicação em favor do modelo inferencial não demonstrativo3. Os autores sugerem que os falantes possuem um mecanismo cognitivo inerente que lhes permite elaborar hipóteses interpretativas (inferências) dentre todas as possíveis interpretações que um enunciado pode produzir em um contexto conversacional dado.

O modelo inferencial de Grice é, então, o ponto de partida para uma nova abordagem do processo comunicacional. Para Silveira e Feltes (2002, p.21-22), “através do processo inferencial seria possível explicar, então, como os enunciados podem comunicar o que tradicionalmente se tem chamado de conteúdos explícitos e implícitos das mensagens. ”

O Princípio de Cooperação está ligado a quatro categorias constituídas por máximas que devem ser obedecidas. Sperber e Wilson (2001) discordam da ideia de que os falantes devem obedecer às máximas postuladas para o sucesso da comunicação, além disso, rejeitam a violação das máximas. Para esses autores, não há violação da norma comunicativa, já que a compreensão verbal se dá através da busca da Relevância, que é uma propriedade natural da cognição humana, sendo assim, não tem que ser “obedecida”. A TR é, portanto, um mecanismo cognitivo orientado sempre à maximização da relevância e à economia do processamento mental e tem como princípio: “Todo ato de comunicação ostensiva comunica a presunção de sua própria relevância ótima” (1986, 1995, p.158)

A relevância é o princípio que explica todos os atos comunicativos linguísticos. Prestamos atenção ao nosso interlocutor porque acreditamos que o que ele diz é relevante. Damos uma grande importância à cooperação por isso sempre esperamos que nosso interlocutor seja relevante: para ganharmos conhecimentos sem ter que usar estratégias desmedidas de interpretação. Um enunciado é mais relevante quanto mais efeitos cognitivos produzir e menos esforço se tiver que fazer na interpretação.

Para a Teoria da Relevância, tanto o código quanto os aspectos pragmáticos (de natureza inferencial) são igualmente essenciais para o processo comunicativo. A comunicação ocorre levando em conta a “relevância”, que é inerente à compreensão espontânea de enunciados, portanto, faz parte do aparelho cognitivo do ser humano.

Conforme Sperber e Wilson (2001), o comunicador deve ser ostensivo – produzindo estímulos para realizar sua intenção informativa – e o ouvinte deve fazer as devidas inferências tentando interpretar o que lhe foi comunicado.

Podemos dizer que o fato de comunicar uma intenção informativa pressupõe que esteja ocorrendo uma intenção comunicativa. Portanto, a comunicação ostensivo-inferencial, do ponto de vista intencional, tem dois componentes:

i) uma intenção informativa – intenção que o falante tem de informar;

ii) e uma intenção comunicativa – intenção de ser reconhecida a intenção informativa.

Esse modelo de comunicação ostensivo-inferencial está baseado na relação entre efeitos contextuais e esforço de processamento, sendo que quanto mais efeitos contextuais e menos esforço de processamento, maior a Relevância. A recíproca é verdadeira.

2O Princípio de Cooperação: Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que está engajado.

3O modelo de código somente compreende o enunciado, ou seja, codifica e decodifica, não interpreta e ignora o

contexto. Sperber e Wilson propõem um modelo inferencial não demonstrativo, no qual o processo interpretativo não deve mais ser preenchido simplesmente por decodificação e sim por inferências. Esse processo de compreensão inferencial é chamado de não-demonstrativo, pois não pode ser provado, apenas confirmado.

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Uma suposição só será relevante se tiver efeitos contextuais, os quais podem ocorrer de três modos diferentes:

Por implicação contextual (consiste na combinação de informações velhas com informações novas);

Pelo fortalecimento (ou enfraquecimento) de suposições e Pela eliminação de suposições contraditórias.

É importante ressaltar que existem quatro formas de se obter suposições: por input perceptual; por input linguístico; pela ativação de suposições estocadas na memória (conhecimento enciclopédico) e por deduções.

Além dos efeitos contextuais, há um segundo fator envolvido na caracterização da Relevância: o esforço de processamento. De acordo com Silveira e Feltes (2002, p. 44), “a mente opera de modo produtivo ou econômico, no sentido de alcançar o máximo de efeitos com um mínimo de esforço. ”

A Teoria da Relevância propõe que só há comunicação se houver uma mudança no ambiente cognitivo do indivíduo e algumas teorias argumentam que a comunicação é explicada em termos de um ‘conhecimento mútuo’. Esses são os assuntos que vamos discutir no próximo subtópico.

2.1 Ambientes Cognitivo e Conhecimento Mútuo

Alguns pragmaticistas têm descrito a compreensão verbal como um processo inferencial, o qual inicia com um conjunto de premissas e resulta num conjunto de conclusões. O conjunto de premissas utilizado na compreensão de uma elocução é chamado de contexto, o qual é formado por um subconjunto das suposições que o ouvinte tem do mundo. Embora vivamos no mesmo ambiente e falemos a mesma língua não necessariamente teremos as mesmas suposições do mundo. Se falamos línguas diferentes é muito provável que nossas suposições de mundo sejam diferentes.

Conforme Sperber e Wilson (1986, 1995), o ambiente cognitivo de um indivíduo nada mais é que as suposições que o indivíduo manifesta em um determinado momento e que aceita como verdadeiras. Inclui todos os processos mentais que o ouvinte acessa para interpretar uma fala, ou seja, abarca todas as suposições que o ouvinte faz a partir de um estímulo ostensivo. Elas não necessariamente são verdadeiras e são incorporadas pela mente de variadas maneiras, são chamadas de suposições factuais. A partir das suposições, inicia-se um processo de inferência cujo objetivo é aperfeiçoar a representação de mundo do indivíduo. As suposições variam em graus de força e quanto mais uma suposição for representada, mais acessível ela se torna.

Conforme Cursino (2010, p.16),

a compreensão da piada especificamente quando desmascara aspectos “indizíveis” das relações sociais, leva o leitor a uma “redefinição da realidade”, produzindo nele uma “mudança de crenças”, ou seja, uma mudança no seu ambiente “sócio-cognitivo”. E no texto do humor, o riso torna-se, de forma evidente, o resultado de uma experiência cognitiva: a compreensão.

Para que haja eficácia na comunicação, alguns pragmaticistas acreditam na ideia do conhecimento mútuo, por outro lado, outros estudiosos argumentaram que o conhecimento mútuo não uma é realidade, mas um ideal que as pessoas tentam atingir. É praticamente impossível duas pessoas partilharem entre si um total conhecimento mútuo. Conforme Sperber e Wilson (1986, 1995, p.51), “o conhecimento mútuo tem de ser sentido como certo, ou então não existe; e como nunca pode ser sentido como certo, nunca pode existir”. Concordamos com os autores, pois nenhum conhecimento é exatamente igual.

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No próximo tópico descreveremos brevemente o mecanismo dedutivo proposto por Sperber e Wilson (2001), pois é muito importante para entendermos a posterior análise da piada.

2.2. Mecanismo dedutivo

Conforme Sperber e Wilson (2001), quando o ouvinte faz uma inferência ou implicatura é possível fazer uma demonstração das premissas disponíveis naquele momento da conversa por meio da utilização das regras de dedução disponíveis. Temos um mecanismo dedutivo para interpretar um enunciado, o qual toma como input um conjunto de suposições e começa a deduzir sistematicamente todas as conclusões que são possíveis a partir desse conjunto de suposições.

Os autores defendem que as regras de eliminação são as únicas que fazem parte do equipamento dedutivo básico dos seres humanos, as quais dão origem, apenas, a conclusões não triviais, implicações sobre conclusões que são apenas confirmadas, mas não provadas4. Defendem, portanto, a existência apenas de regras de eliminação do tipo eliminação do ‘e’ e modus ponens, como os exemplos abaixo:

REGRA EXEMPLO EM LÍNGUA NATURAL

(A) INPUT: P & Q

OUTPUT: P Carmem é brasileira e faz um curso de culinária. Carmem é brasileira.

(B) INPUT (i) P → Q (ii) P OUTPUT: Q

Se Carmem estudar, aprenderá inglês. Carmem estudou.

Carmem aprendeu inglês.

Em (A), quando eliminamos a conjunção e, cada uma é verdadeira isoladamente. Em (B), existe uma relação de implicação, ou seja, quando a primeira é afirmada (P), segue-se necessariamente a segunda (Q).

Uma única suposição pode ter três tipos de implicação lógica: implicações triviais, implicações analíticas e implicações sintéticas. As triviais são diretamente processadas pelo nosso mecanismo; as analíticas são necessárias e suficientes para a sua compreensão; e as sintéticas têm a ver não tanto com a apreensão da informação oferecida como com a exploração dessa informação ao máximo. Dado um conjunto de suposições {P}, as implicações analíticas são as necessárias e suficientes para a compreensão de enunciados e as sintéticas são o resultado de uma derivação em que foi aplicada pelo menos uma regra sintética (a regra modus ponens é uma regra sintética). Sendo assim, para entendermos uma suposição, devemos, de alguma maneira, implicar logicamente, tanto do ponto de vista analítico quanto do sintético, e caso ocorra uma falha no processamento lógico-dedutivo, acarretará problemas de compreensão.

Para que entendamos melhor, observemos os exemplos das três implicações:

Maria é professora e a luz está acesa. (Implicação trivial) Maria é professora e estudou na UFSC. (Implicação analítica) Se Maria estudar, conseguirá se formar. (Implicação sintética)

4De acordo com Sperber e Wilson (op cit, p. 97), uma implicação lógica não-trivial para uma regra de eliminação é definida

como: “um conjunto de suposições [P] implica logicamente e não trivialmente uma suposição Q se, e apenas se, quando [P] for um conjunto das teses iniciais numa derivação em que existem apenas regras de eliminação, Q pertence ao conjunto das teses finais”.

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Há quatro possibilidades de as suposições entrarem na memória do mecanismo dedutivo: podem vir da percepção, da decodificação linguística ou da memória enciclopédica, ou podem ser acrescentadas à memória do mecanismo como resultado do próprio processo dedutivo. Quando acrescentamos uma informação nova a um contexto de uma informação antiga isso trará, além de implicações contextuais, implicações analíticas e talvez sintéticas próprias. Uma implicação contextual é, portanto, o resultado da interação de uma informação antiga e de uma nova. “Em igualdade de condições, quanto maior for o número das implicações contextuais, mais essa nova informação irá melhorar a existente representação do mundo do indivíduo. ” (SPERBER; WILSON, 1986, 1995, p. 174).

Para Sperber e Wilson (2001), cada tipo de informação possui uma entrada específica, as quais se dividem em três:

a) Entrada lógica: é constituída por um conjunto de regras de dedução que descrevem formalmente um conjunto de suposições de premissas e de conclusões;

b) Entrada enciclopédica: constituída por um conjunto de informações sobre a extensão e/ou denotação do conceito, ou seja, objetos, eventos e /ou propriedades que o representam;

c) Entrada lexical: é o local onde estão armazenadas as informações sobre os aspectos morfossintáticos e fonológicos da palavra que expressa esse conceito. Se disséssemos, por exemplo, a palavra hipopótamo, a entrada lexical, além de sua pronúncia, indicaria que é um substantivo concreto, comum, singular (nessa ocorrência), etc. A entrada enciclopédica indicaria que é um animal grande, mamífero, que vive nos lagos, etc.

Para a Teoria da Relevância, há três níveis representacionais no processo interpretativo inferencial:

a) forma lógica: é um conjunto de representações semânticas sem valor de verdade e se relaciona com o processo de decodificação;

b) explicatura: é desenvolvida por meio de processos inferenciais que completam a informação explícita, ou seja, é uma combinação de traços conceituais linguisticamente codificados e contextualmente inferidos;

c) implicatura: parte da explicatura e vai operando a sequência apenas em nível inferencial.

Em um contexto no qual toda a família sabe que hoje é o último dia para pagar a prestação do carro sem multa e é a mãe quem, normalmente, faz esse pagamento. O pai pergunta ao filho: “Cadê a mãe?”, o filho responde: “Ela foi lá”. O enunciado “Ela foi lá” teria os seguintes níveis representacionais:

Forma linguística: Ela foi lá.

Forma lógica: Ir x, αlugar

Preenchimento das entradas lógicas:

Ela [MÃE] foi lá [BANCO] ∅ [PAGAR A PRESTAÇÃO DO CARRO] Explicatura:

O FILHO DISSE QUE A MÃE FOI AO BANCO PAGAR A PRESTAÇÃO DO CARRO. Implicatura:

A mãe não vai pagar multa.

Sintetizamos, nessa seção, apenas os tópicos da Teoria da Relevância que nos pareceram necessários para a demonstração da análise de uma piada que faremos posteriormente. Neste momento, serão apresentados alguns tópicos da Teoria da

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Incongruência, que nos parecem primordiais. Explicaremos os princípios da Teoria da Incongruência e como o conceito de incongruência se ajusta à piada e como o riso é ou não gerado a partir dela.

3. Breves apontamentos sobre a Teoria da Incongruência

Atribui-se a Kant (1791) a hipótese do conceito de incongruência aplicada ao riso. Para Kant, o riso é uma afeição que surge da transformação repentina de uma expectativa tensa em nada, ou seja, a atenção sobre um evento é geralmente atraída para uma expectativa de transformação desse evento que resulta na descoberta súbita (suddenness) de que a expectativa se tornou nada (ATTARDO, 1994; RITCHIE, 2004). Deste modo, o riso, conforme Kant (1791), é um deleite de um jogo de ideias no qual a disposição para a clarividência do fato oscila temporariamente entre a dúvida e o engano. Na teoria kantiana, essa relação entre a expectativa do prazer não é só intelectual, mas também física – faria parte da indissociabilidade entre corpo e espírito.

Para Santos (2009, p.144),

o conceito de incongruência parte da ideia dualística da relação entre percepção e representação do estado das coisas no mundo, mais especificamente da relação entre objetos, conceitos e realidade. Essa postura de considerar o estado das coisas e sua logicidade frente à percepção do quão congruente ou incongruente se apresentam as coisas e ideias no mundo é a premissa básica da teoria da incongruência.

A incongruência é gerada propositalmente e seu objetivo principal é provocar o riso. Conforme Cursino (2010), o riso é uma resposta a uma experiência cognitiva provocada por textos cuja estrutura é elaborada de acordo com um conjunto de fatores que atuam em nível da cognição humana e fazem com que essa incongruência seja um fenômeno provocador do riso. Na teoria da incongruência, “o humor é visto como o resultado de uma experiência cognitiva, em que, na expectativa de um determinado evento, o leitor defronta-se com uma ideia (ou fato) incongruente em relação à expectativa mantida” (CURSINO, 2008, p. 136).

A ideia do elemento surpresa é a premissa para a noção básica da incongruência, que constrange o ouvinte a reorganizar o processo de interpretação do episódio narrado. A incongruência pode ser pensada, na análise pragmática do humor, como a percepção inesperada do desatino de uma expectativa de interpretação.

No entanto, para que o riso aconteça, não basta que o leitor/ouvinte identifique a incongruência, ele precisa conseguir resolvê-la, ou seja, entendê-la, caso contrário ele não rirá. Essa afirmação nos remete à teoria da incongruência-resolução de Suls (1972). Essa teoria propõe que o riso é a manifestação emocional não somente da percepção cognitiva repentina de uma incongruência, mas do prazer gerado por sua resolução.

Yus (1996) também concorda com a teoria da incongruência-resolução, ele acredita que a incongruência é necessária, mas não suficiente para ocorrer o riso. O descobrimento da incongruência produz um aumento da atividade cognitiva acompanhado de um modesto aumento da excitação do prazer, algo que pode ser considerado humorístico, mas o ápice do efeito humorístico parece estar no alívio psicológico (Giles et al. 1976: 144 – apud Yus 1996) que o receptor sente depois de conseguir resolver a incongruência.

Foi o que constatou Oliveira (2012) em sua dissertação de mestrado, na qual analisou, com base no aparato descritivo e explanatório da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986/2001, 1995), os processos ostensivo-inferenciais de duas cenas absurdas do jogo Cenas improváveis de Improvável – um espetáculo provavelmente bom. Em uma das cenas ocorreu o riso, pois a plateia conseguiu perceber a incongruência e solucioná-la, na

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outra cena não houve a deflagração do riso na plateia em decorrência da não percepção e da não resolução da incongruência naquela cena.

Na próxima seção, colocaremos a teoria em prática e analisaremos os processos ostensivo-inferenciais de uma piada de Joãozinho.

4 Análise de uma piada do Joãozinho

Com base no aparato descritivo e explanatório da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986/1995), pretendemos analisar os processos ostensivo-inferenciais da seguinte piada:

1- Irritado com seus alunos, o professor lançou um desafio. 2 - Aquele que se julgar burro, faça o favor de ficar de pé. 3- Todo mundo continuou sentado.

4 - Alguns minutos depois, Joãozinho se levanta.

5- Quer dizer que você se julga burro? - Perguntou o professor,indignado. 6 - Bem, para dizer a verdade, não!

7 - Mas fiquei com pena de ver o senhor aí, em pé, sozinho!

Para a análise de cada enunciado, há quatro versões de descrição. Na versão (a), são apresentados os elementos linguísticos; na versão (b), descrevemos a forma lógica subjacente; na versão (c), apresentamos os preenchimentos das entradas lógicas, de modo a compor a explicatura; e na versão (d), encaixamos a explicatura numa descrição que engloba o ato de fala.

Depois disso, para podermos explicar como o ouvinte interpreta a piada, iremos analisar como se dá a validação lógica das inferências não demonstrativas. Lembrando que inferência é uma forma de fixação daquilo que se acredita, baseado na evidência das premissas fornecidas pelo conhecimento enciclopédico (frames) que o ouvinte/leitor tem. Nesse caso, de escola, professor, aluno, etc. e do script5 da narração da história, seu mecanismo cognitivo de processamento gera hipóteses de interpretação que vão validar, ou não o significado de algumas suposições a serem atribuídas à interpretação da piada.

Salientamos que a formação das hipóteses será submetida às regras da dedução, que vão confirmar ou fortalecer, dentre as suposições relevantes, a mais relevante, isto é, a que mais se ajusta ao desfecho da piada.

Comecemos pelo primeiro enunciado:

(1) Irritado com seus alunos, o professor lançou um desafio.

O enunciado (1) pode ser assim analisado:

(1a) Irritado com seus alunos, o professor lançou um desafio. (1b) (lançarx, y, z αcausa(estar x, y)) = P

(1c) ∅ porque ∅ [O PROFESSOR] ∅[ESTAVA]irritado com seus [DO PROFESSOR]alunos, o professor lançou um desafio ∅[AOS ALUNOS]

(1d) O FALANTE AFIRMA QUE, PORQUE O PROFESSOR ESTAVA IRRITADO COM OS ALUNOS DO PROFESSOR, O PROFESSOR LANÇOU UM DESAFIO AOS ALUNOS.

Conforme Santos (2009, p.260), para analisarmos a interpretação de uma piada, temos que prever que as entradas lexicais do sistema dedutivo-inferencial do ouvinte

5Conforme Attardo (1994, p. 198), um script é “em sentido amplo, uma porção organizada de informação sobre

alguma coisa. É uma estrutura cognitiva internalizada que proporciona ao falante, informações sobre como as coisas são feitas, organizadas, etc”.

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executam automática e instantaneamente a tarefa de identificar os referentes correspondentes às palavras da piada e associar a cada um deles o respectivo conceito. Tomemos alguns referentes e associemos a alguns dos respectivos conceitos:

Irritado: nervoso, incomodado Professor: aquele que ensina

Alunos: aquele que tem aulas com um professor Lançar: expor alguma coisa

Desafio: convocar para um tipo de jogo, para uma disputa

A partir da análise do enunciado (1) e dos conceitos acima já podemos fazer algumas inferências:

S1– Os alunos estavam desobedecendo ao professor (premissa implicada)

S2 – S1→S3 (por modus ponens)

S3 – O professor ficou irritado com a desobediência dos alunos (conclusão

implicada)

S4 – É uma piada que envolve professor e alunos (premissa implicada)

S5– S4→S6 (por modus ponens)

S6– Provavelmente é uma piada de Joãozinho (conclusão implicada)

O professor frequentemente fica irritado com os alunos e na maioria das vezes é devido às conversas excessivas, à postura inadequada, à falta de comprometimento no cumprimento dos deveres e das regras por parte dos estudantes. Quando alguém começa a contar uma piada e fala em professor e alunos já se imagina que seja uma piada de Joãozinho, que é o grande protagonista de piadas escolares.

No segundo enunciado, o professor faz a seguinte proposta:

(2a) Aquele que se julgar burro, faça o favor de ficar de pé. (2b) (falar x (julgar , y, z), y (ficar x, y (ficar x, αmodo))

(2c) Aquele ∅ [ALUNO] que se julgar burro, ∅[ALUNO] faça o favor de ficar de pé. (2d) O PROFESSOR DESEJA QUE AQUELE (A) ALUNO (A) QUE SE JUGAR BURRO (A) FAÇA O FAVOR DE FICAR DE PÉ.

Com base na análise do enunciado (2), produzimos as seguintes inferências:

S7 – Os alunos estavam de pé. (premissa implicada)

S8 – Quem ficar de pé se acha burro. (premissa implicada)

S9 –O professor deseja que os alunos sentem. (premissa implicada)

S10– S8→S11 (por modus ponens);

S11– Sentado é ser inteligente.

S12– Todos querem ser inteligentes. (suposição factual recuperada da memória

enciclopédica)

S13–S11∧S12 →S14(por modus ponens conjuntivo);

S14 – Todos devem sentar (conclusão implicada)

Vamos para o terceiro enunciado:

(3a) Todo mundo continuou sentado (3b) (continuar x,y)

(3c) Todo mundo[TODOS OS ALUNOS] continuou sentado.

(3d) TODOS OS ALUNOS QUE ESTÃO NA SALA DE AULA CONTINUARAM SENTADOS.

(11)

S15– S8S16 (por modus ponens);

S16– Ninguém se acha burro (conclusão implicada)

Partimos agora para o quarto enunciado:

(4a) Alguns minutos depois, Joãozinho se levanta. (4b) (levantar, x, y, αtempo).

(4c) Alguns minutos depois, Joãozinho [ALUNO] se [JOÃOZINHO] levanta.

(4d) O NARRADOR DIZ QUE ALGUNS MINUTOS DEPOIS, O ALUNO JOÃOZINHO SE LEVANTA.

Vejam-se os efeitos que potencializam a relevância desse enunciado:

S17 Trata-se de uma piada do Joãozinho. (confirmada)

S18 Joãozinho é o protagonista de piadas escolares. (premissa implicada da memória

enciclopédica)

S19 Joãozinho é um menino esperto e irreverente. (premissa implicada da memória

enciclopédica) S20 S19 S21

S21 Joãozinho deve estar querendo aprontar alguma coisa.(premissa implicada)

Desde criança escutamos piadas de Joãozinho e já faz parte de nosso conhecimento enciclopédico que normalmente as piadas dele referem-se à escola e que esse protagonista é muito esperto, sempre tem uma boa resposta e sempre se dá bem no final, ou seja, a incongruência da piada na maioria das vezes favorecerá o personagem Joãozinho.

No momento em que o Joãozinho se levanta também podemos fazer a seguinte inferência.

S22– S8 S23 (por modus ponens);

S23 Se Joãozinho se levantou, então ele se acha burro. (conclusão implicada)

No enunciado 5, o professor pergunta:

(5a) Quer dizer que você se julga burro?Perguntou o professor, indignado. (5b) (dizerx,y,z (julgar x, y (estar x, y)))

(5c) ∅ [JOÃOZINHO] quer dizer que você ∅ [JOÃOZINHO] se [JOÃOZINHO] julga burro? – Perguntou o professor, ∅ [O PROFESSOR ESTAVA] indignado.

(5d) O PROFESSOR INDIGNADO PERGUNTA PARAJOÃOZINHOSE JOÃZINHO ESTÁ DE PÉ QUER DIZER QUE JOÃOZINHO JULGA JOÃOZINHOBURRO.

No próximo enunciado, percebemos que Joãozinho nega se achar burro:

(6a)“Bem, pra dizer a verdade, não!?” (6b) (julgar x, y (dizer x, y, αmodo))

(6c) Bem, para dizer [ALGO] a verdade ∅ [PARA O PROFESSOR], não ∅ [ME ACHO BURRO].

(6d)JOÃOZINHO NEGA QUE ELE SE JULGA BURRO PARA DIZER A VERDADE.

E para finalizar, Joãozinho surpreende a todos:

(7a) Mas fiquei com pena de ver o senhor aí, em pé,sozinho. (7b) (ficar x, y (ver s, yβmodo))

(7c) Mas ∅[JOÃOZINHO] fiqueicom pena de ver o senhor [PROFESSOR] aí, em pé, sozinho!

(12)

(7d) OJOÃOZINHO DIZ QUE FICOU COM PENA DE VER O PROFESSOR NA SALA DE AULA, EM PÉ, SOZINHO.

Com essa afirmação, ativamos as seguintes inferências:

S24– Se Joãozinho se levantou, então ele se acha burro. (descartada).

S25 – Se Joãozinho é esperto, então ele está tramando algo. (confirmada)

S26 – O professor ficou em pé. (inferência implicada)

S27– S8→S28 (por modus ponens)

S28 – O professor se acha burro. (conclusão implicada)

Evidentemente que quando o professor falou para ficar em pé aquele que se achasse burro, ele se referia somente aos alunos, mas o Joãozinho, que é um menino esperto e irreverente, confirmando o nosso conhecimento enciclopédico, surpreendeu o professor dizendo-lhe que ficou em pé para fazer-lhe companhia. Em outras palavras, para que o professor não fosse o único a se achar burro.

Podemos ainda observar que nessa piada há uma progressão das ações conforme a evolução linear da trama. Conforme Emediato (2004), é a narrativa clássica que possibilita essa progressão. Essa narrativa apresenta uma estrutura composta por: exposição, complicação,

clímax e desfecho. A exposição é responsável pela apresentação dos personagens que estão

envolvidos na história; a complicação éa geração de conflitos que envolvem os personagens e o confronto das ações dos personagens no interior da narração; o clímax, por sua vez, é o ponto desencadeador de expectativas de resolução dos conflitos entre os personagens e também a preparação para o arremate do evento denotado pelos conflitos; e, finalizando, há o desfecho que sinaliza o alívio das tensões geradas entre personagens e suas ações, momento de conclusão e de finalização.

Santos (2009) denominou a piada que apresenta os quatro elementos da narrativa clássica de “piada prototípica”. Podemos considerar que a piada acima é uma piada prototípica, pois, como comprovaremos abaixo, apresenta exposição, complicação, clímax e

desfecho:

a) Exposição: apresenta os personagens: professor e alunos ao mesmo tempo em que os caracteriza em seus respectivos scripts.

b) Complicação: conflito gerado pela proposição do professor: “Aquele que se julgar burro, faça o favor de ficar de pé”.

c) Clímax: atitude de Joãozinho que se levanta e a pergunta do professor que quer saber se Joãozinho se acha burro.

d) Desfecho: a resposta de Joãozinho que diz que não se acha burro, mas ficou com pena de ver o professor em pé sozinho.

O desfecho também se assemelha a incongruência da piada, que tem como premissa a ideia do elemento surpresa, que obriga o ouvinte/leitor a refazer o processo de interpretação do fato narrado. Se o ouvinte/leitor consegue resolver essa incongruência, provavelmente ocorrerá o riso. Caso os estímulos ostensivos não sejam otimamente relevantes para encaminhar a interpretação do leitor/ouvinte em direção à incongruência pretendida, conseguindo gerar as inferências necessárias não somente para perceber a incongruência, como também para solucioná-la, não haverá riso.

(13)

Pudemos constatar, então, que a piada analisada é uma piada prototípica, que Joãozinho é de fato um menino esperto e irreverente e que, embora não tenhamos comprovação empírica, facilmente essa piada deflagraria riso na maioria dos leitores/ouvintes, pois os estímulos ostensivos são otimamente relevantes criando um ambiente cognitivo mutuamente manifesto.

Para a interpretação do texto, tivemos que ir além das informações explicitadas. Foi necessário recorrer a suposições buscadas na memória do leitor, indicadas pelas entradas enciclopédicas que nos deram “pistas” iniciais para o processo de interpretação. Fizemos, então, inferências a partir das quais formulamos hipóteses que foram sendo confirmadas ou reforçadas ou excluídas. Além disso, também pudemos observar que a incongruência foi facilmente constatada e resolvida, promovendo um alívio no interlocutor e posteriormente o riso.

De acordo com o princípio da relevância, um falante cria uma expectativa de relevância ótima pelo próprio ato de dirigir-se a alguém. Quando alguém conta uma piada, o ouvinte já está pré-disposto a rir. Na piada analisada, os estímulos foram relevantes, graças às preferências (escolhas) e habilidades (competências) do narrador. Se a piada iniciasse assim: “Irritado com seus alunos, o professor de pé lançou um desafio”, já perderia um pouco a graça, pois o leitor/ouvinte já poderia fazer a inferência de que o professor se achava burro. Os estímulos, portanto, devem ser eficientes e eficazes para que se possa acompanhar e processar a intenção do narrador, conseguindo-se, assim, perceber e resolver a incongruência e cair no riso. Concordamos com Yus Ramos (2003), segundo o qual, a piada não se encerra com a descoberta da incongruência, mas com a “compreensão”/“resolução” da incongruência.

Referências

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Palhoça. Anais... Palhoça, SC: Editora da Unisul, 2010a, v. 9. p. 1-11.

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SILVEIRA, J. R. C; FELTES, H. P. M. Pragmática e cognição: a textualidade pela relevância e outros ensaios. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

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(14)

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