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Open Saúde e educação: o projeto político pedagógico do Curso de Medicina da Unisidade Federal da Paraíba

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SAÚDE E EDUCAÇÃO: O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

EDUARDO SIMON

JOÃO PESSOA

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SAÚDE E EDUCAÇÃO: O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientador(a): PROF(A). DR(A). EDINEIDE JEZINE MESQUITA

JOÃO PESSOA

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S594s Simon, Eduardo.

Saúde e educação: o projeto político pedagógico do Curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba / Eduardo Simon.- João Pessoa, 2012.

154f.

Orientadora: Edineide Jezine Mesquita

Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE

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SAÚDE E EDUCAÇÃO: O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

APROVADA EM 31/08/2012

Prof(a). Dr(a). Edineide Jezine Mesquita PPGE – UFPB

Prof(a). Dr(a). Katia Suely Queiroz Silva Ribeiro PPGMDS - UFPB

Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto PPGE - UFPB

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Para a Baby, mulher de mistério rescendente pele de sândalo e cabelo agreste.

Para o Chico, menino das estrelas.

Para a Gabi, que veio do mar.

Para o Mistério, que nos colocou todos juntos: os que aqui estamos, os que já se foram e os que

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Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a meus pais, Rose e Flávio, que me conceberam, me aceitaram, me amaram e me criaram. Eles, antes de todos, têm me ensinado, desde sempre e até agora, o significado de cuidar. Quero agradecer também a meus irmãos Guto e Luísa, pelo carinho, bondade e paciência e por tudo o que têm me ensinado. Quero agradecer a meus avós Verni, Ernesto e Ilse (in memorian) e meus tios por todo o carinho. Quero agradecer a meus queridos sogros, Pedro e Marluce, por tudo o que fizeram, fazem e farão por mim. Agradeço também a meu sogro, Leopoldo, por todo o apoio e afetividade concedidos enquanto convivemos fisicamente.

Para a Baby Lia, o Chico e a Gabi, por seu esforço e sua paciência nestes dois anos e meio em que tiveram que viver junto comigo os desafios do curso de Mestrado.

Gostaria de agradecer também a todos os meus professores, em especial o professor, mestre e amigo Sérgio Goldani, que foi crucial para que eu não desistisse da Medicina.

Aos mestres Eymard Vasconcelos e Emmanuel Falcão por serem a ponte que me trouxe à Educação Popular e à Paraíba.

Minha militância na Educação Popular em Saúde é tímida, pois ainda a estou construindo existencialmente, o que implica num atual longo processo de maior recolhimento à vida pessoal. Entretanto, a EPS é um referencial teórico e afetivo muito importante para mim. Assim também o são as pessoas cuja amizade eu devo a ela e à Extensão Popular, a quem eu gostaria de agradecer neste momento: Pedro, Érica, André, Meirhuska, Davi, Marcos, Camila, Daílton, Marísia, Kátia, Socorro, Gildeci e tantos outros que o espaço limitado me obriga a omitir.

Aos amigos da Sociedade Espírita Gabriel Delanne, em especial os mestres Cecília e Alaul e os amigos Luciano Paltian, Amauri Silva, Maurício Ferreira, Caren Salaberry, Isaac Trindade, Diovani Prass, entre outros. O espaço físico, afetivo e reflexivo da casa espírita foi, para mim, o primeiro contato com os questionamentos que hoje prosseguem no espaço acadêmico. Ali, a busca do Ser estava associada a uma diretriz ética inalienável (o Evangelho). E esta busca começava pelo autoconhecimento. Ali foi colocado em mim o vírus da perplexidade. Ali, com vocês, aprendi que o conhecimento é uma construção coletiva. Muito obrigado.

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Aos professores e funcionários do PPGE, por sua dedicação a este programa que é uma referência de qualidade e coerência para todos nós, cotidianamente superando os obstáculos da pós-graduação.

Aos colegas e amigos da área de Saúde Coletiva do Departamento de Promoção da Saúde da UFPB, por seu apoio incondicional e interlocução afetivas, em especial ao professor e amigo Luciano Bezerra Gomes, que, colocando sua biblioteca pessoal à disposição de todos no DPS, ajudou muito na realização deste trabalho.

À Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba (FCM-PB), na pessoa da coordenadora do curso de Medicina, professora Emília Perez, e dos colegas Silvia Rodrigues, Ricardo Soares e Marcos Vasconcelos, pelo apoio institucional dispensado para a realização deste trabalho.

Em especial, gostaria de agradecer à professora Edineide Jezine, cuja orientação firme e ao mesmo tempo afetuosa muito me estimulou na confecção deste trabalho com o máximo de esforço.

Finalmente, gostaria de agradecer a cada um dos queridos membros da banca de qualificação e defesa, pela honra de aceitarem o convite, pela paciência de enfrentarem a enfadonha historiografia medieval e demais excessos barrocos multiplicados por minha inabilidade em tantos longos parágrafos, e finalmente pela bondade de dedicarem-se à tarefa de oferecer suas valiosas contribuições para a melhora deste trabalho.

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O mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca salvou qualquer ser humano de ter fome e da preocupação de viver melhor, mas extrair, daquilo que se chama cultura, idéias cuja força viva é idêntica à da fome.

Acima de tudo precisamos viver e acreditar no que nos faz viver e em que alguma coisa nos faz viver – e aquilo que sai do interior misterioso de nós mesmos não deve perpetuamente voltar sobre nós numa preocupação grosseiramente digestiva.

Quero dizer que se todos nos importamos com comer imediatamente, importa-nos ainda mais não desperdiçar apenas na preocupação de comer imediatamente nossa simples força de ter fome.

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Simon, Eduardo. Saúde e Educação: o Projeto Político Pedagógico do curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2012. Dissertação (Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2012.

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para reavaliações e aprimoramentos constantes. Sendo assim, novas investigações e intervenções fazem-se necessárias para que se avance na luta por uma formação de profissionais de Saúde capazes de operar na perspectiva da transformação da sociedade, jamais abdicando da construção compartilhada do cuidado e da emancipação.

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Simon, Eduardo. Health and Education: the formal curriculum of the medical graduation course of the Federal University of Paraíba state, Brazil. João Pessoa, 2012. Dissertation (Education) – Education Post-graduation Program, Federal University of Paraíba, 2012.

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curriculum reinforces its inconclusiveness as it claims for further evaluation and constant improvements. Therefore, new investigations and interventions are needed to go forward in the efforts of improving health professionals´ formation, regarding the transformation of society, which only can happen with shared care planning and emancipatory education.

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QUADRO 1 – Eixos, vetores e imagens-objetivo de reformulação curricular propostos no Pró-saúde

QUADRO 2 – Diagnóstico da situação atual do curso de Medicina da UFPB QUADRO 3 – Apresentação esquemática das estratégias pedagógicas propostas QUADRO 4 – Componentes curriculares do curso de Medicina – 2007

QUADRO 5 – Semana padrão do primeiro ao oitavo semestres QUADRO 6 – Organização sequencial dos MIVs, por semestre

QUADRO 7 – Temas e disciplinas envolvidas nos MIVs do 2º semestre QUADRO 8 –Cenários de prática e objetivos gerais dos MHAs

QUADRO 9 Objetivos dos MHBs

QUADRO 10 Módulos Complementares Optativos, por semestre QUADRO 11 - Estratégias de avaliação discente propostas

GRÁFICO 1 – Distribuição semanal de carga horária por módulo, do 1º ao 8º semestres 75 90 96 102 104 104 106 112 123 126 128

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ABEM – Associação Brasileira de Educação Médica ACP – Abordagem Centrada na Pessoa

AMA – Associação Médica Americana

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CCS-UEL – Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina CINAEM – Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico CNE/CES – Conselho Nacional de Educação/Conselho de Ensino Superior

CONSEPE-UFPB – Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal da Paraíba

COPPEM – Comissão Permanente de Pesquisa e Educação Médica DENEM – Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

EP – Educação Popular

EPS – Educação Popular em Saúde EUA – Estados Unidos da América

FAMEMA – Faculdade de Medicina de Marília

FEPAFEM – Federação Pan-Americana de Escolas Médicas IDA – Integração Docente Assistencial

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação MCO – Módulo Complementar Obrigatório MCOP – Módulo Complementar Optativo MEC – Ministério da Educação

MHA – Módulo Horizontal A MHB – Módulo Horizontal B

MIV – Módulo Interdisciplinar Vertical OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas

OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde

PBL – Problem based learning (Aprendizagem baseada em problemas)

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de saúde

PROMED – Programa de Reorientação da Formação Médica

PRÓ-SAÚDE – Programa de Reorientação da Formação dos Profissionais de Saúde PROAIDA – Programa de Análise da Integração Docente Assistencial

SGETES-MS – Secretaria de Gestão da Educação e do Trabalho em Saúde do Ministério da Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

UEL – Universidade Estadual de Londrina

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFMG – Universidade Federal da Minas Gerais UFPB – Universidade Federal da Paraíba

UNESCO – United Nations Education Science and Culture Organization – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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INTRODUÇÃO

1 SAÚDE, EDUCAÇÃO E PRÁXIS

1.1ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 1.2SAÚDE E EDUCAÇÃO: RESGATE HISTÓRICO 1.3TEORIA E PRÁTICA: EM BUSCA DA PRÁXIS

1.4EM BUSCA DE CONCEPÇÕES DIALÉTICAS DE EDUCAÇÃO 1.5EM BUSCA DE CONCEPÇÕES DIALÉTICAS DE SAÚDE 2 A EDUCAÇÃO MÉDICA E SUAS REFORMAS

2.1 EMERGÊNCIA DO MODELO FLEXNERIANO

2.2 TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO DO MODELO FLEXNERIANO NA AMÉRICA DO NORTE

2.3 TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO DO MODELO FLEXNERIANO NO BRASIL

2.4 EDUCAÇÃO E PRÁXIS CURRICULAR

2.5 DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARA AS POLÍTICAS DE ESTADO 2.6 REFORMAS DO ENSINO MÉDICO: O CONTEXTO DA UFPB

3 O CURRÍCULO DE 2007 PARA O CURSO DE MEDICINA DA UFPB 3.1 PANORÂMICA DO DOCUMENTO

3.2 O PPP EM SI: A COPPEM 3.3 FUNDAMENTOS CURRICULARES 3.3.1 Justificativa: formar para o mercado ou formar para a sociedade? 3.3.2 Marco Teórico / Metodologia 3.3.3 Objetivos do curso

3.3.4 Perfil do profissional / Competências, atitudes e habilidades do formando

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3.5 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO

3.6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INTRODUÇÃO

Em meu primeiro dia de aula, ao ingressar no curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o então diretor nos reuniu em uma imensa roda de cadeiras no salão nobre da antiga sede. Nós, calouros, trocávamos olhares atônitos. De repente ouvimos a pergunta: “E então gente, a medicina ocupa-se da saúde ou da doença?”. Aquela pergunta me assombrou. Foi a breve promessa de uma investigação séria, engajada. Promessa não cumprida, pois o que se seguiu, a despeito da pergunta fundamental, foi uma sucessão de frases conservadoras do tipo “vocês passaram no vestibular mais difícil”, “vocês são a nata da sociedade”, etc. A pergunta, no entanto, jamais me abandonou, e tem pautado minhas escolhas desde então. Foi difícil, quase impossível, conviver com uma formação massiva em termos de informações, mas pobre em reflexões críticas sobre a natureza dos conceitos de saúde e doença, suas implicações no cuidado, etc. Para meu desespero, aquela pergunta, enunciada de forma imprevista, não se repetiu até o final do curso.

Se a medicina trata das doenças ou da saúde? É um tipo de questão que não se digere facilmente. Ela não se resolve, por exemplo, quando, cedo na faculdade, descobrimos a oposição entre a “medicina da saúde” (Medicina Preventiva, Medicina Integral, Medicina Social, Saúde Pública, Saúde Coletiva e afins) e a “medicina da doença” (as demais especialidades médicas tradicionais, voltadas quase exclusivamente para o combate às doenças). Porém, há muita ambigüidade nos termos desta oposição. De um lado, não podemos confiar numa medicina “nova”, que se pretende integral, humanizada e baseada na promoção da saúde, mas que sempre corre o risco de cair na tendência de controle obsessivo de fatores de risco e busca desenfreada por prolongamento da vida; de outro, não conseguimos descartar completamente uma medicina cujo mecanicismo biologicista logra sucessos na resolução de muitos problemas. Afinal, trata-se de promover a saúde ou de combater as doenças? A pergunta-esfinge está aí, diante de nós, pedindo respostas, que conduzem a novos questionamentos.

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Neste momento, começa, para tais estudantes, uma dupla vida dentro da formação universitária, dada a ausência de diálogo entre as disciplinas tradicionais e as atividades de extensão. Para mim, o início deste processo foi através de um movimento estudantil chamado “Coletivo pela Universidade Popular”, o COLUP, onde eu e dois colegas e amigos, Felipe Proenço e Maurício Zulian, ficamos responsáveis pela organização das ações de saúde. Paralelamente, no terceiro semestre do curso, entrei em contato com a Medicina Comunitária, em uma disciplina da Saúde Coletiva. Nesta disciplina, li um texto chamado “Um médico no Brejo Paraibano” de Eymard Vasconcelos (1982), um relato de experiência relacionado ao trabalho deste como médico e preceptor em um centro de saúde de Pilõezinhos, à época um distrito na zona rural de Guarabira/PB1. Este relato impressionou-me, pois pela primeira vez encontrei reflexões que vinham, a partir do trabalho clínico, pela ótica da Educação Popular, buscar a construção de um cuidado mais de acordo com princípios de dignidade, respeito e transformação do mundo. A partir de então, meus interesses foram se aproximando cada vez mais da Educação Popular em Saúde e do trabalho com saúde comunitária, culminando na minha escolha profissional por especializar-me em Medicina de Família e Comunidade. Tive também, juntamente com minha companheira, Lia Haikal, uma aproximação pessoal com o professor Eymard, durante o período em que morávamos no Rio de Janeiro, quando eu fazia minha especialização e ele realizava o pós-doutorado. A organização do livro-coletânea “Perplexidade na Universidade: vivências nos cursos de saúde” (VASCONCELOS, FROTA & SIMON, 2006) foi fruto desta amizade. Tudo isso culminou na decisão de residirmos em João Pessoa, cidade reconhecida nacionalmente pela quantidade e consistência dos projetos de extensão, pesquisas, ações e articulações que têm na Educação Popular sua principal matriz teórico-metodológica.

Desde 2008, atuo como professor do curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vivenciando o outro lado do processo pedagógico universitário. Esta experiência docente tem trazido muitos desafios, pois a escola médica é um campo de intensas disputas políticas e ideológicas: em seu cotidiano, disputam-se desde salas para ministrar aulas até quais saberes são mais ou menos importantes para a formação do médico. Esta disputa é travada por meios formais e informais, nos corredores da Universidade. Além disso, o curso de Medicina da UFPB vê-se atualmente em meio a uma extensa reforma curricular, ainda em andamento, que precipita os conflitos subjacentes e traz à tona posições ideológicas antagônicas, antes ocultas.

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Este momento de transformação curricular no nível local repercute um movimento mundial e nacional, e levanta inúmeros questionamentos, obrigando-nos a rever conceitos, representações, ideologias. Mais do que simplesmente implementar o que as novas diretrizes curriculares nacionais preconizam, é importante refletir sobre o que está em jogo na formação médica, por um lado, bem como, sobre de que modo uma tal ou qual formação impactará o futuro profissional de saúde, oriundo de nossas instituições. Será ele um profissional portador das competências necessárias?

Não poderia ser o escopo do presente estudo, oferecer respostas a esta série complexa de questionamentos. A partir da compreensão de que as práticas de saúde estão amparadas por determinados conceitos de Saúde (CZERESNIA, 1999; ALMEIDA FILHO & ANDRADE, 2003), bem como também as práticas educativas são amparadas por determinados conceitos de Educação (MELO NETO, 2004; JEZINE, 2006), para a compreensão de um processo de reforma curricular do ensino médico, é preciso compreender quais são os conceitos de Saúde e Educação que estão colocados neste novo contexto curricular. Desta forma, o problema central de que se ocupa o presente trabalho é investigar quais os conceitos de Saúde e Educação explícitos e implícitos no Projeto Político Pedagógico do curso de Medicina da UFPB.

A exploração orientada pelos conceitos teóricos corre o risco de não ultrapassar as limitações do Idealismo. Para minimizar este risco, inclui-se na presente investigação a perspectiva das relações entre a teoria e a prática, tal como se expressam no PPP. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar os conceitos de Saúde e Educação presentes no PPP do curso de Medicina da UFPB, em sua interligação com as relações teoria/prática.

Neste sentido, a pesquisa se desenvolverá a partir da abordagem qualitativa, de natureza analítica documental. A partir da metodologia hermenêutica dialética sistematizada por Minayo (2004), será feita a análise do PPP do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba. Esta leitura do currículo formal representado pelo PPPserá realizada a partir da matriz teórica que emerge da discussão de práxis referenciada por Vásquez (1977) e Gramsci (1978; 1982).

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se consegue viabilizar no conjunto da escola, resultam os produtos das tentativas de reforma, que têm um caráter estratégico (FEUERWERKER, 2002), assumindo por vezes um aspecto de “farsa estratégica”, como o professor Eymard Vasconcelos destacou na oportunidade do exame de qualificação deste trabalho2. Assim, na presente investigação, contando com a possibilidade de o PPP constituir-se, em determinados sentidos, como uma “farsa estratégica”, reitera-se a importância de se questionar qual a relação entre teoria e prática estabelecida neste PPP, no que tange aos conceitos de Educação e Saúde. Como se sabe, as farsas caracterizam-se por proposições fictícias cuja efetivação não se observa, não importando se as intenções são boas ou más. Tem sido assim, nas comédias da arte e nas tragédias da vida real.

A hermenêutica dialética oferece boas possibilidades para abordar esta hipótese. De um lado, a hermenêutica, enquanto abordagem compreensiva, possibilita explorar as nuances e matizes presentes no texto estudado, suas coerências e contradições internas. A seu turno, a dialética, enquanto abordagem crítica, permite desnudar as contradições do texto em termos de suas filiações ideológicas, situando-o em função dos contextos e movimentos no qual ele e seus autores encontram-se inseridos e aos quais se referenciam voluntária ou involuntariamente.

Assim, no sentido de apreender os conceitos de Educação e Saúde que permeiam ou estão explícitos no PPP e que fundamentam a relação teoria-prática, o presente trabalho está dividido em quatro momentos. No primeiro capítulo apresenta-se a metodologia utilizada, a discussão em torno das concepções de Saúde e Educação, bem como se explicita a perspectiva filosófica da práxis, que norteará a análise empreendida. Esta exposição histórica, por vezes maçante e fragmentária, buscou, na medida do possível, realizar-se da forma que melhor integrasse as concepções sanitárias, educativas e as relações entre teoria e prática que lhes foram contemporâneas, dentro de uma perspectiva de que as concepções não são independentes dos tempos históricos onde elas aparecem.

No segundo capítulo, discutem-se as concepções de currículo como componentes de formação profissional e como articulação entre teoria e prática. Em seguida, neste capítulo, busca-se contextualizar historicamente o ensino médico e suas reformas, tanto no cenário global e nacional, quanto no cenário local, contemplando o cenário de reforma do curso médico da UFPB: as forças sociais e as políticas públicas que influenciaram o ambiente da instituição naquele período.

2

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No terceiro capítulo, apresenta-se a análise do atual Projeto Político Pedagógico (2007) em implantação no curso, a fim de reconhecer as concepções de Educação e Saúde, verificando como estas fundamentam a relação teoria-prática, numa perspectiva de práxis. Finalmente, no quarto momento deste trabalho as análises realizadas buscam retomar as questões iniciais do trabalho em direção às conclusões e considerações finais.

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1 SAÚDE, EDUCAÇÃO E PRÁXIS

1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza analítica documental. Para dar conta do objetivo central, qual seja analisar o Projeto Político Pedagógico do curso de Medicina da UFPB em busca de apreender os conceitos de Saúde e Educação nele presentes, como fundamentos da relação teoria-prática, foi escolhido um recorte metodológico cujas implicações buscaremos identificar e comentar, na medida do possível.

Dada a impossibilidade, nesta dissertação, de abarcar a diversidade de discursos e representações existentes no cenário de uma escola médica, optou-se por limitar a análise ao documento que constitui a referência formal do curso: o Projeto Político Pedagógico. Currículo não é apenas o que está escrito no PPP e nos planos de curso: currículo é o conjunto das atividades (incluindo o material físico e humano a elas destinado) que se cumprem com um determinado fim (SAVIANI, 1993). Portanto, a escolha de trabalhar apenas com os documentos oficiais do currículo impede que captemos elementos importantíssimos da análise curricular, não manifestas nestes documentos, que compõem o currículo oculto. Esta constitui uma limitação do presente estudo. Entretanto, para termos clareza sobre como opera o currículo oculto, é necessário, num primeiro momento, compreender como está estabelecido o currículo formal de uma instituição, representado pelo PPP, como documento oficial, que traduz o pensar de inúmeros fazeres (SILVA, 1995). Esta etapa anterior representa o escopo deste trabalho. Fica, portanto, como possível objetivo de trabalhos posteriores a abordagem dos componentes da formação no curso de medicina da UFPB, que não se encontram explicitados no documento citado, o currículo oculto.

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diálogo com a produção hermenêutica de Hans Georg Gadamer (MINAYO, 2008). Segundo Minayo (2008, p.168):

A proposta de Habermas passa pela construção de um movimento interativo entre a hermenêutica e a dialética, valorizando as complementaridades e oposições entre as duas: (a) ambas trazem em seu núcleo a idéia fecunda dos condicionamentos históricos da linguagem, das relações e das práticas; (b) ambas partem do pressuposto de que não há observador imparcial; (c) ambas questionam o tecnicismo em favor do processo intersubjetivo de compreensão e de crítica; (d) ambas ultrapassam as tarefas de serem simples ferramentas para o pensamento e (e) ambas estão referidas à práxis estruturada pela tradição, pela linguagem, pelo poder e pelo trabalho.

A hermenêutica-dialética emerge como uma forma de potencializar a abordagem compreensiva da hermenêutica com a abordagem crítica da dialética. Como já mencionado na Introdução deste trabalho, a hermenêutica, enquanto abordagem compreensiva, possibilita explorar as nuances e matizes presentes no texto estudado, suas coerências e contradições internas. A seu turno, enquanto abordagem crítica, a dialética permite desnudar as contradições do texto em termos de suas filiações ideológicas, situando-o em função dos contextos e movimentos no qual ele e seus autores encontram-se inseridos e aos quais se referenciam voluntária ou involuntariamente (MINAYO, 2008).

A partir desta contribuição, o PPP será analisado em busca das categorias escolhidas: os conceitos de Saúde e Educação. Ao mesmo tempo, estes conceitos serão correlacionados com a práxis. Este movimento é sistematizado por Minayo (2008) e envolve:

1 – o conhecimento prévio das categorias teóricas, representadas no presente estudo pelos conceitos de Saúde e Educação, e sua interligação com as relações teoria-prática;

2 – a leitura “horizontal e exaustiva” do Projeto Político Pedagógico em busca das categorias teóricas;

3 –depois, a busca de “unidades de sentido” que serão confrontadas com as “categorias teóricas” discutidas previamente com base na literatura;

4 – finalmente, completando o movimento dialético, o esforço sintético, buscando agrupar as categorias em grupos gerais, procedendo então à interpretação dos resultados e elaboração das conclusões do trabalho.

Utilizamos como fonte de informação para a análise documental o Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de Medicina da UFPB de 2007.

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1.2 BREVE PAINEL HISTÓRICO DAS RELAÇÕES ENTRE SAÚDE, EDUCAÇÃO E PRÁXIS

Não é fácil traçar uma linha de desenvolvimento dos conceitos de Educação e Saúde ao longo da História. As concepções educativas são objetos fugidios, pois, como diz Gadotti (2005), “exatamente por impregnar assim tão profundamente a existência dos homens, a educação é mais vivenciada do que pensada” (p.11). As concepções de saúde, igualmente, encontram-se invisíveis no âmbito das práticas de saúde (CAMARGO Jr, 1990). Em todo caso, neste capítulo busca-se traçar um paralelo entre estas concepções e o contexto em que se desenvolveram. Não se trata de uma tentativa de expor um panorama abrangente. Trata-se, apenas, de situar determinadas correntes ideológicas que aparecem, na literatura referente aos temas citados, como fundadoras de concepções ainda determinantes no presente, e que interessam aos objetivos da presente investigação.

Percorreremos brevemente algumas concepções filosóficas, avaliando suas implicações nas relações teoria-prática e nas concepções de saúde e educação. Entretanto, rejeita-se, de saída, a concepção idealista de que a Filosofia seria uma forma de “iluminação” que distribuiria verdades no mundo concreto, no mundo sublunar do cotidiano. O ponto de partida da presente análise histórico-filosófica será o entendimento de Gramsci (1978, p.32), segundo o qual:

A filosofia de uma época histórica, portanto, não é senão a “história” desta

mesma época, não é senão a massa de variações que o grupo dirigente conseguiu determinar na realidade precedente: neste sentido, história e filosofia são inseparáveis, formam um ´bloco´.

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adequado à nobreza, a maneira de fazer-se obedecer, de dominar os representantes de classes sociais subalternas, etc. Uma das inovações da civilização egípcia é o reconhecimento original do caráter político do uso da palavra (MANACORDA, 2006).

No campo da saúde, os egípcios trouxeram importantes contribuições. Eles creditavam a origem das doenças ao resultado da ação de um princípio patogênico que poderia aderir-se às fezes, causando distúrbios orgânicos. Este princípio representava o início da naturalização da doença, representando uma inovação frente às crenças mágicas dos povos mesopotâmicos, para quem as doenças eram resultado da ação de espíritos maléficos. Os egípcios inauguraram o entendimento da doença como infecção/infestação, ou seja, resultado da entrada no organismo de um elemento externo (SEVALHO, 1993). Os egípcios, embora fossem profundamente influenciados por crenças mágico-religiosas em muitos aspectos de sua vida social, iniciaram um processo de racionalização e naturalização, que seria aprofundado posteriormente pelos gregos (JAEGER, 1995).

Na antiguidade grega e romana, onde os trabalhos manuais eram considerados indignos, realizados quase exclusivamente por escravos, a relação entre teoria e prática dava-se de forma assimétrica, sendo o mundo teórico considerado superior ao mundo prático (VÁSQUEZ, 1977). Desta forma, a atividade filosófica florescerá na Grécia sob o amparo desta ideologia. Este fenômeno ocorre em torno do século VI a.c, quando as colônias jônicas espalhadas pela costa mediterrânea (Mileto, Éfeso, Samos, Eléia, etc.) atingem um florescimento resultante do comércio marítimo. Neste momento, estava a caminho o desenvolvimento das maiores cidades-estado gregas, Atenas e Esparta, que se consumaria nos séculos V e IV a.c., quando o modelo clássico da sociedade grega se consolidaria (PESSANHA, 2000; HELFERICH, 2006), atingindo desenvolvimentos que nos assombram até o presente.

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veemente deste fenômeno inaugural da história da civilização é dado pela matemática, elevada à condição de conhecimento iniciático e revelação divina pela escola pitagórica. Pitágoras é reconhecido como o pai do teorema que leva seu nome, a despeito do fato de que tal fórmula era já utilizada pelos egípcios em seu avançado sistema de edificações. Por que o teorema não é creditado aos egípcios? A resposta deve-se ao fato de que, embora os egípcios utilizassem a fórmula com eficácia prática, baseados em suas observações empíricas, apenas Pitágoras revelou sua validade universal, através de uma comprovação lógica, teórica (SINGH, 2000).

Os filósofos pré-socráticos concentraram suas teorizações principalmente sobre a

Physis, a Natureza, entendida não apenas enquanto realidade física, mas como Cosmos, essência, harmonia universal (PESSANHA, 2000). Tal como no caso do Teorema de Pitágoras, os primeiros filósofos irão refletir e construir discursos racionais acerca dos fenômenos da natureza. Esta atitude em relação à explicação da realidade marcará uma mudança radical em relação ao pensamento mítico de épocas e civilizações imediatamente anteriores. A causa de um fenômeno deixa de ser sobrenatural e passa a pertencer à própria natureza. Há um mecanismo, uma harmonia (o cosmos) que rege o existente. Entretanto, é importante observar, com Adorno e Horkheimer (1985), que tal “rompimento” em relação aos mitos não se dá de forma linear, abrupta, senão que há, entre mito e esclarecimento, um processo dialético inexorável. Segundo tais autores, no seio da mitologia já se podia encontrar, antes dos desenvolvimentos filosóficos, as sementes da racionalização (a “humanização” dos deuses olímpicos a partir da idade homérica, em oposição às potências ctônicas de épocas anteriores), bem como a racionalização conserva, em si mesma, componentes de mitologia (a crença positivista na realidade dos dados, por exemplo).

O filósofo grego Sócrates colocou a atividade educativa no centro de sua busca pela verdade, uma vez que concebia a Filosofia como uma prática pedagógica, que “visava despertar e estimular o impulso para a busca pessoal e a verdade, o pensamento próprio e a escuta da voz interior.” (GADOTTI, 2005, p.32). Esta prática educativa era uma atividade dialógica. Era a busca processual de uma verdade que, embora concebida nos termos do idealismo, só poderia ser encontrada através do diálogo, ou seja, coletivamente. Sócrates chamava isto de “arte maiêutica”, numa referência ao trabalho da parteira (HELFERICH, 2006).

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idéias puras, o “mundo das Idéias” (HELFERICH, 2006). O “mundo das Idéias” de Platão encaixa-se de forma modelar na ideologia grega de superioridade da teoria sobre a prática. Segundo Platão, o mundo concreto era um reflexo imperfeito do “mundo das Idéias”, onde tudo o que existia concretamente encontrava-se em seu estado puro, ideal (PLATÃO, 1997). A verdade, o real, para Platão, somente existiam no plano teórico, e a prática seria tão melhor quanto mais se submetesse à teoria (VÁSQUEZ, 1977). Esta teoria do conhecimento é expressa por Platão através da Alegoria da Caverna em seu diálogo “A República” (além do Idealismo, Platão funda também a exposição filosófica através dos diálogos, utilizada por vários pensadores até o Renascimento). Entretanto, muitos diálogos platônicos terminam sem uma conclusão definitiva acerca dos temas neles debatidos, chegando por vezes à aporia. Esta aparente inconclusividade parece denotar que a ênfase da dialética socrático-platônica não está no acesso à verdade luminescente da Alegoria da Caverna, mas repousa no percurso dialógico argumentativo. Isto introduz no idealismo platônico um caráter processual importantíssimo (MELO NETO, 2011).

Na Grécia, desenvolveu-se o ideal de Paidéia, a formação integral do ser humano, integrando a cultura da sociedade e a criação individual, numa influência recíproca. A educação grega dava-se sob a égide dos textos de Homero, que valorizavam as virtudes guerreiras, o cavalheirismo, o amor à glória, à honra, à força, à busca de superar os outros. Isto estava de acordo com a estruturação da sociedade grega, fundada no belicismo e na estratificação rígida da sociedade, entre os aristoi, os “melhores”, os membros da classe dominante, possuidores da maior força e da maior virtude e as camadas subalternas, dentre as quais contava-se a grande população de escravos (GADOTTI, 2005).

Na época da formação da polis, a medicina grega também passou por uma reformulação, que deixaria um legado importante para o futuro. Influenciados pela Physis dos pré-socráticos, os médicos da escola hipocrática de Cós concebem a saúde como o equilíbrio dos elementos naturais em sua influência do organismo (terra, água, fogo, ar). Esta concepção traz uma importante inovação em relação à noção egípcia de doença como infecção/infestação: a doença é entendida como desequilíbrio entre os elementos constituintes da Physis no organismo (JAEGER, 1995). É a consumação de um processo de naturalização da doença, importante na consolidação da racionalidade médica (LUZ, 2004). Esta relação dialética entre concepções de saúde como infestação/infecção e como equilíbrio orgânico mantém-se presente até os dias de hoje (SEVALHO, 1993).

Já na era cristã, Galeno (130-201 d.C.) representou importante consolidação do corpus

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próprias, que seriam um dogma seguido durante toda a Idade Média, até o Renascimento. Para Galeno, médico dos Césares de Roma, a atividade médica era comparável à atividade filosófica (na verdade seguindo uma tradição filosófica da medicina grega já identificada por Jaeger [1995]), cabendo ao médico compreender a physis expressa, através da doença, no doente (SILVA, 2006). A obra de Galeno tornou-se a verdade oficial desde a Antiguidade até o fim da Idade Média, quando Vesalius (1514-1564) substitui a tradição galênica por novos conhecimentos advindos das dissecções sistemáticas (GOTTSCHALL, 2000).

A Idade Média (séc. VI ao séc. XIV) veria o florescimento das primeiras universidades, sob a égide da teologia católica (JEZINE, 2006). O ensino medieval era caracterizado pelo respeito à tradição, a memorização e a verticalidade da relação professor-aluno (MANACORDA, 2006). Na virada dos séculos XVI e XVII, Comenius (1592-1670) na obra “Didactica Magna” (1657), indica as bases para uma educação universal, a partir da didática vista como a “arte de ensinar tudo a todos. Atribui à educação um caráter de disciplina autônoma, cabendo-lhe a unidade entre engajamento social e consciência científica. Contudo, sua pedagogia é impregnada de uma forte conotação ético-religiosa para a formação do “homem virtuoso”, indicando para isso a necessidade de professores dotados de um bom método de ensino. Jezine (2006) identifica aí o germe do Iluminismo na Educação:

O sucesso escolar, para Comenius, reside no “método único”, chave

metodológica da repetição. Isso significa que os conteúdos desconsideram os elementos diferenciadores de sua realidade e da estrutura escolar, estes devem ser repetidos com graduais e progressivos níveis de aprofundamento e reelaboração de acordo com o nível em que o aluno se encontra. Neste princípio reside o germe da racionalidade iluminista, que posteriormente vai predominar na modernidade, como sendo o fundamento da divisão do trabalho e do conhecimento. (p.3)

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sul da Europa, no ocidente, até o vale do rio Indo, no oriente, passando pelo norte da África e Ásia central. Dentro de suas fronteiras contavam-se as maiores e mais desenvolvidas cidades do mundo. Há relatos de intelectuais judeus e cristãos que aprenderam a língua árabe e estudaram nas universidades de Córdoba, Cairo, Bagdá, Samarkanda, a fim de acessarem os conhecimentos mais avançados de sua época (IQBAR, 2007). A medicina árabe deixou muitas contribuições até o presente. Ao contrário da Europa católica, o mundo árabe gozava de um ambiente de relativo liberalismo, o que permitiu aos cientistas árabes conquistar avanços no conhecimento anatômico através das dissecções de cadáveres, nas técnicas e instrumentos cirúrgicos, alguns utilizados até hoje, com adaptações (IQBAR, 2007).

Na base da expansão árabe estava uma ideologia religiosa, o Islamismo, associada ao militarismo da jihad, a guerra santa proclamada por Maomé como dever de todo muçulmano. Entretanto, vale ressaltar que a guerra santa na época não tinha o caráter de eliminação e massacre como atualmente, pois o Islamismo caracterizava-se, durante o apogeu da civilização árabe, por grande tolerância com cristãos e judeus, dando origem ao que os historiadores da ocupação moura da península ibérica chamam de convivencia, o convívio pacífico de diferentes culturas, sob a dominação islâmica, naquele período (SILVERSTEIN, 2010). A partir do século XII, entretanto, a relativa autonomia que os intelectuais (cientistas, artistas, médicos, engenheiros, educadores, etc.) gozavam frente aos líderes religiosos, os

mulás, começa a desaparecer, com a guinada do Islã rumo à perda de liberdade intelectual e civil e o progressivo mergulho no fundamentalismo religioso, coincidindo o declínio intelectual e material da civilização árabe com a ascensão da burguesia e o renascimento europeu. Por exemplo, a medicina árabe declinou após o século XIII, mas muitos dos seus grandes trabalhos, já latinizados, repousavam em universidades medievais como Salerno, Bolonha, Pádua, Montpellier, Ravena, Nápoles, Paris, Oxford, Cambridge e outras (GOTTSCHALL, 2000). Portanto, não há como sustentar, na historiografia contemporânea, um “renascimento” que não leve em conta o multiculturalismo avant la letre que caracterizou a Europa durante a baixa Idade Média, em especial a contribuição da intelectualidade árabe (QUANDO..., 1999; AN ISLAMIC..., 2009; SILVERSTEIN, 2010).

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racionalidade ocidental moderna, como Descartes e Francis Bacon. Os iluministas, em sua Enciclopédia, exaltam a técnica como realização da teoria na prática. Um passo fundamental em direção a uma reivindicação plena da práxis é dado pelos economistas clássicos ingleses, Adam Smith e David Ricardo, que passam a reconhecer na transformação da natureza pelo homem através do trabalho a fonte de toda a riqueza e de todo valor (VÁSQUEZ, 1977). Esta constatação estava plenamente de acordo com a nascente sociedade burguesa, fruto da exploração da mão-de-obra e da utilização de novas técnicas produtivas.

O século XVIII, “século das luzes”, será marcado pela ascensão da burguesia como classe social fundamental (na acepção gramsciana). Esta classe irá produzir uma intelectualidade florescente, os iluministas e enciclopedistas (Voltaire, Diderot, D´Alembert, Rousseau) que sedimentaram uma ideologia liberal (da qual a Declaração dos Direitos Humanos é um exemplo modelar), preparando o caminho da hegemonia burguesa, que se consolidará com as revoluções do século XIX (GRAMSCI, 1978).

Na Educação, o século XVIII marcará a tentativa de criação de uma pedagogia da liberdade com Rousseau, Pestalozzi e outros, iniciando uma tradição de pedagogias libertárias que chegaria até o século XX (GADOTTI, 2005; MANACORDA, 2006). Entretanto, a maioria destas correntes libertárias não logrou superar as limitações do idealismo (GADOTTI, 2005). Tais autores, ainda que fossem pioneiros na introdução de autonomia, de respeito à individualidade do aluno, concebiam como tarefa do professor apenas preparar o indivíduo em suas capacidades racionais e afetivas para o exercício da cidadania, dentro de uma lógica ainda centrada no indivíduo, bem ao gosto da modernidade burguesa (SAVIANI, 2008).

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reducionistas: reduzem “saúde” ao indivíduo, sem abarcar o seu contexto social, histórico, político, econômico3; reduzem “saúde” às lesões visíveis, à concretude do corpo tomado como objeto sólido, e não processual, desta forma excluindo aspectos mais sutis das emoções, da subjetividade. Se meu filho foi assassinado na minha frente e minha cabeça dói, a medicina orientada pelas concepções mecanicistas de saúde irá tecer considerações sobre a dor de cabeça, seu tratamento, o diagnóstico de um possível aneurisma cerebral, os exames a serem realizados, etc. E ainda que um profissional “humanizado” tente fazer uma leitura do contexto no qual eu me encontro, isto soará como um desvio do raciocínio correto do profissional, uma “anomalia” segundo a epistemologia de Thomas Kuhn (GUEDES et al, 2006). Em segundo lugar, elas são conservadoras: se não tenho terra, se não tenho emprego, se tenho fome e minha barriga dói, a resposta da medicina orientada pelo paradigma da “ausência de doenças”, de tratar a inanição em termos biológicos, acabará assumindo um viés absolutamente conservador, ao ignorar a injustiça, a opressão e ao não tornar enunciável, visível, a necessidade premente de transformação da sociedade.

A metáfora visual da verdade, oriunda da Alegoria da Caverna, ecoaria pelos séculos, chegando até o idealismo hegeliano (VÁSQUEZ, 1977; HELFERICH, 2006). Hegel, em quem a filosofia idealista alemã atinge seu ápice, concebe a consciência em termos de sua liberdade e atividade incessante, rumo ao Absoluto. Entretanto, esta atividade é concebida em termos ideais. O filósofo não necessitava descer da sua “torre de marfim” para tomar parte na prática (CESARINO, 2002). Feuerbach, ícone dos Jovens Hegelianos, tece uma crítica a Hegel, a partir de um antropologismo materialista: a Filosofia deveria visar o mundo concreto, os homens concretos. Entretanto, esta concretude era considerada em termos imaginários, a partir de um pré-concebido sobre o que seria o “homem verdadeiro”. Desta forma, a atividade filosófica ficava ainda restrita ao plano especulativo (VÁSQUEZ, 1977).

No século XIX, ocorre a consolidação e expansão da industrialização e urbanização iniciada na Inglaterra no século anterior. A técnica é exaltada como expressão do alcance das capacidades humanas. É um momento de grande euforia nas cidades europeias. Novas invenções transformam rapidamente a paisagem e o modo de vida nos países centrais (HELFERICH, 2006). O Positivismo de Auguste Comte é um sistema filosófico que representa bem esta exaltação da racionalidade humana (VÁSQUEZ, 1977). As ciências experimentam extraordinário desenvolvimento, também assim as ciências relacionadas com a

3

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saúde. Na patologia, Bichat faz desenvolvimentos que ajudam a sedimentar o estatuto de cientificidade da medicina (FOUCAULT, 2001). Na fisiologia, Claude Bernard esclarece os mecanismos orgânicos de várias doenças (CANGUILHEM, 2006). A descoberta das bactérias por Pasteur abre um novo e vasto campo de investigações causais sobre o adoecimento (SEVALHO, 1993). Por fim, Virchow dá início às intervenções sanitárias sobre as coletividades, a chamada “medicina das cidades”, que mais tarde daria origem à saúde pública/saúde coletiva (FOUCAULT, 2001).

Canguilhem (2006), analisando as implicações do positivismo sobre as concepções de saúde e doença, demonstra o equívoco deste em colocar a questão em termos de variações meramente quantitativas. Esta é uma concepção muito forte ainda nos dias de hoje: a diabetes é uma elevação do açúcar, a hipertensão é uma elevação da pressão arterial, etc. Assim, para o positivismo, que buscava destruir todas as ilusões metafísicas, a saúde e a doença eram entendidas como variações quantitativas de um mesmo fenômeno orgânico. Canguilhem (2006) demonstra como, para além de uma normalidade quantitativa, a saúde se distingue da doença em termos de uma capacidade de acomodação e adaptação, que daria ao indivíduo uma capacidade de instituir suas próprias normas. Canguilhem, portanto, introduz no debate sanitário as noções de resiliência e autonomia. De uma variação quantitativa, a dialética saúde-doença é colocada em termos de variações qualitativas. Entretanto, Canguilhem não rompe totalmente com o positivismo, pois as variações qualitativas que substituem as variações quantitativas mantêm ainda o caráter positivo (COELHO & ALMEIDA FILHO, 1999). Desta forma, apesar dos inegáveis avanços epistemológicos, Canguilhem não rompe com a tradição idealista (MACHADO, 2006).

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1.3 TEORIA E PRÁTICA: EM BUSCA DA PRÁXIS

Marx, que foi durante algum tempo um Jovem Hegeliano, posteriormente rompeu com este movimento e com seus líderes, Feuerbach, Bruno Bauer, Max Stirner e outros, apontando as limitações da filosofia especulativa em suas Teses sobre Feuerbach (MARX, 2010). Estas teses colocam a práxis como categoria central do pensamento de Marx, e isso se mantém ao longo de sua obra (VÁSQUEZ, 1977). A Tese I4 critica o materialismo precedente por considerar a realidade somente em sua forma contemplativa e não como prática, ou seja, não como ação dos sujeitos (MARX, 2010). Desse modo, a prática é concebida como fundamento do conhecimento. A Tese II5 estabelece a prática como critério de veracidade do conhecimento. A Tese VIII6 traz o elemento de reflexão sobre as práticas, completando o ciclo de ação-reflexão-ação que caracteriza a práxis (VÁSQUEZ, 1977). Finalmente, a Tese XI7 define a conexão histórica entre a filosofia e a ação. Esta tese poderia ser erroneamente interpretada como um repúdio à atividade teórica. Entretanto, ao contrário, a tese XI estabelece a práxis como um marco teórico (HELFERICH, 2006). GRAMSCI (1978, p.264) é explícito neste sentido:

A tese XI (...) não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia, mas apenas de fastio para com os filósofos e seu psitacismo, bem como a enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática.

A partir das Teses, Marx e Engels vão ocupar-se, na Ideologia Alemã (2010) e no Manifesto Comunista (2001), da teorização a respeito das condições em que se dá a passagem da teoria à prática. É a teorização a respeito do fazer revolucionário (VÁSQUEZ, 1977). Na Ideologia Alemã (2010), Marx e Engels realizam uma importante mudança de perspectiva filosófica. É como se eles tivessem transformado o “penso, logo existo”, ponto de partida do racionalismo cartesiano, em “penso, logo alguém produz”. Em outras palavras, para que eu esteja aqui sentado em frente ao computador pensando e digitando, muitas pessoas tiveram

4“A principal insuficiência de todo materialismo até os nossos dias o de Feuerbach incluído é que as coisas,

a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objeto ou da contemplação; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjetivamente. (...)” (MARX, 2010, p.121)

5 “A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão de teoria, mas

uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno, do seu pensamento. (...)” (idem, p.121-122)

6 “A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram

a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.” (idem, p.123)

7“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se é de transformál-o.” (idem,

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que em algum momento produzir os objetos que me possibilitam este feito, inclusive a produção da comida que me alimentou para que eu pudesse pensar com tranqüilidade. Esta produção está organizada socialmente através de relações, que foram constituídas historicamente através da luta de classes. Marx e Engels (2010) analisaram de que forma as relações de produção influenciam as idéias, a formação dos estados, dos grupos políticos, etc, dividindo a sociedade em Estrutura (as relações sociais de produção) e Superestrutura (o Estado, as instituições privadas, as religiões, etc). As relações de produção, dentro de um determinado modo de produção (como por exemplo, o capitalista, tal como colocado em meados do século XIX e ainda nos dias de hoje, opondo burguesia e proletariado, enquanto classes sociais antagônicas) influenciariam a formação e consolidação de determinadas idéias, que cumpririam, por exemplo, a função de ratificar as relações de produção, como “naturais”. A isto Marx e Engels chamaram ideologia. A partir desta contribuição, foi possível tecer uma crítica devastadora do idealismo, entendida como ideologia do liberalismo (VÁSQUEZ, 1977; GRAMSCI, 1978).

Marx atribuiu o “papel principal” da determinação da História à estrutura sócio -econômica (BOBBIO, 1999). Gramsci, retomando e ampliando o conceito de sociedade civil já presente em Hegel e Marx, atribui igual papel à estrutura e à superestrutura. Ele operacionaliza esta relação entre ambas na determinação da História, lançando mão do conceito de bloco histórico, de Georges Sorel (GRAMSCI, 1978): retomando a noção leninista de hegemonia, Gramsci refletia que, para chegar ao poder, uma classe social ligada a um novo modo de produção necessita construir uma hegemonia que passa pela difusão da sua ideologia por toda a sociedade civil. Esta difusão ideológica tem a função de criar um consenso tão amplo quanto possível, formando um novo bloco histórico, a fim de posteriormente consubstanciar a hegemonia desta classe através da tomada do aparelho repressor do Estado.

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intelectual orgânico. Para Gramsci, toda classe social cria um grupo de intelectuais a ela vinculado (PORTELLI, 2002).

A partir das contribuições de Marx e Gramsci, Vásquez (1977) buscou compreender as relações entre teoria e prática. Vásquez (1977, p. 241) aprofundou a noção marxista de unidade teoria-prática:

Já sabemos que a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro. Daí ser tão unilateral reduzir a práxis ao elemento teórico, e falar inclusive de uma práxis teórica, como reduzi-la a seu lado material, vendo nela uma atividade exclusivamente material. Pois bem, da mesma maneira que as atividade teórica subjetiva, por si só, não é práxis, tampouco o é uma atividade material do indivíduo, ainda que possa desembocar na produção de um objeto – como é o caso do ninho feito pelo pássaro – quando lhe falta o momento subjetivo, teórico, representado pelo lado consciente dessa atividade.

A partir deste entendimento, Vásquez classifica a práxis como práxis criadora ou imitativa. A primeira seria aquela onde a unidade teoria-prática é indissolúvel e constante: a atividade teórica leva a uma ação prática, que imediatamente realimenta o pensamento. Esta modalidade de práxis leva constantemente à criação do novo, pois não há automatização da atividade concreta a partir de um pensamento. Pelo contrário, ação e pensamento estão interagindo constantemente, levando à reavaliação constante sobre o fazer concreto. Pelo contrário, a práxis imitativa representa aquela em que há a automatização do fazer concreto após um primeiro pensamento. É como se uma idéia platônica fosse automaticamente reproduzida no mundo material através de ações repetitivas. Para Vasquez, o homem não é sempre criador, em muitos momentos lançando mão das ações repetitivas. Entretanto, é a práxis criadora que faz o homem adaptar-se às condições variáveis do ambiente e satisfazer suas necessidades, transformando o mundo. A práxis imitativa é sempre uma práxis passível de ser substituída pela práxis criadora (VÁSQUEZ, 1977).

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denomina consciência da práxis. Esta consciência da práxis reflete sobre a própria atividade, assumindo um caráter reflexivo e dialético.

Desta forma, utilizando a qualificação de Vásquez (1977), a práxis imitativa estaria relacionada com projetos conservadores de sociedade, com uma relação de subordinação da prática em relação à teoria, enquanto a práxis criadora e reflexiva estaria relacionada à formulação de novos caminhos de existência, de transformações sociais. A partir de agora, é preciso procurar conceitos de Educação e Saúde coerentes com este entendimento de práxis.

1.4 EM BUSCA DE CONCEPÇÕES DIALÉTICAS DE EDUCAÇÃO

Analisando as relações orgânicas entre estrutura e superestrutura, Gramsci atribui aos educadores um papel importante, na consolidação e manutenção da hegemonia da classe dirigente, ou da construção da contra-hegemonia de uma classe subalterna. Desta forma, um intelectual organicamente vinculado às classes populares tem a função de organizar a construção de uma ideologia favorável a esta classe, que será determinante na guerra de posições travada na sociedade civil, em busca da construção da hegemonia (MANACORDA, 1990). Assim, a educação, em geral, e a educação em saúde, em particular, podem tanto servir para a manutenção da hegemonia do atual bloco histórico, mantendo a situação social inalterada, ou favorecer a construção e difusão de uma contra-ideologia que promova a organização das classes subalternas em torno de um projeto de construção de uma nova hegemonia (BAPTISTA, 2010).

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“científica”, deixa incólume o mundo material onde esta verdade é produzida, de acordo com o projeto conservador das classes dominantes (MARX & ENGELS, 2010).

Seguindo a tradição pedagógica libertária consolidada no século XVIII, o século XIX viu o florescimento de concepções educativas advindas de pedagogos e filósofos da educação, como Ferrière e Dewey, dentre outros (GADOTTI, 2005; MANACORDA, 2006). No Brasil, a pedagogia de Dewey influenciou uma geração de educadores (SAVIANI, 2008). Seu pensamento pedagógico concebe a educação baseada no processo ativo de busca do conhecimento pelo estudante, exercendo sua liberdade. A pedagogia libertária de Dewey é considerada a expressão pedagógica da democracia (GADOTTI, 2005). A Escola Nova está ligada à necessidade de uma educação eficiente em larga escala, adequada às novas necessidades produtivas da sociedade capitalista. Por isso, uma de suas maiores ênfases se dá nos trabalhos manuais realizados pelos estudantes: aquilo que era anunciado como estímulo à criatividade, tratava-se, na verdade, do desenvolvimento de uma moral do trabalho (MANACORDA, 2006).

Saviani (2008) destaca que o escolanovismo se baseia no “humanismo moderno” e predominou no cenário educativo brasileiro de 1945 a 1960. A partir de 1960, ao longo da ditadura militar, passa a ter predominância a pedagogia tecnicista. Nesta concepção pedagógica, o processo de ensino-aprendizagem fica restrito a questões técnicas, dentro da perspectiva idealista da neutralidade científica e da lógica capitalista da eficiência. Na pedagogia tecnicista os meios tecnológicos passam a ocupar lugar de destaque (CANDAU, 1983).

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não foram capazes de ultrapassar essa limitação da Educação enquanto “esclarecimento”, ou libertação da ignorância, rumo a uma educação que visasse efetivamente à transformação da sociedade (GADOTTI, 2005).

Paulo Freire, especialmente a partir da obra Pedagogia do Oprimido, realiza, no campo da educação, a superação da tradição educativa idealista. Freire busca pensar uma educação em consonância com a práxis, na qual a conscientização dos oprimidos a respeito da situação de opressão fosse a chave para a sua superação, rumo ao ser-mais (FREIRE, 1977; 2005). Este processo não seria possível a partir da inculcação dos valores do educador no educando, o que Freire chamou de “concepção bancária de educação”. Este procedimento apenas reproduziria, na forma pedagógica, o mecanismo da opressão. Para Freire, o processo de educação para a libertação da opressão deveria ser coletivo e dialógico, onde educador e educando fossem construindo novas formas de ler o mundo, mais amorosas, inventivas, libertárias (FREIRE, 2006).

Freire (2005, p.58) repercute a idéia da tomada de consciência com vistas à transformação da realidade, mediante a ação coletiva, ao afirmar emblematicamente na Pedagogia do Oprimido que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Com esta proposição, Freire ataca frontalmente a atitude jesuítica tão presente em nossa tradição educativa brasileira, personificando-a através da “educação bancária”, segundo a qual o educador, iluminado, deposita o conhecimento na cabeça do aluno (do latim alumno – “aquele que está sendo alimentado” [Dicionário Etimológico, 2012]). Freire (2005) enfatizou que a conscientização não era um fim a ser atingido pela Educação Popular: a conscientização era, ela mesma, a metodologia da Educação Popular. Esta radical fusão entre meios e fins está no coração da Teoria Pedagógica e da Teoria do Conhecimento da Educação Popular. Não há Educação sem conscientização, e não há conscientização sem comunhão entre os homens, na perspectiva da transformação da sociedade. Não se pode chegar à conscientização através do dirigismo. Não se pode transformar a sociedade no sentido da libertação de opressão, sem eliminar completamente a opressão do método pedagógico. Isto tem repercussões profundas sobre as práticas educativas formais e informais.

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...a prática pedagógica de Freire contém uma teoria da educação que vislumbra uma permanente e ilimitada experiência dialógica, voltada à tarefa histórica, de que os oprimidos possam não só se libertar como também libertar os seus opressores. (MELO NETO, 2011, p. 126)

Entretanto, tal diálogo não é um diálogo qualquer. Ele tem características especiais: “O eu dialógico freireano tem clareza de que a sua constituição está no tu, o outro.” (idem, p. 122). É um diálogo que reconhece uma legitimidade fundamental no outro. A partir deste encontro, abre-se a possibilidade de uma ação problematizadora.

Esta pedagogia baseada no diálogo, na medida em que não só reconhece o “tu”, mas também reconhece que vivemos em uma sociedade atravessada pelas relações de opressão (FREIRE, 2005), passa a constituir a expressão pedagógica da interpretação que Gramsci faz da filosofia da práxis.Freire pensa a educação como conscientização para a transformação da sociedade. Esta educação prende-se à superestrutura até a Pedagogia do Oprimido (2005), e a partir da sua experiência em Guiné-Bissau, passa a refletir mais sobre a estrutura: o trabalho de libertação é a educação, a luta libertadora é a educação (FREIRE, 1978). Com este movimento em direção à práxis revolucionária, Freire supera as limitações da Escola Nova, sua ambiguidade de querer libertar, ao mesmo tempo em que conforma os homens a uma dada realidade social. Em Freire (2005; 2006), o processo educativo é sempre transformação em direção ao ser-mais, à libertação das condições da opressão, em direção à instauração do diálogo.

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1.5 EM BUSCA DE CONCEPÇÕES DIALÉTICAS DE SAÚDE

As práticas hegemônicas de saúde dão-se num contexto onde as bases conceituais que lhes emprestam sentido formam um “grupo de representações que não se encontra explicitado em nenhum lugar, embora seja ubíquo” (CAMARGO Jr, 1990, p.08). Isto também se aplica à formação dos profissionais de saúde. Um dos exemplos deste processo é como a corporeidade é trabalhada na formação médica. Quando os estudantes, muitos ainda adolescentes, logo no primeiro período dos cursos da área da saúde entram em contato com cadáveres nas aulas de anatomia, sem qualquer preleção introdutória sobre os significados da morte, da corporeidade, etc., são subitamente introduzidos em um universo de representações que dão sustentação ao estatuto de cientificidade da biomedicina. O corpo, representado pelos cadáveres, é tomado como um objeto sólido, inerte, sem historicidade, sem autonomia, no qual a doença surge e se manifesta (FOUCAULT, 2001). A isto se associa uma mitologia, magistralmente desmascarada por Foucault (2001), segundo a qual a medicina científica se desenvolveu quando, rompendo as proibições da Igreja medieval, passou-se a dissecar cadáveres sistematicamente: na verdade, antes da assunção da dissecção como fundante da medicina científica, foi necessário que se assumisse o corpo, enquanto objeto sólido, espacialmente bem definido, como lócus da doença, entendida como lesão anatômica, concreta, visível.8 Até hoje, os cadáveres e os discursos que se produzem em torno deles ocupam lugar central nos primeiros anos do curso de medicina (LUZ, 2004b; FROTA, 2006; IGARASHI, 2006). A assunção disto como “natural” é um procedimento típico do positivismo, que pretende transformar em dados os elementos da realidade, despojando-os de seus determinantes histórico-sociais (MELO NETO, 2004; FEITOZA, 2008).

A ausência de reflexões sobre as práticas é encoberta pelo dia-a-dia atribulado das disciplinas hegemônicas do campo da saúde (VASCONCELOS, 2006). Há muitas informações a memorizar, muitas aulas para assistir. O debate e a discordância são vistos como anomalias. Não há opiniões pessoais, tudo é natural, tudo é dado desde o princípio. Há uma vultosa ideologia subjazendo cada ato. Ideologia, no entanto, invisível no primeiro plano:

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é o “tradicional”, o “comigo foi assim também” ouvido de confidentes mais velhos, etc. (IGARASHI, 2006; PEREIRA, 2006). Enquanto as categorias fundamentais que dão sentido à prática do cuidado, como “vida”, “saúde”, “sofrimento”, “cura”, “felicidade”, “autonomia”, etc. carecem da devida consideração, a imensa gama de informações que compõem classicamente o campo da saúde é amarrada por um “feixe algo caótico de fragmentos de discurso científico, carente de organicidade, que forma uma espécie de ´corpo teórico´ paracientífico” (CAMARGO Jr, 1990, p.10).

Não só como conceitos fragmentários, como representações, no âmbito do senso comum, mas também academicamente, as definições fundamentais do campo da saúde enfrentam obstáculos. Almeida Filho (2000) chega a definir o conceito de saúde como um ponto-cego, quase impossível de delimitar com precisão, sobre o qual se apóiam, precariamente, as ciências da saúde e da doença.

As fragilidades das concepções restritivas de saúde oriundas do mecanicismo e do positivismo levaram ao surgimento de críticas que têm se avolumado até hoje (COELHO & ALMEIDA FILHO, 1999). Estas críticas levaram à necessidade de concepções ampliadas. Talvez a mais emblemática delas seja aquela expressa em uma das atas de fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1948, s/n): “Saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.” Almeida Filho (2000) ironiza este “estado de completo bem estar físico, mental e social”, apontando-o como uma tentativa de reinventar o nirvana no ambiente desolador do pós-guerra. Apesar das críticas, tal definição foi reafirmada na Conferência de Alma-Ata, de 1978, que teve por tema os “Cuidados Primários de Saúde”, colocados como estratégia para atingir a meta denominada “Saúde para todos no ano 2000” (OMS, 1978), bem como na conferência sobre promoção da saúde de Ottawa em 1986 (OMS, 1986).

No Brasil, temos o conceito (ampliado) de saúde cunhado durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, expresso em seu relatório final (BRASIL, 1986, p.4):

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Tal definição é estratégica, pois introduz no debate sanitário brasileiro a noção marxista de “formas de organização social da produção”, das quais as condições de saúde seriam uma resultante. Em outro trecho, o Relatório da VIII Conferência diz (BRASIL, 1986, p.04):

A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas.

Aí se manifestam, também, outros elementos do materialismo histórico-dialético: a recusa de uma compreensão, no caso, de saúde, descolada da realidade, abstrata; sua definição “em processo”, o que remete à dialética e à práxis; finalmente, a referência à saúde como “conquista da população” faz uma referência direta à luta de classes e ao compromisso com a transformação da realidade e não apenas sua mera compreensão (MARX, 2010). A VIII Conferência consagrou uma definição de saúde muito importante no momento da redemocratização brasileira, tendo como conseqüência política a determinação constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado. A mobilização social e política ocorrida à época foi decisiva na promulgação da Constituição de 1988, que hoje é o marco legal do maior sistema público de saúde do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Embora representem evidentes avanços em relação às concepções tradicionais de saúde, os conceitos totalizantes criaram dificuldades teóricas e práticas, já que a saúde, considerada em seu sentido pleno, acaba por abarcar a própria totalidade da vida (CZERESNIA, 1999). Promovê-la, neste sentido, requereria ações do Estado como um todo e dos sujeitos individuais (esbarrando, por exemplo, no princípio da autonomia), transcendendo fronteiras setoriais e de áreas de conhecimento. Inúmeros obstáculos se interpõem a essa tentativa de integração total. Nem mesmo a propalada abordagem bio-psico-social foi capaz de superar a fragmentação dos elementos “bio”, “psico” e “social”, a despeito de abrigarem-se sob uma mesma expressão semântica. Estas dificuldades levam a saúde pública a adotar um discurso oficial de “Promoção de Saúde”, mas operar, na prática, programas voltados para a prevenção de doenças (CZERESNIA, 1999). Em outras palavras, temos conceitos novos, que de fato ajudam a analisar as velhas práticas sob um novo prisma, porém as novas práticas, esta é a opinião da autora citada, ainda se dão sob a égide do paradigma da saúde como ausência de doenças.

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Gráfico 1 - Distribuição semanal de carga horária por módulo  do 1 o ao 8 o  semestres

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