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Prática de Leitura e Escrita
Nas sendas do haicai
17ª e 8ª séries do Ensino Fundamental
J
ustificativa
A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade.
(Antonio Candido, “O direito à literatura”, 19952) Procuraremos, nesta justificativa, responder a três perguntas: Por que trabalhar com poesia? Por que haicai? Por que essas atividades propõem não apenas ler poesia, mas também escrevê‐la? A poesia faz com que tenhamos uma relação diferente com a palavra, com o texto. Tudo é mais instável e fluido na poesia. Poucas são as certezas. Mais do que qualquer outro gênero de texto, a poesia nos tira do prumo e nos obriga a lidar com a língua de forma muito peculiar. Ela nos arrebata do cotidiano, nos põe em contato com outras dimensões da vida e da palavra. E é na volta à realidade da língua em seus gêneros mais prosaicos que nos surpreendemos mais fortalecidos, equilibrados, conhecedores de nossa natureza humana e de nossa língua. Com relação à segunda pergunta – Por que haicai? –, as razões para ler e escrever haicais podem ser muitas. Uma delas é que, por ser um tipo de poesia extremamente conciso, os haicais podem nos ajudar a compreender os processos de composição de poemas. Se a poesia é a mais condensada forma de expressão verbal, os haicais são a mais condensada forma de poesia.
Não é à toa que o poeta Guilherme da Almeida (1937)3, impressionado com a forma extremamente curta do haicai, afirma:
Não há ideia poética, por mais complexa, que, despida de roupagens atrapalhantes, lavada de toda excrescência, expurgada de qualquer impureza, não caiba estrita e suficientemente, em última análise, nas dezessete sílabas de um haicai. “O Melro”, “O Navio Negreiro”, “A Vingança da Porta”, o “Ouvir Estrelas”, os trinta e três sonetos do meu “Nós” (no caso, não é pretensão, senão mero estoicismo, o colocar‐me em tão superior companhia) poderiam ter sido reduzidos a simples haicais. Além disso, já que estamos comemorando os 100 anos de imigração japonesa, por que não apresentar aos alunos um tipo de poesia tipicamente japonês? 1 Elaborado por Laura Breda de Figueiredo. 2 O artigo “O direito à literatura” se encontra em CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235‐263. 3
ALMEIDA, Guilherme. “Os meus haicais”. Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 28 de fevereiro de 1937. Disponível em: <http://terebess.hu/english/haiku/almeida.html>. Acesso em: 6 out. 2008.
Finalmente, resta saber: por que, além de ler haicais, propomos também a produção desse tipo de texto? Invertendo o senso comum, que diz que quanto mais se lê melhor se escreve, encontramos uma boa resposta numa afirmação de Beatriz Citelli4: “Existe uma estreita relação entre a produção de textos e a leitura. A minha prática com alunos (...) tem revelado que quanto mais se escreve, mais existe interesse pela leitura”. Sobre o haicai O haicai é um tipo de poesia tipicamente japonês. Sua origem data do século XVIII, com os poemas de Matsuo Bashô. Estas são as principais características dos haicais tradicionais: • Compõem‐se de 17 sílabas, divididas em três versos de cinco, sete e cinco sílabas. • Contêm alguma referência à natureza (diferente da natureza humana). • Referem‐se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização). • Apresenta tal evento como “acontecendo agora”, e não no passado. Haicai é um poema que se quer popular, por isso, na sua composição, usam‐se palavras cotidianas e de fácil compreensão. Cada haicai capta um momento preciso, como se fosse uma fotografia instantânea. Outra característica do haicai é que ele não aceita sentimentalismos. É simples, seco e direto.
Os haicais escritos atualmente têm características um pouco diversas dos haicais tradicionais: nem sempre retratam uma imagem da natureza; muitas vezes, em vez disso, expressam concisamente um conceito ou um acontecimento pessoal fugaz. Em geral, não obedecem à métrica tradicional, mas busca‐ se não ultrapassar as 17 sílabas. Segundo consta, a primeira divulgação do haicai na literatura brasileira aconteceu em 1919, por Afrânio Peixoto: Uma pétala caída Que torna a seu ramo: Ah! é uma borboleta! Não muito tempo depois, o poeta Guilherme de Almeida, por volta de 1930, criou um estilo peculiar de haicai, seguido até hoje por alguns grupos de haicaístas brasileiros: dentro da métrica de 5‐7‐5 sílabas, o primeiro verso rima com o terceiro. No segundo verso, rimam a segunda sílaba e a última. Diferentemente dos haicais tradicionais, os desse poeta trazem títulos. Guilherme de Almeida explicou com o seguinte gráfico a sua forma de haicai: - - - - X - O - - - - O - - - - X 4 CITELLI, Beatriz. Produção e leitura de textos no Ensino Fundamental. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Aprender e Ensinar com Textos, v. 7.)
3 Vejamos este exemplo: O PENSAMENTO O ar. A folha. A fuga. No lago, um círculo vago. No rosto, uma ruga. Caso o professor tenha interesse, há até concurso juvenil de haicai, em que alunos de escolas públicas e particulares participam a cada ano. Se quiser participar com seus alunos, consulte o site: <http://www.kakinet.com/concurso/>.
O
bjetivos
• Introduzir a linguagem poética por meio do haicai, a fim de que os alunos possam compreender a natureza do texto poético. • Promover momentos de investigação das possibilidades linguísticas para que o aluno seja capaz de produzir efeitos de sentido e explorar esteticamente o recurso da concisão do significado. • Propiciar momentos de fruição e produção literária por meio de haicais.P
rocedimentos metodológicos
As atividades que serão apresentadas a seguir pressupõem leitura e escrita de vários poemas. Escrever um texto, literário ou não, é uma ação que exige planejamento, redação e reescrita. Antes de se escrever um texto, é preciso garantir que temos conhecimentos suficientes sobre o gênero de texto adequado à situação de comunicação em que estamos envolvidos e sobre o tema que será desenvolvido em nosso texto, pois “se faltam ideias, se falta informação, vão faltar as palavras”5 para se escrever o texto. Em nossas aulas, portanto, devemos oferecer para leitura diversos textos no gênero escolhido, para que os alunos se familiarizem com sua forma e também com os conteúdos que normalmente se expressam nesse gênero. Diz‐se que essa é a fase de apropriação do gênero e alimentação temática. Garantidos os conhecimentos necessários para a escrita, é hora de planejar o que será escrito: delimitar o tema, escolher critérios de ordenação das ideias, considerar quem serão nossos leitores e decidir que estratégias textuais podem deixar o texto adequado à situação. A etapa seguinte é a da redação propriamente dita. É nesse momento que será posto em prática o que foi planejado. Ao contrário do que normalmente pensamos, essa não é a etapa final do processo, mas a etapa intermediária, que deve considerar o planejamento e também prever etapas posteriores: a5
revisão e a reescrita. Isso deve ficar claro para os alunos desde sempre: a revisão é uma atividade integrante da escrita. No próprio processo de escrita, o autor vai relendo constantemente o que está escrevendo antes de continuar e isso também deve ser ensinado aos alunos. A escrita de textos coletivos na lousa é uma boa estratégia para demonstrar aos alunos como isso é feito.
Assim, concluída a primeira escrita do texto, é hora de fazer a revisão e a reescrita finais. Esse é o momento de confirmar se os objetivos planejados foram cumpridos, se o texto está claro e adequado ao interlocutor, se não há erros gramaticais. É fundamental que, após a atividade de produção pelo aluno, sejam desenvolvidas atividades de revisão que conduzam o aluno à reescrita de sua produção inicial, de modo que se distancie do próprio texto e assuma a posição de leitor. Nesse sentido, é interessante que, entre a primeira versão de um texto e a versão final, sejam feitas atividades que ajudem o aluno a ter critérios claros e objetivos de revisão. No caso das atividades a seguir, por exemplo, os alunos serão levados a reescrever seus primeiros poemas tendo em vista a maior concisão da linguagem e a incorporação de elementos que deem mais ritmo e sonoridade ao texto.
Atividades de reescrita também podem ser realizadas coletivamente, em que os alunos devem ficar atentos às necessidades de adaptações da linguagem e da estrutura dos poemas produzidos.
A
ções
Quadro síntese das aulas
Aula 1 Aula 2 Aula 3 Aula 4 Aula 5*
Um primeiro exercício de “poetar”. Imagem, som e ritmo na poesia. Concisão e ritmo. Apresentação ao haicai, um gênero muito conciso. Produção de haicais. Produção inicial de um poema. Reescrita do poema (incorporação de elementos que deem mais ritmo e sonoridade ao texto). Segunda reescrita do poema (busca pela maior concisão). Leitura de vários haicais para familiarização dos alunos com o gênero. Produção, revisão e reescrita de haicais. *O professor poderá redimensionar o número de aulas de acordo com o ritmo da turma e a dinâmica das mesmas.
Aula 1
Objetivos: • Introduzir o trabalho, explicitando o objetivo final do projeto. • Chamar a atenção do aluno para as diferenças entre poesia e prosa.5 • Solicitar uma primeira produção de poema.
PASSO 1 – Explicitar objetivos aos alunos
Dizer aos alunos que vocês irão trabalhar com um tipo de poema tipicamente japonês: os haicais. Portanto, o objetivo das próximas aulas será ler e iniciar um aprendizado de como escrever haicais. Ao final, será feita uma exposição dos poemas para toda a escola.
Este é o momento também para levantar os conhecimentos prévios dos alunos a respeito do gênero poético em questão. Pergunte a eles se já ouviram falar de haicai e se já leram esse tipo de poema. PASSO 2 – Diferenciar poesia de prosa Leve os dois textos que estão nos links abaixo para os alunos lerem, a fim de que respondam à seguinte pergunta: Quais seriam algumas das principais diferenças entre poesia e prosa? <http://editoraliteraturamarginal.blogspot.com/2006/11/o‐grande‐assalto‐ferrz.html> e <http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira03.html#bicho>.
Certamente, esta é uma questão complexa, que suscita muitas discussões entre estudiosos e críticos literários. Portanto, o objetivo aqui é apenas levar os alunos a uma reflexão, sem que necessariamente cheguem a uma conclusão fechada.
Uma boa definição de poesia, e que ajuda a diferenciá‐la da prosa, pode ser encontrada no livro ABC da
literatura, de Ezra Pound:
Grande literatura [seja em prosa ou em poesia] é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.
Dichten = condensare
Começo com a poesia porque é a mais condensada forma de expressão verbal. Basil Bunting, ao folhear um dicionário alemão‐italiano, descobriu que a ideia de poesia como concentração é quase tão velha como a língua germânica. “Dichten” é o verbo alemão correspondente ao substantivo “Dichtung”, que significa “poesia” e o lexicógrafo traduziu‐o pelo verbo italiano que significa “condensar”.
Para início dessa reflexão, portanto, peça que os alunos se atenham mais à forma do texto do que ao tema. Se eles perceberem que a linguagem da poesia é mais concisa do que a da prosa e que, naquela, há um certo ritmo que a diferencia desta, já será o suficiente.
Fique atento para pontuar eventuais equívocos que possam ser ditos pelos alunos, como dizer que a poesia é mais subjetiva que a prosa – já que é possível haver textos em prosa altamente subjetivos (como os diários íntimos ou certos contos psicológicos) –, ou dizer que poema é apenas o texto que tem rima (o poema de Manuel Bandeira não tem rimas, por exemplo).
Passo 3 – Um primeiro exercício de “poetar”
Como os haicais referem‐se, em geral, a elementos da natureza, proponha inicialmente que os alunos falem livremente palavras que de alguma forma possam ser associadas a um desses elementos, seja de forma positiva ou negativa. Por exemplo, podem‐se propor associações ou relações com as palavras
mar, chuva, vento, verão ou floresta etc. Vá escrevendo na lousa as palavras que os alunos forem
falando.
Veja este exemplo:
Palavras que podemos associar à chuva
Água, nuvem, orvalho, temporal, garoa, vento, frio, crescimento, resfriado, espirro, lenço, regador, guarda‐chuva, capa, galocha, pingo, gota, cristal, telhado, vidro embaçado, bolinho de chuva, sofá, cobertor, pipoca, lama, inundação, enxurrada, escorregão, goteira, prejuízo etc.
Outro exemplo:
Palavras que podemos associar ao mar
Areia, ondas, praia, águas, horizonte, luar, peixes, sol, siri, água‐viva, pérolas, marisco, pescador, navio, anzol, gaivotas, cachorros, garrafas, banhistas, surfistas, latas, turistas, palitos, óleos, copo plástico, sorvete, barcos, guarda‐sol, afogamento etc.
PASSO 4 – Leitura de poemas (não precisam ser haicais)
O objetivo aqui ainda não é tratar especificamente dos haicais, mas sim de aspectos característicos do fazer poético (concisão da linguagem e ritmo/sonoridade). Para tanto, ler um ou dois poemas relacionados à palavra‐chave do exercício acima, a fim de que os alunos tenham uma espécie de modelo para a produção que farão a seguir. Sugestões (caso a palavra da atividade feita em classe tenha sido “chuva” ou “mar”): 1) Leia o poema III (de Manoel de Barros), que inicia com o verso Chove torto no vão das árvores e que pode ser encontrado neste link: <http://melinaresende.multiply.com/journal/item/12/Retrato_Quase_Apagado_em_que_se_Pode_Ver _Perfeitamente_Nada>. Repare como esse poema de Manuel de Barros traz várias dessas palavras listadas a partir da palavra chuva. 2) Leia também um poema de Cecília Meireles, que traz várias palavras daquelas relacionadas ao mar: <http://www.revista.agulha.nom.br/ceciliameireles01.html#cancao1>. PASSO 5 – Primeira produção Pedir para os alunos produzirem um poema com, no mínimo, três palavras da lista feita.
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Atenção: Não peça, ainda, que esses poemas sejam em forma de haicai. Podem ser poemas de qualquer tipo e tamanho. Se os poemas forem mais longos, melhor, pois mais adiante poderão servir de matéria‐prima para um exercício de condensação do texto, cujo processo, afinal, os levará a compreender como compor um haicai.
Aula 2
Objetivo: Levar os alunos a perceberem as potencialidades sonoras, rítmicas e imagéticas das palavras. PASSO 1 Fazer uma nova lista de palavras, como na aula anterior, ou retomar a lista já feita, para reagrupar as palavras de acordo com os sons e as imagens a que remetem. Por exemplo: Água, nuvem, orvalho, temporal, relâmpago, trovão, garoa, vento, frio, crescimento, resfriado, espirro, lenço, regador, guarda‐chuva, capa, galocha, pingo, gota, cristal, telhado, vidro embaçado, bolinho de chuva, sofá, cobertor, pipoca, lama, inundação, enxurrada, escorregão, etc. palavras com sons sombrios/tristes nuvem, frio, vidro, cobertor, enxurrada, escorregão, inundação, trovão palavras que transmitem ideias/imagens sombrias/tristes frio, temporal, vento, embaçado palavras com som luminoso cristal palavras que transmitem ideias/imagens luminosas orvalho, cristal palavras com som gostoso pipoca, enxurrada, regador, pingo, espirro palavras que transmitem ideias/imagens gostosas bolinho de chuva, cobertor palavras com “som molhado” orvalho, guarda‐chuva, telhado palavras que transmitem “ideias/imagens molhadas” lama, inundação, água, temporal, regador, guarda‐ chuva, pingo, gota, enxurrada palavras lentas inundação, crescimento, embaçado, enxurrada, palavras rápidas lama, pingo, cristal, trovão, relâmpago ATENÇÃO: 1. Este quadro é exemplar. As “palavras com som molhado”, por exemplo, para seus alunos podem ser outras. 2. Dependendo do grupo de palavras, pode‐se pensar em outras descrições de sons e imagens (“palavras rápidas”, “palavras lentas”, “palavras moles”, “palavras duras”, “palavras oleosas”, “palavras fofas” etc.).3. Nesta atividade, não deve haver preocupação em obedecer com rigidez conceitos literários ou fonológicos. O que importa é que os alunos participem ludicamente e percebam as potencialidades expressivas das palavras a partir também de sua sonoridade.
PASSO 2
Continue a reagrupar as palavras acima por semelhança de sons. Por exemplo: sons que rimam, sons com eco, sons nasais, sons fortes, sons abertos, sons fechados. Por exemplo: Sons que rimam: resfriado/telhado/embaçado, cristal/temporal Sons com “eco” (aliterações): frio/resfriado Sons fortes: trovão, enxurrada, temporal, inundação Sons fechados: trovão, frio, garoa Sons abertos: temporal, telhado, pipoca PASSO 3 – Leitura de poemas Leia alguns poemas em que o ritmo e a sonoridade das palavras sejam marcantes e vá apontando como o poeta conseguiu esse efeito. Por exemplo: • “Os sapos” ou “Belo belo”, de Manuel Bandeira. <http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira01.html#sapos>
Chame a tenção dos alunos para os sons nasais desse poema, assim como a predominância das vogais “o” e “u”, de certa forma reproduzem o coachar da saparia. <http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira01.html#belo2> • “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto. <http://www.revista.agulha.nom.br/joao02.html> Nesse último poema, por exemplo, pode‐se mostrar como os sons nasais dos versos E se encorpando em tela, entre todos, / se erguendo tenda, onde entrem todos, / se entretendendo para todos, [...] passam a ideia de ações que se encadeiam e se prolongam até completarem a ação de tecer a manhã. PASSO 4 – Reescrita
Retomar o poema escrito na aula anterior e reescrevê‐lo, procurando utilizar palavras de um mesmo grupo, para que o poema adquira unidade sonora e ritmo, aliados ao seu sentido.
9 Por exemplo, se o objetivo é retratar a chuva de forma positiva, luminosa, dinâmica, pode‐se incluir no poema as palavras da tabela que se relacionam a essas características (cristal, relâmpago, pingo,
enxurrada). Se, por outro lado, o aluno quiser escrever um poema mais sombrio, pode incluir nessa nova
versão mais palavras relacionadas a essa característica (nuvem, frio, vidro, cobertor, escorregão,
inundação, trovão), mas sempre com foco em imprimir mais ritmo e sonoridade ao poema.
Aula 3
Objetivo: Agora que os alunos já lidaram com dois dos principais aspectos da poesia – a construção de
imagens e a sonoridade –, vamos levá‐los a refletir sobre um terceiro: a concisão.
Como já foi dito anteriormente, citando Ezra Pound, a “grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível” e a poesia “é a mais condensada forma de expressão verbal”. Assim, é esse exercício de condensação, sem deixar de lado a busca pela sonoridade, que vamos propor aos alunos nesta aula. PASSO 1 – Exercício de concisão e ritmo Dar para os alunos um texto do qual eles deverão eliminar tudo o que é “acessório” ou “dispensável” (por exemplo: verbos de ligação, conjunções, redundâncias, exemplos, paráfrases etc.) para transformá‐ lo em um poema. Se achar conveniente, permita que os alunos trabalhem em duplas para que discutam a melhor forma de chegar a um bom resultado. Por exemplo: O texto “Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. [...]” (João do Rio. A alma encantadora da rua.6) Um poema possível de ser feito a partir do texto: A RUA tudo se transforma, tudo varia os séculos passam e deslizam 6
só o amor da rua persiste e fica
Certamente, cada aluno apresentará um resultado diferente para esta atividade. O que vale aqui é o exercício de concisão.
Pode‐se também fazer o caminho inverso. Apresente aos alunos, por exemplo, os primeiros 16 versos do poema “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, que você pode encontrar no link <http://www.jornaldepoesia.jor.br/joao01.html>.
Depois peça para que eles, em duplas, os transformem em prosa. Veja a seguir como pode ser feito.
Antes de solicitar que os alunos transformem o poema em prosa, provoque‐os com as seguintes questões: 1) Qual o sentido das palavras pia, freguesia e sesmaria nesses versos? pia = pia batismal freguesia = agrupamento, povoação que vive próximo a uma paróquia/igreja sesmaria = terreno abandonado, sem cultivo 2) Por que Severino fica tentando encontrar outros nomes para si?
Resposta: Ele está procurando se diferenciar dos outros homens de sua comunidade, mas não consegue. Uma possível transformação do poema em prosa: Meu nome de batismo é Severino e não tenho sobrenome. Severino é o nome de um santo de romaria, por isso há muitas pessoas nesta região com o nome igual ao meu. Então, para não haver confusão, resolveram me chamar de Severino de Maria, que é a minha mãe. Mas aludir ao nome de minha mãe ainda não era suficiente para evitar a confusão, pois há nesta região muitos homens chamados Severino que têm uma mãe chamada Maria. A solução encontrada, então, foi fazer alusão também ao nome de meu pai, Zacarias. Porém, mais uma vez essa tentativa foi frustrada e não evitou que eu fosse confundido com outros homens chamados Severino, pois Zacarias era o nome de um coronel que foi o mais antigo senhor destas paragens, portanto, há muitas pessoas chamadas Severino que são filhos, afilhados ou descendentes dele. Logo, isso também não foi suficiente para evitar que eu fosse confundido com outros homens desta região abandonada. PASSO 2 – Reescrita da produção dos alunos
Pedir aos alunos que releiam o poema escrito na aula anterior, a fim de que eliminem os termos “acessórios” ou trechos “dispensáveis”. Em seguida, que deem o poema para outro colega ler e verificar se consegue condensá‐lo mais ainda sem, obviamente, que o poema perca o sentido.
Veja a seguir um exemplo real de um aluno que se encontra no já citado livro Produção e leitura de
textos no Ensino Fundamental: poema, narrativa, argumentação, de Beatriz Citelli (p. 40).
11 O mar está cheio de ondas de esgoto e por isso caranguejos escondem‐se nos castelos de areia os barcos estão sem rumo, os peixes fugiram e as pessoas também. Reescrita: Mar: ondas de esgoto caranguejos escondem‐se nos castelos de areia. Barcos sem rumo. Os peixes fogem e as pessoas também.
Aula 4
Objetivo: Explicar o que são haicais e fazer com que os alunos se familiarizem com o gênero. PASSO 1 – Explicar brevemente o que é haicai e exemplificar Haicais são poemas curtíssimos, de três versos apenas. São poemas que usam uma linguagem simples, sem palavras rebuscadas, e procuram descrever um momento particular, como se fossem uma fotografia. Os temas dos haicais costumam ser a natureza, um acontecimento fugaz ou a síntese de um conceito. Muitos deles trazem um toque surpreendente de humor no último verso. Os haicais originais não têm rima, mas há autores modernos, ocidentais, que as incluem em seus haicais. Apesar de não terem rimas, os haicais tradicionais obedecem a uma métrica: têm 17 sílabas, divididas preferencialmente em três versos, desta forma: 5, 7, 5 sílabas – mas essa métrica também nem sempre é seguida pelos autores de haicais contemporâneos. PASSO 2 – Ler vários haicais Para exemplificar, imprima em uma folha haicais em número suficiente para que haja pelo menos um haicai para cada aluno da sala. Distribua uma coletânea de haicais para cada aluno. De preferência, leia alguns em voz alta. Muitos haicais podem ser encontrados nos seguintes sites:• <http://www.kakinet.com/caqui/antojap.shtml> (haicais tradicionais)
• <http://www.kakinet.com/caqui/leminsha.htm> (haicais do grande poeta curitibano Paulo Leminski. Vale conferir!)
• <http://seabra.com/haikai/> (seleção de 1.400 haicais de autores diversos)
• <http://www.custodio.net/> (haicais bem‐humorados, escritos pelo cartunista Custódio. Vale conferir!)
• <http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/bibliografia/hai.tropikai/luzes_acesas.htm> (haicais da poetisa Alice Ruiz)
• <http://haicaisequetais.blogspot.com/> (blog com uma coletânea de haicais de Carlos Seabra) • <http://www.kakinet.com/caqui/ipe.shtml> (link para o site do Grêmio Haicai Ipê, grupo de
poetas que se reúne mensalmente para estudar, produzir e apreciar haicais)
Se a escola contar com laboratório de informática, leve os alunos para navegar nesses sites, com a tarefa de escolherem alguns haicais que considerarem mais interessantes.
Ao ler os poemas com os alunos, vá apontando os aspectos que os caracterizam como haicais: uso de linguagem simples; descrição de um momento particular, como se fosse uma fotografia; ênfase em elementos da natureza; algo surpreendente ou de humor no último verso.
PASSO 37
Cada aluno deve escolher um haicai de que mais gostou, transcrevê‐lo para um papel em letras grandes sem se identificar e entregar a folha para o professor, que deverá embaralhá‐los. Os haicais devem, então, ser afixados na parede da sala. O jogo aqui é descobrir qual haicai cada um escolheu.
Para isso, cada aluno deve dizer um sinônimo, ou uma expressão sinônima, de uma palavra‐chave contida no haicai que ele escolheu. Se algum aluno preferir, pode representar a palavra (por desenho ou mímica, por exemplo) sem propriamente dizê‐la. O grupo deve tentar descobrir o haicai escolhido por meio dos sinônimos. Isso permite que os alunos percebam as imagens contidas nos haicais. O objetivo é fazer os alunos lerem vários haicais para se familiarizarem com a forma e refletirem sobre os seus sentidos.
Aula 5
Objetivo: Agora que os alunos já estão mais familiarizados com a linguagem poética e já fizeram
diversos exercícios de concisão, é hora de produzirem haicais. PASSO 1 – Leitura de haicais Retomar a coletânea de haicais ou apresentar novos haicais aos alunos, para sensibilizá‐los novamente para a forma e os temas desse tipo de poesia. 7
Baseado no artigo “Bardos e trovadores”, de Maria Auxiliadora Cunha Grossi, publicado no volume Práticas de leitura e escrita, organizado por Maria Angélica Freire de Carvalho, Rosa Helena Mendonça. Brasília: Ministério da Educação, 2006. Também disponível em <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/grades/salto_ple.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.
13 PASSO 2 – produção de haicais usando uma “fórmula” Como forma de “aquecimento”, para iniciar, pode‐se fornecer aos alunos uma “fórmula” facilitadora de se produzirem haicais: 1º verso: substantivo + termo ou expressão adjetivadora 2º verso: uma ação 3º verso: a revelação da imagem sugerida nos primeiros versos Sem que haja necessidade de se usar metalinguagem, esta atividade é, afinal, uma espécie de exercício de sinédoque (a parte pelo todo), em que o aluno, nos primeiros versos, apresentará partes da imagem que se revelará inteira no último verso. Exemplos: Folhas ao vento Caem na terra úmida Outono que chega Chaleira fervendo Apito ecoa Noites de inverno Cadernos pela mesa Mão na testa Período de provas PASSO 3 – Produção de haicais a partir de um tema dado Para dificultar um pouco a tarefa, pode‐se usar a estratégia comum nos grêmios de haicai: eleger um único tema sobre o qual todos deverão escrever. No nosso caso, pode‐se propor como tema, por exemplo, a sala de aula ou a escola. Peça que agora os alunos tentem se libertar da fórmula do exercício anterior e procurem escrever sobre coisas que lhes alegram ou irritam na escola, sempre procurando “fotografar” um momento específico.
Se achar conveniente, para aumentar um pouco o desafio, peça aos alunos que procurem não exceder o número de sílabas dos haicais tradicionais: 17, divididas aproximadamente desta forma: 1º verso: 7 sílabas; 2º verso: 5 sílabas; 3º verso: 7 sílabas.
Por exemplo: Toca o sinal de saída Silêncio Na boca do professor Barulho na sala Toca o sinal Mas ninguém cala Tristeza no recreio Aquela gata Hoje não veio PASSO 4 – Reescrita do poema inicial
Peça para os alunos retomarem os poemas elaborados no início deste projeto e solicite que tentem transformá‐los em haicais. PASSO 5 – Revisão e reescrita Depois que os haicais estiverem prontos, solicitar que cada aluno entregue o seu a um colega para que este o analise de acordo com os seguintes critérios: • O poema tem apenas três versos? • Fica claro qual foi o momento exato representado no poema? • O último verso tem algo de “revelador” ou surpreendente? • É possível deixá‐lo mais conciso? PASSO 6 – Ilustrar e expor Em casa, os alunos devem escolher suas melhores produções e ilustrá‐las. Para essa ilustração, podem produzir um desenho ou buscar uma imagem em revistas antigas ou internet. O professor deve se encarregar de conseguir espaço para expor os trabalhos para toda a escola.
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