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Juros, preços e dívida pública : a teoria e o caso brasileiro

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Academic year: 2020

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MARCO ANTONIO CAMPOS MARTINS

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Do Senado Federal

CLOVIS de FARO

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Da EPGE/FGV, da FCE/UERJ edoTPP/UFF

ANTONIO SALAZAR PESSOA BRANDÃO

Da EPGE/FGV e daFCE/UERJ

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JUROS, PREÇOS E DIVIDA PUBLICA:

A TEORIA E O CASO BRASILEIRO

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Editora da Fundação Getulio Vargas Rio de Janeiro, RJ -1991

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Direitos reservados desta edição à Fundação Getulio Vargas Praiá de Botafogo, 190 - 22253

CP 9.052 - 20.0Ó0 Rio de Janeiro - Brasil

É vedada a reprodução total ou parcial desta obra

Copyright © da Fundação Getulio Vargas 1! edição - 1991

Editora da Fundação Getulio Vargas Chefia: Francisco de Castro Azevedo

Coordenação Geral da edição: Marlúcia Almeida Nunes Composição: Paulo Alves

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Martins, Marco Antonio Campos

BB-00045333- 1

Juros, preços e dívida pública: a teoria e o caso brasileiro I Marco Antonio Campos Martins, Clovis de Faro, Antonio Salazar Pessoa Brandão. - Rio de Janeiro: FGV, EPGE, 1990. 328f. - (Série pesquisas I Fundação Getulio Vargas, Es-cola de Pós-Graduação em Economia; 3)

Bibliografia: f.321-324.

1. Dívida pública - Brasil-1971-1985. 2. Taxas de juros - Brasil- 1971-1985.3. Inflação - Brasil. 4. Btasil- Política econômica - 1971-1985. I. Faro, Clovis de, 1941 - 11. Brandão, Antonio Salazar Pessoa, 1949- . lU. Fundação Ge-tulio Vargas. Escola de Pós-Graduação em Economia. IV.

Tí-tulo. V. Série.

(3)
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SUMÁRIo

Parte I

Sumário das principais conclusões e concepção geral do trabalho, 1

1. Introdução, 3

2. Aspectos relevantes do modelo teórico, 4 3. A parte empírica, 6

4. ConCepção geral do trabalho, 8 Parte 11

A necessidade de uma nova teoria da taxa nominal de juros e da dívida pública, 9

1. Introdução geral às partes 11 e

m,

11

1.1 A crítiéa dos modelos tradicionais, 13

1.2 O modelo proposto e suas extensões, 15 2. Um debate ilustrativo, 23

3. A falta de enfoque metodológico, 25 .

4. A dívida pública e o desconto de impostos futuros, 28

5. A necessidade de uma teoria de demanda por títulos públicos, 32 6. Construindo uma teoria de demanda por títulos da dívida

públi-ca,37

7. O papel das restrições legais e institucionais nas novas teorias da dívida pública, 42

Parte III

O modelo teórico, 59

8. Um modelo básico de determinação da taxa nominal de juros e do nível geral de preços com a integração do efeito·Fisher e do para-doxo de Gibson,-61

9. Juros e preços numa economia estritamente monetária, 72

10. A dívida pública, o nível geral de preços e a taxa nominal de juros bancários, 82

11. Uma teoria nominal da taxa nominal de juros e do nível geral de preços num modelo com mercado privado de crédito, 93

12. A inflação de títulos públicos, 102 13. Os efeitos ~ correção monetária, 112

(5)

14. O alongamento da maturidade da dívida pública e os seus efeitos sobre as taxas nominais de juros e sobre o nível geral de preços,

119

15.08 impostos sobre operações fmanceiras e os seus efeitos sobre o orçamento e sobre as taxas de juros e de inflação, 125

16. A fIxação de taxas de juros internas em função de parâmetros externos à economia modelo, 132

17. Juros e preços num modelo com dívida pública consolidada, 134

Apêndice matemático, 143

Parte IV

Dívida pública, oferta monetária e taxas de juros na economia brasilei-ra no período 1971-85,151

1. Introdução, 153

2. Financiamento doméstico do déficit público: dívida pública in-terna X base monetária, 157

3. O comportamento das taxas de juros, 191

4. Tendências de longo prazo, 221 5. Conclusões, 239

-Apêndice estatístico, 241

Anexo 1,315

Anexo 2,319

(6)

PARTE I

SUMÁRIO DAS PRINCIPAIS CONCLUSÕES

E

(7)

1.

INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva estudar questões relacionadas com a dívi-da pública interna, tanto a nível teórico quanto empírico. A nível teó-rico, será desenvolvido um modelo macroeconômico básico a partir do qual estarão enquadradas várias questões econômicas relacionadas com a existência da dívida. A nível empírico, será feita uma caracterização do processo de endividamento público brasileiro no período 1971-1985. Esta caracterização tratará da evolução da dívida interna real no período, do comportamento das taxas de juros e dos seus mecanismos de determinação, as fontes internas de fmanciamento do déficit públi-co, e das relações entre.itiflação, nível de preços e taxas de juros.

3

(8)

2.

ASPECTOS RELEVANTES 00 MODELO TEÓRICO

Em 1980, dando seqüência ao desenvolvimento de idéias que foram inicialmente formuladas em sua dissertação doutoral (1975), Martins publicou um trabalho sobre a determinação da taxa nominal de juros numa economia monetária. Foi então desenvolvido um mode-. lo no âmbito do qual as taxas de juros e de inflação são influenci.adas pelo volume da dívida pública. Entretanto, a questão da determinação da taxa de juros de empréstimos bancários, que tem certamente um papel fundamental nas economias monetárias, não foi discutida. A nossa pesquisa vem preencher esse hiato, propiciando oportunidade para a discussão de vários regimes monetários. Conforme deveria ser esperado, os comportamentos das taxas de juros bancários e dos títu-los públicos aparecem estreitamente relacionados, no âmbitó deste trabalho. Entretanto, tal relação depende da magnitude da dívida pú-blica interna.

No modelo desenvolvido no trabalho, a moeda- que não rende juros nominais - convive com os títulos públicos - os quais rendem juros nominais positivos. É amplamente reconhecido que a explicação teórica dessa convivência tem sido um grande desafio para os macro-economistas modernos. Nesta pesquisa ela é obtida, basicamente, pela distinção entre a liquidez característica dos dois títulos: enquanto a moeda possui liquidez imediata, os títulos públicos são caracterizados por comandarem uma liquidez datada. Em outras palavras, um deten-tor de moeda pode usá-la a qualquer instante para fazer face a· seus pagamentos.

O . detentor de títulos, por seu turno, só poderá utilizá-los para fazer pagamentos depois de esperar um certo período de tempo, o qual pode ser mais curto oU: igual ao comprimento do prazo de matu-ridade desses mesmos títulos. Durante este período de espera os agtm-tes econômicos só efetuam pagamentos se utilizarem a moeda, a qual, por conseguinte, não pode ser eliminada da economia.

O modelo teórico básico caracteriza-se, então, pela existência de moeda, títulos do governo e empréstimos bancários. Neste conteJÇto,

4

(9)

cada agente econômico decide o quanto vai demandar de cada um desses ativos, e de quanto vai se endividar. Além disso, várias questões específicas são também estudadas, tais como as associadas

à

existência de correção monetária da dívida pública,

à

tributação dos juros dessa mesma dívida, às implicações dessa tributação sobre déficit público, e as associadas

à

questão do alongamento do prazo de vencimento do débito público fiduciário.

Ao se resolverem os modelos estudados, discutiu-se sempre a sb-lução do chamado "estado estacionário", o qual se caracteriza por uma taxa constante de inflação. Foi possível, então, determinar fór-mulas analíticas para o nível da taxa de inflação, tendo sido evidencia-do que, numa economia onde toevidencia-do o défici público é fmanciado por expansão monetária, a inflação é menor do que quando parte dele é fmanciado por emissão de títulos públicos. Esta conclusão é de extre-ma importância no contexto do trabalho, pois demonstra o impacto inflacionário da dívida pública, uma proposição que não se pode obter nos modelos macroeconômicos convencionais do tipo IS/LM.

5

(10)

3. A PARTE EMPlÍUCA

Nesta parte do trabalho, procurou-se, inicialmente, caracterizar a evolução da dívida pública no Brasil. Para tanto, foram apresentadas a sua evolução em termos reais e a sua taxa de crescimento mensal no período de janeiro de 1971 a dezembro de 1985. Observou-se, assim, o progressivo endividamento do governo brasileiro ao longo desta época, com um crescimento bastante acentuado na última fase.

Além da análise da evolução da dívida interna, procurou-se ca-racterizar as mais importantes fontes domésticas de fmanciamento do governo, que são a dívida pública e a expansão da base monetária. Para tanto, estimou-se o total do fmanciamento obtido pelo governo através da pnmeira, levando-se em conta as novas emissões de títulos, os ágios e deságios nos leilões (quando as informações estavam dispo-níveis), assim como os juros e correção monetária pagos sobre o valor da dívida em OTNs. Este agregado, variação da dívida líquida do go-verno mais a expansão da base monetária, foi então dividido pelo PIB a preços correntes, com a fmalidade de obter-se uma estimativa da parcela do déficit público financiada por estas duas importantes fontes

à disposição do governo. É oportuno observar que houve uma sensível elevação desta percentagem nos anos mais recentes do período de aná-lise (a metodologia para a realização das estimativas está descrita na Parte N).

Um estudo das várias fontes existentes para dados sobre taxas de juros no Brasil também foi realizado. Pode-se, assim, determinar as evoluções das taxas de juros pagas nas LTNs no Brasil, bem como uma taxa que reflete a taxa de juros de empréstimos no Brasil. Estes levan-tamentos levaram em conta as séries de taxas de juros publicadas pelo Banco Central, Andima, Revista Exame, Revista Análise e uma série de dados do Banco Garantia, obtida através do IBMEC. Notou-se, como discutido no apêndice da Parte N, que apesar da diversidade das fontes existe uma razoável coincidência entre as evoluções de longo prazo destas várias séries.

Por fim, procurou-se determinar a existência de algumas relações macroeconômicas importantes no Brasil. Estas relações foram as

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#4 __

guintes: a relação entre a taxa de juros das LTNs e a razão entre emis-sõesde títulos públicos e os meios de pagamento; a relação (conhecida na literatura econômica especializada como o paradoxo de Gibson) entre o índice gerá! de preços e a taxa de juros nominal, e a relação entre a taxa de inflação e a taxa de juros nominal (denominada equa-ção de Físher na literatura econômica). A observaequa-ção destas relações foi feita após aplicar-se um filtro proposto por Lucas em 1980," que tenta isolar os chamados efeitos de longo prazo de uma série econô-mica. Para aplicação deste filtro, desenvolveu-se um programa em Basic que .permitiu que os cálculos necessários fossem realizados num computador do tipo PC.

Uma das implicações mais importantes deste trabalho - a taxa nominal de juros está muito ligada à relação entre emissão de dívida pública e meios de pagamento - surgiu como forte evidência a partir dos resultados da aplicação do. filtro de Lucas. Em que pese a deficiên-cia dos dados (uma vez que as séries disponíveis são relativamente cur-tas para utilização dos métodos de análise estatística apropriados), ficou bem clara que a hipótese levantada no estudo não tem condições de ser rejeitada na economia brasileira. Da mesrna forma, há evidências favoráveis à presença do paradoxo de Gibson e menos fortes com rela-ção à equação de Fisher.

(12)

4. CONCEPÇÃO GERAL DO TRABALHO

Há três diferentes etapas, as Partes 11, III e IV, que compõem este trabalho.

Na Parte 11, intitulada ,A Necessidade de uma Nova Teoria da Taxa Nominal de Juros e da Dívida Pública, composta por 7 seções, é efétuada uma revisão da literatur~ pertinente, focalizando-se proble-mas teóricos referentes à teoria tradicional dos títulos da dívida públi-ca. Argúi-se que o debate contemporâneo sobre o ônus da dívida pú-blica, e a respeito das conseqüências macroeconômicas relacionadas com suas emissões, carece de foco metodológico e não fornece uma teoria aceitável de demanda por títulos públicos. Além, do mais, dado que eles são calcados na imposição generalizada da teoria fisheriana da taxa de juros, estão incapazes de descrever fenômenos de validade em-pírica incontestável, como o chamado paradoxo de Gibson.

Para que sejam sanadas tais deficiências, aponta-se a necessidade da construção de uma nova teoria. Isto é intentado na Parte 111, deno-minada O Modelo Teórico, quando são apresentados o modelo básico proposto e suas extensões. A partir do modelo de Martins (1980), a inclusão de um mercado de crédito é efetuada. Isto pernúte a simula-ção do efeito-Fisher e do paradoxo de Gibson no mesmo aparato teó-rico. A principal conclusão do modelo é a de que, contrariamerite à

visão tradicional, o fmanciamento do déficit público, via a ellÚssão de títulos da dívida pública, também gera inflação. .

Finalmente, na Parte IV, Dívida Pública, Oferta Monetária e Taxas de Juros na Economia Brasileira no Período 1971-85, constituí-da por 5 seções, é efetuaconstituí-da uma análise empírica constituí-da econollÚa brasi-leira. Além da descrição da evolução dos principais agregados relacio-nados com a dívida pública, esta parte contém os resultados dos tes-tes efetuados com vistas à comprovação das relações fundamentais do modelo desenvolvido na Parte 111.

(13)

,...

PARTE TI

A NECESSIDADE DE UMA NOVA TEORIA DA TAXA NOMINAL DE JUROS E DA DMDA PÚBLICA

(14)

1. INTRODUÇÃO GERAL ÀS PARTES 11 E 111

o

principal objetivo das Partes 11 e III é justificar e apresentar uma teoria simplificada de determinação da taxa nominal de juros dos títulos da dívida pública e da taxa nominal de juros dos empréstimos bancários, no contexto de um modelo capaz de simular tanto o efeito-Fisher corno o paradoxo de Gibson, de forma coerente. Esse modelo será utilizado como ponto de referência para a análise da experiência empírica da economia brasileira, que çonstituirá a Parte IV. Nesta in-trodução geral, são reunidas as principais idéias teóricas, desenvolvidas nas seções de 2 a 17, as quais estão grupadas em duas partes distintas. A teoria aqui formulada é uma extensão direta da "Teoria No-minal da Taxa NoNo-minal de Juros e do Nível Geral de Preços" de Mar-tins (1975, 1980). Ela parte do pressuposto de que a única distinção teoricamente relevante entre moeda e títulos públicos reside na dife-rença entre os seus períodos de pagamento. Dessa forma, a emergência daquelas duas taxas de juros reflete a operação de forças econômicas fundamentalmente distintas. A primeira depende apenas do quociente títulos/moeda, isto é, da razão liquidez-datadajliquidez-à-vista, em cada ponto do tempo. Enquanto isso, a taxa nominal de juros dos em-préstimos bancários resulta da evolução da liquidez total da economia ao longo do tempo. Conforme já foi percebido, essa teoria implica um conceito de liquídez muito mais amplo do que o tradicionalmente aceito.

A dependência da taxa nominal de juros de títulos da dívida pública com relação ao quociente liquidez-datada/liquidez-à-vista, ou em outras palavras, referente às quantidades relativas de diferentes tipos de liquidezes, pode ser racionalizada da seguinte maneira: moeda e títulos públicos não passam de papéis de circulação fiduciária, emi-tidos pelo governo sem qualquer lastro real. Deveriam, em princípio, apreciar ou depreciar no mesmo ritmo, em termos reais, quando defla-ções ou infladefla-ções ocorrem, independentemente dos seus nomes de batismo. Os títulos. são, contudo, emitidos com características que restringem a sua capacidade de pagamento à Vista. Têm, portanto, que oferecer um prêmio para compensar essa inconveniência, com relação

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à moeda. E, nesse sentido, a implicação mais importante da "Teoria Nominal" é a de que o valor do prêmio depende apenas da magnitude dessa inconveniência, relativamente à moeda, e de nada mais. Não depende, por exemplo, nem de deflações, nem de inflações.

No caso da "Teoria Nominal" e deste trabalho, a inconveniência é representada pelo período que tem de ser aguardado até que o poder de compra do título possa ser integralmente exercido. De acordo com essa teoria, os valores do custo imposto por essa espera e do prêmio necessário à sua compensação são capturados pela magnitude do quo-ciente títulos/moeda. Mas este quoquo-ciente não guarda qualquer relação estável com taxas de variações de preços. Conseqüentemente, nem esse custo, nem o prêmio, que se expressam através da emergência de uma taxa nominal de juros dos títulos públicos, guardam quaisquer rela-ções estáveis com inflarela-ções ou deflarela-ções. Em outras palavras, essa taxa de juros não se encontra submetida à operação do efeito-Fisller.

A teoria macroeconômica tradicional (p. ex., Patinkin 1965, pp. 288-94) parte, contudo, do pressuposto de que, em equihbrio, a taxa nominal de juros dos títulos públicos tem que ser igual à dos emprés-timos bancários, e de que ambas têm que estar submetidas à ação do efeito-Fisher. De acordo com este, variações de taxas nominais de juros refletem, basicamente, variações das taxas esperadas de inflação.

A nível teórico, a incorporação do efeito-Fisher nos modelos macroeconômicos tradicionais tem uma série de conseqüências impor-tantes para a análise das políticas monetária e fiscal. Implica, em par-ticular, que as emissões de títulos da dívida pública não afetam nem o nível geral de preços, nem as taxas nominais de juros da economia.

Esse efeito tem sido fartamente contradito (cf. Shiller e Siegel 1977, especialmente p. 892, n) a nível empírico. Nesse sentido, a mais importante evidência refere-se a forte correlação positiva entre o n{vel geral de preços e a tax;l nominal de juros de longo prazo, obser-vada para a Inglaterra para um total de 250 anos. Keynes (1930, capo 2, p. 198) chamou tal fenômeno de paradoxo de Gibson (1923).

Este trab~ho parte do princípio de que uma teoria adequada da taxa nominal de juros e do nível geral de preços, isto é, uma teoria adequada das políticas monetária e fiscal, tem que ser capaz de expli-car tanto o efeito-Fisher como o paradoxo de Gibson, e o seu princi-pal objetivo é desenvolver essa teoria. Ele considera, também, o pres-suposto de que essa nova teoria tem de levar em conta a diferença entre os períodos de pagamento da moeda e dos títulos públicos. Isso só pode ser feito, de forma economicamente relevante, no contexto de modelos essencialmente dinâmicos; isto é, de modelos onde o tempo seja uma variável inerente e indispensável ao desenvolvimento teórico.

Os modelos macroeconômicos fisherianos são essencialmente estáticos. Aspectos dinâmicos não são cruciais. Eles são incluídos apenas como adendos destinados a simular avanços e retardos

(16)

buted lags) de uma variável com relação a outras, e não como instru-mentos destinados a explicar a natureza desses comportamentos. Esses modelos tratam os títulos da dívida pública como se fossem substitu-tos perfeisubstitu-tos para o capital das· empresas, como se fossem perpetui-dades. Neles, datas e aspectos dinâmicos deixam de ser elementos essenciais à análise do papel exercido por esses títulos na economia. Não podem, portanto, servir de fundamento para a construção de uma nova teoria da dívida pública, no âmbito da qual a variável tempo é essencial.

Martins (op. cit.) parte de uma visão completamente distinta, escolhendo a variável tempo como fundamento para a construção de sua "Teoria Nominal" da taxa nominal de juros e para a análise dos efeitos macroeconômicos desencadeados pelas emissões de títulos públicos. O seu modelo é, portanto, essencialmente dinâmico. Ele pode servir de base para a construção da nova teoria. É, em particular, capaz de simular o paradoxo de Gibson de forma economicamente coerente (1980, p. 184).

A versão original desse modelo é, contudo, incompleta. Ela não dispõe de um mercado privado de crédito, no âmbito do qual os em-prestadores desejem receber seus montantes de volta em termos reais, isto é, depois da inflação ser descontada. Por conseguinte, essa versão é incapaz de explicar a ocorrência do efeito-Fisher, a não ser sob con-dições muito especiais (por exemplo: sob a condição de que o quo-ciente títulos/moeda permaneça constante ao longo do tempo). Nosso trabalho preenche esta lácuna. Ele inclui um mercado privado de cré-dito na análise e expande consideravelmente o escopo da versão ori-ginal.

O novo modelo implica que o nível da taxa nominal de juros dos títulos públicos, em cada ponto do tempo, depende da distribuição da liquidez corrente da economia entre liquidez-datada e liquidez-à-vista. Ele supõe, também, que o nível da taxa nominal de juros dos emprés-timos bancários reflete a evolução da liquidez total ao longo do tem-po. Essa evolução determina, adicionalmente, a taxa de variação do nível geral de preços. Por conseguinte, este novo modelo liga o n{vel da taxa nominal de juros bancários à taxa de variação do nível geral de preços. Explica, portanto, a emergência do efeito-Fisher de uma ma-neira que é economicamente bastante natural e intuitiva, como será demonstrado.

1.1 - A Crítica dos Modelos Tradicionais

A Parte 11, que inclui esta introdução, é composta por mais seis seções. As seções 2, 3, 4 e 5 focalizam problemas teóricos relacionados com a teoria tradicional dos títulos da dívida pública. A discussão encontra-se fortemente calcada em Martins (1979). Argumenta-se que 13

(17)

o debate contemporâneo a respeito do ônus da dívida pública e rela-tivo às conseqüências macroeconômicas, relacionadas com as suas emissões, carece de foco metodológico e, pior, de qualquer teoria razoável de demanda por títulos públicos. Discute-se, também, que essas deficiências encontram-se inteiramente associadas à imposição generalizada da teoria fisheriana dos juros (Fisher (1930) 1970, caps. 2 e 19) nos modelos macroeconômicos, como um paradigma incontes-tável.

Essa imposição provoca conseqüências. Em particular, implica que títulos Rúblicos sejam tratados como se fossem ações emitidas por empresas, e que não desempenham qualquer papel relevante na macro-economia tradicional. Além disso, os efeitos potenciais são contra-res-tados por uma hipótese ad hoc, a de que o governo sempre paga os serviços da dívida pública interna através da. elevação de impostos, cujos fluxos são capitalizados pelos agentes econômicos. A conclusão dos argumentos desenvolvidos nessas quatro primeiras seções é de que o postulado fisheriano deve dar lugar a uma teoria mais geral de taxa

nominal de juros. .

Na seção 6 discutem-se algumas questões-chave relacionadas com o problema da construção de novas teorias da taxa nominal de ju-ros e dos títulos públicos. Dois aspectos são enfatizados: em primeiro lugar, essas teorias devem ser construídas simultaneamente, a partir do mesmo arcabouço teórico, c não de forma separada. A teoria conven-cional da dívida pública é, ao contrário, literalmente "encaixada" no postulado fisheríano. Além disso, a construção de modelos monetários com títulos públicos requer que se traga à baila a existência de fric-ções a emperrar os mecanismos de troca. Nesse sentido, argumenta-se que o melhor aparato teórico destinado ao desempenho dessas tarefas é o proporcionado pelo modelo de gerações superpostas de Samuelson (1958).

A seção 7 enfatiza que já existe um amplo esforço teórico desti-nado à elaboração de uma nova teoria da dívida pública. Esse esforço desmembra-se em duas vertentes principais.

A

primeira, representada pela teoria original de Martins (1975, 1980), serve de fundamento para este trabalho. A segunda tem origem em Wallace (1977 e 1978) e Bryant e Wallace (1979), sendo utilizada como base para a fornmlação da "Teoria das Restrições Legais". Ambas aplicam o modelo de Sa-muelson (1958) como motto da análise. A primeira deriva uma te.oria simultânea de dfvida pública e da taxa nominal de juros; a outra man-tém-se fiel ao postulado fisheriano. A maior parte da seção é destinada a argumentar que o modelo de Martins ilumina as questões teóricas envolvidas.

(18)

1.2 - O Modelo Proposto e suas Extensões

Nas seções que compõem a Parte II deste trabalho, três classes de modelos macroeconômicos são criticadas. Conclui-se que nenhuma delas é inteiramente adequada para estudar os efeitos da dívida públi-ca sobre as taxas reais e nominais de juros, as taxas de inflação e os ritmos de inversões e de crescimento da economia. Elas também não servem para analisar outras questões correlatas ligadas à monetização do débito público, ao dilema endividamento versus expansão monetá-ria versus aumento de imposto como instrumentos de financiamento do déficit do governo e às operações de open-market. Além disso, in-siste-se fartamente sobre a necessidade de associar-se a construção de uma teoria da dívida pública à elaboração de uma teoria adequada da taxa nominal de juros. Nesse sentido, argumenta-se que além de outros atributos, um modelo "ad~quado" do endividamento do governo deveria ser capaz de' simular tanto o efeito-Fishercomo o paradoxo de Gibson, dentro do mesmo arcabouço teórico.

Os modelos tradicionais (p. ex. Patinkin 1965,pp. 288-94) par-tem do pressuposto de que as ações e os títulos públicos são substi-tutos perfeitos entre si. Estes, além de não desempenharem qualquer função intrínseca, de liquidez, ainda são lastreados por impostos futu-ros. A correlação positiva entre nlveis gerais de preço e taxas nominais de juros, como a observada por Gibson (1923), constitui um paradoxo e não uma negação do postulado de Fisher, sobre o qual esses modelos são alicerçados. Já a classe de modelo elaborada por Bryant e Wallace (1979) parte da noção de que o risco de inadimplência dos títulos pú-blicos é igual a zero. Em virtude dessa característica - tão-somente dela - os autores postulam que esses papéis são, portanto, intrinseca-mente idênticos à moeda corrente. Deveriam, por conseguinte, render zero de juros nominais. Na prática, contudo, e a nível de mercado, esses juros são positivos. Segundo os autores, esse desvio - outro apa-rente paradoxo - decorre dos custos de transações associados aos esforços inexoravelmente feitos pelos intermediários financeiros, no sentido de "monetizar" o débito público, isto é, no sentido de elimi-nar as restrições legais e institucionais com as quais são emitidos. Uma implicação (teórica) desse tipo de modelo é a de que a taxa nominal de juros paga pelos ativos fmanceiros do governo deveria tender para o infinito, caso os custos de sua monetização assim se comportassem. Martins (1975 e 1980), por sua vez, escreveu um modelo partindo do princípio de que a única diferença relevante entre títulos públicos e moeda reside na diferença entre os seus períodos de pagamento. Para simular essa situação ele postula custos infinitos de "monetização" da dívida pública e - contrariamente a Bryant e Wallace - encontra taxas nominais de juros finitas. Estas, de acordo com Martins, depen-dem fundamentalmente do quociente débito/moeda, isto é, da quan-15

(19)

tidade relativa de liquidez (presente) que o investidor abdica em favor de liquidez (nominal) futura, quando adquire títulos da dívida públi-ca. Ou, equivalentemente, depende da quantidade relativa de tempo que ele tem que esperar para exercitar um poder de compra que, de outra forma, seria posto em prática no presente.

A tentativa de elaborar uma teoria da dívida pública aplicável às modernas funções governamentais tem que coincidir com o esforço de construção de uma nova teoria da taxa nominal de juros, ou ainda, do preço de oferta dos fundos disponíveis para investimentos. Bryant e Wallace impõem, de saída, o.postulado de Fisher no seu modelo. Em conseqüência, eles limitam consideravelmente o escopo de sua teoria à

descrição de eventos econômicos relacionados com esse postulado. Martins, ao contrário, elabora sua teoria da dívida púhlica em conso-nância, e simultaneamente, com sua teoria de juros. Além disso - é importante ressaltar que a sua hipótese crucial relativa à diferença en-tre os períodos de retenção de moeda e títulos públicos não é ad hoc -- pode ser perfeitamente derivada da análise do comportamento de investidores e intermediários financeiros que se defrontam com custos reais de "monetização" do débito do governo. Não obstante, esse mo-delo carece de um mercado de ativos financeiros emitidos pelo setor privado. Isto acarreta três conseqüências básicas: a) as expectativas in-flacionárias não desempenham qualquer papel relevante na determina-ção da taxa nominal de juros; b) tanto a perda de liquidez relativa co-mo o valor do tempo abdicado são avaliados em unidades puramwte nominais, ao nível geral de preços que prevalece no início do período de decisão dos investidores; c) o efeito-Fisher é um fenômeno indisso-luvelmente ligado à operação das expectativas inflacionárias. Na medi-da em que essas são irrelevantes, por construção, aquele não pode exis-tir. No que se se segue procuraremos sanar essa deficiência.

Para simular a diferença entre os períodos de pagamentq (i.e. entre as velocidades de circulação) da moeda e dos títulos públicos, será lançado mão do modelo de overlapping generations de Samuelson (1958, pp. 467-82). Basicamente, esse autor trata da distribuição de consumos individuais ao longo do tempo, no contexto de um modelo simplificado de crescimento. Ele é habitado por gerações sucessiva-mente intercaladas, compostas por pessoas que só atentam para o pró-prio interesse, que recebem renda apenas uma vez na vida (somente uma vez durante seus períodos de decisão), que precisam consumir ao longo de toda sua vida, auferindo sua renda em forma de um bem que não pode ser armazenado, isto é, que perece (evapora-se) se não for imediatamente consumido. O problema focalizado por Samuelson ~ o da profunda divergência existente entre as oportunidades que se en-contram abertas para essas pessoas consumirem na vertente de um equilíbrio puramente competitivo, e aquelas - muito maiores - que seriam factíveis na emergência de um pacto social. A raiz da divergên-16

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cia reside no fato de que é simplesmente impossível, no contexto do modelo, implementar qualquer transferência voluntária (contrato pri-vado) de consumo entre as gerações que dispõem de renda num deter-minado instante de tempo e aquelas que de nada dispõem. Isto provo-ca uma diminuição radiprovo-cal do bem-estar da coletividade, para níveis muito inferiores aos socialmente atingíveis. Esses níveis poderiam, contudo, ser obtidos a partir de um contrato social patrocinado pelas idéias de Hobbes e de Rousseau. Segundo eles, a geração que estivesse faminta, num determinado ponto de tempo, teria um crédito de con-sumo contra a geração plena de recursos, vivendo no mesmo ponto de tempo. Esse contrato, implica o modelo de Samuelson, poderia ser in-teiramente materializado pela emissão de um contrivance money pelas autoridades monetárias, isto é, pela emissão de um "artifício monetá-rio".

A simulação do efeito-Fisher requer a presença de um mercado privado de crédito. Entretanto, tal mercado não pode ser inserido, de modo economicamente coerente, na formulação do modelo original de Samuelson (l958) - segundo a qual os indivíduos recebem renda no início de suas respectivas vidas. Jeste modo, podem acumular hoje para consumir no futuro.

A versão que será desenvolvida, sugerida em Martins (1985), postula que os consumidores recebam renda no final, e não ao início de suas vidas. Tal hipótese permitirá, de uma maneira coerente, que o mer-cado privado de crédito seja acrescentado ao modelo. Adicionalmente, o modelo será estendido para quatro períodos, portanto, com um a mais do que na sua versão original. Esta última modificação revelou-se uma imposição lógica da análise, conforme procuraremos mostrar.

A Parte III do trabalho é um encadeamento natural da Parte 11. Ela se inicia com a seção 8, dedicada à apresentação da estrutura geral do modelo proposto. O cerne dessa estrutura é a noção de que o proces-so produtivo leva tempo. Seu início (o início do período de decisão) é simulado pelo "nascimento" de cada indivíduo. O final é representado pelo recebimento de uma unidade de produto real (consumível) e pela sua "morte". Esta é o prenúncio de um novo período de decisões pro-dutivas. Durante o espaço de tempo que separa o "nascimento" da "morte", o indivíduo vive de empréstimos bancários. Estes são contra-tados a taxas nominais de juros livremente negociados no mercado. A emergência dessas taxas, em clara oposição às taxas dos títulos da dívida pública, constitui a contribuição teórica mais importante da análise. A sua determinação depende das expectativas da inflação futura e de interações com a taxa de juros da dívida pública. No contexto do modelo, o processo de formação dessas expectativas é especificado com precisão. A análise de problemas relacionados com decisões de investi-mento por parte do sistema bancário foge completamente ao escopo deste estudo. Não obstante, decidiu-se incluir os bancos,

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te, no modelo geral, com um único objetivo: ilustrar o~ tipos de dificul-dades teóricas que essa inclusão envolve. É importante ressaltar que este livro é, fundamentalmente, uma análise da demanda agregada, no contexto de uma formulação onde as emissões de dívida pública afetam o nível geral de preços e as taxas nominais e reais de juros, e onde o fluxo de renda real da economia é dado exogenamente.

O modelo tem muitas soluções economicamente relevantes. Elas dizem respeito às diferenças existentes entre uma economia estritamen-te monetária e outra com títulos da dívida pública; à emergência do efeito-Fisher e do paradoxo de Gibson; à coexistência de moeda com títulos da dívida pública; à determinação das seus períodos de paga-mento; às relações de equilíbrio entre as taxas nominais de juros desses títulos (em função de variáveis correntes) e as taxas nominais de juros de empréstimos bancários (em função de variáveis correntes e futuras); à determinação do nível geral de preços e das taxas de inflação associa-das às políticas de financiamento do déficit público; à especificação da demanda por moeda, e a muitas outras questões correlatas. É imperati-vo, pois, que esses assuntos sejam tratados com clareza. Conseqüente-mente, as soluções do modelo são apresentadas passo a passo, de maneira que as dificuldades conceituais sejam superadas de forma fluente, sem perda de continuidade, a partir da seção 9 até a 12. As condições de equilíbrio dinâmico revelam, em todas as versões do modelo, a estreita relação que existe entre a política de emissões de moeda e de títulos e dívida pública por parte do governo, e a capaci-dade dos indivíduos para honrar os empréstimos bancários cONtraídos no início dos seus períodos de decisão.

Na seção 9 discute-se o problema de formação do nível geral de preços, da taxa de inflação e da taxa nominal de juros de empréstimos bancários, para o caso de uma economia estritamente monetária, sem títulos da dívida pública. A análise, simples, revela que o nível da de-manda agregada pode ser expresso em função da variável monetária, e de forma muito precisa, numa economia desse tipo. Revela, também, o mecanismo de formação do efeito-Fisher. Mostra que este é um fenô-meno ligado a um steady-state inflacionário, e que as taxas nominais de juros dos empréstimos bancários e as de inflação não precisam ser idên-ticas, em equilíbrio, quando a economia é submetida a choques 'monetá-rios. Questões relativas à especificação da demanda por moeda são dis-cutidas, particularmente aquelas que dizem respeito às suas velocidades-rendas teóricas e empíricas, e à forma através da qual os argumentos renda e juros nominais entram nessa especificação. Para concluir, deri-vam-se as relações existentes entre taxas de inflação e de juros, e capa-cidade de fmanciamento do déficit público através de emissões mone-tárias. Conforme fica claro, a inflação cresce muito mais rapidamente do que a capacidade de financiamento do déficit público através de emissões de moeda.

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· A seção 10 é fundamental para a compreensão do processo de formação da taxa nominal de juros da dívida pública, no contexto da economia modelo considerada. Esse é completamente diferente do de formação da taxa nominal de juros dos empréstimos bancários. O pri-meiro refere-se à competição que existe entre moeda e títulos para a provisão de poder de compra (de liquidez), numa determinada data. O segundo diz respeito à evolução do valor nominal desse poder de com-pra, ao longo do tempo. Para facilitar o entendimento, na seção 10 se analisa o caso em que o governo só emite "pequenas" quantidades de títulos públicos, isto é, de liquidez datada. O significado dessas "pe-quenas" quantidades é rigorosamente discutido. Quando elas ocorrem, a taxa nominal de juros desses títulos permanece igual a zero. Aqui, a análise revela, claramente, que tanto a taxa nominal de juros dos em~

préstimos bancários, como o nível da demanda agregada da economia, têm que ser expressos em função da soma dos estoques de moeda e de títulos retidos pelos indivíduos. As questões relacionadas com a espe-cificação da demanda por moeda também são discutidas. Em particu-lar, fica claro que um observador de fora, munido apenas da Teoria Quantitativa da Moeda, seria totalmente incapaz de prever as evolu-ções dos preços e ,dos juros, dessa versão da economia modelo.

Na seção 11 relaxa-se ahipótese de que o governo só emite "pe-quenas" quantidades de títulos, e supõe que essas são suficientemente "grandes" para provocar a emergência de Uma taxa nominal de juros de dois períodos positiva, no mercado desses títulos. Equilíbrio eco-nômico. requer que essa seja. sempre igual ou menor do que a. taxa de juros de três períodos, do mercado de empréstimos bancários. Na seção 11 trabalha-se apenas com esta última hipótese e as suas implica-ções, que são semelhantes às de Martins -(1975, 1980).·Demonstra-se, em particular, que nesse tipo de economia modelo a taxa'nominal de juros da dívida pública é uma função do quociente (marginal) títulos/ moeda, e que a emissão desses títulos não aumenta os graus de liber-dade que o governo dispõe para fmanciar o seu orçamento. O nível da demanda agregada depende, também agora, de um somatófi,o dos estoques de moeda e de títulos públicos. Nesse caso, contudo, a velo-cidade renda da moeda fica maior do que a desses títulos. Em conse-qüência, esses entram na formação da demanda agregada, mas com atraso. É mostrado na seção 11, claramente, como o processo de for-mação da taxa de juros do mercado de títulos públicos é diferente do de formação da taxa de juros do mercado de empréstimos bancários. As relações existentes entre déficit do governo, expansões monetárias e de dívida pública, taxas nominais de juros, e taxas de inflação são novamente derivadas. Três resultados são ressaltados. Primeiro, que o modelo desenvolvido nesse trabalho é inteiramente compatível com a ocorrência dQ efeito-Fisher e do paradoxo de Gibson. Outro, que o nível da taxa nominal de juros da dívida pública depende, a curto 19

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prazo, apenas da ação de variáveis correntes. Enquanto isso, o da taxa nominal de juros dos empréstimos depende, também, do conhecimen-to do futuro. Em outras palavras, a economia modelo implica que, a curto prazo, o nível da taxa de juros bancários depende da de títulos públicos que, por sua vez, é determinado independentemente da ou-tra. O terceiro resultado é que as emissões de dívida pública nada acrescentam à capacidade que o governo dispõe para financiar o seu déficit. Apenas provocam um aumento da taxa de inflação que é ne-cessária para fmanciar um determinado volume real de déficit público em steady-state. Além disso, podem causar inflação, mesmo quando esse volume for zero ou negativo ..

O caso em que as emissões de títulos públicos são suficiente-mente grandes para provocar a igualação da taxa nominal de juros de dois períodos, no mercado de títulos, com a taxa de três períodos, no mercado de empréstimos bancários, é tratado na seção 12. Essa hipó-tese só tem sentido, evidentemente, porque a maturidade desses é sempre mantida maior do que a daqueles, no contexto do modelo, Se.

um empréstimo de três períodos pudesse, por exemplo, ser transfor-mado em dois empréstimos, com dois e um período, respectivamente, isso não ocorreria. Na situação estudada, a análise deixa claro que essa . igual ação só pode ocorrer a curto prazo e, assim mesmo, com a total perda de controle da política monetária por parte do governo. Em steady-state inflacionário, a taxa de elevação de preços associada a esse tipo de política pula para o infinito.

Algumas políticas de dívida pública levadas acabo na experiên-cia brasileira são apresentadas nas seções l3, 14, 15 e 16, refletindo a economia modelo. Já a última s.eção dessa Parte 111, número 17, confi-gura uma tentativa de expandir o escopo do modelo para incluir a aná-lise de perpetuidades.

A questão da correção monetária é abordada na seção 13. Nela, é mostrado que a economia modelo em estudo não tem risco e seus habitantes antecipam e utilizam corretamente todas as informações de política econômica. Em seguida, é lembrado que a instituição da cor-reção monetária requer, teoricamente, que seja feita uma distinção clara entre o valor de face e o valor de resgate dos títulos da dívida pública. A partir dessas considerações, demonstra-se que os preços de mercado de dois títulos de dois períodos emitidos no mesmo instante, com o mesmo valor de resgate, são, coeteris paribus, sempre iguais e independentes de quaisquer arranjos institucionais que provoquem uma divergência entre os seus valores de face. Apesar disso, fica claro que a adoção de um regime de co"eção monetária impõe uma correla-ção serial, de caráter bem definido, na série de preços. Mas isso se deve ao formato especial da oferta desses· títulos e não à correção monetá-ria em si.

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r

Na seção 14 é estudado o problema do "alongamênto" da matu-ridade da dívida pública. O core da análise é a demonstração de que essa palavra, "alongamento", é bastante imprecisa do ponto de vista analítico, apesar de parecer intuitivamente clara. Tão imprecisa, que a sua tradução, na lillguagem do modelo, exige a especificação correta da política à qual se refere.

Dois tipos de efeitos de impostos sobre operações financeiras são analisados na seção 15. Um é proporcional ao valor das despesas dos investidores com a aquisição de títulos públicos e o outro é pro-porcional aos rendimentos ,auferidos. O primeiro é inteiramente repas-sado para as taxas de juros da dívida pública, não gerando, em termos líquidos, qualquer receita adiciollal para os cofres públicos. O segundo parece, a nível microeconômico, não afetar essas taxas. Mas provoca, contudo, a sua elevação na esfera macroeconômica.

Na seção 16 são focalizados os efeitos da "administração" das, taxas de juros da dívida pública, por parte do governo, segundo Uma determinada regra. A escolhida é muito utilizada no caso da economia brasileira: manter essa taxa nominal de juros "aproximadamente" igual à soma de uma taxa externa ao modelo, com a taxa de inflação dele próprio. Essa taxa externa pode representar, por exemplo, uma taxa internacional de juros. Pode ser, também, igual a zero.

Nesse caso, a "administração" da regra consiste, simplesmente, em adotar políticas que acarretem a igualação da taxa de juros da dívida pública com a taxa de elevação do nível geral de preços. O re-sultado é uma inflação que parece ser "inercial", mas que é inteira-mente explicada pela política econômica em operação.

Uma tentativa de expandir o escopo do modelo original de Mar-tins (1975, 1980), mediante a inclusão de títulos perpétuos, é confi-gurada na seção 17. Essa tentativa é difícil e exploratória. A dificul-dade reside no problema de derivar uma função de demanda por um fluxo de rendas periódicas de duração infinita (isto é, por perpetui-dades), no contexto de um modelo onde os períodos de decisão têm duração finita. Apesar das dificuldades, a análise revela, com muita clareza, a importância crucial que a especificação de uma política eco_-nômica de longo prazo tem para a formação de expectativas, e a im-portância que essas têm para a solução do equilíbrio de curto prazo. Além disso, a análise apresenta, também, a solução do problema para o caso particular em que os consumidores mantêm expectativas cons-tantes com relação ao comportamento da taxa nominal da dívida pú-blica ao longo do tempo ..

Em suma, nosso trabalho leva o leitor, inexoravelmente, a uma certeza: a de que a presença desses títulos da dívida pública, emitidos sem lastro, ou nada acrescenta, ou apenas perturba o funcionamento da economia modelo analisada.

Com vistas a um leitor matematicamente mais sofisticado, a Par-21

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te III do trabalho contém, em um Apêndice Matemático, a análise de algumas condições que são tomadas como dadas no texto.

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2. UM DEBATE ILUSTRATNO

Há mais de trinta e cinco anos, Bowen, Davis e Kopf (1960) escreveram uma nota. Nela, eles defendiam a "posição clássica", se-gundo a qual o fmanciamento de gastos governamentais mediante a emissão de títulos da dívida pública transferiria pelo menos parte dos ônus desses gastos para as gerações futuras. Estas seriam, então, expro-priadas. As gerações presentes usufruiriam de um nível de renda e de riqueza superiores àqueles que poderiam ser alcançados sem essa trans-ferência. Uma década e meia depois, Robert Barro (1974) construiu um modelo com várias gerações sucessivamente interligadas para anali-sar o mesmo tema. No contexto desse modelo, cada geração preocu-pava-se com o futuro, isto é, com o estoque de capital que deixaria como herança para seus descendentes. Conseqüentemente, também levava em conta, nos cálculos relacionados com a acumulação de capi-tal, quaisquer ônus devidos a emissões de dívida pública. Contrariando a "posição clássica",' a análise de Barro concluía que aumentos do débito do governo não alteravam o fluxo de renda real e o estoque de riqueza percebidos pelas gerações presentes . .

Ambos artigos provocaram calorosos debates. Os participantes, contudo, não se restringiriam à questão específica, inicialmente colo-cada, das transferências intergeracionais de renda e riqueza. Ao contrá-rio, entabularam ampla discussão a respeito das conseqüências macro-econômicas acarretadas pelas emissões da dívida pública. Em particu-lar, abordaram as seguintes questões: a) constituem as coloca9Ões de

títulos do governo instrumento adequado de fmandamento de gastos públicos?; b) são essas colocações inflacionárias?; c) distorcem elas o preço de oferta dos fundos disponíveis para investimentos?; d) elas afetam o ritmo de acumulação de capital e, conseqüentemente, o ritmo de crescimento econômico?; e) as operações de open-rnarket são capazes de, efetivamente, regular a "liquidez" da economia?

Uma revisão crítica desse debate mostrará ao leitor que seus par-ticipantes não conseguiram dar qualquer resposta clara, ou sequer inte-ressante, às inúmeras perguntas levantadas. Nem mesmo à seguinte e fundamental questão: um aumento da dívida pública é expansionário 23

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ou não (isto é, aumenta ou não a demanda agregada da economia)? A despeito desta falta de resolução, a discussão foi extremamente eluci-dativa. Ela revelou, com toda a clareza, que os modelos teóricos, tra-dicionalmente utilizados para a análise da dívida pública, são comple-tamente inadequados para o atendimento desse objetivo, e que é ne-cessário construir outros aparatos ·para esse fIm.

Aquela ausência da resolução decorreu, basicamente, de três fatos. Em primeiro lugar, o debate careceu de enfoque metodológico. Além disso, seu desenvolvimento foi sistematicamente perturbado pela emergência de uma questão teórica que remonta, pelo menos, até os tempos de Ricardo. A questão é saber se os agentes econômicos levam em conta hoje (isto é, descontam)" os aumentos de impostos que, presumidamente, far-se-ão necessários, no futuro, para o paga· mento dos juros e amortizações da dívida pública. Por último, a dis-cussão foi completamente prejudicada por uma defIciência congênita de todos os modelos utilizados ao longo das ctintróvérsias: total ausên-cia de uma teoria de demanda por titulos da divida pública.

Esforços sistemáticos já vêm sendo realizados, há pouco mais de uma década, no sentido de derivar analiticamente uma função de demanda agregada por títulos da dívida pública, a partir de instrumen-tais microeconômicos, e no sentido de estudar as suas implicações para a determinação do nível geral de preços e das taxas reais e nominais de juros, e para a condução de políticas monetárias e fIscais. A principal preocupação deste trabalho, a nível teórico, é a de participar desses esforços, ainda que modestamente. Com esse objetivo, utilizaremos as três próximas seções para rever os principais aspectos das controvérsias detonadas por Bowen et aI. e por Barro. Focalizaremos, contudo,· apenas aquela parte da literatura que é relevante à apresentação do nosso próprio aparato teórico alternativo a partir da Seção 6.

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3. A FALTA DE ENFOQUE METOOOLóGICO

A carência de enfoque metodológico revelou-se,principalmente, em três áreas.

Primeiramente, como é freqüente acontecer, os participantes dos debates dedicaram grande parte do seu tempo

a

discutir se gover-nos, em geral, tendem ou não a "desperdiçar" recursos reais obtidos mediante acréscimos do endividamento público (p. ex., Modigliani 1961, p. 731). Esse tipo de abordagem é teoricamente. insatisfatório por três motivos principais:

a) as formas através das quais recursos são utilizados não têm nada que ver, em princípio, com as formas através das quais são cole-tados. Conseqüentemente, é muito importante que esses dois lados do problema sejam, metodologicamente, tratados em separado;

b) recursos são comumente coletados em termos nominais e não em termos reais. O seu valor real, isto é, a quantidade de mercadorias e serviços que efetivamente comandarão depende do impacto que a forma de financiamento dos gastos públicos produzirá sobre o nível geral de preços. A análise dos efeitos decorrentes de uma modificação nos volumes de impostos, emissões monetárias e colocações de dívida pública deve, portanto, ser levada a cabo - no que se refere ao lado da captação de recursos - tomando-se como parâmetro (ou dado) o valor nominal das despesas do governo e não o seu valor real. Para utilizar-mos este valor como parâmetro da análise, precisaríautilizar-mos, antes, ser capazes de especificar claramente quais são os efeitos que essas formas alternativas de financiamento de gastos públicos provocam sobre o nível geral de preços;

c) do lado da utilização dos recursos nominais coletados pelo governo, o problema está longe de esgotar-se na questão do "desperdí-cio", enfatizada por Modigliani (1961, op. cit.). Gastos públicos tam-bém podem compbínentar ou substituir as despesas do setor privado. Eles são capazes, portanto, de diminuir, aumentar ou deixar inalterado o nível de renda real percebido pelo setor privado. Aqui, as possibili-dades são claramente incontáveis. Por isso, fazemos coro com Barro (1976, p. 346), segundo o qual a análise da dívida pública prescinde, 25

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inteiramente, de qualquer necessidade de se envolver com temas dessa natureza.

Em segundo lugar, os participantes do debate também dedica-ram boa parte do seu tempo discutindo a questão da distribuição do ônus da dívida pública entre .diferentes gerações de indivíduos. Fize-ram-no, contudo, em sua maioria, sem nunca terem trazido à baila qualquer teoria de transferências intergeracionais de renda e capital (p. ex. Bowen et ai. 1960, p. 702 e Modigliani 1961, p. 731). Uma honro-sa exceção foi proporcionada por Diamond (1965), levando a efeito sua análise no contexto de um modelo de acumulação de capital e de crescimento econômico, no qual introduziu, explicitamente, funções de utilidade para diferentes gerações de indivíduos. Outra exceção coube a Barro (1974), que adaptou o modelo de gerações superpostas de Samuelson (1958). A adaptação realizada por Barro neste modelo - conhecido, nos meios acadêmicos, por overlapping generations mo-dei - consistiu da introdução, na análise, de razões suficientemente fortes para a ocorrência de heranças. Analiticamente, este efeito foi materializado pela hipótese oe que o nível de bem-estar (de utilidade) de cada indivíduo depende não apenas do seu próprio nível de consu-mo, mas também do nível de bem-estar atingido pelos seus herdeiros. Não obstante, tentativas no sentido de efetuar análises mais sistemáti-cas da distribuição intergeracional do ônus da dívida pública consti-tuíram-se, ao longo do debate, em exceções solitárias. Portanto, Mis-shan (1963, p. 541, n. ) tinha razão, quando confessou uma sneak-ing sympathy with the irate Congressman WllO demanded what ".as posterity ever done for us?

Em terceiro lugar, os autores que participaram da polêmica fun-damentaram suas análises do ônus (e de ouiros efeitos) da dívida pú-blica nos seus próprios e preferidos modelos. Isto acarretou duas

clas-ses de problemas:

a) a despeito das similaridades que esses modelos exibem, em geral de inspiração keynesiana (p. ex., quase todos trazem à cena algum conceito de demanda agregada), eles também apresentam dife-renças maIcantes. Conseqüentemente, não existe entre os autores qualquer consenso em como medir esse ônus. Por exemplo, Bowen et ai. (1960, p. 702) definem o ônus " ... of a public debt to a genera-tion as the total consumpgenera-tion of private goods foregone during the lile time of that generations as a consequence of govemment borrow> ing and attendant public spending". Modigliani (1961, p. 731) argu-menta que um aumento da dívida pública " ... will genera11y place a 'gross burden' through a reduction in the aggregate stock of private capital", explicando mais tarde que "if the rate of interest at whlch the govemment borrows can be taken as a good approximation of the marginal productivity of private capital, then the gross burden ... ean be

measured

by the interest charges on the National Debt," o

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qual " ... may be offset in part or in toto . .. through productive capi-tal formation". De acordo com Vickrey (1961, pp. 134-7), "the shift-ing of the burden to the future that is produced by debt fmancshift-ing ... [ is ] essentially the shifting of resources out of private investment and into consumption that is induced by the change in the method of financing" e " ... in the absence of debt retirement or other compen-satory action the primary burden . . . will be felt by wage eamers, ando . . there will be in addition a tendency for the income distri-bution to shift in favor of property incomes". Depois disso tudo Vickrey então nos informa, abruptamente, que sua análise depende "on a public-debt illusion or its equivalent".

b),a maior parte do instrumental analítico utilizado consistiu de modelos agregativos de curto-prazo (income-expenditure models), ca-rentes de precisão analítica. Eles desviam nossa atenção, sistematica-mente, para questões relativas ao "desperdício" dos gastos públicos. Ao mesmo tempo, levantam dúvidas a respeito da otimização das políticas fiscal, monetária e de financiamento do déficit público, e referente à otimização do ritmo de acumulação de capital. Fazem-no, contudo, em contextos analíticos que não são suficientemente preci-sos, seja para tratar dessas questões de forma isolada, seja para abordá-las de forma integrada. Exemplos típicos podem ser encontrados em

Modig1i~ni (1961, pp. 732-8) e Vickrey(1961, pp. 134-7).

A leitura desses autores provoca a forte sensação de que real-mente existe um problema bastante relevante, de natureza alocativa, associado à existência da dívida. Ela traz, também, a impressão de que tais problemas não podem ser desembaraçados com o auxílio dos mo-delos teóricos por eles utilizados, sendo, -portanto, preciso afiar o ins-trumental analítico. Isto poderia ser feito, por exemplo, pela generali-zação à macroeconomia do uso daquele que constitui o instrumental básico de teoria econômica: a maximização de funções-objetivo coe-rentemente formuladas, sujeita a restrições econômicas precisamente especificadas. Um passo nesta dirtção apresentaria, de um lado, a van-tagem óbvia da unificação metodológica. Todos os efeitos teoricamen-te controláveis, decorrenteoricamen-tes da existência da dívida pública, poderiam, em última instância, ser traduzidos em modificações por exemplo -dos níveis de bem-estar (de utilidade) -dos indivíduos. Por outro lado; esse tipo de abordagem poderia ser expresso de maneira suficiente-mente flexível' para acomodar diferentes teorias do nível geral de pre-ços e das taxas de juros (como, por exemplo, em Martins, 1975 e 1980; em Bryant e Wallace, 1979; em Miller, 1981 e em Sargent e Wallace, 1981), e para tratar da importante questão das distribuições intergeraçionais de renda e capital. Conforme ficará claro ao longo do nosso trabalho, esse passo já foi dado e o caminho a percorrer parece, agora, menos difuso.

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4. A DÍVIDA PÚBLICA E O DESCONTO DE IMPOSTOS FUTUROS

A despeito de suas diferenças, os modelos teóricos anteriormen-te criticados possuem uma impressionananteriormen-te similaridade.

Todos

supõem que a emissão de dívida pública não eXerce qualquer efeito significa-tivo sobre o nível geral de preços. Ou, visto· por outro ângulo, eles supõem que o governo sempre tem capacidade para emitir débito em termos reais. Barro (1974, p. 1101) já inicia seu artigo partindo do pressuposto de que " ... the government íssues ... debt ... which can be thought of as ... real-valued bonds".

Esta noção - de que o governo sempre tem capacidade para emitir débito em termos reais - encontra-se ancorada em três hipóte-ses intimamente conectadas. Elas são: a) a sociedade terá que arcar com algum ônus real, em decorrência da necessidade de pagar os juros e as amortizações desse débito no futuro; b) esse ônus acontecerá, ne-cessariamente, sob a forma de um aumento da carga de impostos; c) indivíduos racionais levam em conta o fluxo desses impostos futuros, isto é,

descontam-no,

quando tomam suas decisões de consumo e pou-pança.

Essa noção de

desconto

desempenhá um importante 'papel no contexto da macroeconomia tradicional, ou melhor, no contexo da análise IS-LM, no âmbito da qual títulos públicos apenas exercem uma função acessória. Esse papel é incorretamente fundamentado do ponto de vista teórico e, em conseqüência, a teoria convencional da dívida pública tem que ser posta de lado. Antes, contudo, tentaremos aqui demonstrar que a noção de desconto remonta pelo menos até os tempos de Ricardo e que escritores contemporâneos se utilizam dela em contextos teóricos inadequados. Iniciemos, portanto, citando David Ricardo (1970, pp. 185-7):

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" ... we now come to the consideration of the best mode of providing for our annual expenditure both in war and peace ...

Suppose a country to be free from debt, and a war to take place, which should involve it in an

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annual,addi-tional expenditure of twenty millions. There are three modes by which thls expenditure may be provided: first, taxes may be raised to the amount of twenty millions per annum . . . ar, secondly, the money, might be annually borrowed and funded; in which case, ifthe interest agreed upon was 5 per cent, a percentual charge of one million per annum taxes would be incurred for the first year's expense, and so on for every year that the war might last. .. The third mode ... would be to borrow annualy the twenty millions required as before, but to provide by additional taxes amounting 200,OOO.c per annum a sinking fund to retire each loan in 45 years from the time of its creation ... In the point of economy, there is no real di f-ference in either of the modes; for the twenty millions in one payment, one million per annum for. ever, ar

1,200,OOO.c for 45 years, are precisely of the same value; but the people who pay the taxes never so estimate them, and therefore do not manage their affairs accordingly. Hence, of these three modes, we are decidedlyof opin~on

that the preference should be given to the frrst, for it would be difficult to convince a man possessed "af

20,OOO.c or any other sum, that a perpetuai payment of

50"c per annum was equaIly burdensome with a single tax of

1,OOO.c. He would have some vague notion that the SO.c

per annum would be paid'by posterity ... not ... by him; but if he leaves his fortune to his son, and leaves it char-ged with this perpetuaI tax, where is the difference whether he leaves him 20,OOO.c, with the tax, br 19,OOO.c

without it? This argument of charging posterity; .. is often used by otherwise well informed people, but we must confess we see no weight on it".

David Ricardo era também proprietário de terras. No seu tempo, os serviços da dívida assumida por qualquer localidade tinham que ser fmanciados por um aumento dos impostos territoriais. Conseqüente-mente, ele sabia que os juros incidindo sobre essa dívida seriam ime-diatamente capitalizados (descontados) no valor das terras dessa loca-lidade. Ricardo aplicou esse raciocínio diretamente na análise da dívi-da interna contraídívi-da pelo rei com seus súditos. Para ele, "in the point of economy" o frnanciamento de gastos públicos através do endivida-mento governamental era basicamente equivalente a um auendivida-mento de impostos pois, na medida em que as pessoas tendem a acumular capi-tal (isto é, a deixar heranças) elas se comportam, essencialmente, como se fossem eternas. Daí elas tenderiam também a descontar

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feitamente o fluxo de impostos futuros, o qual (em seu tempo!) teria necessariamente que ser coletado para financiar o pagamento dos juros e amortizações da dívida contraída pelo governo. Contudo - cuidou-. se Ricardo - se fosse comprovado que, por alguma razão, as pessoas

não descontavam corretamente todo o fluxo de impostos futuros (em cujo caso os ônus seriam indevidamente transferidos para gerações futuras), então o aumento de impostos correntes seria preferível ao endividamento público.

A despeito de terem sido proferidas na metade do século passa-do, as palavras de Ricardo resumem concisa e precisamente o cerne do debate relacionado com o papel desempenhado pelos títulos da dívida pública nos modelos macroeconômicos contemporâneos. Na verdade,

á linha de raciocínio anteriormente aqui menci_onada tem sido adotada por muitos teóricos contemporâneos, sem qualquer modificação essencial. Todos os autores pesquisados em conexão com este tema (com a provável exceção de Buchanan, 1976, que é ambíguo a respeito) supõem, nas suas análises teóricas, que incrementos da dívida pública são sempre, e basicamente, lastreados por aumentos de impostos. Por conseguinte, todos se defrontam com a questão do' desconto desses impostos futuros e com a questão da imperfeição desse desconto. Dois expoentes da macroeconomia moderna se pronunciaram sobre o assunto. Friedman (1975, p. 83) é bem claro a respeito do papel que títulos públicos desempenham no seu arcabouço teórico: " . . . by borrowing, the government has saddled each of us with an obligation to pay taxes in the future to par the interest on the new borrowing (or to pay back the principal). The bonds that taxpayers hold can be regarded as advance receipts for future taxes!" De acordo com Tobin (1952, pp. 109-23), "The inclusion ofthe interest-bearing public debt in the net private balances and in total private wealth raises an in teresting question". "Do not the additional taxes which are necessary to carry the interest charges reduce the value of other com-ponents of private wealth?"

Entretanto, se essa linha de raciocínio é partilhada por tantos e importantes autores contemporâneos, o que há então de inadequado nela? O problema, conforme Martins (1975, pp. 1-13 e 1980, pp. 175-7) argumentou, é que as circunstâncias institucionais que deram fun-damentação empírica ao raciocínio ricardiano não têm qualquer para-.leIo moderno. Nos tempos de Ricardo, sob o regime de conversibilida-de, o valor da dívida pública inglesa era fixada em termos reais (em real commodity units). Assim, quaisquer incrementos dos níveis reais dos gastos do governo tinham necessariamente que ser contrabalança-dos por aumentos, de igual valor atual, contrabalança-dos fluxos reais de impostos presentes e/ou futuros, abstraindo-se, aqui, obviamente, qualquer que-lna não antecipada do valor de paridade existente entre as notas e o ouro.

Referências

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