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Cad. Saúde Pública vol.30 número2

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Academic year: 2018

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ESTIGMA E SAÚDE: UMA RELAÇÃO VITAL EM DEBATE. Monteiro S, Vilella W, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. 207 p. ISSN: 978-85-7541-423-1.

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311XRE010214

É em boa hora que a obra Estigma e Saúde: Uma Re-lação Vital em Debate chega ao leitor brasileiro. Orga-nizado por Simone Monteiro e Wilza Villela e publica-do pela Editora Fiocruz e com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, a coletâ-nea traz uma série de artigos de autoria de renomados pesquisadores, que abordam tanto os aspectos teóricos sobre estigma e saúde, como traz textos elaborados mediante abordagens etnográficas que apontam co-mo a relação estigma e saúde influencia a ocorrência de doenças em diferentes populações e como deve ser considerada nas políticas e ações em saúde. O livro está composto de 11 artigos, em sua grande maioria de au-tores brasileiros com foco em diferentes realidades na-cionais. Elaborado a partir de um seminário realizado sobre o tema, coordenado pelas autoras em junho de 2011, no Rio de Janeiro, o livro mantém a dinâmica e a lógica dos debates, já que se estrutura num texto cen-tral apresentado, que em seguida é debatido por outros autores presentes nas mesas do evento e a seguir nas páginas desta coletânea.

Apesar da ênfase no Brasil, as autoras incluíram também a perspectiva internacional com pelo menos dois artigos, mostrando que a relação entre estigma e saúde ultrapassa as fronteiras nacionais e que o en-frentamento do estigma deve levar em conta os aspec-tos locais e globais. Fenômenos como a epidemia de HIV/AIDS e o estigma enfrentado por milhões de so-ropositivos para o HIV no planeta, o recrudescimento do fundamentalismo religioso em diferentes regiões e em consequência reforço do preconceito e da discri-minação contra diferentes populações e culturas, são alguns exemplos de como a questão de estigma e sua relação com a saúde tem uma dimensão global e deve estar incluída na agenda de trabalho de cientistas, go-vernantes, ativistas e de todos aqueles empenhados na luta por um mundo mais justo e saudável. O texto de Richard Parker é central nesse sentido, pois analisa co-mo o conceito de estigma é concebido e aplicado em diferentes países e cenários. Na sequência, Otávio Bo-net debate os achados de Parker, inclusive para discutir a adoção de estratégias, políticas e ações de saúde mais justas e igualitárias no Brasil.

No Brasil, se tomarmos como “janela” de observa-ção a epidemia de HIV/AIDS, veremos que nas últimas décadas o país avançou na luta contra o estigma como obstáculo a esse grave problema de saúde pública. Foram elaboradas leis, recomendações e jurisprudên-cias protetoras para a pessoa vivendo com HIV/AIDS. O acesso universal aos antirretrovirais necessários ao tratamento do HIV/AIDS e garantido por lei no Brasil, a partir de 1996, conforme o texto de Francisco

Bas-tos aponta, foi um passo significativo para dissociar o estigma da morte que marcava os soropositivos para o HIV até aquele momento. Poderíamos citar outros exemplos que demonstram outros avanços no campo do HIV que, como o caso do acesso aos antirretrovi-rais, também poderiam ser tomados como referência para reforçar a luta contra o estigma a cidadãos por-tadores de outras patologias. Nessa perspectiva, a resposta à AIDS no Brasil e ao estigma a ela relacio-nado, terminou por reforçar a promoção dos direitos humanos daqueles mais afetados pela epidemia, tais como homossexuais, prostitutas, travestis e transexu-ais, usuários de drogas injetáveis, entre outros. Tal luta pela garantia de direitos, incluindo o direito à saúde, também resultou na projeção de uma visibilidade mais positiva desses cidadãos na sociedade mais am-pla, o que é um passo importante no enfrentamento contra o preconceito e o estigma que afligem essas populações, e, portanto, contra as condições de desi-gualdades sociais.

No entanto, nos últimos quatro anos, esses bons resultados acima mencionados estão ameaçados pela onda conservadora que afeta uma série de políticas e ações em saúde levadas a cabo pelo atual governo fede-ral. Se trouxermos outra vez o caso da AIDS, é no míni-mo preocupante a sequência de episódios de censuras, vetos e retrocessos em campanhas governamentais de prevenção destinadas a jovens homossexuais, travestis e prostitutas, justamente populações mais afetas pe-la AIDS. No campo da educação, também preocupa a suspensão da distribuição de materiais educativos so-bre sexualidade, em especial soso-bre homossexualidade, nas escolas da rede pública, mesmo após esses mate-riais terem sido aprovados e pelo próprio Ministério da Educação. Por trás desses retrocessos, encontra-se a pressão de setores religiosos conservadores que a cada dia parecem ganhar mais força na governança do país, particularmente quando se trata de promoção e garan-tia de direitos sexuais daqueles mais vulneráveis ao es-tigma e à discriminação.

É nesse complexo e paradoxal contexto político- social que o livro Estigma e Saúde: Uma Relação Vital em Debate intervém de forma bastante direta e opor-tuna tanto na pesquisa, quanto naquele das políticas públicas de saúde. No campo acadêmico, os textos discutem aspectos e desafios conceituais e metodoló-gicos que orientam a pesquisa social sobre o estigma e suas relações com a saúde, assim como analisam como o conceito de estigma é concebido e aplicado nas pesquisas desenvolvidas no Brasil, conforme bem demonstra o texto de autoria de Monteiro & Villela. As autoras identificam ainda lacunas na literatura cientí-fica nacional disponível, enquanto o texto-debate de Daniela Knauth reforça os achados de Monteiro et al., buscando compreender a razão para tais lacunas e pa-ra a escassez de estudos na área.

Outra contribuição marcante são as análises das relações interdisciplinares entre diferentes saberes

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 30(2):439-441, fev, 2014 RESENHAS BOOK REVIEWS

que abordam estigma e discriminação, tais como as ciências sociais, a epidemiologia, a política, entre ou-tros. O texto de João Luís Bastos & Eduardo Faerstein é emblemático nesse sentido, enquanto o texto-debate de Kenneth Camargo Jr. amplia as questões abordadas por Bastos & Faerstein. Não menos importante é o ar-tigo de Luciana Ouriques que, por intermédio de um estudo etnográfico numa população indígena do sul do país, discute as relações entre vulnerabilidade em saú-de e estigma.

Por outro lado, no campo dos movimentos sociais, os textos com as análises sobre como o estigma e o pre-conceito operam na vida de indivíduos e grupos sociais podem fortalecer os canais de diálogo entre a universi-dade e a socieuniversi-dade civil organizada, em especial com os grupos que se mobilizam contra o estigma e a dis-criminação, como os movimentos gays, de mulheres, de negros, de pessoas vivendo com HIV/AIDS, entre outros. No tocante a isso, o texto de Sergio Carrara é outra expressiva contribuição. Ao abarcar interesses acadêmicos e políticos de forma tão vigorosa, a publi-cação desta obra significa uma oportunidade ímpar de solidariedade intersetorial e interdisciplinar. A solida-riedade certamente é uma estratégia fundamental para enfrentar os desafios atuais relacionados a estigma e saúde, sobretudo aqueles desafios que são fundamen-tais à promoção e garantia dos direitos humanos dos mais vulneráveis ao estigma, aos preconceitos, à dis-criminação e aos consequentes agravos na sua saúde individual e coletiva.

Veriano Terto Jr.

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

verterto@gmail.com

Referências

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