2º Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação
Fundamentos de Enfermagem de Reabilitação
Projecto de Aprendizagem
Elaborado por:
Enfº Bruno Noronha (200927297)
Orientado por:
Enfº Especialista Luís Sousa
Índice
Introdução……….1
Fundamentação……….3
Conclusão………....23
Bibliografia………..24
Anexo 1 – Sistematização dos objectivos específicos
Anexo 2 – Avaliação da robustez dos objectivos do Projecto de Aprendizagem
Anexo 3 – Cronograma
Introdução
Este projecto de aprendizagem surge no contexto de um Curso de Pós-Licenciatura de
Especialização em Enfermagem
1, pelo que se torna relevante enquadrar o seu porquê
numa lógica individual que ao mesmo tempo se intersecta com um projecto profissional.
Na medida em que ser enfermeiro é sê-lo numa dialéctica relacional, onde o cuidar do
OUTRO implica sempre alguma transformação do EU, é importante perceber quais os
fundamentos e caminhos que levaram ao projecto que aqui se apresenta.
O que se encontrará explanado nas próximas páginas é a continuidade de um percurso
profissional que se iniciou em Cuidados de Saúde Primários e transitou para cuidados
hospitalares
em
ambiente
pediátrico,
tendo
havido
ainda
oportunidade,
simultaneamente, para prestar cuidados a populações adultas e idosas tanto em contexto
hospitalar como comunitário.
É também reflexo de aprendizagens feitas no domínio do direito da saúde, da gestão em
saúde e da regulação profissional da Enfermagem, que tiveram sempre como eixo
orientador a actividade de Cuidar não só enquanto cerne da intervenção de Enfermagem
mas também como filosofia de vida.
É com base na crença deste cuidar enformador de uma sociedade “cuidadora” que surge
a opção pela via da Enfermagem de Reabilitação. É a objectivação de uma necessidade
sentida em dotar a minha intervenção profissional das competências necessárias para
capacitar pessoas de “todas as idades, que estão impossibilitadas de executar
actividades básicas, de forma independente, em resultado da sua condição de saúde,
deficiência
2, limitação da actividade
3e restrição de participação
4, de natureza
1
Enfermagem – a enfermagem como parte integrante do sistema de cuidados de saúde engloba a
promoção da saúde, a prevenção da doença e os cuidados a pessoas de todas as idades com doença física,
doença mental ou deficiência, em todas as organizações de cuidados de saúde e noutros locais da
comunidade. De entre a amplitude dos cuidados de saúde, o fenómeno que mais importa aos enfermeiros
é a resposta aos problemas de saúde reais ou potenciais de indivíduos, famílias e grupos. As respostas
humanas a estes problemas variam grandemente, desde reacções de recuperação da saúde perante
episódios individuais de doença, ao desenvolvimento de políticas de promoção de saúde de uma
população (ICN, 2002).
Enfermagem é a profissão que, na área da saúde, tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao
ser humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de
forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade
funcional tão rapidamente quanto possível (Decreto-Lei 161/96 de 4 de Setembro).
2
Deficiência – problema nas funções ou na estrutura do corpo, tais como, um desvio importante ou uma
perda. Podem ser parte ou uma expressão de uma condição de saúde, mas não indicam, necessariamente,
a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente (CIF; DGS, 2004).
permanente ou temporária”, de forma a terem uma “qualidade de vida” suportada pela
“reintegração e participação na sociedade” (Ordem dos Enfermeiros, 2009). Na mesma
linha de pensamento surge a dialéctica entre o modelo médico e modelo social (CIF;
DGS, 2004), havendo aqui uma opção pela integração de ambos, sustentada por uma
abordagem de Enfermagem. No modelo médico a incapacidade é considerada como um
problema da pessoa, causado directamente pela doença, trauma ou outro problema de
saúde, que requer assistência médica sob a forma de tratamento individual por
profissionais. Os cuidados em relação à incapacidade têm por objectivo a cura ou a
adaptação do indivíduo e mudança de comportamento. O modelo social de incapacidade
considera a questão como um problema criado pela sociedade e como uma questão de
integração plena do indivíduo na mesma. A incapacidade não é vista como um atributo
do indivíduo mas como um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas
pelo ambiente social, pelo que se impõe proceder às modificações ambientais
necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas
da vida social.
Além da componente operacional deste Projecto existe outra de natureza conceptual,
sendo que uma constitui o substrato que fundamenta a outra. Porém, ambas estão
construídas em torno de eixos centrais, nomeadamente:
•
Uma abordagem construtivista da aprendizagem (Berbaum, 1993).
•
O constructo sociológico da especialização em enfermagem, para o qual
concorrem conceitos como cuidar, prática ética e deontológica, formação e
desenvolvimento profissional, prática clínica especializada, gestão de cuidados,
qualidade em saúde e intervenção sócio-política.
•
A utilização de linguagens classificadas enquanto suporte simbólico que permite
a troca de informação intra e interprofissional, assim como a indexação dos
resultados em saúde a conceitos inteligíveis pelos diversos actores do sistema, e
de escalas, que permitem a atribuição de valores a esses mesmos resultados.
Aqui destaca-se a Classificação Internacional de Doenças (CID), a Classificação
Internacional de Funcionalidade (CIF) e a Classificação Internacional para a
Prática de Enfermagem (CIPE).
3
Actividade – é a execução de uma tarefa ou acção por um indivíduo. Limitações da actividade –
dificuldades que um individuo pode encontrar na execução de actividades (CIF; DGS, 2004).
4
Participação – envolvimento numa situação da vida. Restrição de participação – problemas que um
indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações reais da vida (CIF; DGS, 2004).
Fundamentação
Como expresso na introdução, este Projecto de Aprendizagem só faz sentido quando
enquadrado no desenvolvimento de competências especializadas em Enfermagem de
Reabilitação. Sendo assim, importa dissecar alguns conceitos chave:
•
O processo de aprendizagem: a abordagem construtivista (Berbaum, 1993) da
aprendizagem favorece um pensamento divergente (Kagan, 1966; cit. por
Abreu, 2001) que, por sua vez, permite o raciocínio complexo (Hesbeen, 2000).
É através de metodologias formativas centradas no formando (Mucchielli, 1981;
Balcells; Martin, 1985) que este tipo de raciocínio, essencial à resolução dos
problemas que se colocam aos enfermeiros quando estes abordam os clientes na
perspectiva de corpo-sujeito (Hesbeen, 2000), se desenvolve e capacita os
alunos a exercerem a sua profissão de forma reflexiva e autónoma. Uma
característica fundamental da abordagem construtivista da aprendizagem é a
motivação (Berbaum, 1993; Rodrigues, 1986; Mucchielli, 1981). Por outro lado,
uma abordagem comportamentalista da aprendizagem (Berbaum, 1993)
desenvolve um pensamento convergente (Kagan, 1966; cit. por Abreu, 2001)
que se operacionaliza através de um raciocínio complicado (Hesbeen, 2000) e
que serve para dar resposta aos problemas colocados pela abordagem ao doente
enquanto corpo-objecto (Hesbeen, 2000). Esta abordagem comportamentalista
substancia-se em metodologias formativas centradas no formador (Mucchielli,
1981; Balcells; Martin, 1985) e promove a reprodução de comportamentos, que
se traduz numa concepção do trabalho de enfermagem à tarefa e numa postura
profissional passiva.
Aspectos fundamentais na abordagem construtivista da aprendizagem são as
características individuais dos formandos, na medida em que é o indivíduo, em
função da hereditariedade, do meio físico, do meio social, da organização
cognitiva, das aquisições que fez anteriormente e do seu projecto pessoal, que
vai determinar os conhecimentos e as competências a desenvolver (Piaget;
Chomsky, 1979, cit. por Berbaum, 1993).
Um aspecto central na abordagem feita ao processo de aprendizagem neste
Projecto são os ensinos clínicos. Como sustenta Bento (1997) é nos ensinos
clínicos que os estudantes de enfermagem se socializam profissionalmente e
desenvolvem as representações profissionais que sustentarão as suas práticas
profissionais. Nesta óptica, pode-se abordar os contributos teóricos de Mowrer,
Bandura (1977, cit. por Berbaum, 1993) e Rotter (1964) (cit. por Berbaum,
1993) de forma a entender a influência das práticas clínicas na moldagem da
expressão do conceito de cuidar desenvolvido pelos estudantes na prestação de
cuidados. Mowrer (cit. por Berbaum, 1993) fornece um contributo importante à
teoria da aprendizagem social e constitui um ponto de transição, com a inclusão
dos aspectos cognitivos como variáveis intervenientes e com funções
motivacionais. Para o autor, o processo de aprendizagem é menos uma questão
de fortalecimento de ligação entre estímulo e resposta e mais o desenvolvimento
de atitudes, significados e expectativas. Mowrer desenvolveu a sua teoria dos
dois factores ao tentar descrever a aprendizagem através de dois processos
diferentes. Na aprendizagem de sinal ou condicionamento clássico (perspectiva
comportamentalista), que é em grande medida involuntário, o indivíduo adquire
aquilo que pode ser designado por expectativas, predisposições ou crenças. É
através deste processo que as emoções e os impulsos secundários se ligam a
novos estímulos. Na aprendizagem de solução de problemas (perspectiva
construtivista) o indivíduo adquire uma resposta que é solução de problema,
quer se trate de impulsos primários ou secundários, em função das
consequências que se seguem à resposta. Bandura (1977), por seu lado,
conceptualiza o funcionamento psicológico do indivíduo numa perspectiva
interaccionista em que os processos causais são encarados num determinismo
recíproco entre as influências ambientais, o comportamento e os aspectos
cognitivos. Esta modelação, para além de permitir a aquisição de novos
comportamentos, estilos de pensamento e conduta, tem ainda funções de
fortalecimento ou enfraquecimento das inibições sobre comportamentos
previamente aprendidos pelo observador. No seu conjunto, as influências da
modelação podem ter funções de instrução, inibição e desinibição, facilitação,
amplificação do estímulo e estimulação das emoções. Rotter (1964, cit. por
Berbaum, 1993) apresenta uma teoria de aprendizagem social em que utiliza
conceitos básicos na avaliação e previsão do comportamento, que são
designados por potencial de comportamento, expectativa de reforço, valor do
reforço e especificidade da situação psicológica. O potencial de comportamento
refere-se ao potencial de ocorrência de um dado comportamento numa dada
situação ou conjunto de situações, relativamente à obtenção de um dado reforço
ou conjunto de reforços. A expectativa de reforço diz respeito à probabilidade,
avaliada pelo indivíduo, de que um determinado reforço ocorrerá em função, ou
como consequência, de um comportamento específico da sua parte, numa dada
situação ou conjunto de situações. O valor do reforço refere-se ao grau de
preferência por um dado reforço, considerando que as possibilidades de
ocorrência dos reforços existentes seriam todas iguais. A especificidade da
situação psicológica refere-se a qualquer componente da situação ou à sua
totalidade, e à qual o indivíduo está a reagir. O comportamento não ocorre no
vazio e cada pessoa reage continuamente a diferentes aspectos do seu meio
externo e interno, duma forma consistente com a sua experiência, que se pode ir
alterando progressivamente.
•
Cuidar, cuidados de enfermagem e necessidade de cuidados: constituindo-se o
cuidar como o cerne da actividade dos enfermeiros (Hesbeen, 2000; Honoré,
2001; Collière, 2003) importa aqui clarificar o que se entende por cuidar,
cuidados de enfermagem e necessidade de cuidados.
Cuidar pode ser visto como prestar atenção a alguém ou a algo, atitude de estar
atento, no sentido de se ocupar do seu bem-estar ou do seu estado, do seu bom
funcionamento. Se limitado ao campo da saúde, o conceito de prestar cuidados
ou cuidar designa essa atenção especial que se vai dar a uma pessoa que vive
uma situação particular, com vista a ajudá-la a contribuir para o seu bem-estar e
a promover a sua saúde. Esta atenção enquadra-se na perspectiva de um
profissional que presta ajuda à pessoa que necessita de cuidados na sua situação
singular, utilizando as competências profissionais que caracterizam os actores de
diversas profissões (Hesbeen, 2000). As tarefas dos profissionais de saúde
dirigem-se, frequentemente, a corpos-objectos ao passo que a realidade dos
cuidados confronta cada pessoa com a inesgotável riqueza da complexidade do
ser humano, ou seja com o corpo-sujeito (Hesbeen, 2000). O corpo-objecto ou
corpo que se tem é aquele em que se baseou a medicina científica de hoje. O
corpo-sujeito ou corpo que se é, é aquele que não se pode limitar a um conjunto
de orgãos, de membros e de funções. É diferente da soma das partes que o
compõem. É aquele em que a abordagem sistemática não pode dominar porque é
animado de uma vida particular feita de projectos, de desejos, de prazeres e de
motivação. O corpo que se é é aquele que não pode submeter-se inteiramente à
racionalidade, nem corresponder perfeitamente às teorias e aos instrumentos
utilizados pelos profissionais. É por isso que o outro (indivíduo em geral) tem
necessidade de uma atenção particular e não de actos, palavras ou até acções.
Nesse sentido, a ajuda singular dos prestadores de cuidados que se situa
verdadeiramente no âmbito do cuidar não se pode basear senão na consideração
do corpo-sujeito segundo os diferentes aspectos que o caracterizam. Nesta lógica
a ajuda que se pode prestar é mais importante do que o “como” da doença, do
que o sentido e o seu “porquê”. Ora, como sustenta Paul Ricoeur citado por
Hesbeen (2000) “o Homem tem necessidade de amor, (…); tem ainda mais
necessidade de justiça; mas tem sobretudo necessidade de sentido”. Assim, será
função dos enfermeiros “ajudar os seres humanos a viver o corpo que são apesar
das vicissitudes do corpo que têm” (Hesbeen, 2000). Das grandes passagens que
marcam a vida podem surgir certas mudanças e rupturas, devido ao
aparecimento de uma doença. Quando a doença se instala atinge determinado
orgão ou perturba o conjunto do organismo, mas não atinge apenas o organismo.
Atinge primeiramente a pessoa afectada, bloqueando as suas capacidades de
viver. Muitas vezes isto é o mais duramente sentido, sobretudo quando atinge as
capacidades vitais mais comuns mas, ao mesmo tempo, mais fundamentais
(como, por exemplo, a capacidade de eliminar). Cabe aos enfermeiros a
iniciativa e a decisão de manter as capacidades que ainda restam ao indivíduo e
procurar compensar as deficiências funcionais ocasionadas pela doença. Assim,
a montante e a jusante do tratamento da doença, que depende da decisão médica,
estão a iniciativa e a decisão da enfermagem, baseadas na análise das
deficiências funcionais provocadas pela doença. O conceito de saúde/doença
aqui presente remete para a explicitação das deficiências funcionais e das suas
manifestações relacionadas com a consciencialização da forma como isso se
revela à pessoa que se depara com a incapacidade. Compete também aos
enfermeiros, em complementaridade com outros elementos da equipa, no
domínio dos cuidados de manutenção de vida e de acompanhamento, o que é da
ordem do remédio: remediar significa evitar transpor um limiar de não regresso,
evitar o agravamento. Exemplifica-se com o que se passa no domínio do alívio
da dor por relaxamento, por massagem; ou então para facilitar o sono, tendo em
conta diferentes meios socioculturais. Porém, os remédios só ganham sentido se
enraizados nos cuidados; situam-se entre os cuidados e os tratamentos (Collière,
2001). Poder-se-á dizer, então, que cuidar indica uma maneira de se ocupar de
alguém, tendo em consideração o que a pessoa precisa segundo a sua própria
natureza, ou seja, segundo as suas necessidades, os seus desejos e os seus
projectos de vida. Assim, o resultado esperado da acção cuidadora é que a
pessoa possa continuar a viver a sua vida e a manter-se nela com o máximo de
bem-estar. Neste quadro identifica-se igualmente três intenções da acção de
cuidar: a intenção de reparar; a intenção de satisfazer, de contentar; a intenção
de formar, de educar, de acompanhar em desenvolvimento. A primeira diz
respeito mais especificamente ao sofrimento, a segunda ao prazer e a terceira ao
suporte e à plenitude no percurso de vida de cada pessoa (Honoré, 2001).
Collière (2003) reforça estes conceitos no sentido em que “nenhum tratamento
se pode substituir aos cuidados. Pode-se viver sem tratamentos mas não se pode
viver sem cuidados. Mesmo quando se está doente, nenhum tratamento se pode
substituir aos cuidados”. De facto, os tratamentos têm como finalidade
circunscrever a doença, se possível detê-la ou, pelo menos, atenuar os seus
efeitos, limitar os prejuízos e suprir a diminuição ou a perda de propriedades
funcionais e orgânicas. Os tratamentos não podem nem devem em nenhum caso
substituir os cuidados, sem os quais as capacidades de viver não podem ser
mantidas nem permanecer. Para a autora cuidar é aprender a discernir o que
necessita de estimulação, de desenvolvimento de forças e de capacidades de
vida, mas também o que exige manter as capacidades existentes, atenuar ou
compensar as perdas e acompanhar o que é incerto, ou debilita. Partir das
preocupações das pessoas, das suas inquietações, da expressão dos seus desejos,
das suas expectativas, dá a possibilidade de apreender o que indicam como
prioritário, o que mais as toca. Se a função médica tem por objectivo delimitar a
doença, a finalidade da função de enfermagem é esclarecer as manifestações de
disfuncionamento a fim de compreender quais os efeitos a compensar pelos
cuidados e a dominar pelos tratamentos (Collière, 2003).
Segundo Hesbeen (2000), é a partir da valorização e da utilidade social de todo o
acto que constitui cuidados de enfermagem
5e das qualidades profissionais
5
Os cuidados de enfermagem tomam por foco de atenção a promoção dos projectos de saúde que cada
pessoa vive e persegue. Neste contexto, procura-se, ao longo de todo o ciclo vital, prevenir a doença e
exigidas para lhes dar sentido que se poderá esclarecer e firmar a identidade da
enfermagem, provando o seu contributo essencial para a saúde dos indivíduos.
Todavia, essas pequenas coisas não são observáveis e mensuráveis, ou são-no
tão pouco que não gozam do reconhecimento que rodeia os cientistas e os
técnicos, cuja actividade é prestigiada. A esta luz, os cuidados de enfermagem
são, assim, tão marcados pela subtileza, pela espontaneidade, pela criatividade e
pela intuição, como pela ciência e pela técnica. Daí o seu difícil reconhecimento
num universo biomedicalizado, técnico-científico e onde os princípios de gestão
ao nível das organizações pretendem estabelecer parâmetros para tudo, a fim de
dominar melhor a actividade dos profissionais. Torna-se difícil explicitar o
conceito de profissão quando os seus membros têm conhecimentos superficiais
de várias disciplinas mas não têm conhecimentos profundos de nenhuma
disciplina em particular. Segundo a Ordem dos Enfermeiros (2001), o exercício
profissional da enfermagem centra-se na relação interpessoal entre um
enfermeiro e uma pessoa ou entre um enfermeiro e um grupo de pessoas (família
ou comunidades). Quer a pessoa enfermeiro, quer as pessoas clientes dos
cuidados de enfermagem, possuem quadros de valores, crenças e desejos da
natureza individual – fruto das diferentes condições ambientais em que vivem e
se desenvolvem. Assim, no âmbito do exercício profissional, o enfermeiro
distingue-se pela formação e experiência que lhe permite compreender e
respeitar os outros numa perspectiva multicultural, num quadro onde procura
abster-se de juízos de valor relativamente à pessoa cliente dos cuidados de
enfermagem. Do ponto de vista das atitudes que caracterizam o exercício
profissional dos enfermeiros, os princípios Humanistas de respeito pelos valores,
costumes, religiões e todos os demais previstos no Código Deontológico,
enformam a boa prática de enfermagem. Neste contexto, os enfermeiros têm
presente que bons cuidados significam coisas diferentes para diferentes pessoas
e, assim, o exercício profissional dos enfermeiros requer sensibilidade para lidar
com essas diferenças perseguindo-se os mais elevados níveis de satisfação dos
clientes (Ordem dos Enfermeiros, 2001)
promover os processos de readaptação; procura-se a satisfação das necessidades humanas fundamentais e
a máxima independência na realização das actividades da vida; procura-se a adaptação funcional aos
défices e a adaptação a múltiplos factores – frequentemente através de processos de aprendizagem do
cliente (Ordem dos Enfermeiros, 2001).
Segundo Lopes et al. (2008) necessidade de cuidados é algo considerado como
essencial ao desenvolvimento de qualquer pessoa (grupo ou comunidade) e que
esta sente e expressa como não sendo capaz de satisfazer a si própria, ou que
alguém (profissional) identifica como tal.
•
Pessoa, saúde, doença e transição: quando nos debruçamos sobre o conceito de
cuidar numa perspectiva de saúde somos sempre induzidos a analisar outros dois
conceitos indissociáveis entre si, respectivamente o de saúde e de doença. Por
seu lado, estes dois conceitos remetem-nos para um terceiro – o de transição –
sendo que todos eles têm que ser enquadrados por referência à sua razão de
existir – a pessoa.
Segundo a Ordem dos Enfermeiros (2001), a pessoa é um ser social e agente
intencional de comportamentos baseados nos valores, nas crenças
6e nos desejos
da natureza individual, o que torna cada pessoa num ser único, com dignidade
própria e direito a auto determinar-se. Os comportamentos da pessoa são
influenciados pelo ambiente no qual ela vive e se desenvolve. Toda a pessoa
interage com o ambiente
7: modifica-o e sofre a influência dele durante todo o
processo de procura incessante de equilíbrio e harmonia. Na medida em que
cada pessoa, na procura de melhores níveis de saúde, desenvolve processos
intencionais baseados nos seus valores, crenças e desejos da sua natureza
individual, permite-nos o entendimento de que cada pessoa vivencia um projecto
de saúde (diremos, face ao enquadramento aqui explanado, que experiencia
vários processos de transição entre diferentes estados de saúde e doença). A
pessoa pode sentir-se saudável quando transforma e integra as alterações da sua
vida quotidiana no seu projecto de vida, podendo não ser feita a mesma
apreciação desse estado pelos outros. A pessoa é também centro de processos
não intencionais. As funções fisiológicas, enquanto processos não intencionais,
são um factor importante no processo de procura incessante do melhor
equilíbrio. Apesar de tratar-se de processos não intencionais, estas funções são
influenciadas pela condição psicológica das pessoas, e, por sua vez, esta é
influenciada pelo bem-estar e conforto físico. Esta inter-relação torna clara a
6
Crença – disposição para reter e abandonar acções tendo em conta as próprias opiniões (ICN, 2002).
7
unicidade e indivisibilidade de cada pessoa. Assim, a pessoa tem de ser encarada
como ser uno e indivisível.
A saúde das pessoas nas organizações prestadoras de cuidados e nas práticas dos
profissionais de saúde é sobretudo vista como ausência de doença. A ciência ao
dar-nos algumas armas para lutarmos contra a doença e para fazer recuar um
pouco a morte, afirmou-se como a condição para cultivar a felicidade. Nesta
perspectiva o nosso mundo tornou-se biomedicalizado, evoluindo para uma
verdadeira sociedade medicalizada, onde a opinião dos médicos é exigida em
inúmeras situações que têm a ver com a organização da nossa vida social e
profissional (Hesbeen, 2000). René Dubos (1981; cit. por Hesbeen 2000)
sustenta que “não há uma definição universal de saúde; cada um de nós quer
fazer alguma coisa da sua vida e, para isso, tem necessidade de uma saúde que
lhe seja particular”. Ninguém fica completamente igual depois de ter sido
confrontado com a doença. No entanto, doença e vida saudável não são
incompatíveis, mesmo que essa doença seja crónica ou incurável. A doença,
qualquer que ela seja, não será vivida da mesma forma por cada pessoa, já que
se inscreve numa situação de vida única, animada por um desejo de viver
também único. É que, por mais que a doença seja objectivada no corpo que se
tem pode não afectar senão o corpo que se é. A doença e a maneira como as
pessoas reagem perspectiva-se, pois, na intensidade do desejo de viver de cada
pessoa. Assim, o doente não deve ser confundido com a doença. A pessoa que
está doente é a pessoa que sofre, que tem de suportar, aguentar, sofrer qualquer
coisa que lhe é difícil. Estar em sofrimento, sobretudo de modo prolongado, é
condição para não estar de boa saúde. A doença e, com ela, a dor, são do
domínio do corpo que o doente tem. O sofrimento, esse, é do domínio do corpo
que o doente é. Como tal, o sofrimento não se pode reduzir à doença, implicando
um olhar mais amplo do que a simples doença e do que as simples disfunções
(Hesbeen, 2000). Para Carapinheiro (1998) os conceitos de doença e doente bem
como as concepções que cada um faz e interioriza sobre a condição de doente
são função das determinantes sociais que em cada época enquadram e operam a
construção das categorias analíticas históricas, sociológicas e antropológicas. A
doença torna-se assim uma realidade construída e o doente um personagem
social. Pode-se considerar como elementos da estruturação da identidade social
do doente os seguintes: relação social do doente com a doença (percepção,
representação e experiência subjectivas e objectivas da doença), níveis de
descoincidência entre a doença do doente e a doença do médico, e a
possibilidade de afirmação da perspectiva do doente (ideias tecidas sobre a sua
condição, autónomas do pensamento médico, e que implicam o desenvolvimento
de instrumentos de recolha de dados por parte dos enfermeiros, enquanto
prestadores de proximidade, sensíveis às mesmas na medida da sua importância
e para que se entenda o projecto de vida do doente e a sua auto-localização no
mundo envolvente). Segundo Herzlich e Pierret (citados por Carapinheiro, 1998)
a concepção organicista de doença do modelo médico falha na percepção da
realidade da doença como um fenómeno social total. No entanto, as instituições
médicas detêm a consagração social do poder de definir o normal e o patológico.
Subsistem muitas dificuldades em passar da noção abstracta e generalizável de
saúde preconizada pela OMS (saúde como bem-estar físico, psíquico e social e
não a mera ausência de doença) para a sua expressão estratificada por classes
sociais, sexo e idade, bem como para a construção de indicadores sensíveis na
estimação do bem-estar
8. René Dubos (citado por Carapinheiro, 1998) defende
que “não há definição universal de saúde; cada um de nós quer fazer qualquer
coisa da sua vida e necessita para isso de uma saúde que lhe é particular”. A
perspectiva de Nicolas Didier (citado por Carapinheiro, 1998) no que respeita à
gestão que cada um faz da sua saúde é interessante. Ele considera que a gestão
da saúde é simultaneamente gestão da sua manutenção e gestão do tempo em
geral, produzindo-se na conquista de um equilíbrio que se traduz numa certa
regularidade e numa certa previsibilidade dos acontecimentos biológicos.
Segundo a Ordem dos Enfermeiros (2001), a saúde será o estado, e
simultaneamente a representação mental, sobre a condição individual de
controlo do sofrimento
9e respectivos bem-estar físico e conforto emocional e
espiritual. Na medida em que se trata de uma representação mental, trata-se de
um estado subjectivo, portanto, não pode ser tido como conceito oposto ao
conceito de doença. A representação mental da condição individual e do
bem-estar é variável no tempo, ou seja, cada pessoa procura o equilíbrio em cada
8
Bem-estar – imagem mental de estar bem, equilibrado, contente, bem integrado e confortável por
orgulho ou alegria e que se expressa habitualmente demonstrando relaxamento de si próprio e abertura às
outras pessoas ou satisfação com independência (ICN, 2002).
9
Sofrimento – sentimento prolongado de grande pena associado a martírio e à necessidade de tolerar
condições devastadoras, por exemplo, sintomas físicos crónicos como a dor, desconforto ou lesão, stress
psicológico crónico, má reputação ou injustiça (ICN, 2002).
momento de acordo com os desafios que cada situação lhe coloca. Neste
contexto, a saúde é o reflexo de um processo dinâmico e contínuo – toda a
pessoa deseja atingir o estado de equilíbrio que se traduz no controlo do
sofrimento, no bem-estar físico e no conforto, emocional, espiritual e cultural.
Segundo Meleis et al. (2000) a transição constitui-se como um conceito central
para a Enfermagem, sendo possível identificar os seus componentes e delinear
uma matriz que reflicta a relação entre estes. O autor propõe que a teoria de
médio-alcance das transições será composta por tipos e padrões de transições
10,
propriedades das experiências de transição
11, condições facilitadoras e
inibidoras
12, indicadores de processo
13, indicadores de resultado
14e terapias de
enfermagem. Os enfermeiros são muitas das vezes os principais cuidadores de
clientes e respectivas famílias que estão a viver processos de transição, sendo,
nessas circunstâncias, compelidos a dar resposta às mudanças e necessidades
que as transições implicam na vida quotidiana dos clientes. Por outro lado, os
enfermeiros também preparam muitas vezes os clientes para transições futuras,
associadas ao normal decorrer da vida, facilitando o processo de aprendizagem
de novas competências. Exemplos de transições que podem tornar os clientes
10
As tipologias de transições que os enfermeiros encontram de forma mais sistemática nas suas
intervenções estão relacionadas com o desenvolvimento inerente ao ciclo de vida, padrões de saúde e
doença, situações específicas dos indivíduos e questões organizacionais. No entanto, os autores sublinham
o facto dos padrões de transição estarem revestidos de multiplicidade e complexidade, o que leva a que
muitas vezes confluam para a mesma situação diversas tipologias de transição em simultâneo (Meleis et
al., 2000).
11
Foram identificadas algumas propriedades essenciais das experiências de transição, nomeadamente: 1)
sensibilização (está relacionada com a percepção de, o conhecimento sobre e o reconhecimento da
experiência de transição); 2) compromisso (revela o grau de envolvimento da pessoa com o processo de
transição); 3) mudança (as transições tanto são resultado de mudança como resultam em mudança) e
diferença (relaciona-se com a percepção dos indivíduos em se sentirem diferentes, serem vistos como
diferentes ou verem o mundo e os outros de forma diferente); 4) delimitação temporal (as transições
podem ser vistas como períodos de tempo identificáveis, com um início na percepção, uma continuidade
caracterizada por instabilidade, confusão e stress, e um fim definido por um novo início ou estabilidade);
5) eventos (algumas transições estão relacionadas com um evento identificável – tais como um
nascimento, uma morte ou a menarca – enquanto outras não) e pontos críticos (pontos chave ao longo do
processo de transição) (Meleis et al., 2000).
12
Distribuem-se por condições pessoais (significados atribuídos pelos indivíduos aos eventos, crenças
culturais e atitudes, estatuto socioeconómico, preparação e conhecimento), condições comunitárias
(recursos da comunidade) e condições sociais (enquadramento cultural e sociopolítico de uma sociedade)
(Meleis et al., 2000).
13
Indicadores de processo: 1) sentir-se ligado a pessoas (tanto novas como já conhecidas); 2) nível de
interacção com os envolventes e cuidadores; 3) sentir-se localizado e situado num dado tempo e espaço;
4) desenvolver auto-confiança e consequentemente estratégias de coping (Meleis et al., 2000).
14
Indicadores de resultado: 1) mestria (nível de desenvolvimento das competências e comportamentos
necessários para gerir a sua nova situação ou ambiente) e 2) identidades fluidas integradas (reformulação
da identidade individual de forma fluida mas num processo integrado, em consequência do processo de
transição) (Meleis et al., 2000).
vulneráveis são as experiências de doença (tais como diagnósticos,
procedimentos cirúrgicos, reabilitação, convalescença), as mudanças associadas
a momentos específicos do ciclo de vida (gravidez, parentalidade, adolescência,
menopausa, envelhecimento, morte) e as transições sociais e culturais (migração,
reforma, tornar-se cuidador de referência).
•
As especialidades em Enfermagem: segundo a Ordem dos Enfermeiros (2007)
as especialidades em enfermagem reportam-se, primariamente, à prática clínica,
ou seja, à “área da prestação de cuidados dirigidos à pessoa
15e família
16, num
processo integrado de promoção
17, prevenção
18, tratamento
19, paliação
20,
reabilitação
21e reinserção
22, com a necessária referência à comunidade
23em
que estão inseridos”. Porém, a intervenção do enfermeiro especialista
24implica
ainda o desenvolvimento
25de competências
26na área da gestão, investigação,
formação e assessoria. Aliás, estipula a Ordem dos Enfermeiros (2007) que
15
Pessoa – indivíduo como agente intencional desempenhando acções motivadas por razões baseadas em
crenças e desejos de ser humano individual, isto é, racionalidade (ICN, 2002).
16
Família – conjunto de seres humanos considerados como unidade social ou todo o colectivo composto
de membros unidos por consanguinidade, afinidades emocionais ou relações legais, incluindo as pessoas
significativas. A unidade social constituída pela família como um todo é vista como algo mais do que os
indivíduos e as suas relações pelo sangue, afinidades emocionais ou relações legais, incluindo as pessoas
significativas, que constituem as partes do grupo (ICN, 2002).
17
Promover – ajudar alguém a começar ou progredir nalguma coisa (ICN, 2002).
18
Prevenir – parar ou suspender o acontecimento de alguma coisa (ICN, 2002).
19
Tratar – cuidar aliviando, concluindo, removendo ou restaurando alguma coisa (ICN, 2002).
20
Cuidados paliativos – uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos clientes e respectivas
famílias quando confrontados com doenças terminais, sustentada na prevenção e alívio do sofrimento
através de uma avaliação e tratamento da dor adequados e antecipados bem como de outros problemas
físicos, psicossociais e espirituais (OMS, 2009).
21
Reabilitar – restaurar funções eficazes ou a vida normal através do treino, especialmente após uma
doença (ICN, 2002).
22
Reinserir - reconstrução das perdas através da capacitação da pessoa para exercer em plenitude o seu
direito à cidadania, o que significa o estabelecimento ou recuperação de uma rede social inexistente ou
comprometida pelo período de doença (Presidência da República Brasileira, 2009).
23
Comunidade – conjunto de seres humanos vistos como uma unidade social ou todo o colectivo
composto por membros ligados entre si pela partilha do espaço geográfico, pela partilha das condições ou
por um interesse colectivo. A unidade social constituída pela comunidade é vista como algo mais do que
os indivíduos e as suas relações de partilha do espaço geográfico, partilha das condições ou interesse
colectivo que constituem as partes do grupo (ICN, 2002).
24
Enfermeiro especialista é o enfermeiro habilitado com um curso de especialização em enfermagem ou
com um curso de estudos superiores especializados em enfermagem, a quem foi atribuído um título
profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para prestar, além de cuidados de
enfermagem gerais, cuidados de enfermagem especializados na área da sua especialidade (Decreto-Lei
161/96 de 4 de Setembro).
25
Coloca-se aqui a expressão desenvolvimento porque o que se preconiza para o enfermeiro especialista
acaba por ser um desenvolvimento, aprofundado e orientado para clientes e/ou settings específicos, das 96
competências dos enfermeiros generalistas.
26
Competência – é um saber mobilizar os seus recursos, conhecimentos e capacidades perante uma
situação concreta (Le Boterf, 2002, cit. por Ordem dos Enfermeiros, 2009).
todos os enfermeiros especialistas deverão ter competências comuns
27e
específicas
28, prevendo-se ainda a possibilidade de se definirem competências
acrescidas
29. Assim, o enfermeiro especialista é “o Enfermeiro com um
conhecimento aprofundado num domínio específico de Enfermagem, tendo em
conta as respostas humanas aos processos de vida e aos problemas de saúde,
que demonstra níveis elevados de julgamento clínico e tomada de decisão
30,
traduzidos num conjunto de competências clínicas especializadas relativas a um
campo de intervenção
31especializado” (Ordem dos Enfermeiros, 2007). É neste
quadro que surge tanto o objectivo geral deste Projecto como os objectivos
específicos, que se repartem pelos domínios da ética, gestão, clínica, formação e
intervenção sócio-política.
•
As linguagens classificadas e as escalas de avaliação dos padrões funcionais e
psicossociais de saúde: como referido na introdução, a utilização das linguagens
classificadas aceites pela OMS revela-se fundamental na abordagem ao
desenvolvimento deste Projecto de Aprendizagem na medida em “que permite a
27
Competências comuns – Competências que todos os enfermeiros especialistas possuem
independentemente da sua área de especialidade, demonstradas através da sua elevada capacidade de
concepção, gestão e supervisão de cuidados e, ainda, através de um suporte efectivo a exercício
profissional especializado no âmbito da formação, investigação e assessoria (Ordem dos Enfermeiros,
2007)
28
Competências específicas – competências que decorrem das respostas humanas aos processos de vida e
aos problemas de saúde e do campo de intervenção definido para cada área de especialidade,
demonstradas através de um elevado grau de adequação dos cuidados às necessidades de saúde as pessoas
(Ordem dos Enfermeiros, 2007).
29
Competências acrescidas – competências que permitem responder de uma forma dinâmica a
necessidades em cuidados de saúde da população que se vão configurando, fruto da complexificação
permanente dos conhecimentos, práticas e contextos (Ordem dos Enfermeiros, 2007).
30
Tomada de decisão - a tomada de decisão do enfermeiro que orienta o exercício profissional autónomo
implica uma abordagem sistémica e sistemática. Na tomada de decisão, o enfermeiro identifica as
necessidades de cuidados de enfermagem da pessoa individual ou do grupo (família e comunidade) e,
após efectuada a identificação da problemática do cliente, as intervenções de enfermagem são prescritas
de forma a evitar riscos, detectar precocemente problemas potenciais e resolver ou minimizar os
problemas reais identificados (Ordem dos Enfermeiros, 2002).
31
Campo de intervenção especializado – modelo de delimitação do espaço de actuação profissional do
enfermeiro especialista composto por: 1) o alvo de intervenção – entidade beneficiária dos cuidados de
enfermagem (pessoa/grupo) relativamente à qual se identificam fenómenos de Enfermagem, entendida
como um todo na sua relação com os conviventes significativos e a comunidade em que está inserido; 2)
processos de saúde/doença – processos dinâmicos e contínuos ao longo dos quais cada pessoa vivencia o
seu projecto de saúde na procura de um estado de equilíbrio e relativamente ao qual o enfermeiro dirige
as suas intervenções, com vista à promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença, readaptação
funcional e reinserção social; 3) ambiente – ambiente no qual as pessoas vivem e se desenvolvem é
constituído por elementos humanos, físicos, políticos, económicos, culturais e organizacionais, que
condicionam e influenciam os estilos de vida e que se repercutem no conceito de saúde, tendo os
enfermeiros que focalizar a sua intervenção na complexa interdependência pessoa/ambiente (Ordem dos
Enfermeiros, 2007).
troca de informação intra e interprofissional assim como a indexação dos
resultados em saúde a conceitos inteligíveis pelos diversos actores do sistema”.
Aqui destaca-se a Classificação Internacional de Doenças (CID), a Classificação
Internacional de Funcionalidade (CIF) e a Classificação Internacional para a
Prática de Enfermagem (CIPE). Segundo (Nubila e Buchalla, 2008) a
Organização Mundial de Saúde tem hoje duas classificações de referência para a
descrição dos estados de saúde: a Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, que corresponde à décima revisão
da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), e a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). A utilização da
CIF visa contribuir para uma definição clara de “deficiência” ou “incapacidade”,
dado que a sua inexistência tem sido apontada como um impedimento para a
promoção da saúde de pessoas com deficiência. É importante que essas
definições, especialmente no âmbito legislativo e regulamentar, sejam
consistentes e se fundamentem num modelo coerente sobre o processo que
origina as situações de incapacidade. As condições ou estados de saúde
propriamente ditos (doenças, distúrbios, lesões, etc.) são classificados
principalmente na CID-10, que fornece um modelo basicamente etiológico,
embora tenha uma estrutura com diferentes eixos ou grandes linhas de
construção, entre estes o etiológico, o anatomo-funcional, o anatomo-patológico,
o clínico e o epidemiológico. A funcionalidade e incapacidade associadas aos
estados de saúde são classificadas na CIF (Nubila e Buchalla, 2008). Porém,
dado que o cerne deste Projecto é a prestação de cuidados de enfermagem
especializados, torna-se imperativo introduzir uma linguagem classificada que
seja “um instrumento de informação para descrever a prática de enfermagem”
(ICN, 2002) ao permitir codificar fenómenos de enfermagem
32(constituídos por
foco da prática de enfermagem
33, juízo
34, frequência
35, duração
36, topologia
37,
32
Fenómeno de Enfermagem – aspecto da saúde com relevância para a prática de enfermagem (ICN,
2002).
33
Foco da prática de enfermagem – área de atenção, tal como foi descrito pelos mandatos sociais e pela
matriz profissional e conceptual da prática profissional de enfermagem (ICN, 2002).
34
Juízo – opinião clínica, estimativa ou determinação da prática profissional de enfermagem sobre o
estado de um fenómeno de enfermagem, incluindo a qualidade relativa da intensidade ou grau da
manifestação do fenómeno de enfermagem (ICN, 2002).
35
Frequência – número de ocorrências ou repetições de um fenómeno de enfermagem durante um
intervalo de tempo (ICN, 2002).
36
localização
anatómica
38,
probabilidade
39e
portador
40)
e
respectivos
diagnósticos
41, assim como as acções
42(constituídas por tipo de acção
43, alvo
44,
recursos
45, tempo
46, topologia, localização
47, via
48e beneficiário
49) e resultados
de enfermagem
50consequentes e expectáveis (ICN, 2002). A CIPE
51revela-se
assim fundamental para consubstancializar o processo de enfermagem
52nas suas
diferentes fases, sendo que a introdução dos conceitos próprios da CID 10 e da
CIF não são mutuamente exclusivos relativamente aos da CIPE, dado
contribuírem tanto a montante como a jusante para o processo de enfermagem
37
Topologia – região anatómica em relação a um ponto mediano ou extensão da área anatómica de um
fenómeno de enfermagem (ICN, 2002).
38
Localização anatómica – posição ou localização no organismo de um fenómeno de enfermagem.
39
Probabilidade – possibilidade de ocorrência de um fenómeno de enfermagem (ICN, 2002).
40
Portador – entidade relativamente à qual se pode dizer que possui o fenómeno de enfermagem (ICN,
2002).
41
Diagnóstico de enfermagem – designação atribuída por um enfermeiro à decisão sobre um fenómeno
que representa o foco das intervenções de enfermagem. Deve incluir um eixo do foco da prática de
enfermagem e outro eixo do juízo ou da probabilidade (ICN, 2002).
42
Acção de enfermagem – comportamento dos enfermeiros na prática (ICN, 2002).
43
Tipo de acção – realizações levadas à prática por uma acção de enfermagem (ICN, 2002).
44
Alvo – entidade que é afectada ou que confere conteúdo à acção de enfermagem (ICN, 2002).
45
Recursos – entidade usada no desempenho da acção de enfermagem. Inclui os instrumentos ou
ferramentas utilizadas no desempenho da acção de enfermagem e os serviços, ou seja, trabalho ou plano
específicos usados ao executar a acção de enfermagem (ICN, 2002).
46
Tempo – orientação temporal de uma acção de enfermagem. Inclui os pontos no tempo (eventos), que
se definem como momentos definidos no tempo, e os intervalos de tempo (episódios), que se definem
como a duração entre 2 eventos (ICN, 2002).
47
Localização – orientação anatomia e espacial de uma acção de enfermagem. A localização inclui os
sítios do corpo, definidos como a posição ou localização anatómica de uma acção de enfermagem, e o
local, que se define como a localização geográfica onde ocorre a acção de enfermagem (ICN, 2002).
48
Via – trajecto através do qual se realiza uma acção de enfermagem (ICN, 2002).
49
Beneficiário – entidade a favor da qual a acção de enfermagem é realizada (ICN, 2002).
50
Resultado de enfermagem – medição ou condição de um diagnóstico de enfermagem a intervalos de
tempo após uma intervenção de enfermagem (ICN, 2002).
51
Alguns dos focos da prática de enfermagem com especial relevância para este Projecto de
Aprendizagem serão: acção realizada pelo próprio; aceitação; actividade motora; actividade psicomotora;
adaptação; afasia; ambiente; andar; aprendizagem; aspirar; audição; auto-estima; autoconceito;
autocuidado; beber; bem-estar; cinestesia; circulação; cognição; cólica; comunicação; coping; crença;
deambular; digestão; discriminação; disfasia; disgrafia; dispneia; disreflexia; dor; educação e treino;
eliminação; equilíbrio corporal; espasticidade; estilos de vida; exercício; expectorar; fadiga muscular;
fala; fractura; ferida; função cardíaca, motora reflexa, sexual, vascular; gaguez; gestão do regime
terapêutico; hipoxia; identidade pessoal; imagem corporal; incontinência de esforço, fecal, funcional,
reflexa, urinária; infra-estrutura; interacção de papéis, sexual, social; lei e regulamentos; limpeza das vias
aéreas; memória; mobilidade; movimento articular, articular passivo, articular activo, corporal, muscular;
papel de prestador de cuidados, maternal, no trabalho, parental, sexual; paralisia; parésia; pele;
pensamento; posição corporal; processo familiar; recuperação; relação; respiração; retenção urinária;
rigidez articular; sensação; socialização; sono; stress do prestador de cuidados; tegumentos; tossir;
transferir-se; tremor; trocas gasosas; úlcera; ventilação; visão.
52
Processo de enfermagem – metodologia que inclui a colheita de dados, o planeamento, a execução e a
avaliação (Ordem dos Enfermeiros, 2003). É um processo mental e intencional, estruturado segundo
etapas sistematizadas (apreciação inicial, identificação dos diagnósticos de enfermagem, planeamento,
execução de intervenções e avaliação dos resultados) utilizado para planificar cuidados individualizados,
visando a melhoria do estado de saúde da pessoa cuidada (Phaneuf, 1996).
enriquecendo-o, bem como permitirem uma comunicação eficaz no âmbito das
intervenções autónomas
53e interdependentes
54dos enfermeiros.
As escalas de avaliação dos padrões funcionais e psicossociais de saúde
revelam-se, tal como as linguagens classificadas, de uma importância estrutural
na medida em que permitem uma monitorização das situações e uma avaliação
dos resultados (e consequentes ganhos indexáveis aos cuidados de enfermagem)
mais robustas. Entre as diversas escalas que serão utilizadas no âmbito deste
Projecto encontram-se: MIF (medida de independência funcional), escala de
Katz, escala de Lawton, escala de Borg, escala de Berg, escala de Penn, escala
de Lower, escala de Ashworth, escala de Braden, escala da ASIA, escala
geriátrica de depressão, índice de Barthel, índice de dispneia basal de Mahler e
Mini Mental State Examination.
•
Enunciados descritivos da qualidade dos cuidados de enfermagem: a razão
pela qual se introduz este tema nesta parte do Projecto prende-se com a
centralidade da qualidade na conceptualização, estruturação e avaliação dos
cuidados de enfermagem. Os enunciados visam explicitar a natureza e englobar
os diferentes aspectos do mandato social da profissão de enfermagem,
tratando-se de uma repretratando-sentação dos cuidados que deve tratando-ser conhecida por todos os
clientes (Bednar, 1993, cit. por Ordem dos Enfermeiros, 2001), quer
relativamente ao nível dos resultados mínimos aceitáveis, quer ao nível dos
melhores resultados que é aceitável esperar (Grimshaw & Russel, 1993, cit. por
Ordem dos Enfermeiros, 2001). Foram definidas seis categorias de enunciados
descritivos: a satisfação dos clientes
55, a promoção da saúde
56, a prevenção de
53
Intervenções autónomas de enfermagem – acções realizadas pelos enfermeiros, sob sua única e
exclusiva iniciativa e responsabilidade, de acordo com as respectivas qualificações profissionais, seja na
prestação de cuidados, na gestão, no ensino, na formação ou na assessoria, com os contributos da
investigação em enfermagem (Decreto-Lei 161/96 de 4 de Setembro).
54
Intervenções interdependentes de enfermagem - acções realizadas pelos enfermeiros de acordo com as
respectivas qualificações profissionais, em conjunto com outros técnicos, para atingir um objectivo
comum, decorrentes de planos de acção previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que
estão integrados e das prescrições ou orientações previamente formalizadas (Decreto-Lei 161/96 de 4 de
Setembro).
55
A satisfação do cliente – na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfermeiro
persegue os mais elevados níveis de satisfação dos clientes. São elementos importantes da satisfação dos
clientes, relacionada com o processo de prestação de cuidados de enfermagem, entre outros: o respeito
pelas capacidades, crenças, valores e desejos da natureza individual do cliente; a procura constante da
empatia nas interacções com o cliente; o estabelecimento de parcerias com o cliente no planeamento do
processo de cuidados; o envolvimento dos conviventes significativos do cliente individual no processo de
cuidados; o empenho do enfermeiro tendo em vista minimizar o impacte negativo no cliente, provocado
complicações
57, o bem-estar e o auto-cuidado dos clientes
58, a readaptação
funcional
59e a organização dos serviços de enfermagem
60.
pelas mudanças de ambiente forçadas pelas necessidades do processo de assistência de saúde (Ordem dos
Enfermeiros, 2001).
56
A promoção da saúde – na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfermeiro
ajuda os clientes a alcançarem o máximo potencial de saúde. São elementos importantes face à promoção
da saúde, entre outros: a identificação da situação de saúde da população e dos recursos do cliente/família
e comunidade; a criação e o aproveitamento de oportunidades para promover estilos de vida saudáveis
identificadas; a promoção do potencial de saúde do cliente através da optimização do trabalho adaptativo
aos processos de vida, crescimento e desenvolvimento; o fornecimento de informação geradora de
aprendizagem cognitiva e de novas capacidades pelo cliente (Ordem dos Enfermeiros, 2001).
57
A prevenção de complicações – na procura permanente da excelência no exercício profissional, o
enfermeiro previne complicações para a saúde dos clientes. São elementos importantes face à prevenção
de complicações, entre outros: a identificação, o mais rapidamente quanto possível, dos problemas
potenciais do cliente, relativamente aos quais o enfermeiro tem competência (de acordo com o seu
mandato social) para prescrever, implementar e avaliar intervenções que contribuem para evitar esses
mesmos problemas ou minimizar-lhes os efeitos indesejáveis; a prescrição das intervenções de
enfermagem face aos problemas potenciais identificados; o rigor técnico/científico na implementação das
intervenções de enfermagem; a referenciação das situações problemáticas identificadas para outros
profissionais, de acordo com os mandatos sociais dos diferentes profissionais envolvidos no processo de
cuidados de saúde; a supervisão das actividades que concretizam as intervenções de enfermagem e que
foram delegadas pelo enfermeiro; a responsabilização do enfermeiro pelas decisões que toma, pelos actos
que pratica e que delega (Ordem dos Enfermeiros, 2001).
58
O bem-estar e o auto cuidado – na procura permanente da excelência no exercício profissional, o
enfermeiro maximiza o bem-estar dos clientes e suplementa/complementa as actividades de vida
relativamente às quais o cliente é dependente. São elementos importantes face ao bem-estar e ao auto
cuidado, entre outros: a identificação, mais rapidamente quanto possível, dos problemas do cliente,
relativamente aos quais o enfermeiro tem conhecimento e está preparado para prescrever, implementar e
avaliar intervenções que contribuem para aumentar o bem-estar e suplementar/complementar actividades
de vida relativamente às quais o cliente é dependente; a prescrição das intervenções de enfermagem face
aos problemas identificados; o rigor técnico/científico na implementação das intervenções de
enfermagem; a referenciação das situações problemáticas identificadas para outros profissionais, de
acordo com os mandatos sociais dos diferentes profissionais envolvidos no processo dos cuidados de
saúde; a supervisão das actividades que concretizam as intervenções de enfermagem e que foram
delegadas pelo enfermeiro; a responsabilização do enfermeiro pelas decisões que toma, pelos actos que
pratica e pelos que delega (Ordem dos Enfermeiros, 2001).
59
A readaptação funcional – na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfermeiro
conjuntamente com o cliente desenvolve processos de adaptação eficaz aos problemas de saúde.
São elementos importantes face à readaptação funcional, entre outros: a continuidade do processo de
prestação de cuidados de enfermagem; o planeamento da alta dos clientes internados em instituições de
saúde, de acordo com as necessidades dos clientes e os recursos da comunidade; o máximo
aproveitamento dos diferentes recursos da comunidade; a optimização das capacidades do cliente e
conviventes significativos para gerir o regime terapêutico prescrito; o ensino, a instrução e o treino do
cliente sobre adaptação individual requerida face à readaptação funcional (Ordem dos Enfermeiros,
2001).
60