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O texto, a seguir, procura destacar os principais aspectos da agricultura fami-liar em 2006, e realiza algumas comparações com os estabelecimentos que não se enquadraram nos parâmetros da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que por simplifi cação serão designados simplesmente de ‘não familiares’8.
A estrutura produtiva da agricultura familiar
No Censo Agropecuário 2006, foram identifi cados 4 367 902 estabelecimen-tos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimenestabelecimen-tos brasilei-ros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Estes resultados mostram uma estrutura agrária ainda concentrada no País: os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares, e a dos não familiares, de 309,18 hectares.
8 Entre os estabelecimentos que não se enquadram na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, estão
também pequenos e médios agricultores, que não se enquadraram na agricultura familiar quer pelo limite de área quer pelo limite de renda, e também as terras públicas. A melhor identifi ca-ção destes grupos será um dos temas da agenda futura de trabalho.
Uso da terra e produção
A Tabela 1.1 apresenta a utilização das terras dos estabelecimentos, segundo a classifi cação das agriculturas. Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura fami-liar, 45,0% eram destinados a pastagens, enquanto a área com matas, fl orestas ou sistemas agrofl orestais ocupavam 28,0% das áreas, e por fi m as lavouras que ocu-pavam 22,0%. A agricultura não familiar também seguia esta ordem, mas a parti-cipação de pastagens e matas e/ou fl orestas era um pouco maior (49,0% e 28,0%, respectivamente), enquanto a área para lavouras era menor (17,0%). Destaca-se a participação da área das matas destinadas à preservação permanente ou reserva le-gal de 10,0% em média nos estabelecimentos familiares, e de outros 13,0% de áreas utilizadas com matas e/ou fl orestas naturais.
Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens (17,7 e 36,4 mi-lhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é responsável por ga-rantir boa parte da segurança alimentar do País, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno.
A Tabela 1.2 apresenta a participação da agricultura familiar em algumas cultu-ras selecionadas: produziam 87,0% da produção nacional de mandioca, 70,0% da produção de feijão (sendo 77,0% do feijão-preto, 84,0% do feijão-fradinho, caupi, de corda ou macáçar e 54,0% do feijão de cor), 46,0% do milho, 38,0% do café (parcela constituída por 55,0% do tipo robusta ou conilon e 34,0% do arábica), 34,0% do arroz, 58,0% do leite (composta por 58,0% do leite de vaca e 67,0% do leite de cabra), possuíam 59,0% do plantel de suínos, 50,0% do plantel de aves, 30,0% dos bovinos, e produziam 21,0% do trigo. A cultura com menor partici-pação da agricultura familiar foi a da soja (16,0%), um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira.
Condição do produtor familiar
A Tabela 1.3 apresenta a condição do produtor em relação às terras: dos 4,3 milhões de estabelecimentos de agricultores familiares, 3,2 milhões de produ-tores tinham acesso às terras na condição de proprietários, representando 74,7% dos estabelecimentos familiares e abrangendo 87,7% das suas áreas. Outros 170 mil produtores declararam acessar as terras na condição de “assentado sem titula-ção defi nitiva”. Entretanto, outros 691 mil produtores tinham acesso temporário ou precário às terras, seja na modalidade arrendatários (196 mil produtores), parceiros (126 mil produtores) ou ocupantes (368 mil produtores). Os menores estabelecimentos eram os de parceiros, que contabilizaram uma área média de 5,59 hectares.
O Censo Agropecuário 2006 apresentou uma novidade: em dezembro daquele ano foram identifi cados 255 mil produtores sem área, sendo que 95,0% destes (242 mil produtores) eram de agricultores familiares. Integravam este contingente os
extrativistas, produtores de mel ou produtores que já tinham encerrado sua produ-ção em áreas temporárias9.
Mão de obra
Pessoas experientes com 10 anos ou mais de direção nos trabalhos eram a maioria (62,0%) na condução da atividade produtiva da agricultura familiar (Tabela 1.4). Os estabelecimentos dirigidos por pessoas com menos de 5 anos de experiência represen-tam apenas 20,0% da agricultura familiar. A Tabela 1.5 represen-também revela um aspecto importante da agricultura familiar: pouco mais de 600 mil estabelecimentos familiares (13,7%) eram dirigidos por mulheres, enquanto na agricultura não familiar esta partici-pação não chegava a 7,0%.
O Censo Agropecuário 2006 registrou 12,3 milhões de pessoas vinculadas à agricul-tura familiar (74,4% do pessoal ocupado) em 31.12.2006 (Tabela 1.6), com uma média de 2,6 pessoas, de 14 anos ou mais, ocupadas. Os estabelecimentos não familiares ocu-pavam 4,2 milhões de pessoas, o que corresponde a 25,6% da mão de obra ocupada.
Entre as pessoas da agricultura familiar, a maioria eram homens (dois terços), mas o número de mulheres ocupadas também era expressivo: 4,1 milhões de mulheres (um terço dos ocupados). Em média, um estabelecimento familiar possuía 1,75 homem e 0,86 mulher ocupados de 14 anos ou mais.
A Tabela 1.5 ainda revela um aspecto importante sobre os ocupados nos estabele-cimentos: 909 mil ocupados da agricultura familiar possuíam menos de 14 anos de idade, sendo 507 mil homens e 402 mil mulheres. Estes resultados também apontam para uma agenda futura de pesquisas, sobre as condições e atividades destas crianças e adolescentes10.
Entre os 12,3 milhões de pessoas ocupadas na agricultura familiar, 11 milhões das pessoas ocupadas, ou seja, 90,0%, tinham laços de parentesco com o produtor11 (Tabela
1.6). A união dos esforços em torno de um empreendimento comum é uma caracterís-tica importante da agricultura familiar.
A Tabela 1.6 ainda revela que dos 11 milhões de pessoas ocupadas na agricul-tura familiar e com laços de parentesco com o produtor, 8,9 milhões residiam no próprio estabelecimento (81,0%), enquanto outros 2,1 milhões de pessoas se
9 “Também foram consideradas unidades de produção as que não estavam situadas numa
de-terminada terra, como produtores de mel, produtores em leitos de rio na época da vazante, produtores em faixa de proteção ou acostamento de estradas, produtores de carvão vegetal que possuem os fornos e trabalham adquirindo lenha de terceiros, produtores em área de águas pú-blicas para exploração da aquicultura e atividades de extração, coleta ou apanha de produtos que são extraídos de matas naturais”. (MANUAL..., 2007, p. 25).
10 A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescen-te, prevê em seu Art. 60: “É proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz”.
ocupavam no estabelecimento, mas residiam fora deste, provavelmente em vilas ou centros urbanos próximos.
As informações sobre educação na agricultura familiar revelam avanços, mas tam-bém desafi os: entre os 11 milhões de pessoas da agricultura familiar e com laços de parentesco com o produtor, quase sete milhões, ou seja, a maioria sabia ler e escrever (63,0%). Mas por outro lado, existiam pouco mais de quatro milhões de pessoas que declararam não saber ler e escrever, principalmente de pessoas de 14 anos ou mais (3,6 milhões de pessoas). Este tema, com certeza, ainda é um grande desafi o, e merecerá uma análise mais detalhada no futuro.
Ainda relacionado com o grau de escolaridade e qualifi cação da mão de obra, im-pressiona o baixo número de pessoas que declarou possuir qualifi cação profi ssional: apenas 170 mil pessoas na agricultura familiar, e 116 mil pessoas na não familiar.
O número de pessoas ocupadas em atividades não agropecuárias no interior do es-tabelecimento era reduzido: apenas 169 mil pessoas na agricultura familiar e 53 mil pessoas nos estabelecimentos não familiares (Tabela 1.6). Entretanto 26,0% dos estabe-lecimentos familiares não tinham seu produtor com dedicação exclusiva (Tabela 1.7), porque dedicavam parte do seu tempo em atividades fora do seu estabelecimento, tanto agropecuárias como não agropecuárias. A ocupação dos produtores em atividades fora do seu estabelecimento é comum nos países desenvolvidos12, e estes resultados apontam
para sua importância entre os estabelecimentos da agricultura familiar.
Receitas e valor da produção
A agricultura familiar respondia por um terço das receitas dos estabelecimentos agro-pecuários brasileiros (Tabela 1.8). Esta participação menor nas receitas, em parte, é ex-plicada porque apenas três milhões (69,0%) dos produtores familiares declararam ter obtido alguma receita no seu estabelecimento durante o ano de 2006, ou seja, quase um terço da agricultura familiar declarou não ter obtido receita naquele ano.
Os três milhões de agricultores familiares que declararam ter obtido alguma receita de vendas dos produtos dos estabelecimentos, tinham uma receita média de R$ 13,6 mil, especialmente com a venda de produtos vegetais que representavam mais de 67,5% das receitas obtidas. A segunda principal fonte de receita da agricultura familiar eram as vendas de animais e seus produtos, que representam mais de 21,0% das receitas obtidas nos estabelecimentos. Entre as demais receitas se destacavam a ”prestação de serviço para empresa integradora” e de ”produtos da agroindústria” familiar.
Mais de 1,7 milhão de produtores familiares declararam ter percebido outra recei-ta além daquela obtida no esrecei-tabelecimento (Tabela 1.9), especialmente as advindas de
12 Citado na literatura internacional como Part time farming, utilizando o estabelecimento
agrope-cuário como unidade de análise. O termo pluriatividade é utilizado quando a unidade de análise é a família.
aposentadorias ou pensões (65,0%) e salários com atividade fora do estabelecimento (24,0%). O valor médio anual destas receitas foi de R$ 4,5 mil para a agricultura fami-liar, fortemente infl uenciado pelas aposentadorias e pensões, com valor médio mensal de R$ 475,27. Mais de R$ 5,5 bilhões chegaram aos produtores familiares por meio de aposentadorias, pensões e programas especiais dos governos em 2006. É importante observar que estes resultados são referentes às rendas declaradas pelo produtor, e não consideram os demais integrantes da família, o que explica o reduzido número de pro-dutores familiares (644 mil) que declararam receber receitas de programas especiais dos governos, tal como o Bolsa Família.
Quando são considerados os valores de toda a produção, e não somente as receitas de vendas, foram contados em 3,9 milhões o número de estabelecimentos familiares que declarou algum valor de produção (Tabela 1.11). A agricultura familiar foi responsável por 38,0% do valor total da produção dos estabelecimentos. A exemplo das receitas, a produção vegetal era a principal produção (72,0% do valor da produção da agricultura familiar), especialmente com as lavouras temporárias (42,0% do valor da produção) e permanentes (19,0%). Em segundo lugar no valor da produção, o destaque fi cou com a atividade animal (25,0%), especialmente com animais de grande porte (14,0%).
O valor médio da produção anual da agricultura familiar foi de R$ 13,99 mil, tendo a criação de aves o menor valor médio (R$ 1,56 mil), e a fl oricultura o maior valor médio (R$ 17,56 mil).
A agricultura não familiar apresentou maior valor de produção na maioria das ativi-dades, mas em algumas destas, a agricultura familiar era majoritária, exprimindo 56,0% do valor da produção de animais de grande porte, por 57,0% do valor agregado na agroindústria, por 63,0% da horticultura e 80,0% da extração vegetal no País.
Financiamento da produção
A Tabela 1.11 apresenta os números referentes à obtenção de fi nanciamento no ano de 2006: 781 mil estabelecimentos familiares praticaram a captação de recursos, sendo o custeio a principal fi nalidade (405 mil estabelecimentos), seguido da fi nalidade de inves-timento (344 mil estabelecimentos), além da comercialização (8 mil estabelecimentos) e manutenção do estabelecimento (74 mil estabelecimentos). Por outro lado, o Censo Agropecuário 2006 registrou mais de 3,5 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar que não obtiveram fi nanciamento, especialmente porque ”não precisaram” ou por ”medo de contrair dívidas” (Tabela 1.12).
O tema dos fi nanciamentos também merecerá futuras análises, por culturas e regiões.
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MATO GROSSO DO SUL G O I Á S
RIO GRANDE DO SUL SANTA CATARINA PARANÁ MINAS GERAIS SÃO PAULO D.F. SERGIPE ALAGOAS PERNAMBUCO PARAÍBA RIO GRANDE DO NORTE ACRE A M A P Á RORAIMA RIO DE JANEIRO ESPÍRITO SANTO CEARÁ MARANHÃO P I A U Í B A H I A TOCANTINS RONDÔNIA MATO GROSSO P A R Á A M A Z O N A S SURINAME GUYANA GUYANE COLOMBIA VENEZUELA
Trópico de Capricórnio Recife Natal Palmas Teresina João Pessoa Maceió Aracaju Salvador Porto Alegre Florianópolis Curitiba Rio de Janeiro São Paulo Belo Horizonte Vitória Brasília Goiânia Campo Grande Cuiabá Rio Branco Porto Velho Manaus Fortaleza São Luís Belém Macapá Boa Vista
Santiago PROJEÇÃO POLICÔNICA
250 0 250 km
ESCALA GRÁFICA
Estabelecimentos de agricultura familiar no número de estabelecimentos totais
por setor censitário (%)
Até 25 25,01 a 50 75,01 a 95 50,01 a 75 95,01 a 100 Área edificada
Não declarado ou não informou
Cartograma 1 - Percentual de estabelecimentos caracterizados como agricultura familiar em relação ao total de estabelecimentos - 2006