• Nenhum resultado encontrado

O DIREITO DE PROPRIEDADE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O DIREITO DE PROPRIEDADE"

Copied!
225
0
0

Texto

(1)

Rogério Marcus Zakka

O DIREITO DE PROPRIEDADE

(Análise sob a ótica de sua convivência com a função social)

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Rogério Marcus Zakka

O DIREITO DE PROPRIEDADE

(Análise sob a ótica de sua convivência com a função social)

MESTRADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor José Manoel de Arruda Alvim Netto.

(3)

Banca Examinadora:

___________________________________

___________________________________

(4)

pelo suporte de sempre, pelas lições de vida e de princípios.

Aos meus irmãos Michel e Jean, por fazer sempre presente em minha vida, o significado de fraternidade.

À Professora Thereza Alvim, por todas as oportunidades, pelos ensinamentos e pela amizade, que é motivo de alegria e honra.

Ao Professor Arruda Alvim, meu orientador, meu grande incentivador neste mister, sempre cordial e amigo.

Ao Professor Everaldo Augusto Cambler, responsável por minha formação, desde as noções de direito civil, meu grande amigo, mestre e incentivador da vida acadêmica

Ao, igualmente amigo, Professor Francisco José Cahali, sempre receptivo, pela amizade e pelas oportunidades de compartilhar experiências profissioniais e acadêmicas.

(5)

RESUMO

A transição da sociedade moderna, na qual os países capitalistas adotaram o Estado Liberal, para a sociedade contemporânea, em que vigora o Estado Social de Direito marca, uma nova visão do direito, que tem sua premissa no homem, não mais sob uma ótica do indivíduo, mas como integrante da sociedade.

Neste sentido, é que se reconhece uma função social do direito, a exigir uma releitura dos institutos do Direito Privado, no qual se inclui a disciplina do Direito de Propriedade.

A Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 são as primeiras a positivar o princípio da função social, estabelecendo deveres a serem atendidos pelos proprietários, para que a propriedade atenda a uma função social.

Atualmente, o princípio da função social está presente, também, em nosso ordenamento jurídico, assim como a garantia do direito de propriedade permanece consagrada, entre nós, como direito fundamental do cidadão.

A coexistência da garantia do direito de propriedade e do princípio da função social da propriedade pressupõe, a um só tempo, a intervenção do estado para que a propriedade cumpra a sua função social e a para proteger o direito de propriedade. A presente dissertação tem por objetivo o estudo da convivência do princípio da função social da propriedade com o direito de propriedade. Pretende-se, portanto, interpretar o conteúdo do princípio da função social da propriedade e determinar o novo perfil do direito de propriedade.

(6)

The transistion of the modern society, in which the capitalist countries had adopted the Liberal State, for the society contemporary, where it invigorates the Welfare State mark, a new vision of the right, that has its premise in the human being, not more under a optics of the individual, but as integrant of the society. In this direction, it is that a social function of the right is recognized, to demand a new reading of the institutes of the civil law, in which if it includes disciplines it of the Right of Property.

The Constitution of Mexico of 1917 and the Constitution of Weimar of 1919 are the first ones to foresee the principle of the social function, establishing duties to be taken care of for the proprietors, so that the property takes care of to a social function.

Currently, the principle of the social function is present, also, in our legal system, as well as the guarantee of the property right remains consecrated, between us, as right basic of the citizen.

The coexistence of the guarantee of the right of property and the principle of the social function of the property estimates, to one alone time, the intervention of the state so that the property fulfills its function social and to protect the property right.

The present dissertation has for objective the study of the coexistence of the principle of the social function of the property with the property right. It is intended, therefore, to interpret the content of the principle of the social function of the property and to determine the new profile of the property right.

(7)

SUMÁRIO

RESUMO 5

ABSTRACT 6

1. INTRODUÇÃO 8

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO DIREITO DE

PROPRIEDADE 10

2.1. DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE 10

2.1.1. Considerações Preliminares 10

2.1.2. A propriedade no Direito Romano 17

2.1.2.1. Evolução histórica do Direito de Propriedade em Roma 18 2.1.2.2. Conceito, conteúdo e limitações do Direito de Propriedade no Direito

Romano 24

2.2. Direito de propriedade da Idade Média 29

2.3.Direito de Propriedade na Idade Moderna 34

2.4 Direito de Propriedade na Idade Contemporânea 40

3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL 46 3.1. A PROPRIEDADE LUSITANA NA IDADE MÉDIA E AS SESMARIAS COMO ORIGEM

DA PROPRIEDADE NO BRASIL 46

3.2. AS SESMARIAS NO BRASIL 52

3.3. DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL-IMPÉRIO 62

3.4. DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASILREPUBLICANO 73

4. DIREITO DE PROPRIEDADE 89

4.1. TEORIAS JUSTIFICADORAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE 89 4.2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE 92 4.2.1. Abrangência do Direito de Propriedade na Constituição Federal 99

5. DIREITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL 102

5.1. OBJETO DO DIREITO DE PROPRIEDADE 102

5.2. CONTEÚDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE 105

5.2.1. Conteúdo Mínimo do Direito de Propriedade 107

5.3. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE 111

6. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 116

6.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO ELEMENTO ESTRUTURAL INTERNO DO

DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA OPERACIONALIZAÇÃO 116

6.2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO ELEMENTO EXTERNO DO DIREITO DE

PROPRIEDADE E SUA OPERACIONALIZAÇÃO 119

6.3. Abrangência do Princípio da Função Social Quanto aos Bens 121

6.4. Nosso Posicionamento 122

7. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 129

8. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL 138

8.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE 145 8.2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA; CONSTITUIÇÃO FEDERAL E

ESTATUTO DA CIDADE 163

8.2.1. Considerações Gerais 163

8.2.2. O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Urbanísticos para a Efetivação da

Função Social da Propriedade 166

8.2.3. A Usucapião Especial Urbana no Estatuto da Cidade. 177 8.3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL – CONSTITUIÇÃO FEDERAL E

REFORMA AGRÁRIA.

182

9. CONCLUSÃO 187

(8)

O presente trabalho tem por escopo a análise da configuração contemporânea do Direito de Propriedade, bem como a forma como vem absorvendo os valores atuais de sociabilidade, que se consubstanciam, sobretudo, pela idéia de função social da propriedade.

Para tanto, pretende-se abordar, inicialmente, a evolução histórica e social do Direito de Propriedade, a fim de evidenciar as modificações do conteúdo deste direito real matriz no decorrer das sociedades antiga, medieval, moderna e contemporânea, tanto na Europa, quanto no Brasil, para que seja possível compreender as raízes do atual perfil do direito de propriedade.

Após termos nos debruçado sobre a questão histórica, buscaremos discorrer sobre o conceito e a natureza jurídica do Direito de Propriedade, tema que, até em decorrência da própria evolução histórica, tem encontrado solo fértil para os mais variados entendimentos doutrinários.

(9)

Pretende-se abordar o princípio da função social da propriedade. Sob este aspecto pretendemos, num primeiro momento, discorrer sobre os principais entendimentos doutrinários sobre o tema e repercussões no direito de propriedade.

Num segundo momento, buscaremos estabelecer uma correlação entre a função social da propriedade e a função social do contrato, apontando, também, algumas diferenças, sem, contudo, esgotar o tema da função social do contrato, o que demandaria outro trabalho monográfico.

Após o deslinde das questões teóricas, cuidaremos de tecer nossas considerações acerca dos diplomas e normas jurídicas que, nos dias atuais, se prestam a tornar menos vago o conceito de função social da propriedade e a diferenciá-lo, da função social da posse, que também influencia o atual contorno do direito de propriedade.

(10)

HISTÓRICA E SOCIAL DO DIREITO DE

PROPRIEDADE

2.1. DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE

.

2.1.1.

Considerações preliminares

.

Embora a relevância da propriedade para o direito venha a ter maior significado a partir do direito romano, que se insere no período que se convencionou denominar Antiguidade Clássica, não há como se negar que a sua noção surge, mesmo antes do Império Romano.

Muito se discute a respeito da origem da propriedade ter sido privada ou coletiva, nos tempos primitivos, sendo oportuna a síntese das duas posições a respeito, nas palavras de RALPHO WALDO DE BARROS MONTEIRO FILHO1, que

esclarece:

(11)

“Realmente, difícil é descrever com precisão qual foi a forma originária da propriedade. Podemos dividir as opiniões sobre o assunto, basicamente, em duas correntes: (i) a dos socialistas, preocupados em demonstrar a existência inicial de um comunismo de terras e (ii) a dos economistas clássicos, decididos pela configuração primitiva de uma propriedade individual, de caráter absoluto e uniforme”.

Alguns autores têm se posicionado no sentido de que a origem da propriedade teria sido coletiva.

JOSÉ RUBENS COSTA2 sustenta que a propriedade, nos primórdios, era coletiva, em razão de motivos místicos e religiosos, bem como no nomadismo, assim afirmando:

“Nos tempos primitivos, os homens careciam de instrumentos de defesa e bens c.e consumo, o que viria justificar o coletivismo da propriedade imóvel, e, a seu lado, o misticismo reinante traria a explicação do personalismo dos bens móveis.

Os tempos primitivos exigiam do homem um esforço comum para enfrentar e dominar uma natureza hostil. As sociedades eram nômades, os homens viviam da caça e da pesca. Neste estágio, apenas os objetos de uso pessoal eram relevantes ao homem. ”3

2 Síntese Histórica da Propriedade Imóvel. Revista Forense, Volume 259, Editora Forense, Biblioteca Forense Digital 2.0, p. 13.

3 Em sentido semelhante, o posicionamento de Silvio de Salvo Venosa: “Antes da época romana, nas sociedades primitivas, somente existia propriedade para as coisas móveis, exclusivamente para objetos de uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios de caça e pesca. O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder de determinada pessoa.(Direito Civil: Direitos Reais. Editora Atlas, 4º Edição, São Paulo, 2.004, p. 170).

(12)

porque o autor, embora justificando no misticismo e na religião, admite a existência de uma propriedade individual, no que tange aos bens móveis.

Além disso, parece que se o homem, como se afirma, vivia da pesca e da caça, imperioso admitir que adquirisse a propriedade dos animais que pescava ou caçava4.

Por fim, em que pesem as opiniões em contrário, a própria noção de propriedade imóvel, seja esta individual ou coletiva, pressupõe a fixação do homem a terra, o que é incompatível com o nomadismo noticiado pelo doutrinador.

NUMA-DENYS FUSTEL DE COULANGES5 esclarece que “(...). Entre os antigos germanos, de acordo com alguns autores, a terra não pertencia a ninguém; todos os anos a tribo designava a cada um de seus membros um lote para cultivar, lote que era trocado no ano seguinte. (...)”.

direito e sobre o qual ainda não se disse a última palavra. (Curso de Direito Civil, Direito das Coisas, 3º Volume, Editora Saraiva, 34ª Edição, São Paulo, 1998, p. 79.)”

4 É de se salientar que o Código de 1916 regulava a caça e a pesca como modos de aquisição da propriedade e, embora o código em vigor não tenha repetido as normas específicas não se pode negar que se tratam de espécies de ocupação, esta sim, mantida como forma de aquisição da propriedade no Código Civil de 2002.

(13)

Por outro lado, esclarece o referido historiador, na mesma obra, que “O germano era proprietário da colheita, e não da terra. O mesmo acontece ainda em uma parte da raça semítica, e entre alguns povos eslavos”..

Assim, parece-nos que, mesmo que se admita que a propriedade sobre a terra fosse coletiva na Antiga Germânia, não se pode negar a existência de propriedade privada dos frutos dela obtidos, ou, ao menos, a despeito da falta de sistematização, de uma espécie de usufruto individual e temporário.

JOSÉ RODRIGUES ARIMATEA, por sua vez, afirma sobre o mesmo fato que “(...). É no precedente germânico que se aferram os defensores da origem coletiva da propriedade privada que não são poucos. (...). 6”, pensamento que entende ser errôneo, pois juntamente com esta propriedade denominada Mark afirma coexistir “a terra sálica (Sazgut), que era propriedade privada”.

Em que pese a honrável posição daqueles que propugnam pela origem coletiva da propriedade, preferimos adotar o entendimento de que a propriedade nasceu individual, pois, antes mesmo das civilizações Grega e Germânica, o Código de Hamurabi (Babilônia, Século XXI A.C.), embora não tenha se ocupado de positivar um conceito de direito de propriedade, já possuía alguns dispositivos a demonstrar o objetivo de proteger o proprietário. 7

6 O Direito de Propriedade: Limitações e Restrições Públicas. José Rodrigues Arimatea. Lemos & Cruz Livraria e Editora, São Paulo, 2.003, p. 19.

(14)

propriedade privada individual, operacionalizada por meio da concessão de determinados direitos ao proprietário em face daquele que, sem a sua anuência, retira utilidade daquilo que lhe pertence.

Mesmo na sociedade grega, há considerável divergência doutrinária sobre o caráter coletivo ou individual da propriedade.

Aqueles que defendem que a propriedade coletiva predominava, sustentando que a propriedade individual na Antiguidade Grega se limitava aos pequenos objetos de uso pessoal8, se fundamentam nas concepções filosóficas de Platão e Aristóteles, quanto ao tema. O primeiro idealizou o Estado ideal, onde todos viveriam em comunhão permanente, inclusive com a propriedade comum, enquanto o segundo observou a impropriedade da filosofia platônica, no que se referia aos bens móveis de uso pessoal, baseando-se nas diferenças entre a constituição física dos indivíduos.

Noutro extremo, encontramos os doutrinadores que entendem que, na realidade a propriedade era individual, tal como NUMA-DENYS FUSTEL DE COULANGES9, para o qual:

explora a utilidade de seus bens. Esta proteção pode ser percebida, por exemplo, nos artigos 9º, 57 e 59

8 Conforme Silvio de Salvo Venosa na nota 3 supra e Darcy Bessone in Direitos Reais, Editora Saraiva, São Paulo, 1.988, p. 18.

(15)

“(...) as populações da Grécia e das Itália, desde a mais remota antiguidade, sempre conheceram e praticaram a propriedade privada. Nenhuma recordação histórica nos chegou, e de época alguma, que nos revele a terra ter estado em comum; e nada tampouco se encontra que se assemelhe à partilha anual dos campos, tal como esta que se praticou entre os germanos. Há mesmo um fato verdadeiramente digno de destaque. Enquanto as raças que não concedem ao indivíduo a propriedade do solo lhe facultam, ao menos, a dos frutos do seu trabalho, isto é, a colheita, com os gregos sucede o contrário. Em algumas cidades os cidadãos são obrigados a ter em comum as colheitas, ou, pelo menos, a maior parte delas, devendo gastá-las em sociedade; portanto, o indivíduo não nos aparece como absoluto senhor do trigo por ele colhido; mas mercê de notável contradição, já que tem propriedade absoluta do solo. A terra era mais dele do que a colheita. Parece que a concepção do direito de propriedade tinha seguido, entre os gregos, caminho inteiramente oposto àquele que se afigura como o mais natural. Não se aplicou primeiro à colheita e depois ao solo. Seguiu-se a ordem inversa”.

Outra justificativa para o entendimento de que a origem da propriedade é privada reside no fato de que a propriedade era concedida aos pater famílias, idéia refutada pelos defensores do nascimento coletivo do instituto, sob o argumento de que o uso da terra era comum, porque exercido pela sua família.

Neste particular, cabe esclarecer que o referido uso era exercido sob a incontestável autoridade do pater família, sendo oportuna, a lição de LUIZ DA CUNHA GONÇALVES10, que assim se manifesta acerca da questão:

(16)

todos os entes humanos; em cada país eram dela excluídos os estrangeiros, os escravos e os membros da família, mulheres e filhos, que eram eles próprios objeto da propriedade do chefe ou

pater família”.

Na Grécia Antiga, a posse da terra era negada aos estrangeiros, pois estava ligada à idéia de cidadania, o que também se extrai do entendimento de outros autores, de onde se extrai que somente cidadãos podiam possuir terras11 e aquele

que vendesse suas terras perdia os direitos de cidadão grego12.

A preocupação com a proteção das polis contra a invasão estrangeira, também contribuiu, sobretudo em Esparta, para a concepção de propriedade indivisível.

Além disso, há forte influência da religião, fundada, principalmente, na crença de imortalidade da alma dos ancestrais mortos, que eram cultuados como verdadeiras divindades pelos familiares, ensejando uma íntima ligação entre propriedade, religião e família, a tal ponto que era impossível que a família se desligasse da terra sem abandonar a religião, que antes professava.

(17)

PRISCILA FERREIRA BLANC13 esclarece que, na história da Grécia, a

morte não significava o fim de uma existência, mas sim uma mudança de vida, explicando que:

“Dessa crença, vem o costume da necessidade da sepultura como forma de fixar a alma à morada subterrânea; nesta época as sepulturas sempre se localizavam dentro do terreno da própria casa. (...).

Os mortos eram considerados entes sagrados e venerados pela família como verdadeiros deuses. Para essa veneração cada casa obrigatoriamente construía um altar (...).

O altar devia estar assentado sobre o solo e, uma vez colocado, nunca mais deveria mudar de local. O deus daquela família instala-se naquele altar não por um período curto de tempo, mas para sempre, enquanto restar alguém daquela família. (...). A família que obrigatoriamente se agrupa em redor do altar fixa-se também ao solo”.

Vê-se, pois, que a propriedade, na Grécia era sagrada, de modo que a sua garantia não decorria da proteção legal, mas de seu fundamento na religião.

De qualquer forma, parece-nos que, assim como ocorria na Babilônia, na Grécia, ainda não havia uma conceituação e sistematização da propriedade como direito exclusivo.

(18)

Mesmo na Roma Antiga, há quem defenda que a propriedade era coletiva, com base na exploração da terra pela família e em seu benefício.

Entretanto, há que se ter em mente, que referidas famílias se estruturavam em torno da figura dos pater famílias, aos quais se outorgava uma série de poderes ligados à apropriação de bens e à direção da família famílias..

Neste sentido, afasta-se o entendimento de que a propriedade era coletiva, porque, tomando emprestado o entendimento já transcrito de LUIZ DA CUNHA GONÇALVES14, pode-se concluir que, na Antiguidade Romana, eram excluídos da

propriedade “os membros da família, mulheres e filhos, que eram eles próprios objeto da propriedade do chefe ou pater família”.

No mesmo sentido, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA15 esclarece que “somente o pater adquiria bens, exercendo a domenica potestas (poder sobre o patrimônio familiar) ao lado e como conseqüência da pátria potestas (poder sobre a pessoa dos filhos) e da manus (poder sobre a mulher)”.

A nosso ver, portanto, a propriedade em Roma nasceu privada (e assim se consolidou), conforme se constata pela evolução histórica do instituto no Direito Romano, tratada a seguir.

14 Op. Cit., p. 181.

(19)

2.1.2.1. Evolução histórica do Direito de Propriedade em

Roma.

No curso evolutivo da história romana, é possível identificar quatro modalidades ou espécies de propriedade, a saber: a quiritária (ex jure quiritum), a pretoriana ou bonitária (in bonis), a peregrina (ex jure gentium) e a provincial.

No período pré-clássico, existia apenas a propriedade nacional quiritária, que era adquirida, exclusivamente, pelos quirites (cidadãos romanos), por meio da mancipatio, no que se refere aos bens imóveis (res mancipi) e pela traditio, no que tange aos móveis (res nec mancipi). Essa espécie de propriedade era garantida pela rei vindicatio, ou seja, pela ação real de que se podia valer o proprietário, para reaver a coisa16.

No pré-clássico, posteriormente à mancipatio e à traditio, surge, ainda, um terceiro modo derivado de aquisição da propriedade, aplicável tanto para bens móveis, quanto para bens imóveis, denominado in jure cessio, que consistia numa cessão da propriedade em juízo, ou seja, no âmbito de uma ação reivindicatória fictícia17, conforme ensinamento do professor JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES18, que a seguir transcrevemos:

(20)

“Embora haja muita controvérsia a respeito, a maioria dos romanistas julga que a in iure cessio surgiu depois da mancipatio.

Como a própria denominação (in iure cessio) indica, trata-se de modo de aquisição da propriedade que se desenrola diante do magistrado. Segundo Gaio (Inst., II, 24) - no que é corroborado por Ulpiano (Liher singularis regularum, XIX, 9 e 10) -, a in iure cessio

consiste num processo fictício de reivindicação: o adquirente, diante do magistrado, reivindica a coisa que deseja adquirir; dada a palavra ao alienante, ele não contesta a reivindicação feita pelo adquirente; diante dessa confissão simulada, o pretor adjudica a coisa ao adquirente, que, dessa forma, se torna proprietário ex iure Quiritium”.

No entanto, já na época clássica, situações surgiram em que o titular do domínio, vendia a terra, mas sem a prática do ato formal (mancipatio), de forma que, em razão de um vício formal, o adquirente, embora possuidor, não podia ser reconhecido como proprietário pelo direito civil, exceto pela usucapião.

Nestas situações, até o transcurso de tempo para a usucapião, o proprietário quiritário, ou um terceiro adquirente, caso o proprietário alienasse, por mancipatio ou in iure cessio, o imóvel novamente, poderiam reivindicar o bem, o que resultava numa situação de iniqüidade fática.

No sentido de conferir proteção ao comprador, impedindo a restituição do imóvel ao vendedor e garantindo o uso ao adquirente, enquanto não preenchido o

define o instituto: “Além da mancipatio, outro modo convencional e solene de transferência da propriedade é a ‘cessio in jure’ ou ‘in jure cessio’ – abandono do objeto diante do juiz. (Curso de Direito Romano, 30a Edição, Editora forense, 2007, Biblioteca Forense Digital 2.0, p. 182)”.

(21)

requisito temporal para a usucapião, a jurisprudência criou um meio de defesa, que conduzia ao reconhecimento da chamada propriedade pretoriana ou bonitária do comprador.

Entretanto, poderia ocorrer que aquele que adquiriu o bem com vício formal perdesse a posse para o alienante ou para terceiro, o que ensejou que, além do instrumento de defesa, os pretores conferissem ao proprietário bonitário, uma outra ação para a recuperação da posse perdida.

Uma vez mais, esclarecendo a questão, socorre-nos JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES: 19-20

“A propriedade bonitária ou pretoriana (os textos romanos ao se referirem a ela empregaram as expressões in bonis esse ou in bonis habere) surgiu quando o pretor passou a proteger a pessoa que, comprando uma res mancipi, a recebia do vendedor por meio da simples traditio. Ora, a propriedade quiritária da res mancipi só se adquiria com a utilização de uma das formas solenes de aquisição da propriedade: a mancipatio ou a in iure cessio. Assim, a traditio não transferia ao comprador o domínio ex iure Quiritium sobre a res mancipi, e, em decorrência disso, o vendedor continuava a ter a propriedade quiritária sobre a coisa, podendo reivindicá-la do comprador. Essa situação era, sem dúvida, iníqua para este”.

19 Op. Cit., Biblioteca Forense Digital 2.0, p. 158.

20 No mesmo sentido, discorre MAX KASER, em vários trechos, na obra Direito Privado Romano, Editora Fundação “Calouste Gubenkian”, Lisboa, 1999: “Se o alienante, que fez simples traditio da sua res mancipi e assim continuou a ser proprietário quiritário, reclamar posteriormente a coisa mediante a rei vindicatio, o pretor concede ao adquirente demandado uma excepção, a exceptio rei venditae et traditae ou a exceptio doli. O pretor torna-o assim mais forte do que o proprietário quiritário. (p. 139)”,

(22)

com a exceção que se referia à venda e à entrega da res mancipi.

Tal proteção, no entanto, não tornava o comprador proprietário quiritário da res mancipi, o que só se verificava quando decorria o lapso de tempo necessário para que o comprador adquirisse a propriedade quiritária por usucapião (no direito clássico, um ano para as coisas móveis; e dois, para as imóveis). Enquanto não ocorria o usucapião, havia duas espécies de propriedade sobre a coisa: a quiritária (que era a do vendedor, que, no entanto, não podia utilizar-se da coisa nem obter sua restituição por meio da rei uindicatio) e a bonitária ou pretoriana (que era a do comprador, que usava da coisa, e que se defendia do vendedor, se preciso, mediante a exceptio rei uenditae et traditae).

Mas essa proteção só não bastava. Com ela, o comprador se defendia apenas do vendedor ou de terceiro a quem este tornasse a alienar a coisa, transferindo-a pela mancipatio ou pela in iure cessio.

E isso somente enquanto o comprador estivesse na posse da coisa. Ora, outra situação poderia ocorrer: o comprador perder a posse da coisa, que passaria para as mãos ou do próprio vendedor ou de terceiro. Nesse caso, o comprador ficava desprotegido, pois a

exceptio rei uenditae et traditae era apenas uma arma de defesa, e não de ataque, para a recuperação da posse da coisa. Essa situação foi sanada por um pretor de nome Publício, que criou, no seu edito, a

actio publiciana, que era uma ação fictícia, porque na sua fórmula se considerava, por ficção, como já tendo o proprietário pretoriano adquirido, por usucapião, o domínio quiritário. Com o emprego dessa ficção, podia ele reinvidicar a coisa, ou do próprio vendedor, ou de terceiro”.

A propriedade provincial, ao contrário da propriedade quiritária, não recaía sobre os solos itálicos ou romanos, mas sim sobre terras situadas nas províncias, que pertenciam ao príncipe ou ao povo romano21.

(23)

Com a expansão do império, o Estado Romano, com o propósito de tornar produtivas, as terras provinciais, obtidas pela guerra, deferia aos particulares, mediante pagamento22 de certa quantia, o direito de se estabelecerem nas terras provinciais para o cultivo da terra.

Vale ressaltar que, ao que parece, a propriedade provincial tinha caráter iminentemente econômico, pois, juridicamente, pertenciam ao Estado Romano ou ao povo romano, sendo que os particulares detinham a posse e direitos de uso, gozo e fruição, transmissíveis e protegidos por meio da ação real (actio in rem).

Sobre esta questão, ressaltamos o ensinamento de JOSÉ CRETELLA JUNIOR23-24:

“(...). O direito que os ocupantes da propriedade provincial têm sobre as terras é, economicamente, uma propriedade, mas juridicamente não se emprega essa denominação. Os jurisconsultos da época clássica falam em usus, fructus, possessio ou dizem possidere, habere, frui, licere. O direito dos particulares vai ao ponto de poderem alienar tais bens por simples tradição”.

A propriedade peregrina, por sua vez, teve por finalidade, permitir que o Estado garantisse aos estrangeiros, a proteção de seus bens contra terceiros. Tal

22 Consoante José Carlos Moreira Alves, o pagamento exigido era denominado “stipendium (para o povo romano, se província senatorial) ou tributum (para o príncipe, se província imperial)”. (Op. Cit., Biblioteca Forense Digital 2.0, p. 158).

(24)

Entretanto, o fundamento desta espécie de propriedade era o direito das gentes (jus gentium), uma vez que a propriedade baseada no jus civile romano, só poderia ser deferida aos cidadãos romanos25.

No período pós-clássico, precisamente com Justiniano, ocorreu uma unificação das diversas modalidades proprietárias, porque não mais se justificava a mantença das formas solenes de aquisição da propriedade quiritária, bastando a traditio para a sua transmissão.

As causas de extinção das várias espécies de propriedade e da unificação do dominium ocorreram, sobretudo, em razão da extensão da cidadania romana a todos os habitantes do império e da cobrança generalizada de impostos sobre os imóveis, conforme JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES26 aponta:

“As causas que deram margem a essa unificação - com o conseqüente desaparecimento das várias espécies de propriedade do direito clássico - foram as seguintes:

24 No mesmo sentido: Édouard Cuq, MANOEL des Institutions Juridiques des Romains, Paris, Librairie Plon Imprimeurs-Éditeurs, 1928, n. 5, p. 250-251.

25 Segundo J. Cretella Junior: “A propriedade peregrina é aquela em que o proprietário não tem o

dominim ex jure quiritium por ser peregrino, isto é, estrangeiro, No entanto, ele tem um dominium

(25)

a) a propriedade peregrina praticamente desapareceu quando Caracala, em 212 d.C., estendeu a cidadania romana a quase todos os habitantes do Império Romano;

b) a propriedade provincial deixou de existir quando o imperador Dioclesiano (285 a 305 d.C.) estendeu os impostos aos imóveis que até então gozavam de isenção por terem o jus ltalicum (o que lhes fazia suscetíveis de propriedade quiritária): e, a partir desse momento, o imposto não mais significava que o Estado é o proprietário do imóvel e o particular apenas possuidor dele, mas, sim, que se trata de contribuição que todos têm de prestar ao Estado para este fazer face às suas despesas; e,

c) o desaparecimento das formas solenes de aquisição da propriedade quiritária (mancipatio e in jure cessio) e a fusão do ius civile com o ius honorarium, resultando de ambos esses fatos a extinção da propriedade pretoriana”.

Também contribuíram para a unificação aqui tratadas o agravamento das limitações ao direito de propriedade nos períodos pré-clássico e clássico, bem como a criação de novas limitações, que serão abordadas adiante, com mais vagar.

O sistema proprietário romano, embora já enfraquecido na última fase do império, em razão da concentração da propriedade nas mãos de poucos proprietários, sofreu, de fato, ruptura, com a invasão dos povos bárbaros.

2.1.2.2. Conceito, conteúdo e limitações do direito de

propriedade no Direito Romano.

(26)

Nos fragmentos dos diversos escritos romanos, em especial nos escritos de Gaio, já se podia encontrar uma distinção, realizada na sociedade romana, no plano do direito processual, entre as ações reais (actio in rem) para a defesa dos poderes de senhorio sobre as coisas e as ações pessoais para a defesa em face da conduta de uma pessoa (actio in personam). Esta distinção serviu de ponto de partida, para que os romanistas do período medieval formulassem a distinção entre os direitos reais e os direitos pessoais.

Também coube aos comentadores suprir a omissão dos romanos em, expressamente definir o direito de propriedade, a partir do conjunto de prerrogativas do proprietário que se podia extrair dos escritos romanos, quais sejam: o jus utendi (faculdade do proprietário de utilizar o bem para a satisfação de suas necessidades), o jus fruendi (faculdade do proprietário de fruir, ou seja, de perceber ou aproveitar os frutos e produtos produzidos pelo bem, tais como aluguéis e colheitas) e o jus abutendi (faculdade conferida ao proprietário de, além de usar, livremente dispor da coisa).

(27)

natural do proprietário de fazer o que bem entendesse com a coisa, exceto o que lhe fosse vedado pela lei ou pela força27.

No período Pré-Clássico, após mais de uma década de reivindicações dos plebeus por igualdade de direitos e, sobretudo, pela maior publicidade das leis, até então guardadas em segredos pelos patrícios, por volta dos anos de 451 e 450 a.C., foi promulgada a Lei das XII Tábuas, como primeira compilação de leis, trazendo em seu bojo as primeiras limitações ao direito de propriedade.

Segundo Giuseppe Cugusi28, as limitações, desde então, estabelecidas poderiam ser classificadas em limitações de ordem pública e limitações em favor dos particulares.

Ao que parece, a conclusão do autor italiano, quanto à classificação das limitações do direito de propriedade, estabelecidas no Direito Romano, é acertada, sobretudo, se analisar as limitações, segundo elenco apresentado por JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES29, separadas em razão dos períodos de evolução do

Direito Romano.

Segundo o referido jurista, as limitações estabelecidas desde a Lei das XII tábuas até o final do período clássico em 285 d.C. são as seguintes:

27 Ibidem, p.311.

(28)

(no campo), com cinco pés de largura;

b) o dono de um terreno deve permitir que os galhos das árvores do vizinho se projetem sobre o seu imóvel à altura não inferior a quinze pés (se isso não ocorrer, pode exigir que se cortem os galhos que estão a menos de quinze pés, e, em se recusando o vizinho, ele mesmo cortá-los);

c) o proprietário de um terreno pode entrar, dia sim, dia não (tertio quoque die),no imóvel do vizinho para recolher os frutos caídos de

suas árvores;

d) é o proprietário obrigado a manter conservada a estrada que confina com seu imóvel, sob pena de ter de permitir a passagem, inclusive de animais, pelo seu terreno;

e) o proprietário de um imóvel que seja o único meio de acesso a local onde se encontra um sepulcro deve permitir a passagem (iter ad sepulchrum), pelo seu terreno, das pessoas que para ali se dirijam;

f) o dono do imóvel superior não pode fazer obras que provoquem invasão - portanto, immissio superior à normal -, no terreno inferior, das águas que correm de um para o outro, sob pena de o proprietário deste mover contra ele, para obter a demolição das obras, a actio aquae pluuiae arcendae;nem o dono do imóvel inferior pode impedir a entrada natural das águas que vêm do terreno superior;

g) o proprietário de imóvel cortado por rio público está obrigado a permitir que qualquer pessoa se utilize das margens para passagem de barco ou para ancorá-lo;

h) senatus-consultos dos dois primeiros séculos d.C. proíbem, para que as cidades não se enfeiem com ruínas, a demolição de casas com o fito de venda do material de construção; (clássico);

i) o proprietário de uma trave não pode - para que se evitem demolições - retomá-la, se empregada em construção de outrem, a não ser depois de a construção ser posta abaixo; a jurisprudência estendeu a proibição a todo material destinado a obras;

(29)

l) não pode o dono de um imóvel, localizado dentro de uma cidade, sepultar, aí, mortos; e, fora dela, não pode até uma distância de sessenta pés de qualquer edifício;

m) nas províncias, a propriedade - quer mobiliária, quer imobiliária - é sujeita a uma série de limitações impostas no interesse da administração pública; assim, por exemplo, os móveis (alimentos, animais, veículos) podem ser requisitados pelo Estado, e os imóveis estão sujeitos ao ônus de alojar tropas; e,

n) uma constituição imperial de Antônio Pio estabeleceu que o dono que maltratasse um escravo estaria obrigado a vendê-lo. 30

Em complemento, JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, após esclarecer que, no período pós-clássico, houve um agravamento das limitações anteriormente existentes, aponta as novas restrições impostas ao direito de propriedade, que ora reproduzimos:

“a) enquanto, no período clássico, as minas pertencem ao proprietário do terreno, onde se encontram, no pós-clássico ele está

30 Segundo José Cretella Junior constituíam fontes do Direito Romano, no Alto Império, o costume, a

lei, os senatosconsultos, os editos dos magistrados, as constituições imperiais e as respostas dos prudentes.(Op. Cit., Biblioteca Forense Digital 2.0, p. 54).

No elenco de limitações referidas por José Carlos Moreira Alves, há referências a senatus-consultos e a constituições imperiais, de modo que é importante esclarecer em que consistem.

Segundo Thomas Marky:

Os senatus-consultos (senatusconsulta) eram, juntamente com o costume, a lei, eram deliberações do senado, cuja função legiferante foi somente reconhecida no início do Principado (27 a.C. - 284 d.C.). Na República, os senatus-consultos eram deliberações do senado, dirigidas mormente aos magistrados. No Principado, eram propostos pelos imperadores e, no início, consistiam, também, em instruções aos magistrados sobre o exercício de suas funções. Mais tarde, a partir do imperador Adriano (117 - 138 d.C.), passou-se a aprovar simplesmente, por aclamação, a proposta do imperador (oratio principis), transformando-se, destarte, o senatus-consulto numa forma indireta de legislação imperial.

(30)

b) aumentam as limitações no que diz respeito a construções nas cidades (por exemplo: uma não pode distar da outra menos de 12 pés; e de 15, se se tratar de edifício público; 100 pés é a altura máxima dos edifícios);

c) no direito justinianeu, a matéria relativa a águas que correm do terreno superior para o inferior sofre modificações; proíbe-se que o proprietário do imóvel superior faça construções que impeçam, além dos limites de sua necessidade de água, que ela flua para o terreno inferior, ou que se utilize da água em medida superior à das necessidades do imóvel;

d) o proprietário que não cultiva seu terreno perde a propriedade sobre ele em favor de quem o cultivou por mais de dois anos;

e) por motivos de ordem pública ou privada, surgem várias normas que impedem que se alienem certas coisas;

f) o proprietário de um imóvel não pode levantar construção que impeça que o vento atinja o terreno vizinho”.

Por fim, resta salientar, ainda com apoio da doutrina de JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES que é também no período pós-clássico que se disciplina, no âmbito do Direito Romano, a desapropriação por utilidade pública, mediante indenização.

(31)

Inicialmente, é oportuno transcrever, a doutrina de JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO31, acerca dos tipos de propriedade existentes no regime feudal, vigente durante a Idade Média:

“No período feudal conceberam-se várias formas de propriedade: 1ª) A propriedade comunal, que basicamente se constituía em uma propriedade comum, designada, em alemão, pelo termo Mark, sendo proprietária a tribo, com o uso e gozo para os seus membros.

2ª) A propriedade alodial, que se assemelha à propriedade livre, assimilável à que hoje concebemos como configuradora do perfil do direito de propriedade contemporâneo, caracterizando-se pela possibilidade de alienação por parte daquele que era proprietário e que fazia a terra produzir.

3ª) A propriedade beneficiária, que era cedida por reis ou nobres, para que fosse explorada pelo plebeu; àquele que explorava a terra concedia-se o domínio direto ou útil, mas não a possibilidade de disposição.

4ª) A propriedade censual, que cabia àquele que explorasse a terra e a fizesse produzir, desde que pagasse um “cânon” a alguém (que, sob a ótica moderna, seria o verdadeiro proprietário).

5ª) A propriedade servil era deferida aos servos, só enquanto ligados à gleba o que marcou, pois, a concepção da propriedade, na época medieval, e o que podemos verificar desta breve exposição, foi a existência constante de dualidade de sujeitos”.

(32)

da propriedade, sobretudo, em razão de sua organização social estratificada e baseada nas relações de dependência pessoal entre os homens, fundada na propriedade da terra.

Segundo ensina LAFFAYETTE RODRIGUES PEREIRA32, o sistema feudal

é produto do enfraquecimento dos povos conquistados, em fusão com os conquistadores, sendo que as alterações no regime proprietário, foram conseqüências naturais da necessidade de apoiar no solo a dominação dos senhores sobre as populações.

A utilização da terra como instrumento de dominação, de certo modo, decorreu da própria concepção de propriedade dos povos bárbaros, sobretudo, os germânicos, que não concebiam a propriedade como direito exclusivo, mas sim como relação de gozo pertinente à coisa, a possibilitar, como de fato ocorreu, a fragmentação do direito de propriedade em tantas relações de gozo quanto possíveis. 33

Vale transcrever, o que escreve PAOLO GROSSI34, em relação a esta fragmentação do direito de propriedade:

(33)

“A propriedade medieval é uma entidade complexa e composta, tanto que parece até mesmo indevido o uso daquele singular: tantos poderes autônomos e imediatos sobre a coisa, diversos em qualidade segundo as dimensões da coisa que os provocou e legitimou, cada um dos quais encarna um conteúdo proprietário, um domínio (o útil e o direto), e cujo feixe compreensivo reunido por acaso em um só sujeito pode fazer dele o titular da propriedade sobre a coisa. Fique bem claro que essa propriedade não é porém uma propriedade monolítica, a sua unidade é ocasional e precária, e cada fração leva em si a tensão a tornar-se autônoma e a força para realizar o desmembramento; (...)”.

Segundo os historiadores, em troca de proteção contra invasões, a alta nobreza, composta pelos antigos proprietários, confiava o domínio eminente de suas terras ao soberano, jurando-lhe fidelidade, subordinação pessoal e prestação de serviços. Em troca recebia o benefício, que, em regra, era a preservação da titularidade do domínio útil sobre os feudos, bem como o poder político, consubstanciado pelo direito de comandar, punir, aplicar a justiça e cobrar impostos sobre a população local35.

Os senhores feudais, que haviam recebido feudos, diretamente, do soberano, sendo seus vassalos diretos, como titulares de poder político sobre suas terras, podiam dispor de parte destas em favor de nobres de menor escalão, o que em regra ocorria mediante pagamento do Cânon, razão pela qual se formaram hierarquias regionais de suserania e vassalagem.

(34)

que cultivavam a terra, em troca de alimento, roupa e moradia.

A fragmentação do direito de propriedade e as relações de dependência entre senhores, vassalos e servos, constituíram importantes instrumentos de dominação, uma vez que criaram uma hierarquia dos direitos sobre a terra, como forma de manutenção da sociedade estamental.

Essa hierarquização aparece de forma clara na lição de JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO, ao esclarecer que:

“A transmissão de propriedade por herança se dava de senhor a senhor, e de proprietário beneficiário a proprietário beneficiário, pois a sociedade era marcadamente estratificada, composta por classes sociais nitidamente segmentadas. O direito das sucessões “realiza-se” confinadamente dentro de uma classe social, em relação a bens e coisas com significação econômica. Assim, por herança, um servo da gleba não poderia tornar-se senhor. Dificilmente, aliás, poderia sair desta condição, exceto por dois caminhos: o do clero e o das armas. (...) “. 36

Portanto, é possível concluir que a sociedade feudal se fundamentava em quatro pilares essenciais, ou melhor, caracterizou-se por quatro elementos básicos, a saber: as relações de dependência pessoal entre os indivíduos, o

(35)

desmembramento do direito de propriedade, a hierarquia dos direitos sobre a terra em razão dos citados laços de dependência e o poder político, descentralizado e regionalmente hierarquizado. 37

Segundo PAOLO GROSSI, em conferência proferida em Siena, no ano de 1985, no âmbito do Congresso Nacional da Sociedade Italiana de História do Direito, o desmembramento do direito de propriedade revela uma concepção do instituto, que não se centraliza no sujeito e suas volições, mas predominantemente na coisa, ou melhor, na terra e nas formas organizativas de seu cultivo.

Desta sorte, vigora um princípio de efetividade econômica, segundo o qual se reconhecem formas de propriedade, a partir da normativização de situações fáticas exteriorizadas, repletas de conteúdos econômicos, que se sobrepõem à titularidade, como vínculo formal e exclusivo, que conduzem PAOLO GROSSI38 a qualificar a sociedade medieval, como civilização “possessória”, conforme se pode constatar nas passagens que reproduzimos:

“A alta idade média é uma grande civilização possessória, em que o adjetivo possessório deve ser entendido não em sentido romanístico, mas na sua acepção finziana de conotação de um mundo de fatos

37 Nesse sentido socorre-nos François Louis Ganshof: , “Era uma sociedade cujos caracteres determinantes são um desenvolvimento, levado até muito longe, dos laços de dependência de homem para homem, com uma classe de guerreiros especializados a ocupar os escalões superiores dessa hierarquia; um parcelamento máximo do direito de propriedade; uma hierarquia dos direitos sobre a terra provenientes desse parcelamento e correspondendo à hierarquia dos laços de depen-dência pessoal a que se acaba de fazer referência; um parcelamento do poder público, criando, em cada região, uma hierarquia de instâncias autônomas que exercem, no seu próprio interesse, poderes normalmente atribuídos ao Estado e, em épocas anteriores, quase sempre da efetiva competência des-te.Que é o Feudalismo? 4ª Edição, Editora Europa-América, 1968, p. 9

(36)

dominium e tampouco nos dominia, mas em múltiplas posições de efetividade econômica sobre o bem.

É o reino da efetividade, enquanto desaparece o velho ideal clássico da validade, isto é, da correspondência com modelos e tipos. Não arquiteturas e formas sapientemente pré-constituídas, mas um brotar desordenado e vivo de situações rústicas, não filtradas por nenhuma peneira cultural, que se impõe com base em fatos primordiais que são a aparência, o exercício, o gozo. E, no centro do ordenamento e das suas atenções, não mais o sujeito com as próprias volições e presunções, mas a coisa com as suas naturais regras secretas, força que impressiona toda forma jurídica, aliás, constitutiva de toda forma jurídica”.

É nítida, pois, que se está diante de um direito de propriedade, impregnado por um princípio de operabilidade, que decorre da já mencionada fragmentação da propriedade, atribuindo domínio (útil) àquele que, não sendo formalmente proprietário, exerce poderes sobre a coisa, fazendo-a produzir.

Neste contexto de legitimação de domínio útil em razão do exercício e gozo desvinculados do domínio decorrente da titularidade formal, conforme esclarece PAOLO GROSSI39, tem lugar a discussão sobre um conteúdo mínimo da propriedade, que não se mostra tão relevante na Idade Moderna, mas parece ser pertinente nos dias de hoje, como adiante defenderemos.

Essa concepção medieval de propriedade, centrada na dominação efetiva da terra como forma de manutenção dos laços pessoais de subordinação entre os

(37)

senhores e os vassalos e/ou servos, como fonte do poder político40, sucumbe com o

surgimento e crescimento da burguesia, das ideologias individualistas e, sobretudo, com o trabalho doutrinário dos pandectistas na Idade Moderna.

2.3. DIREITO DE PROPRIEDADE NA IDADE MODERNA.

À margem da sociedade feudalista voltada à subsistência, desenvolveu-se um processo de produção de riquezas, voltado para o mercado, impulsionado, inicialmente, pelas relações de troca e, posteriormente, pela compra e venda de bens, que proporcionaram a acumulação de riquezas pela burguesia.

Os laços de dependência típicos do medievo, que constituíam o principal instrumento de manutenção da sociedade estamental, retiravam do indivíduo a autonomia, não permitindo, destarte, a expansão da economia de mercado, em razão da limitação dos agentes econômicos.

O desmembramento do direito de propriedade e a hierarquização dos direitos sobre a terra impediam a consolidação dos poderes proprietários nas mãos do indivíduo, excluindo ou, ao menos, dificultando a circulação dos bens imóveis, por meio da venda e compra.

A pulverização do poder político na sociedade medieval não conferia a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento adequado das atividades

(38)

Mister se fazia a eliminação da pluralidade jurídica reinante, tanto no que se refere às fontes do direito, quanto no que tange a sua interpretação, finalidade que só se poderia atingir por meio da centralização do Poder Estatal e do direito, garantindo-se, ao mesmo tempo, a liberdade e igualdade entre os indivíduos.

A segurança jurídica, no Estado Liberal, se concretiza, sobretudo, com a consagração dos princípios da separação entre os poderes do Estado.

A separação dos poderes garante a cisão entre os momentos da elaboração da lei e de sua aplicação. Em razão da primazia da lei, como única fonte autorizada a emitir comandos normativos, ao aplicá-la ao caso concreto, o julgador estava obrigado a se limitar à literalidade do texto.

A liberdade decorre da separação, entre as esferas, pública e privada, assentada na atribuição ao indivíduo de direitos fundamentais, oponíveis a todos, mas, inclusive e principalmente, ao Estado. Esses direitos subjetivos, portanto, constituem, na sociedade liberal, garantia da liberdade de iniciativa (autonomia privada) e, também garantia de liberdade do homem perante o Estado.

(39)

uma igualdade formal que resulta da possibilidade, que a lei confere a todos os indivíduos, de ser titular de direito. 41

As modificações política, social e jurídica privilegiaram a autonomia privada, na exata medida em que todos os indivíduos eram formalmente iguais, já que podiam contratar e livres, pois tinham autonomia para decidir por celebrar ou não um contrato e, naquela hipótese, sobre o que contratar.

Se, por um lado, a autonomia privada era necessária para garantir o acesso e a livre circulação dos bens, por outro, não era suficiente para garantir a segurança jurídica necessária, para assegurar a exclusividade dos poderes proprietários e afastar interferências alheias na liberdade de exercício do direito de propriedade.

Neste sentido, ensina o JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO42, com

as seguintes palavras:

“Com a Revolução Francesa, a liberdade idealizada, praticamente absoluta, e que veio a ser largamente pregada e concretizada, no campo do direito obrigacional, servia à burguesia, para o fim de lhe proporcionar condições ideais ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades, isto é, ao lado da assunção do poder político, criar as condições necessárias à expansão de sua riqueza. No campo do direito das coisas, igualmente servindo aos interesses da burguesia, a enfatizada estrutura rígida desse direito veio a proporcionar segurança ao "novo" proprietário, personagem social, em grande escala coincidente com o burguês. Isto é, se constitui, tal sistema rígido, informador do direito das coisas, um repositório de segurança, onde tal classe social podia alojar e manter o patrimônio de que era

(40)

Assim, com a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a propriedade ganha o status de direito inviolável e sagrado, do qual o titular não poderia ser privado, senão em situações excepcionais de comprovada necessidade pública, mediante correspondente indenização.

A ruptura da propriedade medieval, centrada na coisa e ligada ao mundo fenomênico exterior ao sujeito, impunha uma modificação de concepção, razão porque a propriedade moderna busca sua identificação no interior do próprio sujeito, sendo, pois, compreendida como instrumento da soberania do homem sobre a coisa.

É neste sentido de vínculo com a unicidade do sujeito, que, sem negar a exclusividade e o absolutismo da propriedade moderna, PAOLO GROSSI esclarece que “(...) o moderno da propriedade está todo no descobrimento da sua simplicidade”, que “não é um dado exterior, não é quantidade, mas qualidade essencial” 43.

Outro traço tipificador da propriedade moderna, segundo este mesmo autor, é a abstração, na medida em que não necessita de fatos externos, salvo para manifestar-se sensivelmente, ou, em outros termos, constitui “uma relação pura, não aviltada pelos fatos, mesmo que normalmente disponível aos fatos, em virtude da

(41)

carga de extroversão que lhe é própria, sem referência ao conteúdo, perfeitamente congenial àquele indivíduo abstrato.44“.

Conclui, a nosso ver, acertadamente, PAOLO GROSSI45 que a simplicidade e a abstração não constituem feições juridicamente pouco relevantes, mas sim “as únicas que são inerentes à estrutura do direito e nos fornecem uma análise interna”.

Nesse panorama, surge o fenômeno da codificação, que, como instrumento necessário à unificação de fontes e à juridicização ideológica da autonomia privada no âmbito dos contratos e da estrutura rígida no direito das coisas, consolida toda a ordenação das liberdades no âmbito civil.

A primeira positivação da propriedade moderna, como direito subjetivo, individual e privado, ocorre, no Code de Napoleão, em 1804, na França, que, em seu artigo 544, expressamente, prevê os poderes do proprietário, em caráter absoluto, de gozar e dispor das coisas46, contanto que delas não faça uso proibido

pela lei ou pelos regulamentos, que eram extremamente escassos.

Embora o texto do Código Civil francês tenha irradiado sua influência sobre a maioria dos Códigos Civis da Sociedade Mercantil Européia47, é contribuição dos

44 Op. Cit., p. 70.

45 Ibidem, p. 73.

46 Em seu texto original, prevê o artigo 544 do Código Civil Francês: “La propriété est le droit de jouir

et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements”...

(42)

generalidade, sem o arrolamento expresso das faculdades do proprietário.

Nesta linha, o Código Civil alemão estabelece no § 903 que “O proprietário de uma coisa pode, sempre que a lei ou o direito de um terceiro não se opuser, dispor da coisa à sua vontade e excluir outros de qualquer intromissão”.

No entanto, a ligação incindível entre a autonomia privada e o direito absoluto de propriedade, ao mesmo tempo em que propiciou a ascensão e acumulação de riquezas pela burguesia, impunha, como efeitos colaterais a exclusão de outros segmentos da sociedade.

Sobre a adequação jurídica do conceito alemão, em face do sistema social e econômico vigente, emprestamos, uma vez mais, o discurso de PAOLO GROSSI48:

“(...). Aqui a propriedade se torna caricatura jurídica congenial ao

homo economicus de uma sociedade capitalista evoluída: um instrumento ágil, conciso, funcionalíssimo, caracterizado por simplicidade e abstração. Simples como é o sujeito, realidade unilinear sobre a qual se modela e da qual é como a sombra no âmbito dos bens; abstrata como o indivíduo liberado da nova cultura, do qual quer ser uma manifestação e um meio validíssimo de defesa.

sentido a primeira parte do artigo 348 do Código Civil Espanhol de 1889: “La propiedad es el derecho de gozar y disponer de una cosa, sin más limitaciones que las establecidas en las leyes”.

(43)

É nessa transcrição ao sujeito que ela reclama a sua unidade e a sua indivisibilidade: una e indivisível como ele, porque como ele é síntese de virtude, capacidade e poderes”.

Por fim, cabe salientar, que dada a unidade, plenitude e perpetuidade do direito de propriedade da Idade Moderna, não há terreno fértil para a discussão sobre o conteúdo mínimo, sendo possível vislumbrar a limitação de conteúdos apenas em relação aos direitos reais, que são marcados, por sua vez, pela temporariedade.

No início do século XX, salta aos olhos, o crescente abismo, entre a igualdade formal e as desigualdades materiais, que servirá de mola propulsora da reação, que propiciou a afirmação de Constituições, que ensejaram o surgimento do Estado do Bem Estar Social e a conseqüente alteração do perfil do direito de propriedade, sobre a qual debruçamos na seqüência.

2.4. DIREITO DE PROPRIEDADE NA IDADE

CONTEMPORÂNEA.

(44)

Diante da nova realidade social, a Igreja Católica vem a exercer importante papel na visão social da propriedade. Na encíclica do Quadragésimo ano da Rerum Novarum, de PIO XI, tomando-se por partida a idéia de bem comum preconizada pelo pensamento cristão medieval de SÃO TOMÁS DE AQUINO, constroem-se as noções de produtividade e de uso destinado ao bem comum.

Oportuno salientar que a Doutrina Social da Igreja consagra o princípio da primazia da destinação universal dos bens sobre a apropriação individual, segundo o qual os bens criados se destinam a todos os homens.

No entanto, reconhece o direito de propriedade individual, como forma eficaz de realizar melhor esta destinação, cabendo ao Estado protegê-lo e respeitá-lo, limitando-se a estabelecer as obrigações sociais do proprietário frente a coletividade, para a harmonização do uso com o bem comum. Portanto, a propriedade, à luz deste princípio é entendida como responsabilidade social e não como privilégio excludente.

Vejam-se alguns pensamentos preconizados pela Doutrina Social da Igreja, em especial, pelo Papa Pio XI49:

49 Carta Encíclica do Quadragésimo Ano, Papa Pio XI, 15.05.1931. Disponível na Internet no sítio:

(45)

“Obrigações inerentes ao domínio.

E a fim de pôr termo às controvérsias que, acerca do domínio e deveres a ele inerentes, começaram a agitar-se, note-se, em primeiro lugar, o fundamento assente por Leão XIII, de que o direito de propriedade é distinto do seu uso.

Com efeito, a chamada justiça comutativa obriga a conservar inviolável a divisão dos bens e a não invadir o direito alheio excedendo os limites do próprio domínio; que, porém os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente, é da alçada não da justiça, mas de outras virtudes, cujo cumprimento ‘não pode urgir-se por vias jurídicas’. Pelo que sem razão afirmam alguns que o domínio e o seu honesto uso são uma e a mesma coisa; e muito mais ainda é alheio à verdade dizer que se extingue ou se perde o direito de propriedade com o não-uso ou abuso dele.

Prestam, portanto, grande serviço à boa causa e são dignos de todo o elogio os que, salva a concórdia dos ânimos e a integridade da doutrina tradicional da Igreja, se empenham em definir a natureza intima destas obrigações e os limites com que as necessidades do convívio social circunscrevem tanto o direito de propriedade, como o uso ou exercício do domínio. Pelo contrário, muito se enganam e erram aqueles que tentam reduzir o domínio individual a ponto de o abolirem praticamente.

Poderes do Estado

(46)

existentes na idade moderna!" É evidente, porém, que a autoridade pública não tem direito de desempenhar-se arbitrariamente desta função; devem, sempre, permanecer intactos, o direito natural de propriedade e o que tem o proprietário de legar dos seus bens. São direitos estes que ela não pode abolir, porque "o homem é anterior ao Estado", e "a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real". Eis porque o sábio Pontífice declarava também que o Estado não tem direito de esgotar a propriedade particular com excessivas contribuições.

"Não é das leis humanas, mas da natureza, que dimana o direito da propriedade individual; a autoridade pública não a pode, portanto, abolir: o mais que pode é moderar-lhe o uso e harmonizá-lo com o bem comum". Quando ela, assim, concilia o direito de propriedade com as exigências do bem comum, longe de mostrar-se inimiga dos proprietários, presta-lhes benévolo apoio; de fato, fazendo isto, impede eficazmente que a posse particular dos bens, estatuída com tanta sabedoria pelo Criador em vantagem da vida humana, gere desvantagens intoleráveis e venha, assim, a arruinar-se: não oprime a propriedade, mas defende-a; não a enfraquece, mas reforça-a.

Na esfera jurídica, a idéia de função social da propriedade é preconizada por LEON DUGUIT, para o qual, em razão da socialização do direito, a concepção de liberdade, não mais corresponde ao direito de fazer ou não fazer o que se bem entende, desde que não cause dano a outrem. Para ele, todo homem tem o dever de desempenhar uma função social, que decorreria da própria posição que ocupa na sociedade.

(47)

Afirma JOSE MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO, comentando as conseqüências das influências da Doutrina Social da Igreja e do pensamento de Duguit que:

“A partir, então desta nova ótica, que passa necessariamente pelo óculo da significação do direito de propriedade em relação à sociedade, o proprietário passou a ter, cada vez mais, ao lado de um feixe de poderes, também um somatório de ‘deveres’, dualidade esta dificilmente visualizável precedentemente, quando o direito de propriedade era expressão do mais amplo e ilimitado poder”. 50

Sob esta influência, a Constituição do México de 1917 foi a primeira a positivar o princípio da função social da propriedade, assim prevendo, no terceiro parágrafo do seu artigo 27:

"La Nación tendrá en todo tiempo el derecho de imponer a la propiedad privada las modalidades que dicte el interés público, así como el de regular, en beneficio social, el aprovechamiento de los elementos naturales susceptibles de apropiación, con objeto de hacer una distribución equitativa de la riqueza pública, cuidar de su conservación, lograr el desarrollo equilibrado del país y el de su conservación, lograr el desarrollo equilibrado del país y el mejoramiento de las condiciones de vida de la población rural y urbana. En consecuencia, se dictarán las medidas necesarias para ordenar los asentamientos humanos y establecer adecuadas previsiones, usos, reservas y destinos de tierras, aguas y bosques, a efecto de ejecutar obras públicas y de planear y regular la fundación, conservación, mejoramiento y crecimiento de los centros de población; para preservar y restaurar el equilibrio ecológico; para el fraccionamiento de los latifundios; para disponer en los términos de

(48)

para el fomento de la agricultura y para evitar la destrucción de los elementos naturales y los daños que la propiedad pueda sufrir en perjuicio de la sociedad. Los núcleos de población que carezcan de tierras y aguas o no las tengan en cantidad suficiente para las necesidades de su población, tendrán derecho a que se les dote de ellas, tomándolas de las propiedades inmediatas, respetando siempre la pequeña propiedad agrícola en explotación".51

Entretanto, parece que o mais forte marco da positivação da função social da propriedade foi a sua positivação na Constituição de Weimar de 1919, que previu na parte final do artigo 153 que: “A propriedade é garantida pela Constituição. Seu conteúdo e seus limites são fixados em lei. A propriedade acarreta obrigações. Seu uso deve ser igualmente no interesse geral” 52.

(49)

Os dispositivos constitucionais a que acabamos de nos referir, sem sombra de dúvidas, serviram de inspiração para outras Constituições Ocidentais53, exceção feita à França.

Adiante, dedicaremos um capítulo para tratarmos acerca dos entendimentos doutrinários a respeito da função social da propriedade, dispondo, com mais vagar, sobre entendimentos doutrinários de autores pátrios e estrangeiros.

53 Constituição Italiana da República Italiana de 1947: “Art. 41, alínea 2: La proprietà privata è

(50)

3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE

PROPRIEDADE NO BRASIL

3.1. A PROPRIEDADE LUSITANA NA IDADE MÉDIA E

AS SESMARIAS COMO ORIGEM DA PROPRIEDADE NO

BRASIL.

Com a invasão dos muçulmanos à Península Ibérica, inicia-se o período que se convencionou denominar de Reconquista, que se estendeu desde o Século VIII até o Século XIV.

No decorrer do período de reconquista cristã, surgiram, na Península Ibérica, os Reinos de Astúrias, Leão, Castela, Galiza, Navarra, Aragão e Portugal.

O Reino de Portugal se origina de uma região, inicialmente, integrante do Reino de Leão, conhecida por terras portucalenses54, tendo como seu primeiro Rei

(51)

D. Afonso Henriques, que assim se declara em 1139, embora, somente no reinado de Afonso VII, haja o reconhecimento desta independência, com a assinatura do Tratado de Zamora em 1143, época em que conseguiu, também reconquistas importantes em face dos muçulmanos.

Como resultado deste período de lutas para a reconquista dos territórios ocupados, as terras reconquistadas eram consideradas propriedade régia, sendo que o rei reconhecia a legitimidade do apossamento de terras pelas armas (presúria), em virtude da necessidade de povoamento e ocupação econômica de terras reconquistadas.

Sobre a legitimação da posse pelas armas, é oportuno transcrever o que escreve LUIZ ABLAS55, tratando das presúrias portuguesas e das encomiendas

espanholas:

“Nos dois casos, embora a presúria se constituísse em um ato de

tomada de posse pelas armas, havia, na maioria dos casos, uma espécie de "autorização real", tomada quase no sentido de intervenção, que servia para reconhecer como legítimas as presúrias, isso tanto para o território astur-leonês como para o de Portugal. Esse sistema de aquisição de terras só foi possível em épocas e regiões em que prevalecia, por um lado, o estado de guerra, dando origem à possibilidade de uma "reivindicação" territorial por parte dos conquistadores, e, por outro, uma baixa densidade populacional originando certa porção de terras ociosas passíveis de serem ocupadas”.

com o rei Afonso IV, declara-se rei das terras portucalenses. Em 931, Ramiro II sobe ao trono de Leão, abrangendo ao território deste reino, as referidas terras.

(52)

Os Senhores Lusitanos, por sua vez, concediam as terras já conquistadas aos camponeses, para que as cultivassem, mediante a paga de rendas, o que possibilitava aos referidos senhores, manter os direitos sobre as terras já conquistadas e, ao mesmo tempo, partir em busca de novas conquistas.

Portanto, também em Portugal, na Idade Média, o direito de propriedade não se centrou no sujeito, mas sim na res, baseando-se num princípio de efetividade, elevando a utilização econômica da coisa como fato legitimador das diversas formas de domínio.

A manutenção dessa estrutura de propriedade sobre a terra era garantida pela transmissão dos direitos sobre a terra por herança, ou seja, os descendentes recebiam causa mortis os mesmos direitos que os ascendentes falecidos.

A esse respeito, vale ressaltar o ensinamento de ERIVALDO FAGUNDES NEVES56:

“Em Portugal, a partir do século X, as propriedades mantiveram o princípio de herança, permanecendo o domínio da terra com o ocupante e seus descendentes. (...). Além desse recurso, também o cultivo originava domínio sobre a gleba, distinguindo-se, portanto, na Idade Média Peninsular, pelo menos dois fundamentos de Direito Agrário. (...)”.

Referências

Documentos relacionados

insights into the effects of small obstacles on riverine habitat and fish community structure of two Iberian streams with different levels of impact from the

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

However, we found two questionnaires that seemed interesting from the point of view of gathering information about students' perspective on the use of

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

As rimas, aliterações e assonâncias associadas ao discurso indirecto livre, às frases curtas e simples, ao diálogo engastado na narração, às interjeições, às

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como Preparar: Asse o inhame na brasa. Se necessário, raspe um pouco para eliminar  o excesso de negrume. Colocar dentro do alguidar. Vá enterrando os talos de mariô e  chamando