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Perfil do profissional / Competências, atitudes e habilidades do

3.3 FUNDAMENTOS CURRICULARES

3.3.4 Perfil do profissional / Competências, atitudes e habilidades do

No “Perfil do profissional egresso” (idem, p.20), repetem-se as características já mencionadas nos itens anteriores, que incluem aspectos técnicos, emocionais, sócio-políticos e éticos, sem no entanto, integrá-los em uma práxis de efetiva construção coletiva. Na descrição do perfil, por exemplo, projeta-se:

a) Profissional emocionalmente equilibrado, apto para lidar com suas próprias dificuldades existenciais, e capaz de transmitir, à comunidade e aos pacientes, a confiança e segurança indispensáveis ao exercício da profissão médica;

b) Formação moral, ética e humanística indispensáveis ao exercício digno da profissão de Médico, fazendo-se merecedor da irrestrita confiança que lhe será dispensada na relação Médico-Paciente, na interação com os colegas médicos, com outros profissionais da equipe de saúde e com a comunidade;

c) Visão social do papel do Médico, compromisso com a cidadania, levando-o a aceitar atividades de planejamento, gestão e política de saúde que lhe forneçam os meios para atingir seus objetivos profissionais;

d) Senso de responsabilidade profissional, com capacidade para a auto- avaliação, a aprendizagem continuada e o espírito científico que o conduza à observação, à análise e produção de soluções para os problemas de saúde; e) Domínio de conhecimentos e habilidades necessários à Vigilância à Saúde, à atuação em nível primário e secundário de atenção à saúde, à solução dos problemas prevalentes de saúde e ao primeiro atendimento das urgências e emergências;

f) Capacidade de comunicação inter-pessoal e de comunicação com grupos e comunidades.

Podem-se vislumbrar neste perfil profissional uma mescla de elementos das Diretrizes Curriculares (BRASIL, 2001) e de imagens-objetivo do Pró-Saúde (BRASIL, 2007). Entretanto, é possível perceber uma representação idealizada da figura do médico, que deverá ser “merecedor da irrestrita confiança”, dispensada não apenas pelos pacientes, mas pelos colegas e demais profissionais. Mesmo admitindo-se que o médico deve ser digno e confiável, a suposição de que ele será o depositário de irrestrita confiança evoca a figura tradicional do médico como chefe de equipe, inquestionável, dono da verdade, etc. Tais elementos reforçam a hipótese de que o PPP é um documento redigido de forma fragmentária, com fins estratégicos, resultando numa colcha de retalhos que busca contemplar grupos ideológicos

heterogêneos, que a partir de um movimento de reforma e insatisfação com o perfil dos médicos, influenciou a reforma do curso de Medicina da UFPB, sem, contudo, considerar as pertinências e divergências locais.

Embora se reconheça como legítima a ênfase na dotação de diversas habilidades no formando, este “super-homem de jaleco branco” está em desacordo com uma visão do cuidador como alguém que não tem a pretensão de uma saúde perfeita, nem para si, nem para o outro, ou seja, alguém cuja consciência da própria insuficiência e limitação constituísse aquele pressuposto, já apontado por Freire (2005) para a verdadeira abertura dialógica. Aqui é preciso retomar a noção de “cuidador ferido”, que Eduardo Vasconcelos (2006) recupera a partir da figura de Omolu, o orixá curandeiro, que percorria as aldeias mitigando o sofrimento de todos, trajando a vestimenta de palha que ocultava seu corpo coberto de chagas e cicatrizes. Segundo este autor, é importante notar que, no próprio enfrentamento das dores da vida, o renegado deus Omolu foi desenvolvendo as habilidades que o capacitavam a curar. Este mito marca simbolicamente a necessidade de os profissionais da saúde reconhecerem-se limitados, tocados pela fragilidade e pela dor, para que sejam capazes de perceber e partilhar a dor do Outro. Assim, segundo Eduardo Vasconcelos (2006), para além de uma aparente contradição, “estar ferido” é um dos pressupostos do cuidado. Aquele que cuida e aquele que é cuidado, ambos feridos, estão relacionados dialeticamente no processo terapêutico, sem, é prudente lembrar, que abdiquem do papel que lhes cabe. O curador não tem o direito de vampirizar o paciente, seu papel é o de cuidar (VASCONCELOS, Eduardo, 2006). Neste sentido, da mesma maneira que, no tocante à Educação, Freire (2005) já havia pontuado que “ninguém educa ninguém”, pode-se arriscar a dizer que, na Saúde, ninguém cura ninguém: o processo terapêutico é uma construção compartilhada.

Retomando as considerações apresentadas na Introdução deste trabalho e no capítulo 2, a partir da análise que Lampert (2002) e Feuerwerker (2002; 2004) fazem dos processos de mudanças nas escolas médicas, pode-se inferir que os arranjos curriculares por vezes constituem-se em “farsas estratégicas” capitaneadas por setores progressistas como um avanço possível e admitidas pelos setores conservadores como concessão inevitável, resultando em mudanças mais ou menos parciais do núcleo duro da estrutura curricular. Neste trabalho, procura-se realizar a análise deste caráter de “farsa estratégica”, como já mencionado, a partir da análise dos conceitos de Educação e Saúde presentes no PPP, a partir de uma leitura da práxis, em que se percebe qual a relação entre teoria e prática estabelecida no PPP, no que se refere aos conceitos mencionados.

Neste sentido, chegando ao final da “leitura horizontal e exaustiva” (momento metodológico da ferramenta hermenêutica dialética) da primeira parte do PPP, impõe-se a pergunta: como o PPP preconiza a implementação prática destas metodologias, destas “missões” curriculares? Como se operacionaliza a consecução destes objetivos tão abrangentes e ousados, embora permeados de ambiguidades já mencionadas, no que tange aos conceitos de Saúde e Educação? É o que se tentará compreender e discutir na análise da estrutura curricular. De que forma o PPP descreve os módulos componentes do currículo? Como e onde eles se desenvolvem? Quais são os objetivos de cada módulo? Quais as disciplinas e departamentos envolvidos? Há lógicas sequenciais na disposição dos módulos? Qual a disposição quantitativa, em termos de carga horária?. Quais as lógicas de avaliação indicadas? Estas lógicas apontam para quais concepções de Saúde e Educação? A práxis, como elemento dos conceitos dialéticos de Saúde e Educação, está presente na proposta pedagógica do curso?

3.4 ESTRUTURAÇÃO DOS MÓDULOS CURRICULARES

No currículo proposto no PPP, destaca-se a estruturação prevista pela resolução 34/2004 da UFPB, que divide os currículos em um currículo “nuclear”, em que se inserem os conteúdos “básicos profissionais”, e um currículo “complementar”, em se prevê a inserção de atividades complementares, sendo estas divididas em obrigatórias, optativas e flexíveis (UFPB, 2007). Como já foi comentado em relação à resolução 34/2004, esta divisão entre currículo nuclear e complementar pode criar uma estruturação hierárquica de saberes disciplinares que pode favorecer as ideologias hegemônicas conservadoras no interior da escola médica. Por exemplo, o que se considera nuclear e o que se considera complementar? Seriam especialidades bastante limitadas em seu olhar sobre o indivíduo, como a Oftalmologia ou a Medicina Nuclear, por exemplo, conteúdos nucleares ou complementares na formação do médico? E os conteúdos relacionados à Saúde Coletiva, à Educação Popular em Saúde, à humanização, à criação de vínculos com a comunidade e com os indivíduos, seriam considerados no PPP como conteúdos básicos profissionais ou complementares? Com este olhar, passa-se à leitura da referida proposta pedagógica, que baseia-se em uma estrutura modular (UFPB, 2007, p.26):

O módulo é definido como uma unidade didática constituída por um conjunto de conteúdos, de uma ou várias disciplinas, a ser desenvolvido de

modo integrado e articulado. Nesta proposta curricular, os conteúdos dos

módulos estão organizados a partir dos Sistemas do corpo humano.

Exemplo: o MIV9 (módulo vertical seis)- estuda o Sistema Digestório nos seguintes aspectos: histologia, anatomia, fisiologia, embriologia e genética. Atualmente, esses conteúdos são abordados por cinco disciplinas diferentes sem que haja articulação entre si. Noutro sentido, o módulo poderá ser

organizado a partir de condições gerais do ser humano. Exemplo:

MIV36- Assistência à saúde do idoso.

O conjunto de disciplinas de um módulo pode ser intra ou interdepartamental.

Percebe-se a ênfase, no trecho citado, à integração de diferentes disciplinas, que seria conquistada através da reunião destas no interior dos módulos. Estes passam a ser organizados através dos Sistemas orgânicos, ou a partir de condições gerais. Este foi o procedimento das escolas de Marília e Londrina: em substituição das disciplinas de Embriologia, Anatomia e Histologia, por exemplo, estruturam-se os módulos divididos por sistemas orgânicos, por partes do corpo. Por exemplo, no módulo de Sistema Nervoso, estudam-se, no mesmo módulo, os aspectos embriológicos, anatômicos e histológicos deste sistema.

Os módulos estão dividos em Módulos Interdisciplinares Verticais (MIVs) e Módulos Horizontais. Os MIVs são descritos como (idem, ibidem):

Esse(s) módulo(s) se desenvolve(m) continuamente, durante um determinado período ao longo do semestre letivo, variando a carga horária de acordo com os conteúdos a serem trabalhados. Os módulos verticais ocorrem um por vez, ou até três módulos simultaneamente e em turnos diferentes.

Por sua vez, o Módulo Horizontal se caracteriza por ser longitudinal, ou seja, desenvolver-se ao longo de semestres letivos, perpassando todo o Curso, ocupando algumas horas semanais. Os módulos horizontais estão divididos em (idem, ibidem):

 Módulo Prático-integrativo (Horizontal “A”) – Esse módulo tem por objetivo constituir um espaço de integração de todas as atividades curriculares. Está formulado, em seus diversos momentos, a partir da problematização de situações clínicas ou sociais específicas, surgidas em cada cenário.

 Módulo Técnico-reflexivo (Horizontal “B”) -Integra os conteúdos referentes à formação humanística, cultural e ética do estudante de medicina. O currículo contempla a compreensão do homem como ser psico - somo-sociocultural, privilegiando o atendimento Integral da Pessoa do doente. O estudante deverá conhecer a si mesmo dentro do seu processo de formação e se re-conhecer na Relação Estudante/Médico-Paciente proporcionando uma formação menos asséptica e mais humanística. Entre outros conteúdos, esse eixo abordará o desenvolvimento psicossocial do estudante, aspectos da Medicina Preventiva e Social, a Relação Médico-Paciente, aspectos éticos e bioéticos da Medicina e do profissional médico.

Os conteúdos básicos profissionais compõem, no mínimo, 84% da carga horária total do curso, e são constituídos pelos Módulos Interdisciplinares Verticais (MIVs) e pelo estágio curricular obrigatório em serviço, o Internato. Os conteúdos complementares são representados pelos Módulos Horizontais A (MHAs), Módulos Horizontais B (MHBs), os Módulos Complementares Obrigatórios (MCOs), os Módulos Complementares Optativos (MCOPs) e os Módulos Complementares Flexíveis (MCFs). O quadro 4 esquematiza esta divisão, enquanto o gráfico 1 expõe a divisão semanal das cargas horárias destes diferentes componentes curriculares.

Quadro 4 – Componentes curriculares do curso de Medicina – 2007 CURRÍCULO NUCLEAR

(84% da carga horária total)

Módulos Interdisciplinares Verticais (MIVs) Internato (Estágio curricular obrigatório em serviço)

CURRÍCULO COMPLEMENTAR

Módulos Horizontais A (MHAs) (“prático-integrativo”) Módulos Horizontais B (MHBs) (“teórico-reflexivo” -

formação humanística”)

Módulos Complementares Obrigatórios (MCOs) Módulos Complementares Optativos (MCOPs)

Módulos Complementares Flexíveis

(Fonte: adaptado de UFPB, 2007)

(Fonte: adaptado de UFPB, 2007)

Módulos Interdisciplinares Verticais (MIVs) 67% Módulos Prático- integrativos (MHAs) 17% Módulos Prático- reflexivos (MHBs) 5% Módulos Optativos (MCOs e MCOPs) 11%

Gráfico 1 - Distribuição semanal de carga horária por módulo do 1o

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