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TEOLOGIA MÓDULO 4- LIVROS HISTÓRICOS- AT

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MÓDULO 4- LIVROS HISTÓRICOS- AT

TEOLOGIA

Este material deve ser utilizado apenas como parâmetro de estudo. Os créditos deste conteúdo são dados aos seus respectivos autores

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SUMÁRIO

Introdução 02

Capítulo I — Introdução aos Livros Históricos 02

Capítulo II — Introdução ao Livro de Josué 04

Capítulo III — Introdução ao Livro de Juízes 06

Capítulo IV — Introdução ao Livro de Rute 08

Capítulo V — Introdução aos Dois Livros de Samuel 09

Capítulo VI — Introdução aos Dois Livros de Reis 14

Capítulo VII — Introdução aos Dois Livros de Crônicas 19

Capítulo VIII — Introdução aos Livros de Esdras e Neemias 24

Capítulo IX — Introdução ao Livro de Tobias 29

Capítulo X — Introdução ao Livro de Judite 33

Capítulo XI — Introdução ao Livro de Ester 37

Capítulo XII — Introdução aos Dois Livros de Macabeus 38

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INTRODUÇÃO

Estudaremos neste módulo os livros históricos do Antigo Testamento. São doze os livros históricos do AT, se considerarmos o catálogo aceito universalmente pelo judaísmo e cristianismo protestante: Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. São dezesseis, se levarmos em conta o conjunto aceito pela Igreja Católica: os doze canônicos acrescidos dos quatro históricos apócrifos (o catolicismo os intitula deuterocanônicos): Judite, Tobias e 1 e 2 Macabeus. Apresentaremos uma visão geral destes livros e, em seguida, uma síntese de cada um.

Capítulo I

INTRODUÇÃO AOS LIVROS HISTÓRICOS

Entre os vários gêneros literários da Bíblia, a história, por sua extensão, ocupa o primeiro lugar. O fato é confirmado pelas fontes de que logo falaremos. E comparando, sob esse aspecto, a Bíblia com a literatura dos demais povos do Oriente antigo, notaremos o lugar preeminente e singular que cabe aos Livros Sagrados. A abundante literatura histórica que os egípcios e os assírio-babilônios, os dois povos mais poderosos e evoluídos da Antigüidade, nos transmitiram, consiste quase toda em documentos, tais como as inscrições dos soberanos, onde se narram com intenção e estilo laudatórios, as façanhas dos mesmos. Mais tarde, entre os babilônicos, surge o gênero, menos oficial e mais literário, da crônica que registra, ano por ano, os acontecimentos mais importantes. Nenhum povo, porém, nos legou, como os israelitas, uma série de escritos que, reunidos, formam como que uma história nacional desde as origens até os tempos do cristianismo; tampouco quadros históricos de períodos particulares comparáveis aos dos Juízes e de Samuel.

Rigorosamente falando, devia figurar entre os livros históricos grande parte do Pentateuco, assinaladamente o Gênesis; estas partes, porém, devido à sua estreita relação com a legislação mosaica, formam um só corpo com o nome de lei.

Os escritos históricos da Bíblia propriamente ditos Livros históricos, pela matéria e pelos caracteres internos, são divididos em três categorias:

1° Josué, Juízes, Rute, Samuel e Reis relatam a história do povo de Israel desde a conquista da Palestina até o exílio na Babilônia (586 a.C.);

2° as Crônicas e Esdras/Neemias retomam essa mesma história sob pontos de vista particulares desde o reino de Davi (as idades precedentes, desde as origens do homem, estão, como que resumidas, no princípio 1Crôn 1-9 em tábuas genealógicas) até à formação da sociedade judaica depois do retorno do exílio (cerca de 430 a.C.);

3° os livros de Tobias, Judite e Ester ilustram alguns episódios notáveis dos últimos séculos (VII-V a.C.), nos dois livros dos Macabeus narra-se a resistência dos judeus contra o jugo dos selêucidas e a reconquista da soberania política (séc. II a.C.).

A série dos livros históricos Josué-Reis, considerados como grupo autônomo, os hebreus chamam-nos "Profetas anteriores," formando com os "Profetas posteriores" (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze menores) a segunda classe ("os Profetas") da sua Bíblia tripartida. Os livros históricos contidos na série Crônicas– Macabeus recebem apreciações diversas dos hebreus. A maioria deles admitem no seu cânone as Crônicas, Esdras–Neemias e Ester, mas colocam-nos, com os restantes Livros Sagrados, na terceira classe dos "Escritos."

Essa divisão é antiga (atesta-a já S. Jerônimo no "Prólogo Galeato" ou prefácio a sua tradução de Samuel e Reis), não, porém, primitiva. Nos manuscritos da antiquíssima tradução grega dos LXX, e nas listas (cânones) das igrejas ou escritores cristãos, os livros das Crônicas e, com diferença de ordem, os outros, são anexados aos precedentes Reis com o título comum de "histórias." Os dois dos Macabeus nas Bíblias latinas apareciam habitualmente no fim do Antigo Testamento, mas a conveniência da matéria e razões práticas persuadem-nos, seguindo, além disso, o exemplo de tradutores modernos católicos, a não separá-los do grupo dos outros livros de caráter narrativo, e o leitor os encontrará, quase em ordem cronológica, depois de Judite.

Quase todos os livros históricos da Bíblia indicam, ainda que parcamente, uma ou mais fontes escritas donde tiraram o material e às quais remetem o leitor para maiores e mais amplas informações (Núm. 21:14 o livro das batalhas do Senhor; ib., 27 os poetas). Tornam-se mais freqüentes nos livros seguintes, especialmente nos Reis e Crônicas. Desde os primeiros tempos da monarquia (2Sam 8:16), entre outros

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oficiais do rei encontramos um "monitor" ou "chanceler" encarregado de registrar os acontecimentos do reino (cf. 1Rs 11:41). Daí o encontrarem-se freqüentemente alusões a tais memórias dos reis de Judá e de Israel desde 1Rs 14:19-29 até 2Rs 24:5. O autor das Crônicas cita escritos de vários profetas: Samuel, Natã, Gade (1 Crôn 29:29), Ala, Ado (2 Crôn 9:29), Semeia, Jeú, Hozai (ib.,12:15; 20:34;33:19). O primeiro deles provavelmente é o livro canônico de Samuel; os outros se perderam, excetuando-se, talvez, alguma parte incorporada aos livros canônicos dos Reis.

Comparando-se as passagens paralelas dos livros das Crônicas e dos Reis — quer os Reis tenham servido de fonte ao redator das Crônicas ou quer ambos haurissem duma fonte comum — observamos que a fonte geralmente é transcrita literalmente conforme os hábitos da historiografia semítica, numa época que não conhecia os direitos de propriedade literária. Nesse caso, o autor sagrado, apropriando-se das palavras da fonte, torna-as expressão do seu próprio pensamento e, através do carisma da inspiração divina, que não se opõe ao uso de fontes profanas, imprime-lhe o selo da sua infalibilidade.

Pode acontecer que o autor sagrado julgue útil citar um documento como notícia interessante deixando, porém, quanto à exatidão dos fatos, a responsabilidade pela afirmação ao autor primitivo. Isto pode-se sempre admitir no caso de citação explicita, isto é, com a expressa designação da fonte, como nas cartas citadas em Esdras 4,7-16; 1 Mac 12:5-23; 2 Mac 11:16-38. Não havendo indicação da fonte, e, portanto, quando a citação é implícita, requer-se maior circunspecção.

Para apreciar devidamente os livros históricos do Antigo Testamento é mister levar em conta a finalidade dos autores sagrados, bem como o espírito que os animava ao escreverem seus livros. Os escritores bíblicos não pretendem escrever história propriamente dita, nem narrar para satisfazer a sede de saber. Eles querem evidenciar a mão de Deus no dirigir a sociedade humana segundo as altas finalidades de sua Providência, especialmente de acordo com a religião e com a salvação do gênero humano. A sua historiografia é religiosa e não profana. Daí a escolha, sensível de modo especial, nos livros dos Reis e das Crônicas, de poucos fatos dentre a enorme quantidade de acontecimentos que, mesmo limitando-se à Palestina, decorreram nos largos tempos abrangidos pela sua narrativa; enquanto se atribui um papel importante aos profetas, ministros e porta-vozes de Deus, junto do seu povo, Segue-se que não devemos esperar dos hagiógrafos um quadro completo da sociedade israelita da época. Apesar disso oferecem sempre excelente material para a reconstrução da história profana, completando os dados transmitidos pelos documentos extra-bíblicos, principalmente as inscrições cuneiformes dos reis assírios e babilônicos, onde se registram muitos fatos e personagens dos livros dos Reis.

Capítulo II

INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JOSUÉ (Canônico)

Seguindo-se ao Pentateuco, o livro de Josué inicia a narrativa de uma etapa — e não a menor — da história de Israel. Conforme a tradição judaica, ele faz parte do grupo dos "Profetas anteriores" (Josué, Juízes, Samuel e Reis).

Estrutura. O Livro de Josué pode facilmente ser dividido em duas partes, seguidas de três conclusões

(caps. 22, 23 e 24):

1. A conquista da terra prometida (1–12). Após um capítulo de introdução (1), Josué envia espiões a Jericó eles são acolhidos com hospitalidade por Raabe. Os israelitas atravessam o Jordão à altura de Jericó e acampam em Gilgal (3–4), onde se efetua uma circuncisão e uma primeira celebração da Páscoa em terra canaanita (5). Na Palestina central, a conquista principia com a tomada de Jericó (6), depois com a de Ai (8), no decorrer da qual é descoberto o pecado de Acã (7). A seguir, Josué faz uma aliança com os gibeonitas (9), e isto provoca uma coalizão dirigida pelo rei de Jerusalém contra Israel, resultando na batalha de Gibeon (10). Na Palestina do norte, Israel tem de enfrentar uma nova coalizão dirigida pelo rei de Hasor, cuja cidade foi incendiada pelos israelitas (11). No cap. 12, um quadro recapitula a lista das cidades conquistadas.

2. A repartição territorial entre as doze tribos (13–19), à qual se podem juntar as enumerações das cidades de refúgio (20) e das cidades levíticas (21).

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3. Conclusões: as tribos transjordanianas que participaram da conquista (1,12-16) são remetidas por Josué para seu patrimônio além do Jordão (22,1-6). Nesta primeira conclusão, enxerta-se o episódio da construção de um altar por estas tribos, ocasião de um pacto solene entre as doze tribos (22,7-34).

O cap. 23 constitui o testamento de Josué , sucessor de Moisés .

O cap. 24 nos apresenta, em aparente paralelismo com o precedente, a aliança firmada por Josué em Siquém.

Deste rápido resumo depreende-se que um só personagem domina o conjunto das narrativas: Josué, filho de Nun, pertencente à tribo de Efraim (Nm 13,8.16). O seu nome é, por si só, todo um programa. Josué significa: "O Senhor salva". Narra uma tradição bíblica que Moisés lhe mudou o nome de Hoshea (Oséias) para Iehoshua (Josué) (Nm 13,16), definindo-lhe um novo destino.

Outras personagens bíblicas também receberam este nome que, na época do Novo Testamento, resultou em "Jesus" para os judeus de língua grega (cf. Hb 4,8). Para os primeiros cristãos, isto facilitaria a aproximação entre a atividade de Jesus como salvador e a de Josué como condutor do povo rumo à terra do repouso.

No Pentateuco, Josué vive à sombra de Moisés: com ele sobe à montanha de Deus, segundo Ex 24,13; vela pela Tenda do Encontro (Ex 33,11); por vezes, desempenha um papel militar de destaque (Ex 17,8-16). Ao saber que não atravessaria o Jordão para conduzir o povo à Terra Prometida, Moisés confiou esta missão a Josué (Nm 27,18-23; Dt 31,7-8).

O Livro de Josué não pode ser lido como um registro que referisse ponto por ponto as etapas da conquista e instalação de Israel em Canaã. Sem dúvida, a crítica moderna cada vez mais reconhece o valor das tradições em que ele se funda. Mas, entre os acontecimentos que ele refere (fim do século XIII) e a data da redação final do livro, medeiam vários séculos. Por outro lado, a imagem — que este documento propõe — de uma conquista total de Canaã pelo conjunto da liga das tribos não resiste à crítica histórica. Canaã só foi efetivamente conquistada no tempo de Davi (século X). Antes disso, como o próprio livro repetidas vezes sugere, os canaanitas, ao invés de serem todos exterminados, mantiveram-se nas planícies e não raro houve coexistência entre eles e os israelitas (cf. 15,63; 16,10; 17,12.18). Por ocasião da morte de Josué, somos informados de que um amplo território ainda ficava por conquistar, embora já houvesse sido repartido pelas tribos (13–23).

Nesta narrativa, Josué conduz todo o povo, entidade maldefinida no livro, mas que de fato representa os guerreiros de algumas tribos que participaram da saída do Egito. Todavia, bem mais que ao aspecto militar — que não deixa de ter importância —, deve-se ser sensível à dimensão cultual e à apresentação litúrgica dos materiais. A travessia do Jordão (3–4) com a presença da Arca, réplica da travessia do mar dos Juncos, constitui uma entrada processional na Terra Prometida. Em Js 5, a menção à circuncisão seguida da primeira Páscoa celebrada com os produtos da região representa uma seqüência eminentemente litúrgica.

A conquista é apresentada como obra de "todo Israel" (cf. 10,28-39). A menção reiterada às tribos transjordanianas frisa o propósito de manter a unidade do povo numa época em que ela estava em perigo (cf. 1,12-16; 12,1-6; 13,8-32; 22,1-6).

Paralelamente, exprime-se uma preocupação muito viva com a fidelidade de Israel ao seu Deus, que a convivência com as demais nações pode comprometer a todo momento; pois a Aliança supõe um compromisso incondicional. Só nesta perspectiva é que se torna compreensível a insistência no extermínio dos povos que habitam Canaã e na necessidade de votá-los ao interdito (6,17.21; 11,12.14).

Mais positivamente, o interesse dos redatores tem em mira a terra que Deus prometeu aos antepassados do povo. Por isso, a segunda parte do livro (13–19), muito menos influenciada pelo trabalho de edição deuteronomista, comporta uma demarcação de fronteiras e listas de cidades para cada uma das doze tribos de Israel. Temos aí documentos muito preciosos sobre a divisão tradicional da terra entre os membros da liga israelita. Alguns deles podem remontar ao período que precede a realeza de Davi, mas não se podem excluir complementos mais tardios, em função da respectiva evolução da situação em Judá e Israel durante o período monárquico.

Em certos capítulos, o papel do sacerdote Eleazar ou do seu filho Finéias chega a suplantar o de Josué (14,1; 19,51; 21,1; 22,13.30.32), e a maioria desses relatos está vinculada ao santuário de Siló.

Se levarmos em conta esse extenso trabalho redacional, teremos uma noção mais exata daquilo que, do ponto de vista histórico, se deve esperar do Livro de Josué. Não há dúvida de que a apresentação da conquista sob a guia exclusiva de Josué procede de uma sistematização que não nos deve impedir de perceber a complexidade dos fatos. Por exemplo, nada se diz da conquista de Betel, que entretanto é referida em Jz 1,22-26. A tomada de Siquém não aparece em nenhum relato, sinal provável de que houve uma instalação pacífica, por um acordo com os habitantes desta cidade. A conquista de Hebron e Debir é atribuída

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a Josué (Js 10,36-39), ao passo que ficamos sabendo em outro lugar que o verdadeiro conquistador de Hebron foi Calebe, e o de Debir, Otniel (15,13-14; 15,17 e Jz 1,11-13).

Para restabelecer a verdade histórica deste período, freqüentemente se invocou o testemunho da arqueologia. De fato, as escavações empreendidas em cidades antigas não raro atestam violentas destruições, ocorridas na passagem da Idade do Bronze Recente — que termina por volta de 1200 — para a Idade do Ferro. Já que a entrada dos israelitas em Canaã é datada por volta de 1230, houve a tentação de atribuir a eles essas destruições. Mas não se podem descartar, por um lado, rivalidades entre as cidades-estados canaanitas, por outro, a presença nesta época de invasores de outra origem. O argumento arqueológico perde então sua força. Todavia, uma cidade como Hasor, cuja destruição é situada pelos arqueólogos no fim do século XIII, pode efetivamente ter sido incendiada pelos israelitas, conforme atesta Js 11,10-11. Não se pode deixar de admitir que o texto bíblico nem sempre dá resposta às perguntas que nós lhe fazemos.

Muito mais do que Josué, a personagem central do livro é a Terra Prometida. O que era objeto da promessa no Pentateuco encontra aqui cumprimento. Por isso, houve quem chegasse a falar de um Hexateuco, acrescentando Josué ao Pentateuco. A Terra é o lugar da fidelidade de Deus para com seu povo e do povo para com seu Deus. Penhor da aliança entre Deus e Israel, ela não é um símbolo inanimado, mas um convite vivo e insistente ao homem de assumir a realidade criada para santificá-la. A ocupação de Canaã e sua divisão cadastral entre os filhos de Israel cumprem a promessa patriarcal renovada por Deus a Moisés. Não devemos nos deter ante a aridez das enumerações topográficas, mas partilhar a alegria do redator que pormenoriza a herança dada por Deus às tribos.

O Livro de Josué afirma que a Terra é simultaneamente dom e constante objeto de conquista. Há nisto uma nunca resolvida tensão entre o presente e o futuro, constitutiva da existência do povo de Deus.1

Capítulo III

INTRODUÇÃO AO LIVRO DE JUÍZES

(Canônico)

Dando continuidade ao livro de Josué e pertencendo, como ele, ao grupo dos "Primeiros Profetas" [noutro critério de classificação], o livro dos Juízes nos dá um resumo da vida das tribos durante um dos períodos mais obscuros da história do povo de Israel, aquele que se segue à conquista e precede o aparecimento da instituição da monarquia.

O plano do livro. O plano do livro se descobre facilmente. Uma primeira introdução (cap. 1) apresenta a instalação das tribos em Canaã com seus sucessos e fracassos. A situação das tribos, cuja ação não parece concertada, é a de uma existência ameaçada pela presença das cidades cananéias no território designado para cada tribo. Essa situação, que está em contradição com a promessa de Deus, recebe uma primeira explicação (2,1-5). Após essa exposição preliminar, que nos remete ao período da conquista, abre-se o período dos Juízes propriamente dito (2,6–16,31), introduzido por um prólogo que dá o sentido religioso dessa etapa da história das tribos (2,6–3,6). Ao passo que a época de Josué era de fidelidade, a dos Juízes nos é apresentada como a da infidelidade. Em seguida, dá-se uma história fragmentária das ações dos Juízes, que são doze, mas cujas notícias são de amplidão variada: Otoniel (3,7-11), Eúde (3,12-30), Sangar (3,31), Deborá e Baraque (4–5), Gideão e Abimeleque (6,1–9,57), Tola (10,1-2), Jair (10,3-5), Jefté (10,6–12,7), Iibsan (12,8–10), Elon (12,11-12), Abdon (12,13-15), Sansão (13,1–16,31).

A compilação termina com dois apêndices que mostram a anarquia reinante em Israel antes da instauração da monarquia. Um narra a migração dos danitas e as origens do santuário de Dã (17–18), o outro narra o crime cometido pelos habitantes de Guibeá e a guerra empreendida pelas tribos contra Benjamim, que se recusava a punir os culpados (19–21).

Juízes e salvadores. Os personagens apresentadas por este livro são genericamente chamados "Juízes", mas convém examinar a abrangência desse título. No plural, designando aqueles que Deus escolheu para salvar seu povo, o termo aparece, neste livro, apenas em 2,16-18; mas se este emprego é raro no texto, a designação do período pré-monárquico como "tempo dos Juízes" é conhecida pela tradição bíblica (2 Sm 7,11; 2Rs 23,22; Rt 1,1). No entanto, se o título "juiz" está praticamente ausente das narrativas, encontra-se com freqüência o verbo "julgar" para descrever a ação dos heróis do livro (3,10; 4,4; 10,1-5; 12,7.8-15;

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15,20; 16,31). Observar-se-á todavia que este verbo se encontra mais freqüentemente nas informações que enquadram as narrativas, o que pode indicar um emprego redacional. Mesmo neste caso, o verbo não adquire simplesmente o sentido de "fazer justiça", mas de "comandar, governar". A esse respeito, o uso português do verbo "julgar" não deixa perceber essa acepção, porque a língua hebraica concorda com as línguas vizinhas para designar por este verbo uma verdadeira função de autoridade. Para citar apenas um exemplo, o termo "juiz" nos textos de Mári designa altos funcionários dotados de amplos poderes.

Se alguns personagens julgaram Israel, não é certo que todos aqueles cujos grandes feitos são reportados tenham tido essa função, porque um outro verbo qualifica a ação daqueles que chamamos os Juízes: "salvar" (3,31; 6,15; 10,1). Nessa perspectiva, Otniel e Ehud são qualificados como "salvadores" (3,9.15). Mais geralmente Deus é aquele que salva seu povo pela escolha de um homem que realiza concretamente a salvação (3,9; 6,36-37; 7,7; 10,13). Encontramo-nos, então, diante de uma dualidade de expressões que remete muito provavelmente a uma dualidade de perspectivas, que a leitura do livro dos Juízes deixa entrever.

Mesmo que não se tenha certeza quanto à composição do livro, podem-se descobrir tradições ou ciclos de relatos que tiveram uma existência anterior e independente. Assim as notícias sobre os Juízes menores (10,1-5; 12,8-15) devem provir de uma lista antiga que não fornecia mais que informações sucintas. Aliás, a história de Jefté, que separa em duas essa lista, permite averiguar como foi possível passar da personagem do juiz à do salvador, pois Jefté foi um e outro. Os relatos sobre os outros Juízes se apoiam sobre tradições antigas que foram ampliadas, completadas e fundidas. Esses relatos foram reunidos em uma coletânea que poderia ser chamada de "livro dos salvadores"? É uma hipótese que ainda exige verificação, mas que não deixa de ser provável.

O quadro teológico. Mas além dessas tradições e dessas coletâneas, o livro dos Juízes oferece um quadro teológico que chama a atenção, porque fornece o ensinamento religioso dos acontecimentos relatados. Essa perspectiva teológica encontra-se particularmente no prólogo (2,6–3,6), no início do capítulo 6 (vv. 7-10) e na introdução à história de Jefté (10,6-16).

Ela se caracteriza por uma série de fórmulas estereotipadas: os filhos de Israel fizeram o que é mau aos olhos do Senhor (2,11; 3,7.12; 4,1; 6,1; 10,6; 13,1), fórmula que pode ser esclarecida por outra: eles abandonaram o Senhor e serviram a Baal e às Astarotes (2,11.13; 3,7; 10,6). A conseqüência dessa infidelidade é então indicada: O Senhor os entregou às mãos de tal ou tal inimigo (2,14; 3,8; 4,2; 6,1; 10,7). A seguir, vem a fórmula, os filhos de Israel clamaram ao Senhor (3,9.15; 4,3; 6,6; 10,10). À súplica de seu povo, o Senhor responde suscitando Juízes (2,16) ou um salvador (3,9.15). Enfim, na conclusão dos relatos, aparecem outras fórmulas: o inimigo foi humilhado sob a mão de Israel (3,30; 8,28, cf. 4,23-24) ou ainda: a terra esteve em repouso durante tantos anos (3,11.30; 5,31; 8,28).

Dessas fórmulas se depreende uma lógica religiosa de quatro termos: o pecado acarreta o castigo, mas o arrependimento do povo conduz ao envio de um salvador. Encontramo-nos assim em face de uma teologia da história que posteriormente foi adicionada a esses relatos e que se aplica a todo Israel.

Os apêndices do livro (17–21), que recolhem igualmente tradições antigas, foram acrescentados durante ou após o Exílio, pois fazem uso de um vocabulário que se encontra nos escritos sacerdotais. Mais difícil é situar a época em que foi acrescentada a introdução de Jz, que contém informações antigas, bastante marcadas pela tendência de fazer a apologia da tribo de Judá.

O livro dos Juízes e a história. Malgrado todas as incertezas que pairam sobre a redação do livro dos Juízes, ele continua a ser para o historiador a única fonte de informações sobre o período que vai da morte de Josué à instauração da monarquia, mas sua utilização suscita numerosos problemas. Os relatos permitem fazer uma idéia do período dos Juízes; oferecem-nos um quadro da história de certas tribos em que nada nos autoriza a afirmar uma unidade política, nem mesmo sob a forma de uma liga de doze tribos. Trata-se de histórias de grupos que revelam afinidades ou hostilidades entre certas tribos, de relatos de combates para conservar o território já adquirido, mas tudo isso é fragmentário e se nos oferece sem o cuidado de uma ordem cronológica.

Com efeito, o livro dos Juízes não contém nenhuma data; apenas a duração de cada judicatura é indicada, mas se forem somados os números fornecidos para cada juiz, obtém-se uma duração de 410 anos, o que não é compatível com os outros dados cronológicos da história de Israel . A maior parte dos números provém dos redatores, e, se é certo que cada um tem sua própria lógica, é quase impossível restabelecê-la e compreendê-la. Aliás, o uso freqüente do número 40, que indica o tempo de vida ativa de um indivíduo, manifesta o caráter aproximativo dos dados do livro dos Juízes. Na verdade, a cronologia do período dos Juízes deve ser obtida considerando tanto os inícios do período da realeza como a data da entrada em Canaã . Com efeito, o

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conjunto das tradições relatadas deve situar-se entre 1200 e 1020 a.C., sendo esta segunda data a do estabelecimento da monarquia.

Um livro da fé de Israel. Documento instigante e difícil para o historiador, o livro dos Juízes é antes de tudo uma obra suscitada pela fé de Israel. Desde os mais antigos textos que o compõem, tal como o Cântico de Débora (Jz 5), descobre-se esta convicção: o Deus de Israel é aquele que sustenta seu povo nas horas difíceis. Essa experiência teologal foi estendida a todo Israel, e o quadro teológico do livro ainda reforçou a intuição original, insistindo na fraqueza de Israel e na paciência de Deus, que, incansavelmente, envia homens para libertar as tribos da opressão.

É certo que os heróis do livro dos Juízes estão enraizados num tempo em que os costumes eram rudes e as idéias morais não correspondiam às nossas. A astúcia de um Eúde, o assassinato de Sísera por Jael, o sacrifício da filha de Jefté, os amores de Sansão podem nos chocar, mas, através desses relatos, que não procuram edulcorar a realidade, é necessário aprender a descobrir a ação de Deus, que conduz um povo dando-lhe chefes animados pelo Espírito (3,10; 6,34; 11,29; 13,25; 14,6.19; 15,14). Esses homens prefiguravam o rei que devia receber o Espírito do Senhor para dirigir o povo com justiça, e o próprio rei era o presságio do Messias, sobre quem repousaria o Espírito de múltiplos dons (Is 11,2).2

Capítulo IV

INTRODUÇÃO AO LIVRO DE RUTE

(Canônico)

O livro de Rute, cujo nome se deve à principal heroína do relato, narra a história de uma família de Belém que emigrou para a terra de Moabe. Lá chegando, Elimeleque, esposo de Noemi, morre, assim como seus dois filhos, Mahlon e Kilion, que haviam desposado duas moabitas, Rute e Orfa. Ao cabo de dez anos, Noemi retorna a Belém, acompanhada de Rute, enquanto Orfa volta para junto de seu povo. Rute vai recolher espigas no campo de Boaz, que a acolhe com benevolência. Noemi, sabendo que Bôaz tem sobre Rute um direito de resgate, aconselha a nora a incitar Boaz a desposá-la. Ele acede ao pedido e, após a desistência de um resgatador mais próximo, toma Rute por mulher. Ela lhe dá um filho: Obede, pai de Jessé, pai de Davi.

Na Bíblia hebraica, a história de Rute se situa entre os "Ketubim" ou Escritos. A Bíblia grega e a Bíblia latina inserem-na depois dos Juízes, certamente por causa da indicação cronológica que está no primeiro versículo.

A data do texto ainda é bastante discutida. Para uma data pré-exílica, levantaram-se várias razões. Os costumes jurídicos aduzidos no livro (direito de resgate, matrimônio levirático; cf. nota a 4,5) refletiriam uma legislação anterior ao Deuteronômio. O estilo do livro se aproximaria da prosa clássica do AT. O estudo dos nomes próprios sugeriria uma origem antiga. Entretanto, uma data pós-exílica parece preferível. O autor considera muito distanciada a época dos Juízes. Deve explicar um velho costume caído em desuso. Algumas particularidades lingüísticas sugerem uma época tardia. A teologia do livro (universalismo, concepção da retribuição e sentido do sofrimento) pode ser melhor entendida num clima pós-exílico. A época de Esdras e de Neemias conviria muito bem ao relato, favorável à causa dos matrimônios com estrangeiras, contra as reformas rigorosas de Esd 9 e Ne 13.

Mas o livro de Rute não é uma polêmica. O autor evoca o exemplo da avó de Davi, uma estrangeira, modelo de piedade que, por um casamento levirático providencialmente conduzido pelo Senhor, introduziu-se legalmente numa família israelita e, ainda por cima, davídica. 1Sm 22,3-4 aponta os vínculos entre Davi e Moabe.

Com exceção da genealogia, 4,18-22, que se reencontra em 1Cr 2,5-15 e que parece ser uma adição, a unidade literária do livro revela-se sem falha. O relato se desenvolve em perfeita harmonia: quatro quadros (1,6-18; 2,1-17; 3,1-15; 4,1-12) precedidos de uma introdução (1,1-5), seguidos de uma conclusão (4,13-17), com intermédios que servem de transições (1,19-22; 2,18-23; 3,16-18). Paralelismos numerosos, passagens ritmadas, assonâncias e aliterações atravessam todo o livro, tornando-o uma obra-prima da literatura. Acrescentemos ainda trocadilhos contidos nos nomes próprios: Elimeleque (Meu-Deus-é-rei), Noemi (Minha Graciosa) contrastam singularmente com Mahlon (Doença) e Kilion (Fragilidade), cujos nomes anunciam morte próxima. Orfa poderia evocar a "nuca", que se vira ao partir, e simbolizar a defecção, enquanto Rute, provavelmente aparentada a "amiga", ou mais certamente a "reconfortada", anuncia a afeição ou o

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reconforto. O nome de Boaz (Força-nele) engendra a esperança, o de Mara (Amarga) traduz a miséria. Quanto a Obede, significa "servidor", "servo" (subentendido: de um deus particular; aqui: do Senhor). A mudança de Noemi para Mara em 1,20 sugere claramente que o autor dá a estes nomes próprios um valor simbólico.

O livro de Rute faz parte dos cinco Rolos lidos nas principais festas judaicas. Ele é utilizado para a festa de Pentecostes. Será que foi escolhido para tal por situar-se no começo da colheita da cevada? Ou mais profundamente porque, se a festa judaica de Pentecostes celebra o dom da Lei a Israel, o livro de Rute estende este dom às nações pagãs, e a genealogia final chega a fazer de uma estrangeira a antepassada de Davi e, em conseqüência, do futuro Messias? Seria difícil dizê-lo com exatidão. A tradição rabínica viu em Rute o modelo da prosélita, e a expressão "vir sob as asas do Senhor" (cf. 2,12) veio designar a conversão ao judaísmo.

Rute figura na genealogia de Jesus, segundo o evangelho de Mateus 1,5. Este último traço enfatiza o universalismo e o messianismo do nosso relato.3

Capítulo V

INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE SAMUEL

(Canônicos)

O título dos livros. A divisão de Samuel em dois livros é muito recente. Uma nota massorética a 1Sm 28,24 indica que o "centro do livro" se encontrava neste lugar. Os tradutores gregos devem ter copiado a tradução em dois rolos, que intitularam 1º e 2º livro dos Reinados. Tal divisão, seguida pela Vulgata (que os chamava 1º e 2º livro dos Reis), se impôs às bíblias hebraicas a partir dos séculos XV/XVI.

A comparação do texto hebraico com o da versão grega revela algumas divergências. É pouco provável que os Setenta tenham agido por conta própria nas adições e omissões constatáveis no texto grego. Os escassos vestígios já publicados do texto hebraico encontrado em Qumran mostram um texto às vezes mais próximo daquele que parece ter servido de base à Septuaginta. Por outro lado, a antiguidade destas testemunhas não basta para provar que estejam fornecendo o "texto autêntico". A versão grega, ou antes, seu substrato hebraico, pode ter procurado eliminar algumas duplicatas ou contradições e representa provavelmente uma recensão menos espinhosa que a transmitida pelos massoretas. As duas recensões deviam ainda coexistir no início da era cristã.

O título Samuel reflete uma antiga tradição rabínica que dava o profeta Samuel por autor destes livros (Baba Batra 14b). Rabinos posteriores, tomando ao pé da letra 1Cr 29,29-30, supuseram que a obra de Samuel, depois de sua morte, fora continuada pelos profetas Natã e Gade (Baba Batra 15a).

Percebe-se particularmente que os caps. 21–24 de 2Sm interrompem uma narrativa relativamente homogênea quanto ao estilo e argumento, relatando as vicissitudes internas do reino de Davi e conduzindo à ascensão de Salomão. Os dois primeiros capítulos de 1Rs pertencem a esse conjunto antigo, cuja unidade foi rompida pela inserção de 2Sm 21–24. Esta inserção é comparável à de Jz 17–21, constituída de apêndices que interrompem a série de histórias de juízes-salvadores que 1Sm parece continuar.

O conteúdo dos livros. Na sua disposição atual, as diversas partes dos livros de Samuel parecem encadeadas segundo uma ordem cronológica, desconsiderados os "Suplementos" de 2Sm 21–24. A primeira parte (1Sm 1–7) narra a carreira de Samuel desde seu nascimento e vocação profética, até o momento em que se tornou um grande juiz, salvador de Israel. O ambiente é o das guerras contra os filisteus, das quais se retêm sobretudo os episódios referentes ao destino da arca de Siló.

Quando Samuel envelhece, o povo, sob a pressão do perigo externo, vem pedir-lhe um rei. Esta iniciativa provoca objeções do profeta, defensor da teocracia. Não obstante, ele acede ao desejo dos anciãos de Israel e confere a investidura a Saul. Instalado o rei, Samuel se retira. A discussão em torno à realeza e os relatos da ascensão de Saul ocupam os capítulos 8–12 de 1Sm, constituindo a 2ª parte deste livro.

A 3ª parte (1Sm 13–15) focaliza as guerras de Saul contra os filisteus e os amalequitas. Estas guerras são vitoriosas, mas já se acumulam sombras sobre o rei: ele se torna culpado de dois atos de desobediência à vontade divina, e Samuel lhe revela sua destituição, anunciando-lhe, em termos explícitos, que Davi o vai substituir.

A carreira de Davi, desde sua apresentação a Saul até o momento de sua sagração como rei, é narrada no conjunto complexo que se chama "história da ascensão" de Davi (1Sm 16–2Sm 5). Sagrado, ainda criança, por Samuel, Davi entra para o serviço de Saul e se distingue pela vitória gloriosa sobre um gigante filisteu.

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Torna-se grande chefe de guerra e conquista a afeição de todos, particularmente de Jônatas, o filho de Saul. Mas ele inspira a Saul um ciúme mórbido, que tenta por várias vezes, sem êxito, desembaraçar-se de seu rival. Davi deve fugir e, perseguido por Saul, começa uma vida errante que o conduz a pôr-se a serviço dos filisteus, sem contudo empunhar armas contra seu próprio povo. Quando Saul e Jônatas tombam diante dos filisteus na batalha de Guilboa, David continua a luta contra os sucessores de Saul e anda de vitória em vitória, enquanto a casa de Saul vai enfraquecendo.

A 5ª parte (2Sm 6–8) é a dobradiça do díptico que constitui a história de Davi nos livros de Samuel. A instalação da arca de Siló em Jerusalém consagra a cidade conquistada por Davi como capital de seu reinado, e a profecia de Natã estabelece em favor da dinastia davídica o princípio de hereditariedade monárquica. A notícia do cap. 8 lembra que o fundador da monarquia de Jerusalém foi também o conquistador de um verdadeiro império.

O segundo painel do díptico é representado pelos caps. 9–20 de 2Sm (aos quais convém acrescentar 1Rs 1–2). É a relação dos acontecimentos que deságuam na entronização de Salomão. Muito espaço ocupa o relato do nascimento de Salomão e as circunstâncias que o acompanham. Depois relata-se como foram eliminados da sucessão os filhos de Davi que poderiam representar obstáculo ao destino de Salomão: Amon, Absalão (e Adonias).

Introduzidos por ocasião de uma pausa no relato da "sucessão de Davi", os apêndices de 2Sm 21–24 agrupam, em torno a duas composições líricas e notícias referentes a diversas pessoas, as relações de duas catástrofes naturais e de seu esconjuro, relatos que não conseguiram lugar nos capítulos precedentes, a despeito de seu significado histórico e religioso.

Os livros de Samuel e a história de Israel. Os livros de Samuel abrangem um longo período da história israelita, sendo possível determinar-lhe ao menos o termo final. Levam-nos até a velhice de Davi, alguns anos, ao que parece, antes de ascensão de Salomão em 970 a.C. Não é tão fácil situar na história os episódios iniciais, mergulhados na mesma indefinição cronológica que as histórias dos Juízes. Desta época remota, subsistem em Samuel tradições contendo elementos com incontestável sabor de autenticidade: as informações a respeito da dominação filistéia, particularmente o monopólio do ferro conservado pelos filisteus (1Sm 13,19-21), os relatos de guerras, ricos em indicações topográficas precisas e verificáveis (1Sm 13; 17; 31), os das peregrinações de Davi fugitivo. A tensão entre "Israel" e "Judá", que se percebe nas histórias dos conflitos entre Davi e a casa de Saul e da rebelião de Absalão, é um dado de valor sólido. Malgrado a ausência de fontes externas, não podemos desmerecer o que nos ensina 2Sm 8 sobre as guerras de Davi: somente a constituição de um Império davídico, bem no começo do 1º milênio, quando tanto o Egito como a Assíria estão na defensiva, pode explicar a prosperidade do reinado de Salomão , tendo Israel então acesso ao Mediterrâneo e ao Mar Vermelho. As notícias sobre os funcionários de Davi (2Sm 8,15-18; 20,23-26) e o recenseamento de que fala 2Sm 24 atestam uma vontade decidida de organizar o território e marcam uma mudança significativa em relação ao tempo de Saul, cujo aparato de defesa não passava de um embrião de exército permanente. Em compensação, não se devem perguntar a Samuel informações seguras quanto ao início da realeza. O perigo filisteu certamente pode explicar a iniciativa dos anciãos que vêm pedir um rei a Samuel, mas, quando e onde aconteceu isso? A tradição de 1Sm 11, mostrando em Saul o vencedor dos amonitas e o salvador de Iabesh de Guilead, tem para si as melhores garantias, segundo o estudo interno; mas será historicamente compatível com os outros relatos de sua entronização? Saul foi coroado em Ramá, em Mispá, em Gilgal ou, sucessivamente, nestes diversos lugares? A cronologia do reino de Saul continua totalmente desconhecida. A notícia de 1Sm 13,1 indica que dela não se tem lembrança.

Elementos de uma compilação. Os livros de Samuel não são uma crônica que acompanhe os acontecimentos passo a passo. São uma obra literária que reúne materiais heterogêneos, às vezes muito antigos. Reúne tradições orais que devem remontar aos próprios dias de Saul e Davi, mas cujo estado original já não se distingue com clareza por trás da forma escrita, páginas escritas provavelmente no reinado de Salomão e complementações introduzidas depois da ruína do Estado em 587, quando os livros de Samuel receberam seu lugar na obra atribuída à escola histórica chamada "deuteronomista" (Josué–Juízes–Samuel– Reis), tão facilmente reconhecível por sua fraseologia e estilo.

Há certo consenso quanto a ver na "história da sucessão de Davi" (2Sm 9–20 + 1Rs 1–2) um relato relativamente homogêneo. O relato da revolta de Absalão, rico em observações precisas, como registradas ao vivo, deve ser obra de uma testemunha dos acontecimentos e não pode ter sido publicado muito tempo depois. Constitui o núcleo da "história da sucessão", e recebeu como prefácio a história do nascimento de Salomão (2Sm 9–12) e como conclusão, a do fracasso de Adonias (1Rs 1–12); de modo que estes capítulos poderiam chamar-se também a "história da ascensão de Salomão". Não obstante a objetividade de tom, percebe-se nitidamente a tendência do autor.

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A composição do conjunto precedente (1Sm 16–2Sm 5), à qual se podem acrescentar elementos antigos da profecia de Natã (2Sm 7) e a história da arca (2Sm 6), é bem mais difícil de ser rastreada. Se a história da ascensão ou do advento ao trono de David é melhor estruturada do que geralmente se acredita (vê-se que narradores e redatores procuraram construir simetrias), a presença de duplicatas chama a atenção: a entrada de David no serviço de Saul , o atentado malogrado de Saul contra Davi, a intervenção de Jônatas a favor de Davi, a aproximação de Davi aos filisteus , a denúncia da gente de Zif, o episódio em que Davi poupa Saul , tudo isso é narrado duas vezes. Por isso, vários exegetas acreditaram que estes capítulos continuavam os "documentos" constitutivos do Pentateuco. Contudo, parece antes que na maioria dos casos estamos diante de tradições diferentes (já fixadas, quer oralmente, quer por escrito), que os narradores e redatores decidiram conservar e que tentaram organizar balizando sua coleção por fórmulas de moldura e sublinhando por palavras-chave os temas dominantes de cada parte. Apesar destas duplicatas, a história da ascensão de Davi apresenta tanta afinidade com a da sucessão que se é inclinado a pensar que os autores pertenciam ao mesmo ambiente: escribas da corte de Jerusalém, selecionando e codificando tradições orais já elogiosas ao rei. O processo de idealização de Davi, nitidamente perceptível nesta parte, prolonga-se a uma etapa ulterior da redação: 1Sm 16, narrando a unção de Davi por Samuel, serve evidentemente para pôr o segundo rei no mesmo nível que o primeiro e encontra-se intimamente ligado ao cap. 15, de incontestável caráter secundário.

Os capítulos consagrados às guerras de Saul são uma compilação. Encontram-se aí tradições antigas sobre as guerras do tempo de Saul contra os filisteus e das quais o verdadeiro herói é Jônatas, o amigo de Davi. A tendência é claramente hostil a Saul (1Sm 13–14). A narrativa da campanha contra Amaleque (1Sm 15) é introduzido talvez para marcar a falência da realeza de Saul, culpado por infringir um mandamento divino. A destituição de Saul é a introdução necessária da história de Davi, que a segue de imediato.

A parte de 1Sm onde são tratadas as origens da realeza (8–12) não tem uma história menos complexa atrás de si. Também aí encontram-se compilados elementos de origem diversa. Alguns são antigos, apesar de retoques secundários. Assim a história das jumentas, certamente adaptação de uma lenda benjaminita (9– 10,16), uma tradição acerca da escolha do rei por sorteio, em Mispá (10,17-27), a narração do cap. 11, onde Saul aparece favoravelmente, sob os traços de um juiz carismático vitorioso sobre o inimigo amonita. O cap. 8 expõe desde o início o problema teológico levantado pela própria instituição da monarquia. Condena o desejo do povo que pede um rei, embora indique também que o Senhor acaba consentindo. Hoje tende-se a ver nos "costumes do rei", contra os quais Samuel adverte seus compatriotas, a lembrança de práticas características dos reis "como as nações os possuíam" por volta do fim do 2º milênio, antes do que uma condenação antecipada de práticas iníquas dos reis de Israel. A base do cap. 8 seria então mais antiga do que se acreditou durante longo tempo. O sermão de despedida de Samuel no cap. 12 em toda esta parte não aparece um juízo acerca de Saul. Ele é simplesmente apresentado, e de diversas maneiras, como eleito do Senhor. Parece haver aqui maior interesse pela instituição monárquica do que pelo primeiro detentor da dignidade real.

A primeira parte do livro (1Sm 1–7) é dominada pela figura de Samuel. É apresentado como espécie de tipo ideal do homem religioso; ele é, ao mesmo tempo, associado ao santuário e investido com uma missão profética. Procura-se também mostrar nele o verdadeiro salvador de sua época (talvez com uma ponta polêmica contra Saul, cf. 1,27-28). Insiste-se na eleição de Samuel, para evidenciar naquele que consagrou os reis o agente credenciado por Deus. Outros elementos dos caps. 1–7 tomam sentido quando se levam em consideração as preocupações principais do conjunto dos livros de Samuel: as aventuras da arca são relatadas com tantos detalhes, porque contribuem para glorificar o móvel sagrado do qual Davi fez o "paládio" de sua capital; o anúncio do "sacerdote fiel", em 2,27-36, serve para a glória de uma instituição da era salomônica, o sacerdócio sadoquita; a antítese elevação/queda (lembrada de modo lapidar em 2,7) domina a história de Samuel, oposto a Eli e seus filhos, mas também a de David oposto a Saul e sua casa. A lenda de Samuel não carece de nexos com o que se segue a ela. Pode-se atribuir a um doutrinário regalista a compilação de tradições antigas que constitui os capítulos 1–6. No cap. 7, o autor faz nele a conclusão da história dos Juízes.

Lições acerca da realeza. A descoberta das tendências político-religiosas dos narradores e escritores permite formular algumas hipóteses quanto à composição dos livros de Samuel. Com efeito, mais que um longo capítulo da história antiga de Israel, estes livros são um ensinamento do qual convém perceber os pontos principais.

O tema dominante é o da realeza. Não se procura encobrir a ambigüidade de sua instituição. Israel tem por rei o Senhor. O que representa então um soberano humano? O problema é resolvido em favor da instituição monárquica, já que, afinal, o Senhor e seu intermediário, Samuel, presidem à designação de Saul.

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Se, contudo, a iniciativa do povo é condenada sem cerimônia, talvez seja para significar que a realeza de um homem, por direito, não procede da vontade humana e sim, da autoridade divina, e que a monarquia israelita não é nem democrática, nem autocrática, mas permanece subordinada à teocracia. Talvez procure-se sugerir que Saul pessoalmente tenha sofrido por ter sido "pedido" (o sentido de seu nome em hebraico). O nimbo legendário que envolve a figura de Samuel realça a supremacia do homem religioso mediador da vontade divina. Insiste-se na natureza religiosa das faltas que provocam a queda de Saul, para indicar que o rei não deve invadir um domínio que não é seu. A isso associa-se o interesse dos livros de Samuel pelos objetos, práticas e pessoas do culto (particularmente quanto à arca, intocável segundo 2Sm 6,7, e quanto ao altar de Jerusalém, 2Sm 24).

O rei por excelência é Davi. Ele é fortemente idealizado, sobretudo na história de seus inícios, pelos relatos de suas façanhas, da afeição que ele inspira, de sua magnanimidade e modéstia, embora não se esconda que sua carreira foi a de um soldado que teve sorte. Não falta a observação da submissão que este rei ideal demonstra em relação ao Senhor e suas instâncias e o seu cuidado em consultar a vontade divina. Assim, ele aceita a reprimenda do profeta Natã, em conseqüência de seu pecado de adultério, o que mostra que, em Israel, o rei não está acima da lei. Mas, à diferença de Saul, Davi não é punido na sua descendência; ele recebe a segurança de ver reinar no seu lugar um de seus filhos. Este filho é Salomão, cujo advento se vê preparado pelo amor que Deus lhe tem desde o nascimento. Nossos livros são portanto uma apologia da dinastia judaíta. Segundo a profecia de Natã (2Sm 7), cujo teor essencial não foi modificado pela redação deuteronomista, a casa de Davi deve ocupar para sempre o trono de Jerusalém, pouco importa quais sejam as faltas pessoais dos que exercem nela a monarquia.

Esta idéia religiosa expressa provavelmente num tempo em que a monarquia judaíta se considerava segura de um longo porvir, teve uma sorte extraordinária, que valeu aos livros de Samuel seu lugar na história da salvação. Virá um dia em que os reis se terão culpabilizado de tantas faltas que a própria realeza parecerá condenada; o veredicto definitivo será pronunciado sobre ela em 587. Não obstante, não se deixará de acreditar na garantia eterna concedida por Deus à casa de Davi, e esperar-se-á com confiança o advento de um filho de Davi digno das promessas feitas ao seu antepassado. Trata-se do Messias, por um lado, rei ideal mas, por outro, descendente carnal daquele que o Senhor tinha eleito por volta do ano 1000 antes de nossa era.4

Capítulo VI

INTRODUÇÃO AOS DOIS LIVROS DE REIS

(Canônicos)

Os livros dos Reis cobrem um longo período da história de Israel. Os acontecimentos mais antigos, os últimos dias de Davi (1Rs 1,1–2,10), remontam a 972 a.C. aproximadamente, ao passo que a

reabilitação do rei Jeoiaquim (2Rs 25,27-30) data de 561 a.C. Ora, como o indica a lista dos livros bíblicos, os Livros dos Reis fazem parte dos Profetas Anteriores. Isto deve alertar o leitor para o fato

de que, conquanto esses livros sejam ricos em dados históricos, não devem ser considerados primordialmente como livros históricos. Por seu conteúdo podem, de preferência, ser definidos como

uma reflexão teológica sobre um período da história de Israel em que este povo era governado por reis.

Conteúdo dos Livros dos Reis

A) Fim do reinado de Davi e reinado de Salomão (1Rs 1–11)

Davi e a shunamita — Pretensões de Adonias à realeza — Reação do partido de Salomão e sua sagração em Guihon: 1Rs 1,1-40

Fracasso da conspiração de Adonias: 1Rs 1,41-53 Recomendações de Davi a Salomão : 1Rs 2,1-11

Sorte reservada a Adonias, a seus dois principais cúmplices e a Shimeí: 1Rs 2,12-46 Aparição do Senhor a Salomão — Julgamento de Salomão : 1Rs 3

Os grandes do reino — Administração de Salomão — Sabedoria de Salomão : 1Rs 4,1–5,14 Aliança com Hirão, rei de Tiro, e preparativos para a construção do Templo: 1Rs 5,15-32

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Construção do Templo e dos edifícios reais — Fabricação dos objetos de metal destinados ao Templo: 1Rs 6–7

Transferência da arca e dedicação do Templo — Nova aparição do Senhor a Salomão: 1Rs 8,1–9,9 Atividades diversas de Salomão: 1Rs 9,10-28

Visita da rainha de Sabá — Riquezas de Salomão: 1Rs 10

Pecado de Salomão — Revoltas no exterior — Anúncio do cisma a Jeroboão pelo profeta Ahiá: 1Rs 11 B) Do cisma ao fim do reino de Israel (1Rs 12–2Rs 17)

Cisma político e religioso — Jeroboão, rei de Israel : 1Rs 12 Profecia contra Betel: 1Rs 13

Ahiá anuncia a morte do filho de Jeroboão: 1Rs 14,1-20 Roboão, Abiâm e Asá, reis de Judá : 1Rs 14, 21–15,24

Nadabe, Baeshá, Elá, Zimri, Omri e Acabe, reis de Israel: 1Rs 15,25–16,34

Ciclo de Elias — A grande seca: Elias no Karit, depois em Sarepta; ressurreição do filho da viúva; o sacrifício do Carmelo; Elias no Horebe 1Rs 17-19

Duas campanhas de Arâm contra Israel; cerco de Samaria e campanha em Afeq; intervenção de um profeta: 1Rs 20

Ciclo de Elias (continuação) — A vinha de Nabot : 1Rs 21

Campanha de Acab e de Josafá contra Arâm; intervenção de Miquéias; morte de Acabe: 1Rs 22,1-40 Josafá, rei de Judá: 1Rs 22,41-51

Acazias, rei de Israel: 1Rs 22,52-54

Ciclo de Elias (fim) — A morte de Acazias — Ascensão do profeta; Eliseu, o herdeiro do espírito de Elias: 2Rs 1–2

Jorão, rei de Israel: 2Rs 3,1-3

Ciclo de Eliseu — Expedição contra Moabe — Alguns milagres: o milagre do óleo; ressurreição do filho da shunamita; saneamento da sopa envenenada; multiplicação dos pães; cura do leproso Naaman; o ferro que flutua; um destacamento arameu afetado de cegueira — Segundo cerco de Samaria pelos arameus — Os bens da shunamita — Escolha de Hazael como rei de Aram: 2Rs 3,4–8,15

Jorão e Acazias, reis de Judá : 2Rs 8,16-29

Ciclo de Eliseu (continuação): unção real sobre Jéu. Proclamação de sua realeza sobre Israel : 2Rs 9,1-13

Jéu, rei de Israel — A repressão ao baalismo: assassinato de Jorão, de Acazias e de Jezabel;

exterminação da família real de Israel e dos irmãos de Acazias; exterminação de todos os servos de Baal: 2Rs 9,14–10,36

Reino de Atalia em Judá — O sacerdote Joiada escolhe Joás para rei de Judá : 2Rs 11 Restauração do Templo — Ameaça dos arameus a Jerusalém : 2Rs 12

Joacaz e Joás , reis de Israel : 2Rs 13,1-13

Ciclo de Eliseu (fim): morte do profeta, seguida de dois milagres: 2Rs 13,14-25 Amasias, rei de Judá : 2Rs 14,1-22

Jeroboão II, rei de Israel : 2Rs 14,23-29 Azarias, rei de Judá : 2Rs 15,1-7

Zacarias, Shalum, Menahêm, Peqahiá e Péqah, reis de Israel : 2Rs 15,8-31 Jotão e Acaz, reis de Judá — Coalizão siro-efraimita; apelo à Assíria: 2Rs 16

Oséias, último rei de Israel — Tomada de Samaria e deportação — Reflexões sobre a causa da ruína do reino de Israel — Deportação de populações estrangeiras para Samariasincretismo religioso: 2Rs 17

C) Do fim do reino de Israel ao fim do reino de Judá (2Rs 18–25).

Ezequias, rei de Judá — Invasão assíria e intervenção de Isaías : 2Rs 18–19 Cura de Ezequias e embaixada babilônica; intervenções de Isaías : 2Rs 20 Manassés e Amon, reis de Judá : 2Rs 21

Josias, rei de Judá — Descoberta do livro da Lei — Reforma em Judá e em Israel : 2Rs 22,1–23,30 Joacaz, Joaquim, Ioiakin, reis de Judá — Primeira deportação: 2Rs 23,31–24,17

Sedecias, último rei de Judá — Ruína de Jerusalém e deportação: 2Rs 24,18–25,21

Godolias, governador de Judá; seu assassinato; parte da população foge para o Egito : 2Rs 25,22-26 Jeoiaquim é agraciado: 2Rs 25,27-30

Origem dos Livros dos Reis. Os Livros dos Reis, atualmente, nos são apresentados sob a forma de dois livros bem distintos. Na realidade, porém, nos manuscritos da Bíblia hebraica constituem uma única obra. A divisão em dois livros deve ser atribuída a escritores gregos do século III a.C. Esta divisão, que

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paulatinamente acabou por prevalecer, cortou em dois — e de modo pouco hábil — o reino de Acazias (iniciado em 1Rs 22,52-54 e terminado em 2Rs 1), bem como o "ciclo de Elias" (iniciado em 1Rs 17 e terminado em 2Rs 1).

Considerados em si mesmos, os Livros dos Reis não constituem uma unidade fechada, vale dizer, não foram concebidos independentemente de outros livros bíblicos. Já se emitiu a hipótese de que, primitivamente, fizessem parte de um conjunto histórico abrangendo os livros de Josué (talvez até mesmo o Deuteronômio), dos Juízes, de Samuel e dos Reis. Poder-se-ia até identificar um sinal dessa possibilidade no fato de 1Rs 1,1–2,11 ser a continuação imediata de 2Sm, que relatava o reino de Davi. Tal unidade é pressuposta para explicar a ulterior separação entre os dois livros (Sm e Rs).

A análise dos Livros dos Reis acima apresentada permite avaliar a diversidade de conteúdo desses livros, bem como as diferenciações entre os elementos que os compõem. O próprio autor menciona a utilização de elementos anteriores e cita algumas fontes às quais recorreu. Tal formação indica que a obra não nasceu de uma só feita, mas foi executada em diversas etapas. De fato, 1Rs 11,41; 14,19.29 etc. falam respectivamente de um livro dos "Atos de Salomão", de "Anais dos reis de Israel" e de "Anais dos reis de Judá", que serviram de ponto de partida para a redação do texto que atualmente possuímos.

Mas os trechos que se referem a esses Atos ou a esses Anais representam tão-somente uma parte de nossos livros. O autor, para sua obra, serviu-se ainda de outras fontes: parece, por exemplo, que teve conhecimento de arquivos provenientes do Templo (cf. 1Rs 4,1-6.7-19; 5,7-8). Em que proporções essas outras informações se constituíam em textos já escritos, ou será que provinham de meras tradições orais? A história da rainha de Shebá (1Rs 10,1-13) origina-se de uma tradição à parte. Os relatos concernentes ao rei Acab advêm de duas procedências muito diferentes: de um lado há textos que o condenam com o maior rigor, do outro, há textos que o mostram como um rei valoroso (1Rs 22,9.35). O que nos foi relatado sobre o rei Josias (2Rs 22,1–23,30) provém talvez em parte de outra fonte que não os Anais oficiais.

Ao lado dos relatos concernentes aos reis, há outras passagens mais peculiarmente dedicadas aos profetas e que constituem reminiscências conservadas por seus discípulos. Tais relatos foram anexados aos que se referem aos reis, de um lado, porque pertencem à mesma época e, de outro, porque narram as intervenções desses profetas junto aos reis. Assim compreendida, a obra contém os três grandes "ciclos" ou seqüências de relatos sobre os profetas Elias, Eliseu e Isaías , sem falar de trechos mais abreviados sobre Ahiá, Miquéias, filho de Iimla, ou a respeito de algum profeta que tenha permanecido no anonimato (1Rs 13; 2Rs 21,10-15).

Como foi possível reunir em um todo esses diferentes elementos? Aborda-se aqui um dos problemas mais difíceis da obra. É evidente que o autor que escreveu 2Rs 25,27-30 não é o mesmo que, falando na condição de contemporâneo dos acontecimentos relatados, descreveu a arca do Templo em 1Rs 8,7, ou narrou os fatos de 1Rs 9,21: deveria ter vivido mais de quatrocentos anos! A quem atribuir, então, a composição de Reis? Aventam-se várias hipóteses; a que aqui se propõe reúne a aprovação de grande número de exegetas.

Com os livros de Josué (alguns sábios incluiriam até mesmo o Deuteronômio), dos Juízes e de Samuel, os Livros dos Reis constituiriam uma só e mesma obra.

Um primeiro redator teria composto os capítulos que abrangem de 1Rs 12 a 2Rs 20. Para essa elaboração, ter-se-ia baseado, de um lado, em uma cronologia dos reis de Judá e de Israel, e de outro lado, em textos de que faziam parte, em todo caso, os Atos de Salomão e os Anais dos Reis de Judá e de Israel. Provavelmente, utilizou também elementos da tradição oral, sem falar do que lhe tenha sido possível descrever como testemunha, pois ele parece ter presenciado a ruína de Jerusalém em 587 a.C. Pensou-se até que esse autor fosse um sacerdote que teria escrito por volta de 580 a.C. na própria Palestina.

Ainda na própria Palestina, uma geração mais tarde, em 550 a.C. aproximadamente, e antes do regresso dos exilados de Babilônia, um segundo redator teria retomado o trabalho de seu antecessor, completando-o com outros relatos e tradições de que dispunha. Assim, as lembranças que encontrara sobre David e a história de sua sucessão (as passagens de 2Sm que têm sua seqüência em 1Rs 1,1–2,11) e textos sobre o cerco de Jerusalém (2Rs 18–19, paralelos a Is 36–39). Em sua obra teria também introduzido o que a tradição narrava sobre a visita da rainha de Shebá. Em vista da importância que os profetas e a Lei de Moisés desempenham em sua obra (que abrange de Js a 2Rs), chegou-se a pensar que esse segundo redator fosse oriundo do âmbito dos profetas e que, talvez, ele pessoalmente fosse um discípulo do profeta Jeremias.

Finalmente, por volta do final do século VI a.C., alguns acréscimos menores teriam sido incorporados ao livro, por escribas provenientes do âmbito dos levitas.

A cronologia dos Livros dos Reis. A cronologia dos Livros dos Reis apresenta problemas intrincados. Só foi possível determiná-la, partindo-se de uns raros pontos de referência que estabeleciam um contato

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seguro entre a História de Israel e a do Oriente Próximo. Alguns textos egípcios, os Anais e os documentos provenientes dos reis da Assiro-Babilônia foram especialmente valiosos para indicar com precisão a data de alguns acontecimentos.

Excetuando-se esses pontos fixos, os dados fornecidos pelos Livros dos Reis são muitas vezes difíceis de interpretar. Em primeiro lugar, as datas dos reinados de Judá são contadas com base nos reinados dos reis de Israel, e vice-versa, o que acarreta sempre certo número de imprecisões. Além disso, alguns erros de copistas (intervenções ou confusões de números) introduziram aqui e ali certa desordem cronológica. Mais ainda, se sabemos com precisão que Salomão (1Rs 1) e Jotão (2Rs 15,5) foram um e outro co-regentes de seus pais, podemos admitir que também tenham existido outros casos de co-regência, provocando assim certas defasagens de difícil avaliação, quando se trata de fixar uma escala cronológica para os diferentes reinos.

Descobriu-se, enfim, que não existe, para os Livros dos Reis, apenas uma ordem cronológica, mas diversos sistemas cronológicos, que se atropelam uns aos outros e cujas origens remontam às próprias fontes desses livros. Obtêm-se, assim, três resultados diferentes, conforme o critério adotado: para determinado período, somam-se ou os dados bíblicos concernentes aos reinos de Judá, ou ao reino de Israel, ou os dados fornecidos pelos sincronismos. Por exemplo, para o período que se estende do cisma até o término do reino de Acabe (933-853), isto é, 80 anos de cronologia tal como a reconstituímos, o total dos reinos é de 84 anos para Judá, de 78 anos para o reino do Norte e, para os dados conseguidos pelos sincronismos, de 75 anos.

A cronologia aqui utilizada tenta levar em conta as mais recentes descobertas arqueológicas.

Teologia dos Livros dos Reis. Estes livros são, primordialmente, uma reflexão teológica sobre a história do povo e de seus reis. A história como tal é às vezes tratada de maneira muito sucinta: por exemplo, o reinado de Omri, um dos grandes reis de Israel, é narrado com extrema superficialidade (1Rs 16,23-26); o cerco de Samaria, que se estendeu por três anos, e o desmoronamento do reino do Norte são resumidos em poucos versículos (2Rs 17,3-6; 18,9-12).

A) A realeza. A obra contém toda uma teologia da realeza. Um verdadeiro rei é aquele que guarda os preceitos do Senhor… anda em seus caminhos, observa suas leis, seus mandamentos, suas normas e exigências, conforme está escrito na Lei de Moisés (1Rs 2,3). A função real consiste em governar o povo com sabedoria e justiça, inclusive em "servi-lo" (1Rs 12,7), pois esse povo é propriedade de Deus (cf. 1Rs 3,8-9). A fidelidade ao Senhor e a dedicação em celebrar-lhe corretamente o culto em Jerusalém constituem exigências imperiosas, e para cada reinado é feita uma rápida avaliação a esse respeito. Ora, raros são os reis que recebem aprovação! Em sua grande maioria são julgados severamente. Trinta e quatro vezes ressoa o refrão: Ele fez o mal aos olhos do Senhor. E não faltarão exemplos. Múltiplas são, com efeito, as infidelidades ao Senhor: cultos idólatras, construção de templos e altares dedicados a falsos deuses, consulta a deuses estrangeiros, opressões e violências de toda sorte contra o povo, perseguições aos profetas do Senhor, guerras empreendidas sem a aprovação de Deus, sacrifícios de crianças.

Uma das grandes acusações que o autor lança contra os reis (principalmente contra os do reino do Norte), é a de terem levado Israel a pecar, isto é, de o terem arrastado às celebrações contrárias à Lei. Conquanto alguns reis se tenham arrependido e se tenham considerado perdoados, o quadro é tão sombrio que a ruína dos dois reinos de Israel e, depois, de Judá é vista como a conseqüência justa e necessária dos pecados cometidos pelos reis e dos que eles induziram seus súditos a cometer.

B) Davi e sua dinastia. Acima da série dos reis de Judá paira a figura do fundador da dinastia, Davi, chamado por vezes o "servo" de Deus (p. ex., 1Rs 3,6; 8,24; 11,13). Sua fidelidade ao Senhor, sua piedade — idealizada — vão servir de parâmetro para que se avalie o procedimento de seus sucessores. Assim é que Salomão caminha segundo as prescrições de Davi, seu pai (1Rs 3,3) ou que Asa fez o que é reto aos olhos do Senhor, como Davi, seu pai (1Rs 15,11). Ou que Josias seguiu exatamente o caminho de seu pai Davi (2Rs 22,2). Em 13,2, dir-se-á explicitamente que é na condição de filho de Davi que esse Josias porá termo à impiedade de Israel. Mas tal certificado de conformidade a Davi é conferido muito parcimoniosamente; o profeta Ahiá, ao contrário, especifica que Jeroboão não foi como Davi (1Rs 14,8).

Para o autor dos Reis, a desobediência dos sucessores de Davi foi a causa direta tanto do cisma entre os reinos de Israel e de Judá (1Rs 11,9-11), como da ruína deste último (cf. 2Rs 23,26s). Todavia, apesar da ameaça contida em 1Rs 2,4: se teus filhos procederem bem… jamais algum dos teus descendentes deixará de ocupar o trono de Israel (cf. 2Sm 7,12-16), esse autor vê perpetuar-se a promessa do Senhor à dinastia davídica. Deus conserva "uma lâmpada" (um príncipe da dinastia) em Jerusalém "por causa de Davi" e da promessa que lhe fizera (1Rs 15,11; 2Rs 8,19).

Referências

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