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Resenha Um pouco do Pensamento Francês sobre a Interface entre as Artes 1

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Academic year: 2021

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R e s e n h a – U m p o u c o d o P e n s a m e n t o

F r a n c ê s s o b r e a I n t e r f a c e e n t r e a s A r t e s

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GUSMÃO, Rita (UFMG)

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“Texto, Cena e Vídeo” Jean-François Peyret

(Encenador e pesquisador do Instituto de Estudos Teatrais da Universidade Paris III - Sorbonne Nouvelle)

Este texto faz parte da coletânea “Les écrans sur la scène - Tentations et Résistances de la Scène face aux Images”. Sous la direction de Beatrice Picon-Vallin. Collection th XX. Lausanne/Suisse, Editions L’Age d’Homme, 1998.

Para Jean-François Peyret, o vídeo não é necessário ao teatro, nem este teria obrigação de “entrar na videosfera3“, somente por ser esta própria à nossa contemporaneidade. Mesmo

convivendo com a “era da comunicação”, o Teatro, e a Arte, não estão submetidos às leis trazidas pela evolução tecnológica, porque sua fisiologia é autônoma e não admite estratégias parasi-tárias de nenhum outro campo de conhecimento. O teatro não precisa sequer se utilizar de Novas Tecnologias, por ser da sua natureza a liberdade de se instalar em qualquer espaço e em qualquer tempo.

Por outro lado, é também da natureza do teatro a bricolage, um jogo que se dá na justa-posição das artes e das personalidades envolvidas nos contextos de criação. Essa bricolage (termo é de origem latina – bricolla –, datado da Idade Média e remete às ações de criação, aprimora-mento, reparação e fabricação de coisas materiais), tem como característica produzir/ser ima-gens, que não são faces ou rostos, são “derramamentos” de elementos a serem operados por

1 Resenha aprovada em 01/05/2016.

2 Rita Gusmão é doutora em Arte pela Universidade de Brasília (2014); Mestra em Multimeios, pela Unicamp (2000); Graduada em Educação Artística pela Universidade de Brasília (1994). Trabalha atualmente como Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, Curso de Graduação em Teatro, onde participa das modalidades de Bacharelado e de Licenciatura (desde 2002). Editora da Revista Lamparina.

3 Serge Daney chamou de videosfera: o conjunto de elementos visuais gerados e transmitidos a partir das tecnologias de produção de imagens e de textos eletrônicos visualizados em tela eletrônica (In: DEBRAY, Regis. Vida e Morte da Imagem. Uma História do olhar no ocidente. Tradução: Guilherme Teixeira. Petrópolis/RJ: Vozes, 1993. P.206).

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cada um dos seus participantes, proponentes e fruidores, numa composição negociada e coletiva. Essa bricolage, para Peyret, funciona como um disparador que rompe a aura das imagens e dos significados com um toque de profanação, extremamente sedutor, que possibilita uma marcha de figuras, de vozes e de percepções. Nessa bricolage cabe mais dar materialidade a formas e pala-vras e menos encarnar personagens, como se buscou durante anos no teatro.

O teatro traz na sua natureza uma experiência intersubjetiva com as realidades nele en-volvidas, cuja materialização não serve a um texto, seja qual for a sua espécie; ao contrário, a bricolage quer fazer virem à tona os vários textos que transbordam da virtualidade dos elementos usados. Para uma síntese como esta, o teatro pode se aproximar da videosfera, ao expor o movi-mento de imagens como resultado da interface entre artes e entre personas, sociais e ficcionais, desenvolvendo, assim a criação de uma imagem-movimento na qual o estado de cada partici-pante é confrontado.

Façamos aqui um parênteses para falar da noção de imagem-movimento, um estudo so-bre a percepção que Gilles Deleuze (1925-1995) fez a partir de Henri Bergson (1859-1941), e de sua obra Matéria e Memória (1896). Esta noção diz respeito à parte da percepção que com-preende que a coisa e a percepção da coisa são uma única e a mesma coisa. E que percebemos a coisa menos aquilo que não nos interessa na coisa, aquilo de que não temos necessidade. Neste pensamento, necessidade é entendida como as linhas e pontos que retemos da coisa em função da nossa interface receptora, e as ações que selecionamos em função das reações retardadas de que somos capazes diante da percepção da coisa. Em relação ao contexto do texto de vídeo na imagem teatral, Peyret aponta para a sensação causada como ponto convergente entre artista e fruidor, em lugar da leitura de expressões que o modo naturalista impingiu àquela como hábito. O teatro conquista, nesta interação de conceitos, uma trilha possível para engendrar uma emoção pura e violenta, como buscaram Antonin Artaud (1896-1948) e Francis Bacon (1561-1626) (Ver: GILLES, Deleuze. A imagem-movimento. Tradução de Stella Senra. SP, Editora Brasiliense, 1983).

O que a imagem-movimento faz gerar é uma intermitência de fragmentos estimulantes, que podem dar a sensação de um “já ter visto” ao invés de uma expectativa no fruidor. Esta situ-ação propicia uma relsitu-ação criativa quando propõe a este último fluir com a manifestsitu-ação artística e não interpreta-la.

O texto literário não seria uma justificativa para a operação teatral. O que Peyret nos diz é que o teatro “desembaraça” os textos que se mostram ao fazer artístico dos criadores e dos espectadores. O texto reclama o teatro para fazer sua passagem à vida, para o tempo e o espaço. Estas percepções levaram Peyret a tomar a bricolage como método criativo. Essa opção o fez

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entender que não há textos que não se prestem à cena; e que o vídeo, como texto da videosfera, serve ao teatro e oportuniza uma espécie de rompimento da aura da imagem, uma profanação do texto tecnológico de perfeição técnica que se tornou mitológico na era da comunicação.

O texto videográfico é imagético e para conviver com ele os atores de teatro não trabal-hariam na perspectiva dramática de encarnar personagens, porque ali o necessário é dar person-alidade aos textos em convívio, é marcar o texto visual com uma subjetividade tal que, mesmo com o imagem mediada, ele possa ser uma expressão individual, única e com grau de realidade emotiva consistente para a cena ao vivo. Nunca uma fotografia ilustrativa, sempre “a marca de um sujeito e sua singularidade”.

Estas relações entre o vídeo como texto espetacular e o sujeito ao vivo, sugerem para Peyret um sistema de negociação simbólica que se identifica com a imagem mitológica da Medusa: é uma face morta para o tempo presente pois está mediada por uma transmissão eletrônica, simultaneamente é uma experiência aberta de olhar para uma persona que não devolve o olhar, e que, por este motivo, subverte o sistema tradicional de comunicação.

O processo comunicativo do texto vídeo, agrega ao teatro uma comunicação além da co-municação, uma troca de expressões multiplicada e aberta, já que as emoções envolvidas não se confrontam, mas como a Medusa, são capazes de modificar a nossa natureza emotiva do tempo presente, sem nada sofrer de volta. Quando a imagem do ator ao vivo convive com a projeção da imagem mediada, em confronto ou sobreposição, como por exemplo a imagem projetada sobre o corpo do ator em movimento, gera-se uma ruptura do olhar de telespectador, uma quebra da percepção habitual. Nesta quebra, a imagem teatral desloca o hábito imagético tanto do texto vídeo quanto do texto teatro, fazendo emergir uma teatralidade de confronto mental, um estado de natureza híbrida para a percepção do fruidor. Esta capacidade de sobrepor faces à imagem, que o texto vídeo oferece ao texto espetacular ao vivo, amplia o impacto do olhar que se espera para a cena teatral, por natureza tridimensional, para o âmbito pluridimensional e fisicalizado. Para Peyret, uma forma de impactar o fruidor contemporâneo tecnologizado, como o teatro na sua mais requintada essência sempre buscou: em várias camadas de percepção.

Peyret se pergunta o que faria um espectador desviar o olhar da imagem videográfica para o ator ao vivo, quando em presença de um texto assim híbrido numa cena teatral. Ele a si se responde que seria a força deste texto ao vivo de romper com a representação e se desenvolver na perspectiva de presentação, de vivificar uma forma de olhar e sentir que se justapõem as sensações do “já ter visto” a de “estar vendo as várias facetas possíveis da imagem todas a um só tempo”. Embora todas as imagens, a rigor, sejam uma forma de representação, este fruidor

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superaria o olhar da representação em função do olhar para a presentação, um convite a olhar com o pensamento mais que com os olhos.

Para fechar suas reflexões deste momento, sobre Teatro, Texto e Vídeo, Peyret se debruça sobre uma imagem poética na qual as telas de projeção seriam um fragmento da história da pintura. O Teatron, o lugar de onde se vê, pode se expressar de maneira museológica, revendo aquilo que há muito se tem visto, porque, inclusive, pode ser que não haja nada mais a ser visto. Talvez a cena tenha institucionalizado a produção para ser vista assim como os museus e galerias fizeram com a pintura.

Um teatro atual, para Peyret, se quiser uma teatralidade atual por assim dizer, pode (e talvez deva) se colocar uma dúvida metodológica: aquilo que o definiu durante anos, a tridi-mensionalidade, hoje é possível em vários tipos de imagem mediada. Há que se reinventar a cena. Uma sugestão é transformar o discurso da palavra em jogo de presenças... Um sentido de justapor os corpos visíveis em corpos pensantes agentes. Ao invés do pensamento sobre o pathos, o pathos do ato de pensar (pathos: vivência complexa, profunda e lenta de algo; traves-sia de algo. In: CAES, Valdinei. “Existência na dimensão de pathos em Kierkegaard: conceito de paixão”. In: Revista Ensaios Pedagógicos – Dezembro 2012. ISSN 2175-1773. Disponível em www. opet.com.br. PDF).

As diferenças entre o visível e o vivo tem se tornado tênues no mundo da imagem (real, de síntese e virtual) e da cena. Para refletirmos sobre a interface destas linguagens e sobre o tea-tro para o mundo atual, Peyret cita Merleau- Ponty (1908-1961), quando este diz que toda visão tem lugar em qualquer parte do espaço tátil. Existe ainda um espaço tátil? A cena é um espaço tátil? Dúvidas metodológicas, estéticas, filosóficas, artísticas...

Referências

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