Grupos de Lie e ´ Algebras de Lie. Uma Breve Introdu¸c˜ ao
Conte´ udo
22.1 Variedades e Grupos de Lie . . . 1180
22.2 Breves Considera¸c˜oes sobre Grupos Topol´ogicos . . . 1182
22.3 Grupos de Lie Matriciais . . . 1184
22.3.1 Uma Topologia M´etrica em GL(n,
C) . . . 1185
22.3.2 O Grupo de Lie GL(n,
C) . . . 1185
22.3.3 Subgrupos Uniparam´etricos e seus Geradores Infinitesimais . . . 1188
22.3.4 Subgrupos Uniparam´etricos e ´ Algebras de Lie . . . 1191
22.3.5 Subgrupos Fechados de GL(n,
C) . . . 1195
22.4 A Rela¸c˜ao entre Grupos de Lie Matriciais e suas ´Algebras de Lie . . . 1198
22.4.1 Algebras de Lie Nilpotentes, Sol´ ´ uveis, Simples e Semissimples . . . 1199
22.4.2 Quest˜ oes sobre a Exponencia¸c˜ ao de ´ Algebras de Lie . . . 1202
22.4.3 Alguns Exemplos Especiais . . . 1204
E ste cap´ıtulo pretende ser uma modesta introdu¸c˜ ao ao estudo de grupos de Lie. Algumas observa¸c˜ oes pr´evias s˜ao necess´arias. Para a discuss˜ ao do conceito geral de grupo de Lie s˜ao indispens´ aveis algumas no¸c˜ oes b´ asicas sobre espa¸cos topol´ogicos. Para tal, vide Cap´ıtulos 24, 27, 30 e 32, p´aginas 1245, 1357, 1433 e 1512, respectivamente, assim como outras referˆencias l´a citadas. De importˆ ancia especial ´e a no¸c˜ ao de variedade diferenci´ avel. Esse importante conceito, proveniente da Geometria, desempenha um papel importante em v´arias ´ areas de F´ısica, tais como a Teoria da Relatividade Geral e as Teorias de Calibre. O conceito de variedade diferenci´ avel nasceu inspirado na no¸c˜ ao mais familiar de superf´ıcie em espa¸cos Rne n˜ ao se desvincula totalmente daquela. N˜ ao pressuporemos da parte do leitor conhecimento pr´evio do conceito de variedade diferenci´ avel e, por isso, vamos introduz´ı-lo adiante. N˜ ao iremos, no entanto, desenvolver esse assunto em detalhe no presente cap´ıtulo e, para tal, remetemos o estudante interessado ao Cap´ıtulo 33, p´ agina 1604, e aos (in´ umeros) bons livros sobre Geometria Diferencial, por exemplo [292].
Trataremos primordialmente de grupos de Lie matriciais, o que simplifica um pouco o tratamento e reduz um tanto o escopo destas notas introdut´orias. No entanto, a grande maioria dos grupos de Lie de interesse (especialmente em F´ısica)
´e formada por grupos de Lie matriciais. Para o tratamento de grupos de Lie matriciais discutiremos com certo detalhe aspectos alg´ebricos e topol´ogicos de grupos de matrizes.
Mais de 100 anos de pesquisa intensa nos separam dos prim´ ordios do estudo dos grupos e ´algebras de Lie e nossas pretens˜oes aqui s˜ao a de uma modesta introdu¸c˜ ao a esse vast´ıssimo assunto. Para tratamentos gerais e abrangentes de grupos de Lie recomendamos as referˆencias [311], [290], [74], [223], [410], [177], [178] ou [354]. Para ´algebras de Lie, recomendamos [201] e [332].
V´ arios grupos de Lie s˜ao importantes na F´ısica e seu tratamento ´e particularmente importante na Mecˆanica Quˆ antica e nas Teorias Quˆ anticas de Campos. Exemplos de grupos de Lie importantes para a F´ısica s˜ao discutidos com certo detalhe no Cap´ıtulo 21, tais como os grupos SO(3), SU(2) e o grupo de Lorentz.
22.1 Variedades e Grupos de Lie
• Variedades diferenci´ aveis
Uma variedade diferenci´ avel real de dimens˜ao n ´e um espa¸co topol´ ogico Hausdorff segundo-cont´ avel V dotado de uma fam´ılia de abertos F = {U
α, α ∈ Λ} com as seguintes propriedades:
1180
1. V = S
α∈Λ
U
α.
2. Para cada U
α∈ F existe um conjunto aberto C
αde R
ne uma bije¸c˜ ao cont´ınua com inversa cont´ınua φ
α: U
α→ C
α. 3. Para todo par U
α, U
β∈ F com U
α∩ U
β6= ∅ a fun¸c˜ ao
φ
α◦ φ
−1β: φ
β(U
α∩ U
β) → φ
α(U
α∩ U
β)
´e infinitamente diferenci´ avel como fun¸c˜ ao de (um subconjunto de) R
nem R
n. Vide Cap´ıtulo 33, p´ agina 1604.
Uma variedade anal´ıtica complexa de dimens˜ao n ´e definida analogamente, substituindo-se R
npor C
ne substituindo- se a condi¸c˜ ao de diferenciabilidade infinita do item 3, acima, por analiticidade.
Observa¸c˜ ao 1. Acima, Λ ´e apenas um conjunto de ´ındices usados para rotular os elementos de F e n˜ ao tem nenhum papel especial. Λ pode ser finito ou n˜ ao, cont´ avel ou n˜ ao.
Observa¸c˜ ao 2. As fun¸c˜ oes φ
α◦ φ
−1βacima s˜ao denominadas fun¸c˜ oes de transi¸c˜ ao. Em uma variedade k-diferenci´ avel exige-se apenas que as fun¸c˜ oes de transi¸c˜ ao sejam k-vezes diferenci´ aveis. Esses objetos tˆem, por´em, interesse relativamente limitado.
Observa¸c˜ ao 3. Os pares (φ
α, U
α) s˜ao frequentemente denominados cartas locais da variedade ou simplesmente cartas. A cole¸c˜ ao das cartas ´e frequentemente denominada atlas.
Vamos `a interpreta¸c˜ ao das condi¸c˜ oes acima. A condi¸c˜ ao 1 diz apenas que a fam´ılia {U
α, α ∈ Λ} ´e um recobrimento de V , ou seja, todo elemento de V pertence a pelo menos um aberto U
α, podendo naturalmente ocorrer que alguns pontos de V perten¸cam a v´arios elementos da fam´ılia F , ou seja, os elementos de F podem ter intersec¸c˜ oes n˜ ao-vazias.
A condi¸c˜ ao 2 ´e importante e diz que os elementos de cada U
αpodem ser rotulados (univocamente) por uma n-upla de n´ umeros reais (ou complexos). Ou seja, podemos dotar cada U
αde um sistema de coordenadas. Note que esses sistemas podem ser diferentes para U
α’s diferentes. Como dissemos, pontos de V podem pertencer a v´arios U
α’s e, portanto, podem ter a si atribu´ıdas coordenadas diferentes, uma para cada U
αao qual pertence. Assim, os pontos de U
α∩ U
βtˆem a si atribu´ıdos pelo menos dois sistemas de coordenadas: as coordenadas C
αde U
αe as coordenadas C
βde U
β. A condi¸c˜ ao 3 diz-nos como esses sistemas de coordenadas devem relacionar-se, a saber, o que se deseja ´e que a passagem das coordenadas C
βpara as coordenadas C
α, a qual ´e definida pela fun¸c˜ ao φ
α◦ φ
−1β, seja infinitamente diferenci´ avel (ou anal´ıtica).
Como mencionamos, a conceito de variedade foi inspirado na no¸c˜ ao de superf´ıcie em conjuntos como R
ne C
n. Sem entrarmos em detalhes t´ecnicos, toda superf´ıcie em R
nconvenientemente definida (tais como a superf´ıcie da esfera e o toro, em R
3) ´e uma variedade, ou seja, tem um sistema de coordenadas local. Isso pode ser garantido, por exemplo, pelo conhecido teorema da fun¸c˜ ao impl´ıcita da an´alise real. Note-se por´em que variedades n˜ ao s˜ao apenas conjuntos de pontos, como as superf´ıcies de R
no s˜ao, podendo ser tamb´em conjuntos de outros tipos de objetos, como fun¸c˜ oes, curvas, vetores, matrizes etc. A ideia intuitiva b´ asica em torno da no¸c˜ ao de variedade ´e que a mesma representa uma cole¸c˜ ao cont´ınua de objetos que podem ser rotulados por sistemas de coordenadas e de tal forma que possamos, ao menos localmente, manipular essas coordenadas de modo (infinitamente) diferenci´ avel, como se faz em R
n.
E. 22.1
Exerc´ıcio.Mostre que o conjunto de matrizes
R
=
−ab ab, a, b∈R
com det(R) = 1 ´e uma variedade diferenci´ avel de
dimens˜ ao 1.
6• Grupos topol´ ogicos
Vamos agora apresentar a defini¸c˜ ao de grupo topol´ ogico, da qual precisaremos para discutir grupos de Lie.
Seja G um grupo. Para cada g ∈ G podemos definir uma fun¸c˜ ao λ
g: G → G por λ
g(h) := gh. Fora isso tem-se tamb´em em G a fun¸c˜ ao inv : G → G definida por inv(h) := h
−1.
Defini¸ c˜ ao. Um grupo G ´e dito ser um grupo topol´ ogico em rela¸c˜ ao a uma topologia τ definida em G se nessa topologia
a fun¸c˜ ao inv e todas as fun¸c˜ oes λ
gforem cont´ınuas. ♠
Coment´ario
.
Podemos definir tamb´em para cadag∈Ga fun¸c˜aoρg:G→Gporρg(h) =hg, que representa a multiplica¸c˜ao `a direita porg.E f´´ acil de se ver, por´em, queρg=inv◦λg−1◦inv. Assim, em um grupo topol´ogico as fun¸c˜oesρg s˜ao tamb´em cont´ınuas. ♣
Coment´ario
.
Um grupo pode ser topol´ogico em rela¸c˜ao a uma topologia mas n˜ao em rela¸c˜ao a outra. Veremos exemplos. ♣Informalmente, um grupo G ´e topol´ ogico se as opera¸c˜ oes de produto por elementos do grupo e invers˜ao forem cont´ınuas.
Em termos mais precisos um grupo topol´ ogico ´e formado por um grupo G e uma cole¸c˜ ao G de subconjuntos de G, G ⊂ P(G), satisfazendo as condi¸c˜ oes definidoras de um Espa¸co Topol´ ogico (vide Cap´ıtulo 27):
1. ∅ ∈ G e G ∈ G,
2. Se A ∈ G e B ∈ G ent˜ ao A ∩ B ∈ G,
3. Se I ´e um conjunto arbitr´ario de ´ındices e A
λ∈ G para todo λ ∈ I ent˜ ao [
λ∈I
A
λtamb´em ´e um elemento de G,
e tais que para todo O ∈ G as imagens inversas inv
−1(O) e λ
−1g(O), para todo g ∈ G, s˜ao igualmente elementos de G.
Os elementos de G s˜ao ditos ser os conjuntos abertos de G. Como em geral se faz em espa¸cos topol´ogicos, um conjunto F ⊂ G ´e dito ser fechado se seu complementar G \ F for aberto.
• Grupos de Lie
Um grupo topol´ ogico que, enquanto espa¸co topol´ ogico, seja uma variedade real diferenci´ avel (complexa anal´ıtica)
´e dito ser um Grupo de Lie
1real (complexo) se as opera¸c˜ oes de multiplica¸c˜ ao ` a direita e invers˜ao forem infinitamente diferenci´ aveis (anal´ıticas).
E. 22.2
Exerc´ıcio.Verifique que (
R,+) (o grupo aditivo dos reais) e (
R+\ {0}, ·)(o grupo multiplicativo dos reais n˜ ao-negativos)
s˜ ao grupos de Lie reais.
6E. 22.3
Exerc´ıcio.Verifique que
R
=
−ab ab, a, b∈R
com det(R) = 1 ´e um grupo de Lie real.
6Na Se¸c˜ ao 22.3.2, p´ agina 1185, mostraremos com detalhe que GL(n, C ) ´e um grupo de Lie. Para mais exemplos, vide a discuss˜ ao sobre os grupos SO(3), SU(2) etc. do Cap´ıtulo 21.
22.2 Breves Considera¸c˜ oes sobre Grupos Topol´ ogicos
Nesta se¸c˜ ao nos limitaremos a apresentar alguns poucos resultados sobre grupos topol´ogicos, dos quais faremos uso adiante ao tratarmos de grupos de Lie. O estudo de grupos topol´ ogicos gerais ´e bastante vasto e para um texto cl´assico recomendamos fortemente [311].
Introduzimos aqui a seguinte nota¸c˜ ao. Seja G um grupo topol´ ogico. Se U ´e algum subconjunto de G e g ∈ G definimos gU := {x ∈ G| x = gu para algum u ∈ U } .
Analogamente,
U g := {x ∈ G| x = ug para algum u ∈ U } .
E. 22.4
Exerc´ıcio.Se
U´e um conjunto aberto de
Gmostre que para todo
g∈Gos conjuntos
gUe
U gs˜ ao tamb´em conjuntos
abertos de
G. 6• Grupos topol´ ogicos conexos e desconexos
Um grupo topol´ ogico H ´e dito ser desconexo se for a uni˜ ao disjunta de dois conjuntos A e B, ambos n˜ ao-vazios e ambos simultaneamente abertos e fechados. Ou seja, H = A ∪ B, A ∩ B = ∅ com A 6= ∅, B 6= ∅, onde A e B s˜ao abertos e fechados. Um grupo topol´ ogico H ´e dito ser conexo se n˜ ao for desconexo.
1Marius Sophus Lie (1842-1899). Lie introduziu esse conceito em cerca de 1870 em seus estudos de propriedades de invariˆancia de equa¸c˜oes diferenciais parciais.
• Alguns fatos sobre grupos topol´ ogicos
Vamos aqui provar alguns fatos b´ asicos sobre grupos topol´ ogicos gerais. Faremos uso da Proposi¸c˜ ao 22.3 abaixo quando falarmos da rela¸c˜ ao entre ´ algebras de Lie matriciais e ´ algebras de Lie.
Seja H um grupo topol´ogico e G ⊂ H um subgrupo de H . Dizemos que G ´e um subgrupo topologicamente aberto de H (ou simplesmente subgrupo aberto de H ) se G for um subconjunto aberto de H . Analogamente, dizemos que G ´e um subgrupo topologicamente fechado de H (ou simplesmente subgrupo fechado de H ) se G for um subconjunto fechado de H . A seguinte proposi¸c˜ ao ´e relevante nesse contexto.
Proposi¸ c˜ ao 22.1 Seja H um grupo topol´ ogico e G um subgrupo aberto de H . Ent˜ ao, G ´e igualmente um subgrupo
fechado de H . 2
Prova. Seja g
′∈ G, onde G ´e o fecho de G. Ent˜ ao, se U
g′´e qualquer aberto de H que cont´em g
′, tem-se U
g′∩ G 6= ∅ (Proposi¸c˜ ao 27.8, p´ agina 1375). Vamos escolher cuidadosamente um tal aberto U
g′. Seja U
eum aberto de H que cont´em a identidade. Como G ´e aberto, V = U
e∩ G ´e igualmente aberto. Escolhemos U
g′= g
′V := {x ∈ H, x = g
′v para algum v ∈ V }. Ent˜ ao, como U
g′∩ G 6= ∅ existe algum elemento g ∈ G que ´e tamb´em elemento de U
g′, ou seja, g = g
′v para algum elemento v ∈ V . Mas isso implica que g
′= gv
−1. Agora, v ∈ V = U
e∩ G ⊂ G e, portanto, g
′∈ G por ser o produto de dois elementos de G, que ´e um grupo.
Proposi¸ c˜ ao 22.2 Seja H um grupo topol´ ogico conexo e G um subgrupo aberto de H . Ent˜ ao, G = H . 2
Prova. Vamos supor que G 6= H, ou seja, H \ G 6= ∅. Como G ´e um conjunto aberto e fechado (pela proposi¸c˜ ao anterior) H \ G = H ∩ G
c´e um conjunto aberto e fechado. Assim, H ´e a uni˜ ao disjunta de dois conjuntos abertos e fechados, a saber G e H \ G. Isso ´e uma contradi¸c˜ ao com o fato de H ser conexo. Logo, G = H .
Proposi¸ c˜ ao 22.3 Seja H um grupo topol´ ogico conexo e U um aberto de H que cont´em a identidade e que seja tal que para todo u ∈ U tem-se u
−1∈ U . Ent˜ ao,
H = [
∞ n=1U
n, onde U
1:= U e U
n:= n
x ∈ H x = u
n· · · u
1para u
i∈ U, i = 1, . . . , n o
, n > 1. 2
Prova. Todos os conjuntos U
ns˜ao conjuntos abertos. Isso ´e f´ acil de se ver. De fato, U
2= [
u2∈U
u
2U
e, assim, U
2´e aberto, pois ´e uma uni˜ ao de abertos (vide exerc´ıcio ` a p´ agina 1182). Analogamente, U
n= [
un∈U
u
nU
n−1, n > 2 . (22.1)
Por indu¸c˜ ao, segue facilmente que todo U
n´e aberto.
Assim U := S
∞n=1
U
n´e igualmente um conjunto aberto (por ser uma uni˜ ao de abertos). Se provarmos que U ´e um grupo, a proposi¸c˜ ao anterior garante a prova desejada.
E evidente que ´ U cont´em a identidade e (que est´ a contida em U ). Fora isso, se g
1∈ U
n1e g
2∈ U
n2, ent˜ ao g
1= u
n1· · · u
1e g
2= u
′n2· · · u
′1para certos u
ie u
′i∈ U. Logo, g
1g
2= u
n1· · · u
1u
′n2· · · u
′1, mostrando que g
1g
2∈ U
n1+n2⊂ U.
Finalmente, se g ∈ U
ne g = u
n· · · u
1, ent˜ ao g
−1= u
−11· · · u
−1n∈ U
n⊂ U . Isso completa a prova que U ´e um grupo.
Informalmente, essa proposi¸c˜ ao diz que se H ´e um grupo topol´ ogico conexo, ent˜ ao qualquer aberto U que cont´em a
identidade gera o grupo H , ou seja, todo elemento de H pode ser escrito como o produto finito de elementos de U .
Observa¸c˜ ao.
Como a identidadee´e um elemento deU, segue facilmente de (22.1) queUn−1⊂Unpara todon≥1. ♣Seja H um grupo topol´ogico. Dizemos que uma cole¸c˜ ao de conjuntos abertos A
λ∈ H , λ ∈ Λ, ´e um recobrimento de H se
H = [
λ∈Λ
A
λ.
Um grupo topol´ogico ´e dito ser compacto
2se possuir a seguinte propriedade: para todo recobrimento A
λ∈ H , λ ∈ Λ, de H existir um subconjunto finito A
λ1, . . . , A
λnde conjuntos abertos que tamb´em ´e um recobrimento de H :
H = A
λ1∪ · · · ∪ A
λn. A seguinte proposi¸c˜ ao ´e imediata:
Proposi¸ c˜ ao 22.4 Seja H um grupo topol´ ogico conexo e compacto e seja U um aberto de H que cont´em a identidade e que seja tal que para todo u ∈ U tem-se u
−1∈ U . Ent˜ ao, existe um n tal que
H = U
n.
2
Prova. Como H ´e conexo, pela Proposi¸c˜ ao 22.3 tem-se H = S
∞n=1
U
n. O lado direito ´e, portanto, um recobrimento de H por abertos. Assim, como H ´e compacto, H tem um recobrimento finito pelos abertos U
n: existem n
1< n
2< · · · < n
ktais que H = U
n1∪ · · · ∪ U
nk. Como U
n1⊂ · · · ⊂ U
nk, tem-se H = U
nk, como quer´ıamos provar.
Coment´ario
.
Na proposi¸c˜ao acima, a igualdadeH=Unafirma que todo elemento deH´e obtido por um produto de no m´aximonelementos deU. O n´umeron´e dependente deUe ´e intuitivo dizer que quanto “menor” for o abertoUque cont´em a identidade, maior ser´an. ♣• Continuidade uniforme de fun¸ c˜ oes em grupos topol´ ogicos
Seja G um grupo topol´ogico. Uma fun¸c˜ ao f : G → C ´e dita ser uniformemente cont´ınua se para cada ǫ > 0 existir uma vizinhan¸ca aberta V
ǫdo elemento neutro de G tal que f (g) − f (h) ≤ ǫ sempre que g e h pertencerem a V
ǫ.
A seguinte afirma¸c˜ ao ´e importante no presente contexto.
Proposi¸ c˜ ao 22.5 Seja G um grupo topol´ ogico. Seja f
1: G → C uma fun¸c˜ ao uniformemente cont´ınua e seja f
2: G → G uma fun¸c˜ ao cont´ınua com f
2(e) = e. Ent˜ ao, a fun¸c˜ ao composta f
1◦ f
2: G → C ´e uma fun¸c˜ ao uniformemente cont´ınua.
2
Prova. Como f
1´e uniformemente cont´ınua, existe para cada ǫ > 0 uma vizinhan¸ca aberta V
ǫdo elemento neutro de G tal que f
1(g) − f
1(h) ≤ ǫ sempre que g e h pertencerem a V
ǫ. Defina-se W
ǫ:= f
2−1(V
ǫ). Trata-se de um aberto em G, pois V
ǫ´e aberto e f
2cont´ınua. Al´em disso, e ∈ W
ǫ, pois e ∈ V
ǫe f
2(e) = e. Logo, se g e h s˜ao ambos elementos de W
ǫ, teremos f
2(g) ∈ V
ǫe f
2(h) ∈ V
ǫ. Portanto, valer´ a tamb´em f
1◦ f
2(g) − f
1◦ f
2(h) ≤ ǫ, completanto a prova que f
1◦ f
2: G → C ´e uma fun¸c˜ ao uniformemente cont´ınua.
22.3 Grupos de Lie Matriciais
Nosso objetivo nesta se¸c˜ ao e nas que se seguem ´e introduzir os grupos de Lie matriciais e discut´ı-los. Trataremos de alguns exemplos ilustrativos com algum detalhe, come¸cando com o grupo GL(n, C ). Comentemos que essencialmente todas as nossas afirma¸c˜ oes adiante sobre GL(n, C ) s˜ao tamb´em v´alidas para o grupo real GL(n, R ).
2Para a defini¸c˜ao da no¸c˜ao de compacidade e suas propriedades, vide Se¸c˜ao 32.3, p´agina 1536.
22.3.1 Uma Topologia M´ etrica em GL( n, C )
Como prepara¸c˜ ao, fa¸camos alguns coment´ arios topol´ ogicos sobre GL(n, C ). A topologia m´etrica de Mat ( C , n) discutida na Se¸c˜ ao 11.1, p´ agina 585, pode ser introduzida naturalmente em GL(n, C ), que afinal ´e um subconjunto de Mat ( C , n), ao definirmos para A, B ∈ GL(n, C ) a m´etrica d(A, B) = kA − Bk, sendo k · k a norma operatorial de Mat ( C , n).
Mostremos que GL(n, C ) ´e um conjunto aberto e denso de Mat ( C , n).
• GL(n, C ) ´ e um conjunto aberto de Mat ( C , n)
E relevante notarmos que GL(n, ´ C ) n˜ ao ´e um subconjunto fechado de Mat ( C , n). Isso se vˆe tomando o exemplo da sequˆencia de matrizes diagonais 2 × 2 da forma A
m=
1/m 0
0 1/m
, m ∈ N , sequˆencia essa formada por elementos de GL(2, C ) mas que converge para a matriz nula, que obviamente n˜ ao ´e elemento de GL(2, C ).
Em verdade, GL(n, C ) ´e um conjunto aberto de Mat ( C , n). Para mostrar isso temos que provar
3que se A ∈ GL(n, C ) e B ´e uma matriz tal que kB − Ak
C´e suficientemente pequena, ent˜ ao B ´e invers´ıvel e, portanto, tamb´em pertence a GL(n, C ). Observemos que B = A 1 + A
−1(B − A)
. Se provarmos que 1 + A
−1(B − A) ´e invers´ıvel ent˜ ao teremos que B
−1existe, sendo dada por 1 + A
−1(B − A)
−1A
−1.
Escolhendo B pr´oximo o suficiente de A de modo que kB − Ak
C< 1/kA
−1k
Cent˜ ao A
−1(B − A) ter´ a norma menor que 1 e, portanto, 1 + A
−1(B − A) tem uma inversa dada pela s´erie de Neumann
4convergente
51 + A
−1(B − A)
−1= 1 + X
∞ m=1(−1)
mA
−1(B − A)
m. Isso prova que B tem inversa e completa a prova que GL(n, C ) ´e um conjunto aberto.
E. 22.5
Exerc´ıcio.H´ a uma maneira alternativa “r´ apida” de provar que GL(n,
C) ´e um conjunto aberto. Pela Proposi¸c˜ ao 11.18, p´ agina 623, a fun¸c˜ ao Mat (
C, n)∋A7→det(A)
∈C´e cont´ınua em qualquer norma matricial. Conclua que GL(n,
C) ´e um conjunto aberto, observando para tal que se trata do conjunto de todas as matrizes complexas com determinante n˜ ao-nulo e notando que
C\ {0}´e um conjunto aberto em
C.
6• GL(n, C ) ´ e denso em Mat ( C , n)
Provemos que todo elemento de Mat ( C , n) pode ser aproximado em norma por uma matriz invers´ıvel. Isso equivale a dizer que GL(n, C ) ´e denso em Mat ( C , n). Seja A ∈ Mat ( C , n) e seja σ(A) = {λ
1, . . . , λ
r} o conjunto de seus autovalores distintos (r ≤ n). ´ E claro que se α 6∈ σ(A) ent˜ ao det(α1 − A) 6= 0 e A − α1 tem inversa (recorde que os autovalores de A s˜ao os zeros do polinˆomio caracter´ıstico de A). Seja agora, α
n, n ∈ N , uma sequˆencia de n´ umeros complexos tais que α
n6∈ σ(A) para todo n, e tais que α
n→ 0 para n → ∞. Teremos que as matrizes A
n:= A − α
n1 s˜ao todas invers´ıveis e d(A, A
n) = kA − A
nk = |α
n| k1k = |α
n| → 0 para n → ∞. Isso prova nossa afirma¸c˜ ao.
• SL(n, C ) ´ e um subconjunto fechado de Mat ( C , n)
O grupo especial SL(n, C ) ´e composto pelos elementos de Mat ( C , n) cujo determinante ´e igual a 1. Se considerarmos a fun¸c˜ ao F : Mat ( C , n) → C dada por F (M ) = det(M ) − 1, podemos identificar SL(n, C ) = F
−1{0}
, a pr´e-imagem de {0}. Como F ´e uma fun¸c˜ ao cont´ınua (pela Proposi¸c˜ ao 11.18, p´ agina 623), conclu´ımos disso que SL(n, C ) ´e um subconjunto fechado de Mat ( C , n).
22.3.2 O Grupo de Lie GL(n, C )
Nesta se¸c˜ ao mostraremos que GL(n, C ) ´e um grupo de Lie. Para isso mostraremos primeiro que GL(n, C ) ´e um grupo topol´ ogico e depois que ´e uma variedade anal´ıtica, para ent˜ ao mostrar que o produto e a invers˜ao s˜ao anal´ıticos. Esses
3Vide a defini¸c˜ao de conjunto aberto em espa¸cos m´etricos dada `a p´agina 1265.
4Karl Neumann (1832-1925).
5A justificativa dessa express˜ao foi apresentada na Se¸c˜ao 11.2. Note que a expans˜ao de Taylor da fun¸c˜ao anal´ıtica 1+z1 para|z|<1 em torno dez= 0 ´e precisamente 1 +P∞
m=1(−1)mzm.
resultados, al´em de importantes em si, servem ao prop´ osito pedag´ ogico de ilustrar os conceitos de grupo topol´ogico e de variedade.
• GL(n, C ) ´ e um grupo topol´ ogico
Para provarmos que GL(n, C ) ´e um grupo topol´ ogico precisamos mostrar que o produto em GL(n, C ) e a invers˜ao de matrizes em GL(n, C ) s˜ao opera¸c˜ oes cont´ınuas.
Sejam G, G
′, H ∈ GL(n, C ). Temos que
kG
′H − GHk
C= k(G
′− G)Hk
C≤ kG
′− Gk
CkH k
C,
mostrando que kG
′H − GH k
C→ 0 se kG
′− Gk
C→ 0. Assim, o produto ` a esquerda ´e cont´ınuo.
Sejam agora G, H ∈ GL(n, C ). Fixemos H e tomemos kG − Hk
C< ǫ com ǫ > 0 escolhido pequeno o su- ficiente de modo que ǫkH
−1k
C< 1. E claro que ´ G = H + (G − H ) = H (1 + H
−1(G − H)), de maneira que G
−1=
1 + H
−1(G − H )
−1H
−1. Logo,
G
−1− H
−1= n
1 + H
−1(G − H )
−1− 1 o H
−1. Assim, como pela escolha de ǫ temos kH
−1(G − H)k
C≤ ǫkH
−1k
C< 1, podemos escrever
G
−1− H
−1=
"
∞X
m=1
(−1)
mH
−1(G − H)
m# H
−1.
A justificativa dessa express˜ao
6foi apresentada na Se¸c˜ ao 11.2. Tem-se, ent˜ ao, kG
−1− H
−1k
C≤
"
∞X
m=1
kH
−1k
mCkG − H k
mC#
kH
−1k
C≤ ǫkH
−1k
2C1 − ǫkH
−1k
C.
Portanto kG
−1− H
−1k
C→ 0 quando kG − Hk
C→ 0, provando a continuidade da opera¸c˜ ao de invers˜ao de matrizes. Isso completa a prova que GL(n, C ) ´e um grupo topol´ ogico.
E. 22.6
Exerc´ıcio.H´ a uma maneira alternativa “r´ apida” de provar que a opera¸c˜ ao de invers˜ ao ´e cont´ınua: use a regra de Laplace, express˜ ao (10.20), p´ agina 467, para calcular a inversa de uma matriz e evoque o fato que o determinante ´e cont´ınuo.
6• GL(n, C ) ´ e uma variedade anal´ıtica
Vamos agora mostrar que GL(n, C ) ´e uma variedade anal´ıtica. Seja, para cada ǫ > 0, o subconjunto C
ǫde C
n2definido por
C
ǫ:= n
(x
11, . . . , x
1n, x
21, . . . , x
2n, . . . , x
n1, . . . , x
nn) ∈ C
n2com |x
ij| < ǫ para todos i, j = 1, . . . , n o . Para x = (x
11, . . . , x
1n, x
21, . . . , x
2n, . . . , x
n1, . . . , x
nn) ∈ C
ǫ, denotemos por X a matriz cujo elemento ij ´e X
ij= x
ije denotemos 1 + X por A(x). Obviamente A(x)
ij= δ
ij+ x
ij, i, j = 1, . . . , n.
E bem claro que cada ´ C
ǫ´e um subconjunto aberto de C
n2. Seja tamb´em U
ǫ:= {A(x) ∈ Mat ( C , n)| x ∈ C
ǫ}.
E. 22.7
Exerc´ıcio.Mostre que cada
Uǫ´e um subconjunto aberto de Mat (
C, n). 6E bem claro que para toda matriz ´ A(x) como acima tem-se det(A(x)) = 1 + p(x), onde p(x) ´e um polinˆomio nas vari´aveis x
ijque se anula quanto todas as x
ijs˜ao nulas. Assim, se x ∈ C
ǫvˆe-se que det(A(x)) 6= 0 caso ǫ seja pequeno o suficiente, pois isso garante que |p(x)| < 1. Portanto, se escolhermos ǫ pequeno o suficiente, teremos que U
ǫ´e um subconjunto aberto de GL(n, C ), o que suporemos daqui por diante.
Seja agora g uma matriz arbitr´aria de GL(n, C ) e seja
U
g= {gA(x), com A(x) ∈ U
ǫ} .
6Note que a expans˜ao de Taylor da fun¸c˜ao anal´ıtica 1+z1 −1 para|z|<1 em torno dez= 0 ´e precisamenteP∞
m=1(−1)mzm.
Pela nota¸c˜ ao que apresentamos quando discutimos grupos topol´ ogicos, U
g= gU
ǫ, e U
g´e um aberto de GL(n, C ). Fora isso, g ∈ U
g, pois 1 = A(0) ∈ U
ǫ. Conclu´ımos que
GL(n, C ) = [
g∈GL(n,C)
U
g,
ou seja, GL(n, C ) possui um recobrimento por abertos.
Vamos agora mostrar que cada U
g´e bijetivamente mapeado em um aberto de C
n2. Isso ´e bem simples pois, se para cada g ∈ GL(n, C ) definirmos fun¸c˜ oes φ
gij: U
g→ C por
φ
gij(gA(x)) = φ
gij(g + gX)) := (gX)
ij, i, j = 1, . . . , n , ou seja,
φ
gij(gA(x)) :=
X
n k=1g
ikx
kj, i, j = 1, . . . , n ,
vemos facilmente que todo h ∈ U
g´e da forma h
ij= g
ij+ φ
gij(gA(x)). Assim, o conjunto C
g⊂ C
n2formado pelas vari´aveis x
ij= P
nk=1
g
ikx
kjcom x
ij∈ C
ǫ´e um sistema de coordenadas para U
g.
Por fim, para todo h ∈ U
g∩ U
g′, teremos h = gA(x) = g
′A(x
′), ou seja, A(x
′) = (g
′)
−1gA(x) e x
′ij= −δ
ij+
X
n k=1(g
′)
−1g
ik
(δ
kj+ x
kj) = (g
′)
−1g − 1
ij
+ X
n k=1(g
′)
−1g
ik
x
kj,
o que mostra que as coordenadas x
′s˜ao expressas em termos de polinˆomios nas vari´aveis x. Portanto, a mudan¸ca nas coordenadas de U
gpara as de U
g′´e expressa em termos de fun¸c˜ oes anal´ıticas (em verdade, polinˆomios). Isso provou que GL(n, C ) ´e uma variedade anal´ıtica.
• GL(n, C ) ´ e um grupo de Lie
Para finalmente provarmos que GL(n, C ) ´e um grupo de Lie, resta-nos provar que a multiplica¸c˜ ao `a direita e a invers˜ao s˜ao anal´ıticas. A primeira parte ´e elementar. Tomemos g, h ∈ GL(n, C ). Os elementos de U
hs˜ao da forma hA(x) e os de gU
hs˜ao da forma ghA(x) ∈ U
gh. Agora, as fun¸c˜ oes de C
ǫem C dadas por
C
ǫ∋ x 7→ φ
ghij(ghA(x)) = X
n k=1(gh)
ikx
kj, i, j = 1, . . . , n , s˜ao polinˆomios nas vari´aveis x
ije, portanto, s˜ao anal´ıticas. Assim, o produto ´e anal´ıtico.
Para provar que a invers˜ao ´e anal´ıtica tomemos g ∈ GL(n, C ). Um elemento gen´erico de U
g´e da forma gA(x) = g(1 + X ). Agora,
(gA(x))
−1= (1 + X )
−1g
−1= g
−1(1 + gY (x)g
−1), com Y (x) :=
X
∞ m=1(−1)
mX
m.
Cada elemento de matriz de Y (x) ´e uma fun¸c˜ ao anal´ıtica dos x
ij, pois a s´erie de Neumann
7acima converge absolutamente (claramente, temos que escolher ǫ pequeno o suficiente). Agora, as fun¸c˜ oes
C
ǫ∋ x 7→ φ
g−1
ij
(gA(x))
−1= φ
g−1
ij
g
−1(1 + gY (x)g
−1)
= gY (x)g
−1ij
s˜ao fun¸c˜ oes anal´ıticas dos x
ij, provando que a aplica¸c˜ ao de invers˜ao ´e anal´ıtica. Isso estabelece finalmente que GL(n, C )
´e um grupo de Lie de dimens˜ao n
2.
E. 22.8
Exerc´ıcio.H´ a uma maneira alternativa “r´ apida” de provar que a opera¸c˜ ao de invers˜ ao ´e anal´ıtica: use a regra de Laplace, express˜ ao (10.20), p´ agina 467, para calcular a inversa de uma matriz e evoque o fato que o determinante ´e anal´ıtico.
67Karl Neumann (1832-1925).
• SL(n, C ) ´ e um grupo de Lie
J´a vimos acima que SL(n, C ) ´e um subconjunto fechado de Mat ( C , n). Portanto, ´e um subgrupo fechado de GL(n, C ). Logo, pelo Teorema 22.2, p´ agina 1195, ´e um grupo de Lie.
• Grupos de invariˆ ancia de formas sesquilineares e bilineares em dimens˜ ao finita s˜ ao grupos de Lie Na Se¸c˜ ao 21.3.3, p´ agina 1051, introduzimos grupos de invariˆancia de formas bilineares e sesquilineares definidas em espa¸cos vetoriais. No caso de espa¸cos de dimens˜ao finita apresentamos em (21.47) e (21.48), os grupos Ω( R
n, ω
A) e Ω( C
n, ω
A), respectivamente, que mantˆem invariantes, respectivamente, a forma bilinear real ω
A(u, v) := hu, Avi
R(com u, v ∈ R
ne A ∈ Mat ( R , n)) e a forma sesquilinear ω
A(u, v) := hu, Avi
C(com u, v ∈ C
ne A ∈ Mat ( C , n)).
Os grupos Ω( R
n, ω
A) e Ω( C
n, ω
A) possuem subgrupos (ditos especiais) de matrizes com determinante igual a 1, denotados por SΩ( R
n, ω
A) e SΩ( C
n, ω
A), respectivamente.
Para esses diversos grupos vale o seguinte resultado fundamental, j´ a anunciado anteriormente sem demonstra¸c˜ ao (Proposi¸c˜ ao 21.3, p´ agina 1055):
Proposi¸ c˜ ao 22.6 Os grupos Ω( C
n, ω
A) (ou Ω( R
n, ω
A)), com det A 6= 0, definidos acima, e que mantˆem invariantes as formas sesquilineares (ou bilineares) definidas por A, s˜ ao subgrupos topologicamente fechados de GL(n, C ) e, portanto (pelo Teorema 22.2, p´ agina 1195), s˜ ao grupos de Lie. O mesmo se d´ a para os grupos SΩ( C
n, ω
A) (e SΩ( R
n, ω
A)). 2
Prova. Tomemos o exemplo dos grupos Ω( C
n, ω
A), definidos em (21.49), que mantˆem invariante a forma sesquilinear ω
A(u, v) := hu, Avi
C, com A ∈ Mat ( C , n), sendo u, v ∈ C
n. ´ E claro que Ω( C
n, ω
A) ´e um subgrupo de GL(n, C ), o grupo das matrizes complexas invers´ıveis n × n. ´ E sabido que GL(n, C ) ´e um grupo de Lie (vide Se¸c˜ ao 22.3.2, p´ agina 1185). Sucede que, como logo veremos, Ω( C
n, ω
A) ´e um subgrupo fechado de GL(n, C ) (na topologia m´etrica induzida pela norma operatorial. Vide Se¸c˜ ao 22.3.1, p´ agina 1185) e, assim, pelo Teorema 22.2, p´ agina 1195, conclu´ımos que Ω( C
n, ω
A) ´e tamb´em um grupo de Lie.
A mesma argumenta¸c˜ ao se aplica ao grupo SΩ( C
n, ω
A).
Para provar que Ω( C
n, ω
A) ´e fechado, consideremos uma sequˆencia M
n∈ Ω( C
n, ω
A), n ∈ N , que converge em norma a uma matriz M ∈ Mat ( C , n), ou seja, tal que kM
n− M k → 0 para n → ∞. Por defini¸c˜ ao, temos que M
n∗AM
n= A para todo n ∈ N . Desejamos provar que M
∗AM = A. De fato, M
∗AM = (M − M
n)
∗AM +M
n∗A(M − M
n) + M
n∗AM
n= (M − M
n)
∗AM + M
n∗A(M − M
n) + A, como facilmente se constata. Logo,
M
∗AM − A ≤ (M − M
n)
∗AM + M
n∗A(M − M
n) ≤ M − M
nkAk kM k + kM
nk kAk M − M
n= M − M
nkAk kM k + kM
nk
≤ M − M
nkAk 2kM k + kM − M
nk
, (22.2) sendo que, na ´ ultima passagem usamos kM
nk ≤ kM k + kM − M
nk, o que decorre trivialmente de M
n= M + (M
n− M ).
Assim, tomando-se n → ∞ no lado direito de (22.2), conclu´ımos que M
∗AM − A = 0, estebelecendo o que desej´avamos.
No caso dos grupos SΩ( C
n, ω
A) resta ainda verificar que se M
n∈ SΩ( C
n, ω
A), n ∈ N , ´e uma sequˆencia que converge em norma a M ∈ Mat ( C , n), ent˜ ao det M = 1. Mas isso ´e uma consequˆencia da continuidade do determinante na norma operatorial, demonstrada na Se¸c˜ ao 11.7, p´ agina 623.
22.3.3 Subgrupos Uniparam´ etricos e seus Geradores Infinitesimais
Subgrupos uniparam´etricos s˜ao muito importantes na teoria dos grupos de Lie. Vamos apresent´ a-los no caso de matrizes.
Defini¸ c˜ ao. Um subgrupo uniparam´etrico de GL(n, C ) ´e um homomorfismo cont´ınuo
8do grupo ( R , +) em GL(n, C ).
Em outras palavras, ´e uma fun¸c˜ ao que a cada t real associa continuamente uma matriz invers´ıvel γ(t) de modo que
γ(t)γ(t
′) = γ(t + t
′) (22.3)
8Vide nota `a p´agina 1191.
para todos t, t
′∈ R . Note que de (22.3) segue automaticamente que γ(0) = 1 (por quˆe?). ♠ A importˆ ancia dos subgrupos uniparam´etricos reside na seguinte proposi¸c˜ ao, a qual tamb´em come¸ca a revelar a relevˆancia das exponenciais de matrizes na teoria dos grupos de Lie.
Proposi¸ c˜ ao 22.7 Seja γ : R → GL(n, C ) um subgrupo uniparam´etrico cont´ınuo. Ent˜ ao, existe uma matriz M ∈ Mat ( C , n), univocamente definida, tal que γ(t) = exp(tM ) para todo t ∈ R . Esse fato, em particular, mostra que γ ´e real-anal´ıtica (e, portanto, diferenci´ avel) e que M = γ
′(0). A matriz M ´e dita ser o gerador infinitesimal do subgrupo
uniparam´etrico γ. 2
Prova.
9Se supus´essemos que γ ´e uma matriz diferenci´ avel pr´oximo a t = 0, ter´ıamos que para qualquer t γ
′(t) = lim
s→0
1
s (γ(t + s) − γ(t)) = γ(t)
s→0
lim 1
s (γ(s) − γ(0))
= γ(t)γ
′(0) .
Definindo M := γ
′(0), concluir´ıamos que γ satisfaz a equa¸c˜ ao diferencial γ
′(t) = γ(t)M , cuja solu¸c˜ ao ´e ´ unica (vide Cap´ıtulo 14) e dada por γ(t) = exp(tM), como quer´ıamos provar.
A demonstra¸c˜ ao estaria completa, n˜ ao fosse o fato de que no enunciado supomos apenas que γ ´e cont´ınua, o que em geral n˜ ao implica que γ seja tamb´em diferenci´ avel em t = 0. ´ E, no entanto, poss´ıvel provar que se γ ´e cont´ınua, ent˜ ao pelo fato de ser um homomorfismo de ( R , +) segue que γ ´e tamb´em diferenci´ avel pr´oximo a t = 0! A ideia ´e construir a partir de γ uma fun¸c˜ ao ˜ γ infinitamente diferenci´ avel e posteriormente mostrar que γ pode ser recuperada de ˜ γ por opera¸c˜ oes diferenci´ aveis.
Para tal seja θ uma fun¸c˜ ao real, positiva infinitamente diferenci´ avel, com suporte compacto contendo t = 0 e tal que Z
∞−∞
θ(s)ds = 1 . Um exemplo de uma tal fun¸c˜ ao seria (para a < 0 < b)
θ(s) =
K exp
−
(s−a)21(s−b)2, para s ∈ (a, b)
0, de outra forma,
que tem suporte [a, b] ∋ 0. Uma escolha conveniente da constante K garante que R
∞−∞
θ(s)ds = 1.
Assim, seja uma tal fun¸c˜ ao θ desse tipo e com suporte em, digamos, [−a, a] para algum a > 0, e seja
˜ γ(t) :=
Z
∞−∞
θ(t − s)γ(s)ds .
E f´acil (Exerc´ıcio!) ver que ˜ ´ γ assim definida ´e infinitamente diferenci´ avel. Fora isso,
˜ γ(t) =
Z
∞−∞
θ(t − s)γ(s)ds = Z
∞−∞
θ(u)γ(t − u)du = Z
∞−∞
θ(u)γ(t)γ(−u)du = γ(t) Z
∞−∞
θ(u)γ(−u)du = γ(t)Y , com Y := R
∞−∞
θ(u)γ(−u)du. Temos que
Y − 1 = Z
∞−∞
θ(u)(γ(−u) − 1)du , pois R
∞−∞
θ(u)du = 1, por hip´ otese. Logo, kY − 1k
C≤
Z
∞−∞
θ(u) kγ(−u) − 1k
Cdu = Z
a−a
θ(u) kγ(−u) − 1k
Cdu ≤ c Z
a−a
θ(u) du = c Z
∞−∞
θ(u) du = c ,
9Extra´ıda de [177]. A observa¸c˜ao de que no enunciado da Proposi¸c˜ao 22.7 ´e suficiente supor-se que o subgrupo uniparam´etricoγ´e apenas cont´ınuo (dispensando uma condi¸c˜ao de diferenciabilidade) ´e devida a von Neumann (John von Neumann (1903–1957)).
onde c := sup
u∈[−a, a]kγ(−u)−1k
C. Como γ ´e cont´ınua e γ(0) = 1, podemos fazer c arbitrariamente pequena, escolhendo a pequeno. Mas isso diz que Y = 1 − (1 − Y ) ´e invers´ıvel, com Y
−1dado pela s´erie convergente P
∞m=0
(1 − Y )
m. Assim, com a pequeno teremos γ(t) = ˜ γ(t)Y
−1, o que prova que γ(t) ´e infinitamente diferenci´ avel.
Defini¸ c˜ ao. O que essa proposi¸c˜ ao provou ´e que todo subgrupo uniparam´etrico cont´ınuo de GL(n, C ) ´e da forma exp(tM ) para alguma matriz M ∈ Mat ( C , n). Essa matriz M ´e dita ser o gerador infinitesimal do subgrupo uniparam´etrico em
quest˜ ao. ♠
Comentemos brevemente que a Proposi¸c˜ ao 22.7, que acabamos de provar, tem generaliza¸c˜ oes importantes na teoria dos espa¸cos de Hilbert e de Banach, onde ´e conhecida como Teorema de Stone
10. Vide, por exemplo, [315].
• A cole¸ c˜ ao de todos os geradores infinitesimal de subgrupos uniparam´ etricos Seja G um subgrupo de GL(n, C ). Seja definido o seguinte conjunto:
L(G) := {M ∈ Mat ( C , n)| exp(tM) ∈ G, ∀t ∈ R } . Analogamente, seja G um subgrupo de GL(n, R ). Seja definido o seguinte conjunto:
L (G) := {M ∈ Mat ( R , n)| exp(tM ) ∈ G, ∀t ∈ R } .
Em palavras, L(G) ´e a cole¸c˜ ao de todos os geradores infinitesimais de todos os subgrupos uniparam´etricos de G. ´ E claro, pela defini¸c˜ ao, que L(G) cont´em sempre pelo menos a matriz nula (pois exp(t0) = 1 ∈ G, ∀t ∈ R ), mas n˜ ao ´e nem um pouco evidente que esse n˜ ao seja o ´ unico elemento de L(G). Por exemplo, se G for um grupo discreto ent˜ ao L(G) = {0}. Mesmo no caso de G ser um grupo cont´ınuo n˜ ao ´e nada ´ obvio que G possua subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais. Logo abaixo estudaremos essa quest˜ ao no caso do grupo GL(n, C ) e, um pouco mais adiante, no caso de subgrupos fechados (n˜ao-discretos) de GL(n, C ). Em tais casos veremos que L (G) n˜ ao consiste apenas na matriz nula.
Chamamos a aten¸c˜ ao do estudante para o fato que, para um grupo G gen´erico, n˜ ao ´e necessariamente verdade que todo elemento de G pode ser escrito na forma exp(tM ) para algum M ∈ L(G) e algum t ∈ R . Ou seja, existem grupos G nos quais encontram-se elementos que n˜ ao pertencem a nenhum subgrupo uniparam´etrico de G. Na Proposi¸c˜ ao 11.11, p´ agina 599, vimos que isso ocorre no grupo real GL(n, R ), pois esse grupo n˜ ao ´e conexo, mas esse fenˆomeno pode ocorrer mesmo em grupos conexos. Um exemplo ser´a discutido na p´ agina 1205, adiante.
*
A cole¸c˜ ao de todos os geradores infinitesimais de todos os subgrupos uniparam´etricos de um dado grupo G ´e um objeto muito importante, especialmente na teoria dos grupos de Lie. Discutiremos esse fato adiante. No caso do grupo GL(n, C ) podemos facilmente identificar o que ´e L GL(n, C )
. Faremos isso agora.
• Subgrupos uniparam´ etricos de GL(n, C ) e a ´ algebra de Lie associada a GL(n, C )
A cole¸c˜ ao de todos os geradores infinitesimais de todos os subgrupos uniparam´etricos do grupo GL(n, C ) ser´a denotada aqui por L GL(n, C )
ou por gl(n, C ). Vamos identificar esse conjunto.
Na Proposi¸c˜ ao 11.12, p´ agina 599, demonstramos que todo elemento A ∈ GL(n, C ) pode ser escrito na forma A = exp(B) para algum B ∈ Mat ( C , n). Consequentemente, A pertence ao subgrupo uniparam´etrico composto pelas matrizes da forma exp(tB), t ∈ R . Assim, GL(n, C ) possui subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais. Reciprocamente, para todo B ∈ Mat ( C , n) o conjunto de matrizes da forma exp(tB), t ∈ R , forma um subgrupo uniparam´etrico de GL(n, C ).
Conclu´ımos disso que L GL(n, C )
= Mat ( C , n).
J´a discutimos por diversas vezes (vide p´ agina 107 e seguintes) que o conjunto Mat ( C , n) ´e uma ´algebra de Lie com rela¸c˜ ao ao produto definido pelo comutador de matrizes. Um pouco mais adiante, veremos que esse fato ´e geral: o conjunto de todos os geradores infinitesimais de um subgrupo fechado (n˜ao-discreto) de um grupo de Lie ´e tamb´em uma
´
algebra de Lie. Esse fato ´e de importˆ ancia central na teoria dos grupos de Lie.
10Marshall Harvey Stone (1903-1989).
E. 22.9
Exerc´ıcio.Para
a, b= 1, . . . , n e
α∈C, sejam
γαab(t), matrizes definidas da seguinte forma:
γαab
(t) :=
1
+
αtEab,para
a6=b , 1+ (e
αt−1)E
aa,para
a=
b ,com
t∈R.Aqui
Eab´e a matriz cujos elementos
ijs˜ ao dados por
Eabij
=
δi aδj b, ou seja,
Eab´e a matriz cujos elementos de matriz s˜ ao todos nulos, exceto o elemento
ab, que vale1. Mostre que as matrizes
γαabs˜ ao subgrupos uniparam´etricos de GL(n,
C), ou seja, que
γαab(t) s˜ ao cont´ınuas e que
γαab(t)γ
αab(t
′) =
γαab(t +
t′) para todo
a, be todo
α. (Sugest˜ao:mostre que
Eab2=
δabEabe use esse fato).
Mostre que seus geradores infinitesimais s˜ ao as matrizes
αEab. Constate tamb´em explicitamente que
γαab(t) = exp
αtEab.
6Note que a cole¸c˜ ao formada por todas combina¸c˜ oes lineares reais dos geradores infinitesimais dos subgrupos unipa- ram´etricos γ
αabde GL(n, C ) coincide com Mat ( C , n) (por quˆe?).
E. 22.10
Exerc´ıcio importante.Como s˜ ao as rela¸c˜ oes de comuta¸c˜ ao das matrizes
Eab?
6• Homomorfismos n˜ ao-cont´ınuos de ( R , +)
Contemplando a defini¸c˜ ao de subgrupo uniparam´etrico que apresentamos acima, como sendo um homomorfismo cont´ınuo de ( R , +) em um grupo G, o estudante pode legitimamente questionar se existem, afinal, homomorfismos n˜ ao- cont´ınuos desse grupo que justifiquem a necessidade de evocar a condi¸c˜ ao de continuidade na Proposi¸c˜ ao 22.7. Talvez um tanto surpreendentemente, a resposta ´e positiva. H´ a at´e mesmo automorfismos n˜ ao-cont´ınuos de ( R , +) em si mesmo, os quais foram apresentados `a p´ agina 161, onde discutimos a existˆencia de fun¸c˜ oes descont´ınuas de R em R que satisfazem f (t) + f (t
′) = f (t + t
′) para todos t, t
′∈ R . Assim, com o uso de uma tal fun¸c˜ ao f , ´e relativamente f´acil construir um homomorfismo n˜ ao-cont´ınuo de ( R , +) em um grupo G dado, caso conhe¸camos um homomorfismo cont´ınuo de ( R , +) em G. De fato, se γ(t), t ∈ R , ´e um homomorfismo cont´ınuo de ( R , +) em G ent˜ ao γ(f (t)), t ∈ R , ´e um homomorfismo de ( R , +) em G, mas que n˜ ao ´e cont´ınuo. Dada a “artificialidade” daquelas fun¸c˜ oes f , tais exemplos s˜ao um tanto patol´ogicos, mas explicam a necessidade de incluir a condi¸c˜ ao de continuidade na defini¸c˜ ao de subgrupo uniparam´etrico e na Proposi¸c˜ ao 22.7, p´ agina 1189.
22.3.4 Subgrupos Uniparam´ etricos e ´ Algebras de Lie
• Subgrupos uniparam´ etricos em subgrupos fechados
Defini¸ c˜ ao. Seja H um subgrupo fechado mas n˜ ao discreto de GL(n, C ). Definimos, L (H ) :=
X ∈ Mat ( C , n) tais que e
tX∈ H para todo t ∈ R .
♠ Como se vˆe, trata-se do conjunto dos geradores infinitesimais de todos os subgrupos uniparam´etricos de H . ´ E claro, pela defini¸c˜ ao acima, que L (H ) possui pelo menos um elemento, a saber a matriz nula, pois, obviamente e
t0= 1 ∈ H para todo t ∈ R . N˜ ao ´e nem um pouco ´ obvio, por´em, que haja outros elementos em L (H ) que n˜ ao o elemento nulo. N˜ ao
´e sequer ´obvio que existam subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais
11em H . Na Proposi¸c˜ ao 22.8 adiante, provaremos que L(H ), de fato, ´e n˜ ao-trivial e que h´ a, de fato, subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais em H. Para demonstrarmos a Proposi¸c˜ ao 22.8 precisamos de algumas defini¸c˜ oes e de alguns resultados preparat´ orios. Seguiremos muito proximamente a exposi¸c˜ ao de [290] (vide todo o §2 do Cap´ıtulo XI daquela referˆencia), mas com ligeiras corre¸c˜ oes e aperfei¸coamentos.
Para simplificar a nota¸c˜ ao denotaremos aqui o grupo GL(n, C ) por G e sua ´ algebra de Lie Mat ( C , n) por g.
Fixemos doravante um n´ umero r > 0, arbitr´ario mas conveniente, e seja w
ra bola fechada de raio r centrada na origem em g:
w
r:= n
X ∈ g kXk ≤ r o
. (22.4)
11Um subgrupo uniparam´etricoγ(t) ´e trivial seγ(t) for igual ao elemento neutro para todot∈R.
Notemos que w
r´e sim´etrica, ou seja, se X ∈ w
rent˜ ao −X ∈ w
r. Denotaremos por w
Ora bola aberta de raio r centrada na origem em g:
w
Or:= n
X ∈ g kX k < r o
. (22.5)
Vamos denotar por W
ra imagem de w
rpela exponencia¸c˜ ao:
W
r:= n
exp(X ), X ∈ w
ro . (22.6)
E claro que ´ W
r⊂ G e ´e claro que W
r´e sim´etrico, ou seja, se Y ∈ W
rent˜ ao Y
−1∈ W
r.
Como H ´e um subconjunto fechado de G, o conjunto H ∩ W
r´e fechado. Seja f
ro subconjunto de w
rformado pelos elementos cuja exponencial est´ a em H ∩ W
r:
f
r:= n
X ∈ w
rexp(X ) ∈ H ∩ W
ro
. (22.7)
Comentemos que, pela Proposi¸c˜ ao 11.12, p´ agina 599, todo elemento de H ´e uma exponencial de algum elemento de g = Mat ( C , n). Portanto, todo h ∈ H ∩ W
r´e da forma h = exp(f ) para algum f ∈ f
r. Simbolicamente, podemos escrever
exp(f
r) = H ∩ W
r. (22.8)
E bastante claro que ´ f
r´e tamb´em sim´etrico. Como exp ´e cont´ınua, f
r´e tamb´em fechado (vide Se¸c˜ ao 30.5.2, p´ agina 1447). Fora isso, f
r⊂ w
r, por defini¸c˜ ao. Logo, f
r´e limitado. Por ser fechado e limitado, f
r´e compacto.
Definamos M (H, W
r) ≡ M
rpor M
r:= n
X ∈ g tais que, para algum ǫ > 0, tem-se exp(tX) ∈ H ∩ W
rsempre que |t| < ǫ o
. (22.9)
Alternativamente, ´e claro que M
r= n
X ∈ g tais que, para algum ǫ > 0, tem-se tX ∈ f
rsempre que |t| < ǫ o .
Note-se que M
rcont´em sempre ao menos um elemento, a saber, 0. N˜ ao ´e nada ´obvio, por´em, se esse ´e o ´ unico elemento de M
r. No Corol´ario 22.1, adiante, provaremos que tal n˜ ao ´e o caso, ou seja, M
rn˜ ao ´e trivial. Antes disso precisamos de dois lemas preparat´ orios.
Lema 22.1 Com as defini¸c˜ oes acima, valem as seguintes afirma¸c˜ oes. I. Se X ∈ M
rent˜ ao λX ∈ M
rpara todo λ ∈ R .
II. w
r∩ M
r⊂ f
r. 2
Prova do Lema 22.1. Se X ∈ M
rent˜ ao, para algum ǫ > 0 tem-se tX ∈ f
rsempre que |t| < ǫ. Mas, ent˜ ao, se λ 6= 0, vale t(λX ) ∈ f
rsempre que |t| < ǫ/|λ|. Isso prova a afirmativa I.
Seja agora X ∈ w
r∩ M
r. Queremos provar que X ∈ f
r. Como X ∈ M
rent˜ ao, para algum ǫ > 0 tem-se exp(tX) ∈ H ∩ W
rsempre que |t| < ǫ. Assim, para n ∈ N grande o suficiente (n > ǫ
−1) teremos exp(n
−1X) ∈ H ∩ W
ro que, em particular, diz que exp(n
−1X ) ∈ H. Como H ´e um grupo, tem-se que (exp(n
−1X ))
n∈ H. Mas o lado esquerdo ´e exp(X) e, portanto, conclu´ımos que exp(X ) ∈ H. Agora, por hip´ otese, X ∈ w
r, o que implica, pela defini¸c˜ ao de W
r, que exp(X) ∈ W
r. Logo, mostramos que exp(X) ∈ H ∩ W
r, o que significa que X ∈ f
r. Provamos, assim, que w
r∩ M
r⊂ f
r. Isso completa a prova do Lema 22.1.
Podemos agora demonstrar o seguinte lema, de importˆ ancia central no presente contexto e, talvez, o resultado preparat´ orio tecnicamente mais dif´ıcil.
Lema 22.2 Seja X
n, n ∈ N , uma sequˆencia de elementos de f
rtais que X
n6= 0. Suponhamos que X
n→ 0 para n → ∞
e que X
n/kX
nk → Y para algum Y ∈ Mat ( C , n). Ent˜ ao
12, Y ∈ M
r. 2
12Ap´os a demonstra¸c˜ao do Lema 22.2, discutiremos `a p´agina 1194 que de fato existem sequˆencias satisfazendo essas hip´oteses.
Prova do Lema 22.2. Notemos antes de mais nada que se Y
n:= X
n/kX
nk → Y ∈ Mat ( C , n) ent˜ ao Y 6= 0. Em verdade, kY k = 1 pois, fazendo uso da desigualdade (3.24), p´ agina 234, temos | kY
nk − kY k | ≤ kY
n− Y k. Como o lado direito vai a zero quando n → ∞, segue que kY k = 1, pois kY
nk = 1.
Fixemos tamb´em um n´ umero m ∈ N n˜ ao-nulo. Podemos escrever w
rcomo a uni˜ ao w
r=
[
m k=1s
k, onde
s
k≡ s
rk:=
X ∈ w
rk − 1
m r ≤ kX k ≤ k m r
,
ou seja, podemos escrever w
rcomo uma uni˜ ao de “fatias”, ou cascas esf´ericas, de vetores com normas entre
k−1mr e
mkr.
Note-se que s
1´e a bola fechada de raio r/m centrada em 0:
s
1= n X ∈ w
rkX k ≤ r m
o .
Como X
nconverge a 0, existe um n´ umero N
m(que pode depender de m) tal que X
n∈ s
1para todo n > N
m. Seja agora um k
0∈ N fixo, escolhido de modo que 1 < k
0≤ m. Vamos mostrar que para cada n > N
mpodemos encontrar um n´ umero inteiro j
n(eventualmente dependente de n) de modo que j
nX
n∈ s
k0, ou seja, tal que
(k
0− 1)r
m ≤ kj
nX
nk ≤ k
0r m . Para isso, ´e suficiente escolhermos um j
ninteiro satisfazendo
(k
0− 1)r
mkX
nk ≤ |j
n| ≤ k
0r mkX
nk .
Haver´a inteiros no intervalo entre
(kmkX0−1)rnke
mkXk0rnk? Para ver isso, notemos que o comprimento desse intervalo ´e k
0r
mkX
nk − (k
0− 1)r
mkX
nk = r
mkX
nk ≥ 1 ,
pois kX
nk ≤
mr, dado que X
n∈ s
1. Ent˜ ao, uma tal escolha de j
n´e sempre poss´ıvel para cada n (pois todo intervalo fechado de comprimento igual ou maior que 1 cont´em ao menos um inteiro).
Vamos denominar j
nX
npor Y
n(k0)(com k
0fixo). ´ E evidente que Y
n(k0)∈ s
k0⊂ w
r. Isso implica que exp Y
n(k0)∈ W
r. Fora isso, exp
Y
n(k0)= exp(j
nX
n) = (exp(X
n))
jn. Como exp(X
n) pertence ao grupo H (pois X
n∈ f
r), segue pela propriedade de grupo que tamb´em tem-se exp
Y
n(k0)∈ H (´e por essa raz˜ ao que escolhemos j
ninteiro). Com isso, provamos que exp
Y
n(k0)∈ H ∩ W
r, o que significa que
13Y
n(k0)∈ f
r.
O conjunto f
r´e fechado e limitado e, portanto, compacto. Isso significa que existe uma subsequˆencia Y
n(kl0), l ∈ N , que ´e convergente em f
r. Agora, como Y
n= X
n/kX
nk converge a Y , isso significa que Y
n(kl0)converge a um m´ ultiplo de Y , digamos λ
(k0)Y , pois Y
n(kl0)´e um m´ ultiplo de Y
nl, a saber, Y
n(kl0)= j
nlkX
nlkY
nl. Portanto, para um tal λ
(k0)temos λ
(k0)Y ∈ f
r. Note que tamb´em tem-se −λ
(k0)Y ∈ f
r, bastando para tal trocar X
npor −X
nna argumenta¸c˜ ao acima, o que ´e permitido pois f
r´e sim´etrico.
Assim, λ
(k0)= lim
l→∞
j
nlkX
nlk e, consequentemente, (k
0− 1)r
m ≤ λ
(k0)≤ k
0r m .
O que provamos acima vale para cada k
0∈ N com 1 < k
0≤ m. Resumindo nossas conclus˜oes, provamos que para todo m ∈ N , cada intervalo I
k0, m:= h
(k0−1) m
r,
km0r i
com 1 < k
0≤ m cont´em pelo menos um λ
(k0)tal que ±λ
(k0)Y ∈ f
r.
13Em [290] o argumento que prova queYn(k0)∈fr n˜ao est´a correto, lamentavelmente.
A uni˜ao [
m k0=2I
k0, m´e o conjunto
1m
r, r
. Esses intervalos I
k0, mpodem ser feitos mais finos e em maior n´ umero, fazendo m → ∞, sendo que [
m∈N
1 m r, r
= (0, r].
Conclu´ımos disso que existe um conjunto cont´ avel denso de n´ umeros λ no intervalo (0, r] tais que ±λY ∈ f
r. Como f
r´e fechado, isso implica que λY ∈ f
rpara todo λ ∈ [−r, r]. Agora, isso significa precisamente que Y ∈ M
r, que ´e o que quer´ıamos provar.
A prova do Lema 22.2 est´ a completa.
Podemos nos perguntar agora, ser´a que existem sequˆencias X
nsatisfazendo as hip´oteses do Lema 22.2, ou seja, tais que X
n/kX
nk convirja para algum Y ? ´ E f´ acil ver que sim. Notemos para isso que para qualquer sequˆencia X
n∈ f
rcom X
n→ 0 a sequˆencia Y
n= X
n/kX
nk est´ a contida no conjunto compacto formado pelos vetores de norma 1. Assim, Y
nsempre tem uma subsequˆencia convergente a algum Y , que tamb´em tem norma 1. A essa subsequˆencia aplica-se ent˜ ao o Lema 22.2 e tem-se Y ∈ M
r. Isso, em particular, mostra-nos que M
r´e n˜ ao-trivial, ou seja, cont´em elementos n˜ ao-nulos.
Provamos ent˜ ao:
Corol´ ario 22.1 O conjunto M
rdefinido acima cont´em elementos diferentes de 0. 2
Esse simples corol´ ario ´e crucial para o que segue
14, pois tem a seguinte consequˆencia.
Proposi¸ c˜ ao 22.8 Seja H um subgrupo fechado e n˜ ao-discreto de GL(n, C ). Ent˜ ao, valem as seguintes afirmativas. I.
M
r= L (H ) para qualquer r > 0. II. L (H ) ´e n˜ ao-trivial, ou seja, n˜ ao consiste apenas na matriz nula. H´ a, portanto,
subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais em H. 2
Prova. Seja o conjunto M
r≡ M (H, W
r) definido em (22.9), com W
rdefinido em (22.4)-(22.6) para algum r > 0.
Provaremos que M(H, W
r) = L(H).
Em primeiro lugar, ´e claro (por defini¸c˜ ao!) que se X ∈ L (H) teremos exp(tX ) ∈ H , ∀t ∈ R . Se X = 0 ent˜ ao X ∈ M (H, W
r) trivialmente. Se X 6= 0 ent˜ ao, se escolhermos |t| < r/kX k, teremos que tX ∈ w
r. Logo, X ∈ M (H, W
r).
Isso mostra que L (H ) ⊂ M (H, W
r).
Seja X ∈ M(H, W
r) com X 6= 0. Pelo Corol´ ario 22.1, um tal X existe. Assim, existe um ǫ > 0 tal que exp(t
′X ) ∈ H para todo t
′∈ (−ǫ, ǫ). Seja agora t ∈ R qualquer. Se escolhermos n ∈ Z com |n| grande o suficiente, teremos |t/n| < ǫ.
Da´ı, exp((t/n)X ) ∈ H e, como H ´e um grupo, exp(tX ) = (exp((t/n)X ))
n∈ H . Como isso vale para qualquer t ∈ R provamos que X ∈ L (H).
Com isso provamos que M(H, W
r) ⊂ L(H ) e, portanto, M(H, W
r) = L(H ). Assim, pelo Corol´ario 22.1, L(H )
´e n˜ ao-trivial. Consequentemente existem em H subgrupos uniparam´etricos n˜ ao-triviais, a saber aqueles que tˆem como geradores infinitesimais os elementos n˜ ao-nulos de M(H, W
r).
*
Chegamos agora ao ponto em que boa parte do que fizemos ser´a unificado e revelaremos a importˆ ancia de subgrupos uniparam´etricos para os grupos de Lie matriciais.
• Subgrupos uniparam´ etricos e ´ algebras de Lie
Seja H um subgrupo fechado e n˜ ao-discreto de GL(n, C ). O seguinte teorema, o qual ´e uma consequˆencia das f´ ormulas de Lie-Trotter e do comutador (f´ ormulas (11.41) e 11.42 da Proposi¸c˜ ao 11.13, p´ agina 601. Vide Cap´ıtulo 11), ´e de importˆ ancia fundamental:
14Infelizmente, alguns textos como [354], [410] e mesmo (surpreendentemente) [311], n˜ao provam queMr ´e n˜ao-trivial, o que torna suas demonstra¸c˜oes do Teorema 22.2 incompletas. Mesmo [290], que prova os Lemas 22.1 e 22.2, n˜ao menciona o Corol´ario 22.1, embora o mesmo fique impl´ıcito pela sua an´alise. A referˆencia [177]-[178] , que segue outra e muito interessante linha de racioc´ınio, ´e expl´ıcita quanto ao Corol´ario 22.1.