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A formação da decisão de contratar : a questão da participação democrática e do controlo cívico da contratação pública

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Academic year: 2021

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A Formação da Decisão de Contratar: A Questão da Participação Democrática e do Controlo Cívico da Contratação Pública

João Pedro Vieira Caiado Tavares Maltez

Dissertação de Mestrado em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Ciências Jurídico-Forenses

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A Formação da Decisão de Contratar: A Questão da Participação Democrática e do Controlo Cívico da Contratação Pública

João Pedro Vieira Caiado Tavares Maltez

Dissertação Orientada pelo Prof. Doutor Miguel Assis Raimundo

Mestrado em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Ciências Jurídico-Forenses

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Catarina e Fernando, sem os quais nada do que sou e do que alcancei até hoje seria possível.

Aos meus irmãos, Joana, Inês, Gonçalo, Diogo e João Paulo, e à minha sobrinha Matilde, por terem estado sempre lá, sobretudo nas horas de menos força, e, acima de tudo, por nelas, terem conseguido redesenhar-me o sorriso que tanto precisava para continuar.

A toda a minha restante família, de sangue e de coração, que, independentemente da distância, sempre se preocuparam com a conclusão deste projeto.

À Catarina, que na reta final deste percurso não me deixou baixar os braços e me deu a força e apoio necessários para arquitetar a obra final.

Aos meus amigos, que sempre me acompanharam e que permitiram que o trabalho, esforço e sacrifício na concretização desta etapa fossem alternados com momentos de lazer e de comunhão.

Aos meus professores, que, pela forma como exerceram os seus papéis, me estimularam o interesse por estas matérias jurídicas e o meu espirítico crítico. Em especial, aos Professores Doutores João Miranda e Miguel Assis Raimundo, o primeiro por me ter inspirado com a sua persistência de opinião e humanidade no trato e, o segundo, pela forma motivante com que me transmitiu conhecimentos nesta área.

Ao Dr. Paulo Dias Neves, também ele, para mim, um professor, por toda a ajuda e compreensão na conclusão deste trabalho.

A todos os colegas que conheci e que conheço, que de alguma forma me ajudaram neste percurso e a todos com quem me cruzei neste longo trajeto e que, pelas mais diversas razões, deram o seu contributo no resultado final deste estudo.

E, por fim, a quem um dia me ensinou que “o livro é o melhor amigo do homem” e a quem nunca deixou de sentir muito a sua falta, e que, juntos, me ensinaram a importância da humildade em todos os momentos da vida.

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RESUMO

Quando nos propusemos fazer este trabalho visámos, sobretudo, elevar a discussão da participação pública em sede de contratação pública, uma vez que, na nossa primeira análise e estudo sobre o tema, verificámos, não só a pouca densidade dessa participação, como também o parco debate sobre esta questão, que, na nossa perspetiva, muito interesse tem para o direito da contratação pública.

O nosso trabalho pretende dissecar a configuração e implicações que a decisão de contratar detém no nosso regime de contratação pública, tendo em vista saber se a participação pública existe neste patamar inicial da formação de um contrato público. Com efeito, o nosso objetivo passa por fazer a leitura dos diversos regimes, nos quais, não obstante a intervenção pública, o direito de participação pública constitucionalmente existente está (devidamente) protegido e, em confronto, denunciar essa ausência de proteção no regime do Código dos Contratos Públicos. Deste modo, guia-nos a pretensão de avaliar aquelas disposições e, consequentemente, indagar de a permeabilidade das mesmas serem adaptáveis ao regime do referido Código. No fundo, analisar o respeito das normas do Código dos Contratos Públicos, referentes à decisão de contratar, ao disposto na Constituição da República Portuguesa quanto ao direito de participação pública.

Por fim, o estudo aproveitará e beneficiará do contexto em que é escrito, uma vez que coincide com a apresentação da proposta de nova redação do Código dos Contratos Públicos, resultante da transposição da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014 e, nessa medida, possibilitará adquirir uma perceção da direção que o legislador vai tomar quanto a esta matéria no Código reformado.

Palavras-Chave: Contratação Pública, Participação Pública, Constituição da República Portuguesa.

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ABSTRACT

When we decided to do this work we aimed, above all, to elevate the discussion of public participation within the framework of public procurement, since, in our first analysis and study on the subject, we verified not only the low density of that participation, as also the meagre debate on this issue, that, in our perspective, has a lot of interest for public procurement law.

Our work intends to dissect the configuration and implications that the decision to contract has in our public procurement regime, in order to know if the public participation exists in this initial level of the formation of a public contract. In fact, our aim goes by doing the reading of the various regimes, in which, despite public intervention, the constitutionally existing right of public participation is (properly) protected and, in contrast, to denounce this lack of protection in the regime of the Public Contracts Code.

In this way, we are guided by the pretension to evaluate those dispositions and, consequently, to inquire of their permeability to be adaptable to the regime of the referred Code. In essence, analyze the respect of the rules of the Public Contracts Code, regarding the decision to contract, to the provisions of the Constitution of the Portuguese Republic regarding the right of public participation.

Finally, the study will take advantage of and benefit from the context in which it is written, since it coincides with the presentation of the proposal of new wording of the Public Contracts Code, resulting from the transposition of Directive 2014/24/EU of the European Parliament and of the Council of 26 February 2014 and, to that extent, will make it possible to acquire a perception of the direction that the legislator will take regarding this matter in the reformed Code.

Keywords: Public Procurement, Public Participation, Constitution of the Portuguese Republic.

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ÍNDICE

LISTA DE ABREVIATURAS ...10

I - INTRODUÇÃO ...11

II - DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA – Enquadramento Constitucional ...13

III - DA DECISÃO DE CONTRATAR – O artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos ...20

1) Da natureza jurídica da decisão de contratar ...21

2) Da sujeição da decisão de contratar ao dever de fundamentação previsto no artigo 152.º do CPA ...34

3) Da iniciativa da decisão de contratar ...39

IV - DAS SOLUÇÕES À MARGEM DO ATUAL CCP ...44

a) Do Direito de Participação Procedimental e de Ação Popular ...45

b) Dos Serviços Municipais de Abastecimento Público de Água, Saneamento e Resíduos Urbanos ...48

c) Do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana ...50

d) Das Parceria Público-Privadas – Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos ...51

e) Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro – Regime Jurídico do Setor Público Empresarial ...53

f) Do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial ...55

g) Dos Orçamentos Participativos ...58

V - DOS ARTIGOS 40.º E 41.º DA DIRETIVA 2014/24/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014 – A Oportunidade para o Ordenamento Jurídico Nacional ...61

A) Dos artigos 40.º e 41.º da Diretiva 2014/24 ...61

B) Da Oportunidade para o Ordenamento Jurídico Nacional ...68

VI - DA NOVIDADE QUE O CCP PODIA PREVER ...73

VII – CONCLUSÕES ...81

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LISTA DE ABREVIATURAS

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa;

ADN - Ácido Desoxirribonucléico;

CCP – Código dos Contratos Públicos;

CEDIPRE - Centro de Estudos de Direito Público e Regulação; Cfr. – Conferir;

CPA – Código de Procedimento Administrativo; CRP – Constituição da República Portuguesa; DL – Decreto-Lei;

ICJP – Instituto de Ciências Jurídico-Políticas; Ob. Cit. – Obra Citada;

OP – Orçamentos Participativos; p. – página;

pp. – páginas;

PPP’s – Parcerias Público-Privadas;

REOP – Regime de Empreitadas e Obras Públicas;

RJIGT – Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial; RJRU – Regime Jurídico de Reabilitação Urbana;

RJSMAPASR – Regime Jurídico dos Serviços Municipais de Abastecimento Público de Água, Saneamento e Resíduos Urbanos;

ss. – seguintes;

STA – Supremo Tribunal Administrativo; V. ou v. – Ver ou ver;

Exceção feita às referências a outros autores, nas quais, por respeito, mantivemos as suas opções, a presente dissertação foi redigida em consonância com o novo acordo ortográfico.

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I - INTRODUÇÃO

A Democracia Participativa é uma atividade permanente que pressupõe a intervenção cívica e política e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Por outras palavras (aquelas que interessam ao objeto do nosso trabalho), significa influenciar diretamente as decisões, apresentando propostas que possam, de algum modo, ter influência nas versões finais daquelas1.

Contudo, o problema entre o conceito formal da Participação Pública e o conhecimento da sua existência reside essencialmente na confiança que os cidadãos têm na sua materialidade, ou seja, a segurança nas entidades que deviam promover essa participação e na lei que a enquadra e (de)limita. A desconfiança inculca com a dúvida sobre o fornecimento de soluções para que a mesma possa estar ao alcance de qualquer cidadão, assim como com o sentimento de que essas soluções garantem ou não, suficiente e efetivamente, o preenchimento do conceito de participação pública. De facto, os princípios subjacentes à estrutura da Administração obrigam esta a uma conduta controlada e garantística e impõem o cumprimento e respeito por um conjunto de responsabilidades perante a população.

Neste sentido, e face à realidade descrita, afirma Gomes Canotilho que “Isto

justifica que a estrutura da Administração deixe de ser um esquema de opacidade e de intransparência para passar a desempenhar uma importante função democrática, ou seja uma estrutura que, entre outras coisas, serve para a realização do princípio democrático”2.

Ora, as relações multipolares que os Contratos Públicos podem deter em razão das inúmeras partes potencial e verdadeiramente afetadas pela sua celebração e execução têm um lugar importante no âmbito deste trabalho, em especial a possibilidade da participação ser cumprida neste ramo jurídico, uma vez que foi no Direito da Contratação Pública que vi despertado este meu interesse pela

1Neste contexto, afirma o Professor David Duarte que “A ideia genérica de participação, que assume a

globalidade da variedade de sentidos, reconduz-se à fórmula que enuncia que participar é tomar parte ou, de outro modo, intervir num procedimento decisório” - Cfr. DAVID DUARTE, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Almedina, 1.ª Edição, 1996, p.110.

2Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume

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Democracia Participativa, em especial pela (i)legitimidade subjacente à Decisão de Contratar. De facto, interrogamo-nos sobre a razão de inexistir qualquer crivo popular na formação da decisão de contratar, na decisão de iniciar um procedimento concursal ao abrigo do Código dos Contratos Púbicos e, com este trabalho, pretendemos denunciar tal falha e, inspirados nas novidades trazidas pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE3, recordar soluções já aplicadas noutros regimes paralelos à Contratação Pública, assim como sugerir novas ideias para promover e acautelar a democracia participativa.

Deste modo, em primeiro lugar, aludiremos ao princípio da democracia participativa. Em segundo lugar, faremos uma abordagem sobre a própria decisão de contratar, designadamente sobre a sua natureza jurídica, analisaremos a aplicabilidade do dever de fundamentação e dos princípios do Código de Procedimento Administrativo e, em terceiro e último lugar, e que mais tempo nos tomará, teremos oportunidade de versar sobre o verdadeiro cerne do nosso trabalho, ou seja, a situação atual da existência ou inexistência da proteção da democracia participativa no momento em que os contraentes públicos proferem a decisão de contratar, propondo-nos densificar em que perspetivas essa participação pública não é tomada na devida consideração e, finalmente, tentaremos, sempre com a devida humildade com que um jurista embrionário se deve pautar, propor novas dimensões ou, quiçá, soluções para os problemas que assinalaremos ao longo do nosso trabalho.

3Diretiva esta que, em conjunto com a Diretiva 2004/17/CE, ambas do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 31 de Março, alteradas pela Diretiva n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de Setembro, e retificadas pela Diretiva n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de Novembro, foram transpostas para o nosso ordenamento jurídico em 2008 e que deram origem ao atual Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

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II - DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA – Enquadramento Constitucional

A CRP estipula, no seu artigo 2º, que Portugal é um “estado de direito democrático,

baseado na soberania popular”, que visa a “realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da Democracia Participativa”. Da leitura da Lei

Fundamental subentende-se que a democracia é cultural e que aprofundar a Democracia Participativa é um desígnio nacional que faz cumprir a Constituição. De facto, aproximando-nos da temática deste nosso trabalho, relembremos que a CRP releva, de forma inequívoca, a importância da participação pública em tudo quanto, de alguma forma, possa ter repercussões na vida dos cidadãos4.

Todavia, e independentemente dos vários preceitos constitucionais que versam ou promovem a participação pública, neste trabalho importa circunscrever a análise a três que são especialmente aplicáveis à forma de atuação da Administração Pública.

Ora, em primeiro lugar, cumpre-nos dar o devido destaque ao artigo 9.º, alínea c) da CRP, que, versando sobre as tarefas fundamentais do Estado, esclarece que este deverá “Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação

democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais”. Desta disposição

constitucional, que mereceu “título” de tarefa fundamental do Estado, podemos retirar duas conclusões óbvias: que a democracia política já se encontra sólida no nosso país e que ao Estado cumpre defendê-la; contrariamente ao que sucede com a participação democrática dos cidadãos, que a Constituição admite ser uma realidade por conquistar e que cabe ao Estado assegurar e promover. Deste modo, mostra-se fácil perceber o porquê de na nossa Constituição constarem diversos normativos vocacionados para a promoção e garantia da participação pública.5 Com efeito, independentemente do artigo 9.º, alínea c), mostrar-se sistematizado na parte da Constituição alocada aos princípios fundamentais, a nossa Lei

4V. artigos 1.º, 2.º, 3.º, 9.º, 26.º, 48.º, 52.º, 54.º, 65.º, 80.º, 81.º, 89.º, 98.º, 109.º, 235.º, 239.º, 240.º,

244.º, 245.º, 246.º, 247.º, 249.º, 250.º, 251.º, 253.º, 263.º, 264.º, 265.º, 266.º, 267.º, 268.º da CRP.

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Resta compreender que razões se encontram para esses comandos constitucionais não serem cumpridos, o que falha para essa tarefa fundamental do estado não ser cumprida na sua totalidade, por que razão a participação pública é preterida, ou quando realizada manifestamente inútil…

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Fundamental não deixou de reforçar a necessidade de promoção da participação pública no plano organizacional da Administração Pública. De facto, podemos encontrar no artigo 266.º da Constituição Portuguesa o que os Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros denominam da “Carta Ética da Administração Pública”6. No

citado normativo é feita a enumeração (não exaustiva) dos princípios fundamentais aplicáveis à Administração Pública e aos quais a atuação desta está subordinada. Ora, sem prejuízo dos restantes princípios patentes ao longo da nossa Lei Fundamental, no corpo da referida disposição mostram-se positivados aqueles que o legislador decidiu condensar num só artigo, como se de um guia de atuação se tratasse, sendo o mesmo composto pelos princípios do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé.

Se o artigo 266.º da CRP nos revela algumas das condicionantes de atuação da Administração Pública que podem e devem ser tomadas em consideração como pressupostos organizacionais da atuação da Administração, certo é que existem diversos outros fatores a ponderar quando a Administração Pública atua na relação com particulares.

Neste campo, releva então falar do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa. Esta disposição constitucional dispõe, no seu n.º 1, que a “A

Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática”.

Em paralelo, determina o n.º 5 do citado normativo que “O processamento da

atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

Esta responsabilidade que foi delegada no legislador ordinário7 para regular a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes

6Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora,

Edição 2007, p. 558.

7Repare-se que a diretiva constitucional aqui em causa, que impõe a elaboração de uma lei de

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disserem respeito representa a chegada a um estado de compreensão da existência da necessidade dessa participação. De facto, positivar esta necessidade, ainda para mais no texto constitucional, revela a importância que a mesma tem e a diretiva a que os entes públicos estão sujeitos nas suas relações com os particulares. Naquele comando constitucional encontramos a concretização da realidade que deve imperar, ou seja, que já não basta uma relação entre Administração e particular que seja pautada por apenas um sentido mas sim a constatação da necessidade da mesma ser configurada como uma verdadeira relação deve ser, ou seja, com direitos e deveres de ambas as partes e capacidade de intervenção ativa de ambos os lados.8 Ademais, este normativo impõe que aquando da formação de uma decisão, o particular visado seja ouvido e que essa pronúncia seja ponderada na decisão final a proferir pela Administração.

Neste contexto, os Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros consideram que a constitucionalização deste dever de promoção da participação pública reflete a premência de proceder à “adaptação ou renovação das estruturas administrativas

existentes com o fim de conceder um suporte organizatório aos fenómenos de participação dos cidadãos no desenvolvimento das tarefas da Administração”9. Na

análise deste normativo, os Professores acima citados referem algo que na nossa ótica merece ser sublinhado, que é exatamente a técnica legislativa que foi utilizada para a construção da norma. De facto, se atentarmos para o disposto no n.º 1 do artigo 267.º, conseguimos concluir dois aspetos de que importa deixar

suceder com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo, entretanto já revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.

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Neste sentido, e nesta matéria, veja-se o reforço que foi feito no novo Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, onde é o próprio sumário a dar nota dessa densificação: “No n.º 2 do artigo 65.º, manteve-se, para a parte que se posiciona perante os sujeitos públicos da relação jurídica procedimental, a tradicional designação de «interessados» (interessados na relação jurídica procedimental). Foi uma opção consciente. Com efeito, não basta para identificar os sujeitos de situações jurídicas procedimentais que o particular seja titular ou portador institucional de interesse envolvido na materia decidendi. Como a doutrina tem notado, a essa posição substantiva terá de se somar uma intervenção formal, por iniciativa própria ou por convocação da Administração. Por outro lado, à democratização do procedimento importa que os particulares e a Administração nele apareçam face a face, enquanto titulares de situações subjetivas ativas e passivas recíprocas. Isso não significa uma igualização, porque, ao passo que os particulares detêm direitos, a Administração exerce um poder público. Mas os particulares não são reduzidos a objeto daquele poder, nem meramente afetados, positiva ou negativamente, pelo modo como sobre eles se refletem as consequências da respetiva concretização” – aqui com sublinhados e negritos nossos.

9Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora,

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nota: em primeiro lugar, que a importância de assegurar a participação pública é de tal ordem que, tendo em vista aliviar a responsabilidade que é constitucionalmente cometida ao legislador ordinário, é a própria Constituição a enunciar meios de garantir tal participação; em segundo lugar, e que se mostra igualmente relevante, o facto de a Constituição enunciar a título exemplificativo e meramente orientador as formas de promover a participação pública10, deixando ao critério do legislador ordinário o recurso a qualquer meio de garantia da participação pública, ou seja, o legislador poderá ir mais longe do que a própria norma o exige, que tal não confluirá com a rácio da diretiva constitucional.

Ainda versando sobre a temática da participação pública, mas agora no interior do próprio procedimento administrativo, o n.º 5 do artigo 267.º determina que “O

processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”. Deste

número conseguimos extrair a conclusão de que a necessidade de promoção da participação pública não passa só por dotar a Administração de estruturas de apoio para o efeito, mas também de promover ou criar mecanismos legais de participação do cidadão nos procedimentos administrativos que lhe digam respeito. Com efeito, se em relação ao n.º1 do artigo 267.º podemos falar de uma gestão participada da Administração11, no caso do n.º 5 do mesmo artigo falamos de procedimento administrativo participado ou até, se quisermos ser ambiciosos, de cooperação entre Administração e particulares na construção de uma decisão. Contudo, certo é que a existência de tais diretivas democráticas emanadas pela Constituição de República Portuguesa não garantiu, nem garante para já, que as mesmas sejam cumpridas ou aplicadas (pelo menos na sua plenitude) no âmbito da Contratação Pública.

Seja porque o combate à “burocratização” não foi bem sucedido ou porque proliferam os intermediários existentes entre os cidadãos e as entidades

10Na parte final do n.º 1, do artigo 267.º da CRP encontramos o elenco meramente exemplificativo:

“designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática”.

11Neste sentido, v. J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa

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decisórias, a verdade é que o grande princípio e direito da participação pública tem vindo: por um lado, a perder a sua materialidade e, por outro, que necessariamente resulta do primeiro, começa a ser cada vez mais aclamado pela população.

Neste contexto, e no que afeta o campo da Contratação Pública, diz José Pujol (e bem) que “no domínio da contratação pública a “participação dos cidadãos na

formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, prevista no n.º 5 do art. 267.º da Constituição, constitui um comando da lei fundamental que “nunca saiu do papel”12.

Ora, teremos oportunidade de nos debruçar com maior profundidade sobre a perspetiva do citado autor e, nessa medida, assinalar as atuais lacunas democrático-participativas patentes no seio da Contratação Pública, mas não resistimos em assinalar as palavras de Gomes Canotilho, que, de forma sábia, nos esclarece que “O facto de a Constituição estabelecer princípios de organização

administrativa mostra a importância jurídico-constitucional dos «factos organizatórios» no Estado democrático-constitucional, e o relevo das normas de organização, quer no plano das relações internas dos órgãos e serviços, quer no plano das relações externas, isto é, nas relações intersubjectivas”13 Adianta o citado

autor que “A positivação constitucional de alguns princípios organizatórios

pressupõe a ideia da influência ou conexão da organização administrativa sobre o conteúdo das decisões administrativas”14

Sem prejuízo da verdade incontornável que o Professor reduziu a escrito e que, aliás, nos é muito querida, é-nos impossível deixar de recordar que o problema da eficiência dos meios de garantia da participação pública reside essencialmente na errada perspetiva de efetivo cumprimento dos comandos presentes nos princípios constitucionais. Ou seja, a dificuldade de participar convenientemente reside no facto das soluções criadas, em função dos tais pressupostos constitucionais, serem apenas formas básicas de cumprimento do que aparenta ser um requisito menor dentro de um longo processo de construção de uma decisão. Com efeito, a sensação

12Cfr. JOSÉ PUJOL, Contratação Pública e Democracia Participativa in Estudos de Contratação Pública –

IV, Coimbra Editora, p.341.

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Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª Edição Revista, Coimbra, 2010, p.806

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de cumprimento da obrigação de dar a palavra aos cidadãos é proporcional ao sentimento, ou falta dele, que esses cidadãos têm de essa participação ter ocorrido ou do sentimento claro de que a mesma é dotada de manifesta ineficácia, inutilidade e reduzida influência em todo o procedimento ou processo administrativo em que a mesma é exercida.

Bem sabemos, ou se não sabemos infra melhor exporemos, que “A garantia da

participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações administrativas (n.º 5, 2.ª parte) implica a sua intervenção no processo de formação das mesmas, ou seja, antes de serem tomadas, nomeadamente através da audição sobre o respectivo projecto”15.

Porém, também sabemos que essa “intervenção” e essa “audição”, é seguramente, e na maioria ou totalidade das vezes, incompreensivelmente inútil. De facto, bem sabemos que nem todas as pretensões devem ser atendidas, e também sabemos que todas essas pretensões deverão ser avaliadas à luz do circunstancialismo da situação em causa, sempre mesclada por todos os outros princípios que norteiam a Administração, em especial o sempre preponderante interesse público.

Contudo, são demasiadas as vezes em que essa participação choca com o interesse público. Quantas foram as vezes em que tomámos conhecimento de propostas de decisões, notificadas tanto a particulares como a entidades coletivas privadas, nas quais podemos constatar que a fundamentar a divergência entre a pretensão ou posição desse particular ou entidade coletiva e a Administração, ou seja a razão do indeferimento ou da improcedência do pedido, estão os potenciais prejuízos que a eventual decisão contrária poderia acarretar para o sempre tão conveniente

“interesse público”, que teoricamente acautela (ou deveria acautelar) ambas as

fações desta moeda de pretensões.

De facto, independentemente de ser considerado o “norte da administração

pública”16, como o definem, e bem, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado

Matos, a verdade é que o mesmo, e apropriando-nos da metáfora utilizada, não

15Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume

II, 4.ª Edição Revista, Coimbra, 2010, p.814.

16Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2.ª

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poderá subtrair a existência dos restantes pontos cardeais, como o é, entre outros, a participação pública constitucionalmente consagrada no n.º 5 do artigo 267.º . Ademais, a influência e necessidade de assegurar tal participação não poderá continuar a ser preterida em benefício dos princípios organizacionais da Administração Pública, com especial destaque para o interesse público.

Importa esclarecer que não propomos de modo algum desvirtuar a forma de atuação da Administração Pública e, nessa medida, esvaziar a trave mestra que é o interesse público. O que pretendemos é única e exclusivamente uma maior promoção e um melhor aproveitamento dos restantes princípios que deveriam ser aplicados e tomados em consideração na atuação da Administração, e que, ao contrário do que a Constituição impõe, são permanentemente preteridos pelo(s) interesse(s)17 público(s). De facto, o interesse público só teria a ganhar com uma maior participação pública dos cidadãos junto das entidades decisórias dos inúmeros procedimentos administrativos, uma vez que apenas conjugando os vários princípios organizacionais e procedimentais da Administração Pública, acima melhor identificados, seria atingido a plena consagração do interesse público na sua mais pura dimensão que tanto se defende.

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Estamos certos que não ofendemos ninguém se dissermos que muitas das vezes a alegação do interesse público por parte da Administração é apenas e só o manto que cobre os verdadeiros interesses que pesaram na tomada de decisão.

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III - DA DECISÃO DE CONTRATAR – O artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos

Feito o enquadramento constitucional do direito e princípio da participação pública, cumpre-nos debruçar sobre o que nos levou a desenvolver o presente trabalho: a decisão de contratar, prevista no artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos18. Poder-se-ia dizer que não faz sentido nenhum conjugar o citado normativo com o direito e princípio da participação pública constitucionalmente previsto nos artigos 9.º, alínea c) e 267.º, n.ºs 1 e 5 da nossa Lei Fundamental, uma vez que é notório que no mesmo não encontramos qualquer referência a faculdades que promovam essa participação. Ora pois bem é exatamente essa a razão pela qual decidimos debater esta questão, isto é, verificámos aquilo que nos parece ser uma omissão grave no procedimento concursal público, que é a ausência de qualquer crivo popular sobre a decisão de iniciar um procedimento ao abrigo do Código dos Contratos Públicos, ainda para mais quando cada contrato celebrado deverá ter sempre a proteção do interesse público como pano de fundo19.

A citada norma do Código dos Contratos Públicos encontra-se sistematicamente introduzida como o primeiro artigo do Capítulo II que se denomina “Início do

Procedimento”, o que nos ajuda a perceber desde já a importância que tal decisão

tem no desencadear de todo o processo de celebração de um contrato público. Por outras palavras, tanto o seu nome – decisão de contratar – como o local em que a

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De assinalar que ainda antes de existir o Código dos Contratos Públicos, o primeiro autor nacional a versar sobre o tema da decisão de contratar foi o Professor Sérvulo Correia, ao qual se deveu a posterior autonomização deste momento contratual no “regime da realização de despesas públicas com locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis”, designadamente no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de março, que viria a ser revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho, que estabeleceu o “Regime Jurídico Realização Despesas Públicas e da Contratação Pública”.

19Não obstante o artigo 1.º, n.º 4, do CCP fazer referência à especial aplicabilidade dos princípios da

transparência, igualdade e concorrência, certo é que sempre que as entidades adjudicantes atuam na qualidade de contraente público, ou seja, quando são uma das entidades enumeradas nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2 e 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CCP, ficam sujeitas às regras e princípios da atividade administrativa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 266.º da Constituição de República Portuguesa e 2.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro e, nessa medida, sujeitos ao princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos previsto no artigo 4.º do CPA.

(21)

21

mesma foi introduzida no Código – Capítulo II - Início do Procedimento – faz-nos concluir que a mesma é pressuposto essencial para que um procedimento tenha pelo menos o seu início.

Ora, reza o n.º 1 do referido artigo que “O procedimento de formação de qualquer

contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última”.

1) Da natureza jurídica da decisão de contratar

Para que possamos definir a natureza jurídica da decisão de contratar, importa socorrer-nos das definições de regulamento e ato administrativo previstas no CPA. De facto, a nova redação do CPA20 trouxe consigo a definição de regulamento administrativo, o que para o efeito poder-nos-ia facilitar a subsunção da decisão de contratar em uma de duas definições constantes deste diploma.

Com efeito, segundo o novo CPA, designadamente de acordo com o disposto no seu artigo 135.º, regulamentos administrativos serão “as normas jurídicas gerais e

abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. Em paralelo, o artigo 148.º do mesmo diploma define

atos administrativos como “as decisões que, no exercício de poderes

jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

Numa análise tendencialmente precipitada da decisão de contratar, tenderíamos a considerar a decisão de contratar como um ato administrativo. Sucede, porém, que rapidamente se poderá levantar um grande obstáculo ao que pode ser uma irrefletida conclusão, que é exatamente o facto de, segundo a lei, o ato administrativo, neste caso a decisão de contratar, ter que “produzir efeitos jurídicos

externos [somente] numa situação individual e concreta”. Ora, ainda de uma

perspetiva preliminar desta querela, e sem que sobre ela concluamos já, seríamos

20

Com efeito, é importante não esquecer a entrada em vigor da nova redação do CPA, trazida pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e a consequente revogação do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro.

(22)

22

obrigados a verificar que apesar da decisão de contratar poder visar uma situação individual e concreta, a multipolaridade de sujeitos envolvidos e afetados pela celebração de um contrato ao abrigo do regime previsto no CCP está longe de se poder reduzir ao conceito de “situação individual e concreta”. Ademais, ao identificado obstáculo acresce um outro problema que reside na eventual falta de publicidade de que a decisão de contratar, permanentemente, padece, e, nessa medida, na hipotética falta de produção de efeitos externos, pelo menos autónomos das restantes decisões proferidas no procedimento de formação dos contratos públicos.

Assim sendo, para que possamos avançar para uma conclusão mais sólida sobre esta matéria importa visitar a doutrina que se debruçou sobre esta temática. Ora vejamos.

Nas palavras do Senhor Professor Sérvulo Correia, sistematicamente introduzidas, na sua tese de doutoramento, no subcapítulo dos limites da autonomia privada da administração pública, a decisão de contratar é um “acto inicial – que denominamos

decisão ou deliberação de contratar – [que] envolve necessariamente a apreciação de um ou mais interesses públicos cuja prossecução represente atribuição do Estado e a identificação do contrato e, dentro deste amplo género, de um contrato com determinada causa-função, como meio mais idóneo para satisfazê-lo”21

Para o citado Professor, àquela data, a decisão de contratar “manifesta o exercício

de uma «liberdade de determinar-se ao negócio» que não é ainda a «liberdade de determinar o conteúdo do negócio». É, isso sim, uma decisão genérica de fazer um contrato, embora ainda não a de concluir um particular e preciso negócio. A configuração subjetiva do contrato (identidade do co-contratante) e a configuração precisa e pormenorizada do seu conteúdo poderão não ser previsíveis no momento em que a contratação é decidida, por assim dizer, ainda em abstracto”22. Mais

acresce que “a decisão ou deliberação de contratar limitar-se-á à especificação

sumária dos elementos essenciais do contrato e de eventuais cláusulas especiais que se considerem condição imprescindível da realização do interesse visado” mas, à luz

21

Cfr. JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Colecção Teses, 1.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1987.

(23)

23

daquele regime, a decisão de contratar tinha, na quase totalidade dos casos

“existência autónoma como acto pré-contratual ou elemento do conteúdo mais vasto de um acto-précontratual23”.

Tendo configurado a natureza jurídica da decisão de contratar como um ato administrativo decisório24, o ilustre Professor alertou para o facto de o mesmo estar necessariamente permeável aos problemas a que os atos administrativos estão sujeitos assim como subordinados aos limites que lhe são impostos. Na verdade, segundo o Professor, “O primeiro dos limites internos da autonomia de

decisão de contratar é o que se traduz na existência de uma directiva normativa positiva incidindo sobre a escolha do fim da decisão, que é simultaneamente o fim do contrato”25, definindo que “Essa directiva é a que resulta do interesse público da

racionalização dos meios a utilizar que, como se expôs já, preside à escolha do fim feita de entre as atribuições da pessoa colectiva pública (…)”26

Com uma posição diferente apresenta-se Margarida Olazabal Cabral que considera que “a formação do contrato constitui um procedimento complexo, misto externo e

23Cfr. Ob. Cit. p. 656. No que tange à configuração da decisão de contratar como parte de um ato

précontratual, tal corresponde em parte ao que, nos dias que correm, resulta da própria lei, uma vez que na maioria das vezes não existe grande percentagem de autonomização da decisão de contratar, estando esta normalmente agregada à decisão de autorização de despesa e à decisão de escolha do procedimento que é proferida pelo mesmo órgão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 36.º, n.º 1, e 38.º do CCP. Neste contexto, diz Jorge Andrade da Silva, que “Esse ato [a decisão de contratar], por seu turno, implica direta e necessariamente duas decisões subsequentes: a decisão de autorizar despesa e a decisão de se pôr em marcha o respetivo procedimento legal conducente a essa celebração e a sua escolha (artigo 38.º). Em regra, a competência para proferir estas decisões cabe à mesma entidade (artigo 38.º) que, também em regra, o faz num único ato decisório” Não obstante serem “decisões que tanto podem ser tomadas separadamente como em simultâneo” - Cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA, Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 2015, 5.ª Edição, Almedina, p. 134.

24Com a importância que o Professor Sérvulo Correia deu a este momento procedimental, o legislador

viria a estabelecer, no Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de março, designadamente no seu artigo 7.º, que “A decisão ou deliberação de contratar, incluindo a escolha do procedimento prévio, cabe à entidade competente para autorizar a respectiva despesa”. A aparição da decisão de contratar no aludido Decreto-Lei foi fugaz, uma vez que o mesmo viria a ser substituído pelo Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho que voltaria a eliminar a expressa e autónoma referência à decisão de contratar. Ao invés, as decisões de autorização de despesa de escolha do procedimento mantiveram-se tipificadas, respetivamente, nos artigos 17.º e 79.º do referido diploma.

25Cfr. Ob. Cit. p. 666. 26Cfr. Ob. Cit. p. 666.

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24

interno, que se inicia com a deliberação tomada pela Administração de celebrar um determinado contrato”27

Para esta autora, existe um procedimento dentro de um outro procedimento, sendo o primeiro o de formação do contrato, que se inicia com a decisão de contratar, e o segundo, que aglutina o primeiro, o procedimento de formação do concurso público, que se iniciaria com o ato de abertura do concurso.

Segundo Margarida Cabral - e em consonância com toda a doutrina diga-se - a resolução da problemática passará necessariamente por saber se existe a publicidade, e com esta o conhecimento que a decisão de contratar está tomada pela Administração, uma vez que sem esse conhecimento, considera a Autora, aquela não se poderá considerar vinculada a qualquer comportamento. Sem a referida publicidade, a Administração não estará limitada pela decisão que tomou, não podendo, por essa razão (porque os particulares não tomaram conhecimento daquela), ser responsabilizada por qualquer desvio ou revogação da mesma.

Assim, e nas palavras da Autora, “a questão que se há-de colocar será a de averiguar

se o concurso público se inicia com a deliberação da Administração de abrir um concurso público ou somente com a respectiva abertura e a publicação do anúncio do concurso”28. Para a autora, como para nós e para a doutrina em geral, “O que

importa será antes determinar se a deliberação de abertura do concurso constitui tão só um acto preparatório e um acto interno, ou se constitui um acto criador de interesses juridicamente protegidos na esfera dos particulares”29

Contudo, regressando à temática da natureza jurídica da decisão de contratar e às palavras de Margarida Olazabal Cabral, a autora conclui que a “decisão de abrir um

concurso apresenta-se como um acto preparatório, meramente interno, que produz, obviamente, efeitos jurídicos, desde logo na pessoa jurídica em que se insere, mas que não se deve considerar verdadeiro acto administrativo definitivo”30 e que a

“Administração será livre de modificar a deliberação de abertura, já que esta não

27

Cfr. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, 1.ª Edição, Almedina, 1997, p. 137.

28Cfr. Ob. Cit. p.138. 29

Cfr. Ob. Cit. p. 138.

30Cfr. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, 1.ª Edição,

(25)

25

cria quaisquer diretos nos particulares a verem o concurso aberto nos termos anteriormente decididos31”.

Para esta autora, trata-se então “de um acto preparatório do próprio concurso (e

não, directamente de um acto preparatório da decisão final de adjudicação), lado a lado com a elaboração do programa de concurso e do caderno de encargos e com todas as consultas e estudos que a Administração se sentir obrigada a fazer antes de se dirigir aos particulares para dar início ao concurso”32

Para o Professor Pedro Gonçalves “A decisão de contratar é, simultaneamente, ato

inicial e ato final: inicia o procedimento de formação de um contrato público, surgindo legalmente colocada como primeiro ato da série ordenada de atos praticados em vista da celebração desse contrato, mas, por outro lado, constitui, por si mesma, o ato final de um procedimento no qual a entidade adjudicante atesta ou verifica a existência de uma determinada necessidade e decide satisfazê-la através da prestação a efectuar por um contratante”33. Ainda que em contexto de Concessão de

Serviços Públicos, o ilustre Professor acrescenta que a decisão de contratar (ou a decisão de conceder como a denomina) “não obstante a sua dimensão política

(decisão livre), a decisão de conceder reúne todos os elementos necessários para ser considerada um acto administrativo sujeito a impugnação contenciosa – a eventualidade de ela não se exteriorizar como pronúncia formalmente expressa não significa que deva ser como acto preparatório ou interno, nem que não possa ser objecto de um recurso contencioso, já que se trata de um pressuposto lógico de qualquer acto externo subsequente, integrado no procedimento de atribuição da concessão (v.g. a abertura de um concurso)”.34

Nesta matéria, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira são claros em manter a posição anteriormente sufragada35 e, nessa medida, em considerar que a decisão de

31Cfr. Ob. Cit. p.143.

32

Cfr. Ob. Cit., p. 142.

33Cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 1. ª Edição, Almedina, 2015, p. 175. 34Cfr. PEDRO GONÇALVES, A Concessão de Serviços Públicos, 1.ª Edição, Almedina, 1999, p. 205. 35

De facto, ainda no regime anterior ao CCP, os referidos autores afirmavam que a lei, nomeadamente o artigo 63.º, n.º1, do REOP e artigo 38.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/95, e a doutrina, “quando se referem à abertura destes procedimentos – em vez de a fazerem coincidir com a prévia decisão (administrativa) de contratar – reportam-na, antes, ao momento em que tal decisão (que explícita ou implicitamente sempre existirá) é levada ao conhecimento dos potenciais interessados no procedimento, mediante a publicação do anúncio do concurso (ou da notificação do convite para nele participar)” - Cfr.

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26

contratar, “como acto jurídico, é o acto unilateral pelo qual, constatada a

necessidade ou a conveniência de obter no (ou ceder ao) mercado certos bens ou serviços, o órgão competente para comprometer a entidade adjudicante – financeiramente, se houver lugar ao pagamento de um preço, pela entidade adjudicante, ou contratualmente, no caso contrário – decide abrir um procedimento para determinar com quem e em que condições concretas será celebrado o correspondente contrato”36

Adiantam os referidos Professores que a decisão de contratar é “um acto cujo efeito

jurídico se traduz na legitimação jurídica (ainda não na jurídico-financeira) da necessidade ou conveniência do contrato em causa, das prestações que a entidade adjudicante se propõe obter através dele, e do instrumento (pré-contratual) através do qual pretende adquiri-las, constituindo assim o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública que daí saia e do contrato celebrado na sequência”37.

Segundo estes autores, e à exceção dos casos em que a mesma fica sujeita a publicitação porque tomada em sede de Conselho de Ministros38, a decisão de contratar não poderá ser considerada um ato com efeitos externos do qual se

MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concurso e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, 1998, p. 226. No que tange especificamente à decisão de contratar, os autores afirmam que efetivamente “tudo começa com a decisão ou deliberação de um órgão administrativo precisar de algo ou de estar disposto a ceder algo e de, portanto, haver que determinar a que procedimento recorrer para encontrar que lhe vai prestar aquilo de que precisa ou a quem vai atribuir o bem ou utilidade que pretende ceder” – Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concurso e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, 1998, p. 234 e ss. Em todo o caso, e ainda que assim seja, “trata-se, ainda, em qualquer dos casos, de decisões jurídicas internas, porque para o exterior da pessoa colectiva, até agora, não “passou” nada. E enquanto não passar, ninguém tem direitos ou deveres em relação a ela, ninguém pode aceitar ou rejeitar essa decisão ou apô-la à Administração. O órgão que tomou a decisão ou deliberação pode, horas ou uma semana depois, decidir diferentemente – afinal não há obra, não se licencia o espaço dominial, que, em vez do ajuste directo, se deve optar por um concurso público – que, externamente, ainda ninguém tem nada com isso” - Cfr. Ob. Cit. p. 235. Vão mais longe os citados autores e explicam que “as opções tomadas nessa decisão de contratar ou “actuar” não são externamente vinculantes para ninguém, não são comunicadas a ninguém, não são notificadas ou publicadas perante terceiros, não podem ser impugnadas, nem podem ser invocadas como direito ou posição activa de alguém face à autoridade que as tomou. Só no plano interno ou intra-orgânico se poderão (eventualmente) verificar consequências dessas” - Cfr. Ob. Cit. p. 235.

36

Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p. 777.

37Cfr. Ob. Cit. p. 777. 38

De facto, existe um conjunto de decisões que sendo tomadas em Conselho de Ministros e devidamente aprovadas através de Resolução de Conselho de Ministros têm que ser devidamente publicadas em Diário da República, nos termos do artigo 119.º da CRP.

(27)

27

possa reivindicar qualquer compromisso por parte da entidade adjudicante. De facto, os autores consideram que “Na falta desse anúncio, a decisão de contratar

não releva na sua dimensão de acto administrativo – como acontecerá depois de ter lugar a respectiva publicação -, mas apenas na sua qualidade de pressuposto de legitimação jurídico-administrativa da abertura de um procedimento, como cumprimento de uma formalidade necessária, portanto, para que o procedimento de contratação subsequente (se depois a entidade adjudicante se comprometer publicamente com a sua abertura) decorra de maneira válida, cingindo-se porém os seus efeitos operacionais até aí ao plano das relações que se estabelecem no seio da entidade adjudicante, entre os seus órgãos e serviços. Assim, até à abertura do procedimento em sentido estrito – ou seja, até à publicação no Diário da República ou no JOUE do anúncio de que a entidade adjudicante pretende contratar os bens ou serviços aí identificados e de que recebe propostas para o efeito ou até ao convite para apresentação de propostas (no caso do ajuste directo) -, a decisão de contratar, mesmo se for vista como um acto administrativo, é desprovida de eficácia externa, não vincula a entidade adjudicante perante terceiros, nada passando para o exterior da pessoa colectiva: não é constitutiva de deveres para a entidade adjudicante, nem constitutiva de direitos para o mercado”.39

Concluem os identificados Professores que “Só portanto depois de publicitada a

decisão de contratar (ou do convite à apresentação de propostas) é que ela se torna externamente relevante – na medida, pelo menos, em que a sua existência e conteúdo constituem condicionantes da validade jurídica do procedimento subsequente e do próprio contrato neste gerado -, passando assim a ser vinculativa para a entidade adjudicante, constituindo-a no dever de proceder, no dever de dar sequência ao procedimento e de o decidir de acordo com as regras e princípios aplicáveis”40 e,

assim sendo, “com a decisão de contratar ainda não estamos perante um

procedimento de contratação pública, mas perante aquilo que, noutra ocasião, considerámos serem ou pré-decisões ou “antecedentes procedimentais””41

39Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros

Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p.779

40Cfr. Ob. Cit., pp. 779 e 780. 41Cfr. Ob. Cit. p. 780.

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28

Com a mesma posição, e sem sequer fazer menção dos casos em que o legislador impõe a publicação da decisão de contratar (como é o caso das situações em que a mesma é proferida em sede de Conselho de Ministros), a Professora Alexandra Leitão considera que a “A decisão de celebrar o contrato determina o início do

procedimento, embora corresponda a uma fase interna do mesmo, anterior à publicitação da vontade da Administração”42

Contudo, para o Professor, agora Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa “O concurso público a que nos reportamos é um procedimento

administrativo, que se inicia com a decisão ou deliberação de recorrer a tal modalidade de formação de contrato administrativo e que termina com a adjudicação ou a recusa em adjudicar. Em rigor, a abertura do concurso já se insere no procedimento considerado”4344

Nesta temática, tendemos a concordar com a posição avançada por Tiago Duarte, que coincidindo nesta última parte com a posição sufragada pelos referidos Professores Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, defende que “até que a posição da

Administração, em matéria de decisão de contratar e de escolha do procedimento pré-contratual, seja publicitada, não estão ainda criados quaisquer direitos ou interesse legalmente protegidos na esfera jurídica dos particulares, que, naturalmente, desconhecem a sua existência, sendo lícito à Administração alterar, as vezes que quiser, as suas pré-decisões internas”45

42Cfr. ALEXANDRA LEITÃO, Lições de Direito dos Contratos Públicos – Parte Geral, 1.ª Edição, AAFDL,

2014, p.97.

43Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, LEX,

1994, p.43.

44Nas palavras de Margarida Olazabal Cabral, “Não me parece que faça sentido que se coloque o início de

um procedimento que tem por essência o estabelecimento de uma relação entre a entidade adjudicante e os particulares interessados, dispondo-se esta a aceitar as propostas daqueles, num momento puramente interno, em que não houve ainda qualquer manifestação de vontade da Administração em relação aos potenciais concorrentes” Cfr. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, 1.ª Edição, Almedina, 1997, p.142. Discorda deste entendimento, Tiago Duarte afirmando que “apenas se aceita este ponto de vista nos casos em que, antes do anúncio público, a decisão da Administração quanto à opção pela contratação, bem como quanto à escolha do procedimento pré-contratual, não seja, nem deva ser, publicitada por qualquer outra forma” Cfr. TIAGO DUARTE, A decisão de contratar no Código dos Contratos Públicos: da idade do armário à idade dos porquês, in Estudos da Contratação Pública – I, Coimbra Editora, 2008, p. 157.

45Cfr. TIAGO DUARTE, A decisão de contratar no Código dos Contratos Públicos: da idade do armário à

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29

Contudo, se considerarmos os casos em que as decisões de contratar, de autorização de despesa, e de escolha do procedimento são tomadas em Conselho de Ministros e devidamente aprovadas através de Resolução de Conselho de Ministros que é devidamente publicada em Diário da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119.º da nossa Lei Fundamental, tal posição não poderia subsistir. De facto, caso a publicidade da decisão ou das decisões seja feita em momento prévio ao anúncio do concurso, não se poderá deixar de concluir que a mesma já é de conhecimento dos particulares e que por esse motivo a Administração mostra-se vinculada ao seu conteúdo.

Assim sendo, concordamos novamente com o que afirma o referido Autor, visto que “depois de publicitar a sua decisão (final) relativamente à decisão de contratar,

bem como à decisão de autorização da despesa e à decisão de escolha do procedimento, e ainda que essa publicitação seja efectuada antes da publicitação do anúncio público, deixa a Administração de poder alterar essas decisões, de modo livre e incondicionado, podendo ser responsabilizada por nunca chegar a publicar o anúncio, bem como por o conteúdo do anúncio não coincidir com o conteúdo da decisão anteriormente publicitada”46.

Como afirma Tiago Duarte, “existem situações em que a decisão de contratar

(expressa ou implícita na decisão de autorização da despesa e de escolha do procedimento pré-contratual) é obrigatoriamente objecto de publicitação (ainda antes do anúncio do concurso ou do envio dos convites à apresentação de propostas), momento a partir do qual já não se poderá dizer que estamos perante, “decisões jurídicas internas, porque para o exterior da pessoa colectiva, até agora, não “passou” nada”47

Já numa análise à redação do normativo ínsito no artigo 36.º do CCP, Tiago Duarte afirma que “ou bem que existe uma decisão autónoma (que terá de ser exteriorizada,

para poder ser conhecida dos particulares) que possa ser qualificada como decisão de contratar (e onde se encontre uma justificação relativamente aos motivos e aos pressupostos que estiveram na base daquela tomada de decisão), ou então terá de se assumir que a decisão de contratar se encontra inserida (implícita) na decisão de

46Cfr. Ob. Cit. p. 156. 47Cfr. Ob. Cit. p. 157.

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30

autorização da despesa (que terá igualmente de ser exteriorizada), o que significa que, nos casos em que não exista decisão de autorização de despesa (n.º 2 do art. 36.º do CCP), não se poderá prescindir de um acto administrativo externo que possa ser qualificado como “decisão de contratar””48

Com efeito, após a análise pormenorizada da doutrina e jurisprudência49 que teve oportunidade de se pronunciar sobre a decisão de contratar, Tiago Duarte avança com o que considera ser uma definição daquela, configurando-a como “um acto

administrativo com efeitos externos, que deverá, assim, ser autonomamente fundamentado e publicitado, sendo, para além do mais, um acto administrativo imediatamente impugnável, sempre que possa ser imediatamente lesivo para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, independentemente dos subsequentes actos procedimentais, nomeadamente do acto de adjudicação”50

No que à natureza jurídica da decisão de contratar diz respeito, e sem prejuízo da proximidade com a definição avançada por Tiago Duarte e, acima de tudo, sem prescindir das críticas que este faz, com as quais concordamos, e que se prendem essencialmente com a ostensiva diferença entre a aplicação prática do conceito e aquele que se mostra legalmente estabelecido no artigo 36.º do CCP, tendemos a concordar com a clareza e flexibilidade da mais recente posição sufragada por Pedro Gonçalves que considera que “A decisão de contratar, em si mesma, é um ato

interno, sem projecção fora da esfera da entidade adjudicante. Todavia, converte-se num ato externo – e assim em ato administrativo impugnável – quando se revela para o exterior através do anúncio ou do convite à apresentação de propostas”. Mais

adianta o referido autor que “Estes atos, funcionalmente autónomos, não são, pois,

atos de publicitação da decisão de contratar (como a notificação ou a publicação de atos administrativos): neste contexto, concebem-se melhor como elementos ou partes que, em conjunto com a decisão interna de contratar, formam ou compõem a decisão

48Cfr. Ob. Cit. p. 174. Neste contexto, como bem lembra o referido Autor, cumpre notar que, no caso das

Parcerias Público-Privadas, a decisão de contratar deverá ser expressamente tomada, nos termos e para os efeitos conjugados do disposto nos artigos 37.º do CCP e 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, que estabelece exatamente o regime jurídico das parcerias público-privadas.

49

Mais precisamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 26 de abril de 1990, publicado em Acórdãos Doutrinais, n.º 349, janeiro de 1991, p.34, Acórdão do STA, de 26 de janeiro de 2000, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132, n.º 3907, p. 312, Acórdãos do STA, de 10 de março de 1994 e 18 de março de 1998 proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 32 928 e 38 366 e ainda Acórdão do STA de 21 de fevereiro de 2002, proferido no Processo n.º 046808

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31

de contratar enquanto ato administrativo (ato composto)”51 Ressalve-se novamente

que a concordância com a citada posição fica adstrita aos casos em que a decisão de contratar não se torna pública por via da publicação obrigatória em Diário da República das Deliberações tomadas em sede de Conselho de Ministros.

Escusando-se a grandes comentários relativamente à questão relativa ao início do procedimento – cuja discussão deixou de fazer sentido uma vez que o CCP veio expressamente esclarecer essa dúvida -, e um pouco como acima se descreveu as posições sufragadas por Margarida Olazabal Cabral e Pedro Gonçalves, o Professor Miguel Assis Raimundo defende que “decisão de contratar, ao mesmo tempo que

inicia um procedimento, encerra o momento pré-procedimental, operando a formalização em acto dos resultados desse momento”52 Contudo, se ali parece coincidir com os identificados autores, certo é que o Professor Miguel Raimundo acrescenta algo que fá-lo destacar-se das referidas posições, algo que na nossa ótica parece de extrema relevância para o caminho que prosseguimos na presente dissertação. De facto, o autor sublinha a importância da fase pré-procedimental e assinala as “significativas consequências intra-procedimentais”53 que a mesma traz para todo o desenvolvimento tanto das linhas como do próprio objeto do contrato a celebrar. Para o ilustre Professor, “A decisão de contratar tem um conteúdo, ainda

que possa ser um conteúdo vago e aberto. Ninguém decide apenas “vou celebrar um contrato”, porque isso não é um decisão, mas apenas o repetir de alguma coisa que a lei já permite (que uma pessoa celebre um contrato), tal como uma entidade administrativa nada decide se afirmar apenas “vou praticar um acto administrativo”, porque isso é apenas repetir um comando normativo que habilita aquela entidade a praticar actos administrativos”54. Assim, na falta de definição legal suficiente e

esclarecedora, o Professor clarifica que “A decisão de contratar, para ser uma

decisão, tem de ter um certa densidade, tem de ter conteúdo; ora, uma decisão de contratar só tem conteúdo se identificar os traços essenciais do que se quer contratar (o “projecto de contrato”), pelo menos em termos objectivos e das estipulações contratuais que a entidade adjudicante considera essenciais no futuro contrato: o

51Cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2015, pp. 183 e 184. 52Cfr. MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, A Formação dos Contratos Públicos – Uma Concorrência Ajustada ao

Interesse Público, AAFDL, 1.ª Edição, 2013, pp.771 e 772.

53Cfr. Ob. Cit. p.772. 54Cfr. Ob. Cit. p.773.

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