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Platonismo e Aristotelismo no século XIII: A questão De ideis de Agostinho de Hipona e alguns passos de sua repercussão medieval. Coletânea de textos

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(1)

Platonismo e Aristotelismo no século XIII:

A questão De ideis de Agostinho de Hipona e alguns passos de

sua repercussão medieval.

Coletânea de textos

Tradução: Carlos Eduardo de Oliveira.

São Paulo

2014

(2)

Índice:

Datas aproximadas de composição das obras citadas 03

Apresentação 04

Textos:

ALEXANDRE DE HALES:

Glosa para os Quatro Livros das Sentenças de

Pedro Lombardo, Livro I, Distinção 36 05

Questões "Antes que fosse frade", Questão 46 10

Questões "Antes que fosse frade", Apêndice II, Questão 2 14

Suma Teológica, Tomo I, Livro I, Quinto Tratado, Seção I,

Questão única 18

ALBERTO MAGNO:

Comentários para o Primeiro Livro das Sentenças, Distinção 35 35

Comentários para o Primeiro Livro das Sentenças, Distinção 36 46

Suma de Teologia, Parte I, Questão 55, Segundo Membro 48

Os oito livros da Física, Livro I, Tratado III, Capítulo XVII 56

BOAVENTURA DE BAGNOREGIO:

Comentários para os Quatro Livros das Sentenças

do Mestre Pedro Lombardo, Livro I, Distinção 35 57

TOMÁS DE AQUINO:

Comentário para o Primeiro Livro das Sentenças

de Pedro Lombardo, Distinção 36 71

Suma de Teologia, Parte I, Questão 15 77

Quodlibeta, Livro IV, Questão 1 82

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Datas aproximadas de composição das obras citadas e fontes para a datação:

ALEXANDRE DE HALES:

Glosa para os Quatro Livros das Sentenças de Pedro Lombardo: 1220-12271. Questões "Antes que fosse frade": 1220/21-1236.

Suma Teológica2: anterior a 1245.

BOEHNER,PH.&GILSON,E.1995. História da Filosofia Cristã. Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradu-ção e nota introdutória de Raimundo Vier. 6ª ediTradu-ção, p. 414 s.

HUMBRECHT,T.-D.2005.Théologie négative et noms divins chez Saint Thomas d’Aquin. Paris : Vrin, p. 89.

OSBORNE,K.B. 1994, Alexander of Hales. OSBORNE,K.B.(ed.) 1994, The History of Franciscan Theology. New York: The Franciscan Institute of St. Bonaventure University, p. 1-38.

ALBERTO MAGNO:

Comentários para o Primeiro Livro das Sentenças: antes de 1246-1249. Oito livros da Física: posterior a 1250.

Suma de Teologia3: posterior a 1270.

LIBERA,A. DE 1990. Albert le Grand et la philosophie. Paris : Vrin, p. 19 e 21

BOAVENTURA DE BAGNOREGIO:

Comentários para os Quatro Livros das Sentenças do Mestre Pedro Lombardo: 1250-1255. MARENBON,J.1998. Bonaventure, the German Dominicans and the new translations. PARKINSON,G.H.R.&

SHANKER,S.G. (ed.), Routledge History of Philosophy, vol. III., London and New York: Routledge, p. 227.

TOMÁS DE AQUINO:

Comentário para as Sentenças de Pedro Lombardo: 1252-1256. Questões disputadas sobre a verdade: 1256-1259.

Suma Contra os Gentios: 1259-1265.

Suma de Teologia: 1265-1268, para a Primeira Parte.

Comentário sobre os oito livros da “Física” de Aristóteles: ca. 1268-1269. Quodlibeta, Livro IV: 1269-1271.

Comentário sobre os doze livros da “Metafísica de Aristóteles: ca. 1270-1271.

TORRELL,J.-P.2011. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. Tradução: Luiz Paulo Rouanet.

São Paulo: Loyola, 3ª edição, passim.

1 OSBORNE,1994,p. 9, propõe uma periodização mais estendida: 1220/21-1229.

2 Há dúvida sobre se essa obra retrata fielmente as opiniões de Alexandre, uma vez que, embora tenha

sido redigida sob sua orientação geral, ela apenas foi concluída após a intervenção de vários colabora-dores. O trecho aqui traduzido consta entre os redigidos provavelmente por João de la Rochelle. Ainda assim, parece retratar exatamente a mesma opinião defendida por Alexandre em sua Glosa.

3 Trata-se da segunda Suma de Teologia composta, em Colônia, por Alberto Magno, também conhecida

como Suma sobre a admirável ciência de Deus. Sua primeira Suma de Teologia foi composta em Paris no ano de 1246 e reúne os opúsculos: Sobre os sacramentos, Sobre a encarnação e Sobre a ressurreição.

(4)

Apresentação:

Os textos aqui apresentados compõem parte do material a ser utilizado na disciplina “FLF0269 História da Filosofia Medieval II” no primeiro semestre de 2014.

Com o título “Sobre Platão, a Teologia e Aristóteles: alguns passos da fortuna medieval da questão Sobre as ideias de Agostinho de Hipona”, o objetivo da disciplina é tratar alguns as-pectos da crítica medieval à filosofia platônica sob o impacto da recepção do aristotelismo no século XIII, traçando a gênese dessa discussão nos textos de Alexandre de Hales, Alberto Mag-no, Boaventura de Bagnoregio e Tomás de Aquino.

(5)

ALEXANDRE DE HALES*

Glosa para os Quatro Livros das Sentenças de Pedro Lombardo

[Livro I Distinção 36]

1. Costuma-se perguntar aqui [224, 214]; sobre se deve ser concedido [224, 23]5. An-selmo, no Monologio6: “Todos, antes de serem feitos, bem como quando são feitos, quando são corrompidos ou variam de algum modo, sempre são nele. Não que sejam em si mesmos, mas o que é ele mesmo. Com efeito, [em] si mesmos são essência mutável, criada segundo a noção imutável. No próprio Deus, são a própria primeira essência e primeira verdade do exis-tir. No entanto, na medida em que são mais semelhantes a ele em tudo, assim existem mais verdadeiramente e mais eminentemente”. Dessa autoridade se toma que, nele, as criaturas são a própria essência de Deus, o que é próximo daquela heresia: “tudo é Deus”7, na medida em que se diz: “Júpiter é tudo o que vês”8. – No entanto, cumpre dizer, distinguindo, que é diferente dizer “tudo é a essência divina” e “todos nele são a essência divina”. Com efeito, quando se diz “tudo é a essência divina”, são supostas as criaturas, na medida em que são no seu ser; mas quando se diz “todos são nele a essência divina”, pelas coisas mutáveis, são su-postas as noções eternas, noções que são a essência de Deus, visto que a sabedoria de Deus. E não se segue disso que sejam na essência de Deus, embora sejam em sua sabedoria: com efei-to, ser na sabedoria de Deus não é senão ser conhecido por ele; de faefei-to, ser em sua essência é dizê-lo verdadeiramente sobre aqueles: o que não acontece com nenhuma criatura.

2. Sobre no entanto, escolhe [225, 6-7]. Há a eleição eterna e a temporal. Sobre a eterna se diz “tem os eleitos” [225, 7]; sobre a temporal, diz-se “são eleitos pelo criador” [225, 7]. E a eleição eterna não é nada diverso da previsão para a graça e a glória; a eleição tempo-ral, porém, é a subscrição da graça no presente.

3. Sobre em sua presença [225, 8]. Dionísio, Sobre os nomes divinos9: “A alma divina contém tudo desde a ciência remota de tudo, ao pré-obter tudo em si mesmo junto à causa de tudo”, presente em si mesmo, “ciente, antes que os anjos fossem feitos, e condutor, ao trazer, na essência, os anjos e tudo o mais”.

4. Depois do que foi dito antes, pergunta-se [225, 20]. Visto que é diverso o modo se-gundo o qual os bens e os males têm ser na cognição de Deus, então, resolve isso agora. Se a ideia, a noção e a sabedoria são o mesmo segundo a substância, que diferença há? As ideias

* MAGISTRI ALEXANDRI DE HALES, Glossa in Quatuor libros Sententiarum Petri Lombardi : In librum Primum.

Nunc Demum reperta atque primum edita studio et cura PP. Collegii S. Bonaventurae. Florença: Quarac-chi, 1951, p. 356-363.

4 O trecho em negrito cita o texto de Pedro Lombardo. Os números entre colchetes, a página e a linha da

citação, segundo a seguinte edição: PEDRO LOMBARDO,Libri IV Sententiarum : Liber I et II. Tomus I. Studio

et Cura PP. Collegii S. Bonaventurae. Florença: Quaracchi, 1916, 2ª edição.

5 Isto é, “se deve ser concedido que tudo tenha ser na essência divina ou, pela essência, em Deus.” 6 Cap. 34 (PL 158, 189).

7 “E há a heresia de Alexandre, o Filósofo, e de alguns outros”, disse Alberto Magno na Suma Teológica,

I, tr. 15, q. 60 (XXXI, 611b). É também a heresia de Amalrico de Bena, condenada em Paris em1210.

8 Lucano, Pharsalia, IX, v. 593.

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têm ser na mente divina, como disse Agostinho, A cidade de Deus10, sem duvidar que fosse infiel aquele que não crê nelas. Ora, a razão segundo a qual diz isso é esta: com efeito, se o homem que age segundo sua arte é, segundo ela, exemplar das obras que são feitas por ele, com muito mais propriedade, Deus é exemplar de todas as criaturas. Ora, a ideia não é senão o exemplar divino. Ora, que as ideias sejam o mesmo que as noções, Agostinho, 83 questões11: “As ideias são as noções das coisas, estáveis e imutáveis, que estão contidas na inteligência divina”. – Ora, que sejam o mesmo que a sabedoria de Deus é patente dado que sejam eter-nas. Com efeito, disse que “elas nem nascem nem morrem, no entanto, diz-se que, segundo elas, é formado tudo que pode nascer ou ser formado”. Dessa passagem recolhe-se que são a própria sabedoria eterna de Deus, segundo a qual tudo que é formável se forma. Ora, essas três diferem segundo o nome, visto que a noção faz referência ao fim, a ideia faz referência à forma, a sabedoria faz referência ao cognoscente eficiente. E uma vez que um e o mesmo se-gundo a coisa é a causa exemplar, o fim e a causa cognoscente12, um e o mesmo segundo a coisa é a sabedoria, a ideia e a noção.

5. Mas, quanto a isso, pergunta-se: visto que a sabedoria de Deus seja una, graças a que as ideias são várias e as noções são várias? Ora, que as noções sejam várias, é patente por Agostinho, 83 questões: “A alma não pode vê-las, a não ser a racional, por aquela parte pela qual é excelente, isto é, pela mente e pela razão, e esta é a alma santa e pura. Portanto, tudo é criado com razão, e não pela mesma razão o homem e o cavalo: com efeito, isso seria absurdo; portanto, cada um é criado pela razão própria. Ora, não se deve considerar que essas razões estejam senão na mente do criador: com efeito, não viu algo posto fora de si.”13. Do que se tem que as ideias e as noções são várias. – Cumpre dizer que, embora, segundo a coisa, aque-las três sejam o mesmo, no entanto, diferem segundo o modo de dizer: pois a sabedoria antes nomeia desde a parte do Deus cognoscente, que é completamente uno; a noção, no entanto, nomeia o meio; já a ideia, desde a parte da coisa conhecida. E, por isso, assim como as coisas conhecidas são várias, assim as ideias são várias; e dado que qualquer coisa tenha seu fim pró-prio, são várias as noções segundo as quais os fins são determinados. Portanto, graças à refe-rência da ideia para a forma e da noção para o fim, visto que sejam várias as formas e os fins das coisas, são ditas várias ideias e várias noções.

6. Mas, visto que o temporal, quando for, não é causa do eterno – o uno e o vário se seguem ao ser –, não se vê que, segundo o nome, a multiplicidade seja determinada na eterni-dade desde o temporal, e, assim, não devem ser ditas várias ideias ou várias noções, visto que

10 Melhor: Sobre as 83 questões diversas, q. 46, n. 2 (PL 40, 30). Cf. A cidade de Deus, VIII, cap. 4-9 (PL

41, 227 ss.).

11 Questão 46, n. 2 (PL 40, 30), aqui e nas passagens seguintes. 12 Cf. supra, d. 19, n. 22.

13 Mantivemos aqui invariavelmente o termo “razão” com o fim de destacar que a compreensão de

“ratio, -onis” como “noção” requer alguma interpretação. De fato, aqui parece haver ao menos dois significados para “razão”: a própria inteligência e algo inteligido. Para a tradução de “ratio”, entendida nesse segundo sentido, como “noção”, TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teologia I, q. 32, a. 3, resp.: “chama-se de noção [notio] aquilo que é a própria razão de conhecer [ratio cognoscendi]”, isto é, a intelecção da própria definição ou descrição de algo. Em TOMÁS DE AQUINO,Super Sent. I, d. 2, q. 1, a. 3, resp., lê-se:

“ratio, tal qual é tomada aqui, não é senão aquilo que o intelecto apreende sobre o significado de algum nome: e naqueles que têm definição é a própria definição da coisa, segundo o que o Filósofo diz: a ratio que significa o nome é a definição. Mas a ratio assim tomada é dita sobre alguns que não são definidos. [...] E é patente que a ratio da sabedoria que é dita sobre Deus é aquilo que é concebido sobre o signifi-cado daquele nome, embora a própria sabedoria divina não possa ser definida.”. Compare a tradução desse mesmo trecho, infra, ALEXANDRE DE HALES,Suma Teológica, T. I, L. I, Seção I, Q. Única, Membro IV,

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tanto as formas como os fins são vários. – Cumpre dizer que as ideias são ditas várias graças à referência das criaturas para elas, não porque teriam o ser desde as próprias criaturas ou por-que delas recebem a multiplicidade.

7. Mas, quanto a isso, há a questão sobre o que disse Agostinho: “não são criados pela mesma noção o homem e o cavalo”, e, assim, vê-se que sejam várias desde a eternidade, visto que aquelas noções são eternas, do mesmo modo que se tem na mesma autoridade: “As no-ções das coisas são estáveis”. – Cumpre dizer que é pela mesma noção segundo a coisa que é criado o homem e o cavalo, mas não é a mesma enquanto noção. Eis um exemplo: o ponto que é termo de várias linhas é um ponto, mas é dito vários princípios, dado que seja princípio de várias linhas. Ora, o nome “noção” nomeia a modo de princípio; o nome “sabedoria” no-meia aquilo mesmo, mas de modo absoluto. Quanto a isso, quando falamos sobre estes, fala-mos, proporcionalmente, sobre a unidade e a multiplicidade quanto à sabedoria humana e às noções das coisas que hão de ser feitas e às espécies. Com efeito, dizemos que uma é a sabe-doria edificadora pela qual muitas casas são feitas; no entanto, por uma noção diversa se faz esta e aquela casa, e diversa é a forma exemplar própria desta e daquela.

8. Depois, há a questão: a. Visto que tudo seja nele vida ou luz14, por que nem tudo ne-le é potência ou sabedoria ou cognição? – Atos dos Apóstolos 17, 28: Nene-le vivemos, nos

move-mos e somove-mos. Por que, então, não é tudo dito nele uma essência ou um movimento, assim

como uma vida? – Igualmente, um e muitos seguem-se ao ser: se, então, tudo é em Deus, é um ou muitos? Se um, então, tudo é um; se muitos, então, a multiplicidade é desde a eterni-dade. – Quanto a isso, segundo que modo de ser de “em” diz-se que tudo é em Deus?

b. Para o primeiro cumpre dizer que tudo é dito ser nele vida ou luz graças a isso que

“viver” é nome comum tanto das coisas corporais como das espirituais, e, enquanto corporais, participam das espirituais. Com efeito, diz-se que o corpo vive pela alma. Dessa semelhança, tudo é dito viver nele, visto que segundo ele não têm um ser deficiente; e, embora eles sejam deficientes em si, a cognição deles, no entanto, não é deficiente. Mas todos são ditos luz nele porque a luz é a disposição comum nas coisas corporais e espirituais; nas corporais, porém, segundo a participação. E graças a isso são ditos ser luz nele: porque reluzem em sua cognição, isto é, são sem deficiência. Ora, a sabedoria e a cognição nomeiam aquilo que é próprio do Deus cognoscente: com efeito, não sabe ou conhece pela criatura. Mas a potência é a própria disposição do agente, por isso, todos não são ditos serem potência nele, a não ser que se diga de modo ablativo15. E toma-se a potência pelo poder, diferentemente da potência material, para que não caiamos naquela heresia que diz que Deus seja a matéria de tudo16.

c. Aquilo que é dito em Atos dos Apóstolos 17, 28 é tomado equivocamente; também

quando se diz que “tudo era vida nele”17. Pois quando se diz “nele vivemos”, pela preposição destaca-se a causa eficiente: com efeito, a partir dele dá-se o nosso viver. E quando se diz “era vida nele”, destaca-se a causa exemplar. Ora, todos nele são ditos vida e não movimento ou essência porque “movimento” é o nome apropriado para as coisas corporais, já “essência”, embora seja nome comum, não é tomado aqui porque cada um tem uma essência própria.

14 João 1, 4.

15 Isto é, a não ser que se diga que todos são nele pela potência divina. A palavra latina potentia tem a

mesma forma no nominativo e no ablativo, portanto, esse potentia in ipso, de acordo com o nominativo, é lida assim: ser potência nele, de acordo com o ablativo, assim: ser nele pela potência.

16 A heresia de David de Dinant, condenada em Paris no ano de 1210. Cf. H. Denifle, Chart. Univ. Paris., I,

n. 11; G. Théry, Autour du dècret de 1210, 1: David de Dinant (Bibl. thomiste, VI), Kain 1925, 127 ss.

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Portanto, para que não se creia que tudo não difere em essência, não se tem “são nele como essência”. Mas quando se diz “nele”, destaca-se o ser no eficiente, não em ato, mas quanto ao poder.

d. Para o que se perguntou, se “tudo é em Deus, portanto, ou um ou muitos” se segue,

cumpre dizer que a divisão “um, muitos” segue o ente em ato, mas não na medida em que tem o ser segundo o aspecto do gênero. Ora, segundo o aspecto do gênero é o ser da criatura em Deus, enquanto ser em si, é ser absolutamente. E não se segue: “tudo é em Deus, portanto, o homem é homem em Deus”, visto que ser em Deus é ser pela não distinção do gênero e da espécie: “com efeito, o causado está na causa a modo de causa”18. E se diz que tudo é em Deus assim como naquilo que move; ora, aquilo que move é dito de dois modos, a saber, efetivo e cognitivo.

9. Sobre diz-se que os males têm ser em Deus pela cognição [225, 27-28]. Visto que se deve conceder que “os males têm ser na cognição de Deus”, [pergunta-se] se esta deve ser concedida: “os males têm ser no Deus cognoscente”? – Cumpre dizer que não se segue. Com efeito, quando se diz “os males têm ser no Deus cognoscente”, destaca-se duplamente o “ser em”, a saber, ser em Deus pela causalidade e ser nele pela cognição. Dado que os males não têm ser em Deus pela causalidade, por isso não têm ser no Deus cognoscente. De modo seme-lhante, não têm ser em Deus pela exemplaridade, visto que Deus não é exemplar deles.

10. Igualmente, [pergunta-se] se isso se segue: todos os bens foram em Deus, então, todos foram na essência divina. – Respondo: não se segue. Com efeito, na noção da qual se diz que sejam nele, Deus supõe a causa. Mas a essência divina, ainda que seja causa, no entanto, não diz a referência senão para aquilo de que é essência. Donde mais acima se disse19: Deus de Abraão, Deus de Jacó e não a essência divina de Abraão e de Jacó.

11. Agostinho, Sobre as duas almas20: “Qual é o modo de conhecer os males? Assim como os olhos, ao não ver, conhecem as trevas, assim se conhece as malícias: dado que sejam onde não devem ser.” Igualmente, Agostinho, Sobre o livre arbítrio21: “As naturezas são tão viciosas quanto se afastam da arte daquele pela qual são feitas; e são retamente censuradas tanto quanto, delas, o censor vê a arte pela qual são feitas, visto que [censure] nelas aquilo que ali não vê”. Portanto, os males não são vistos. – Igualmente, dado que os males são co-nhecidos de um modo, mas o verdadeiro de dois modos, visto que a cognição pertença à ver-dade, o verdadeiro é comum ao bem e ao mal? – Cumpre dizer que há a cognição intelectiva e a prática, e, por isso, [a intelecção] é dupla; e dos dois modos os bens são na ciência de Deus, mas os males apenas de um modo. Com efeito, o verdadeiro não está privado do mal, mas o bem. Ora, a ciência prática diz respeito unicamente ao bem, a cognição, ao verdadeiro. Ora, os males são ditos ser na notícia simples de Deus. Não porque os bens sejam na ciência composta de Deus, mas porque eles são a modo de verdadeiro e a modo de bem. Cumpre dizer, no en-tanto, que os males não são ditos na cognição de Deus ao modo do verdadeiro, mas ao modo do verdadeiro para o qual são opostos.

12. Por conseguinte, se diligentemente [227, 14]; sobre o autor daqueles [227, 26], Dionísio, Sobre os nomes divinos (cap. 7, § 4): “Como é louvada a razão de Deus, não só porque é mais extenso em sabedoria e razão, mas porque obteve em si mesmo uniformemente as

18 Livro sobre as causas, § 11.

19 Ex. 3, 15. Cf. supra, introdução, n. 1.

20 Cap. 6, n. 7 e cap. 8, n. 10 (PL 2, 98, 101), quanto ao sentido. 21 Livro III, cap. 15, n. 42 (PL 32, 1292).

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causas de tudo, e porque tudo implementa, chegando até o fim de tudo. Essa razão é a verda-de simples e verdaverda-deiramente existente”. Com efeito, Deus é dito razão verda-de dois modos: ao conhecer e ao fazer. – Igualmente, “costumam22, entendendo mal, considerar o nada como algo e o pecado nada é, bem como nada fazem os homens quando pecam, e o ídolo não foi feito pelo Verbo, pois o ídolo nada é: 1Cor 8, 4”. Mas essa privação, no termo “não algo”, deve ser entendida no gênero do costume e uma vez que “não algo” é intermediário entre algo e nada, como disse Agostinho no livro das Respostas23: “Com efeito, o pecado é um ato que inci-de inci-desinci-de o inci-defeito do bem”.

13. Sobre não observam a natureza [228, 4]24. Toca a passagem de Boécio25: “O ser é que retém a ordem e observa a natureza”; e de Agostinho no livro Sobre a natureza do bem26: “O pecado é a corrupção do modo, da espécie e da ordem”.

14. Sobre nascem a partir da vontade [228, 5]27. Note que o verbo “nascer” é dito impropriamente, assim como em “ausente o sol, nascem as trevas”. No entanto, há uma des-semelhança, visto que a ausência do sol é a causa das trevas, mas a subtração da graça não é a causa do pecado, mas antes a conversão28. Donde, da palavra “nascem”, apresentam o argu-mento de que o pecado é algo. Além disso, Romanos 11, 32: Tudo encerrou na infidelidade,

para que tivesse piedade de tudo. – Cumpre dizer que “ser algo” faz oposição a “nada ser”; e a

“não algo” na medida em que é termo infinito: e assim entende Agostinho, Sobre João29: “Sem ele foi feito o nada30, isto é, o pecado”. Com efeito, este termo “nada” é tomado privativamen-te. Donde estas são suas palavras: “Muitos costumam, entendendo mal, considerar o nada como algo”. Mas a privação do termo “nada” é entendida no gênero do costume e uma vez que “não algo” é intermediário entre “algo” e “nada”, como disse Agostinho no livro das Cinco

respostas31: “O pecado é o ato que incide desde o defeito do bem”.

22 Agostinho, In Ioan., tr. 1, n. 13 (PL 35, 1385).

23 Hypognosticon IV, cap. 1, n. 1 (PL 45, 1639). Trata-se do Pseudo-Agostinho.

24 Eis o texto: “Donde Agostinho, no livro Sobre a natureza do bem, cap. 28, diz: ‘Quando ouvimos que

tudo seja a partir de Deus e por ele e nele, devemos entender, portanto, todas as naturezas e tudo que é naturalmente. Com efeito, não têm ser a partir dele os pecados, os quais não observam a natureza, mas viciam aqueles que nascem a partir da vontade dos que pecam’.”.

25 Sobre a consolação da filosofia, IV, pr. 2 (PL 63, 795). 26 Cap. 4 (PL 42, 553).

27 Cf. a nota referente ao texto de Lombardo citada no § 13. 28 Isto é, “o pecado é a causa da subtração da graça”. 29 Tratado I, n. 13 (PL 35, 1385).

30 João 1, 3.

31 Hypognosticon IV, cap. 1, n. 1 (PL 45, 1639). Note-se que aqui se repete muito do que havia sido dito

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ALEXANDRE DE HALES* Questões Disputadas

“Antes que fosse frade” Questão 46

Sobre o modo de ser das coisas em Deus Disputa I

1. Pergunta-se, em razão destas palavras que são ditas no Evangelho32: O que foi feito, era nele vida e em razão de Rm 11, 36: Todos são a partir dele e por ele e nele, se as criaturas são em

Deus; e se são nele, se são nele segundo um modo ou segundo vários, e se são um ou vários nele. Depois, pergunta-se se as criaturas são ditas ser nele por três modos, assim como ele é dito ser nelas por três modos, a saber, essencialmente, potencialmente, presencialmente; ainda, se todos são nele, se segundo este modo são nele os bens e os males, os perfeitos e os imperfeitos, os móveis e os imóveis, os possíveis e os atuais, os corruptíveis e os incorruptíveis. [...]

[Membro 3

Se todos que são em Deus são ali um ou muitos, isto é, uma ideia ou noção ou muitas].

23. Depois, segue-se se são um nele, isto é, se há muitas ideias ou uma; e não digo ‘muitas’ porque de muitos, mas se muitas em si. Com efeito, se todas as criaturas têm nele a noção própria, então, haverá tantas noções quantas forem as coisas, de modo que as noções não sejam ditas ‘muitas’ graças às coisas, mas em si mesmas. De fato, se todos são um nele, e ser nele é ser verdadeiramente, resta, então, que todos são verdadeiramente um. Isso é falso: portanto, o primeiro. – Respondo, a esse argumento, que não vale. Porque, assumindo que ‘ser nele é ser verdadeiramente’, digo que o ser de Deus é verdadeiro; no entanto, aquele ser da coisa que nele é vida não é verdadeiro: com efeito, não é porque Deus foi presciente de que ele fosse desde a eternidade que foi verdadeiramente homem; donde não se segue que todos sejam um. Com efeito, o sentido daquela conclusão é que, no seu gênero de existência, todos são um: confusos ou graças à unidade da matéria ou à unidade da forma. O que é falso, por-que nem todos têm a matéria comum, porpor-que os espíritos não têm a matéria comum com os corporais, nem, semelhantemente, os corpos espirituais têm [a comum] com os corruptíveis. Portanto, embora seja uma a forma exemplar que é do exterior, não graças a isso serão todos um.

24. Depois, pergunta-se se devem ser ditas noções comuns diferentes em si, ou se a mesma. E vê-se que diferentes. Com efeito, maior é a distinção de quaisquer que sejam as coisas em seu ser que das espécies entre si, sejam elas quais forem; e tomo ‘coisas’ no seu gênero, ou coisas da substância, ou da quantidade, ou da relação. – Isso é patente: com efeito, é maior a distin-ção da gramática e da música no seu gênero que das espécies da brancura e da negrura na alma, porque as espécies não têm alguma oposição na alma, enquanto as coisas têm. Com

* Cf. MAGISTRI ALEXANDRI DE HALES, Quaestiones Disputatae ‘Antequam Esset Frater’. Nunc primum editae

studio et cura PP. Collegii S. Bonaventurae. Florença: Quaracchi, 1960, Vol. II, Quaestiones 34-59, p. 783.795-801.

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efeito, embora possa dizer que o gramático e o músico são um, não posso dizer, no entanto, que a gramática e a música sejam um; mas sobre quaisquer que sejam as espécies posso dizer que são um, porque, pela união, são o mesmo quanto ao próprio intelecto. Portanto, resta que maior é a distinção de quaisquer que sejam as coisas que a de quaisquer que sejam as espé-cies. – Ora, a distinção do Pai e do Filho e do Espírito Santo é a distinção das relações, enquan-to as relações são coisas, porque são ditas três coisas pelas quais fruímos.33 Mas foi provada [maior] a distinção das coisas que a das espécies; portanto, é menor a distinção das espécies que a das pessoas. Portanto, resta que, visto que não repugne à simplicidade da essência a distinção das pessoas, com muito mais força não repugnará a das espécies. Nem há impedi-mento de outro lugar, como se vê, que possa haver a distinção das espécies na essência divina; porque unicamente nisso diferem as espécies que são em Deus e as que são na alma: porque as espécies na alma são feitas; ora, em Deus não são feitas, mas feitoras. Ora, que sejam feito-ras não impede que ali possa haver a distinção das espécies, e mais não se encontra ali, e con-vém à potência dele que sejam várias; portanto, dir-se-á que há na mente divina muitas no-ções em si, e não unicamente em comparação às coisas.

25. Ainda, Agostinho diz nas 83 Questões34: “O cavalo não foi criado pela mesma noção que o homem, mas cada um foi criado pelas noções próprias. Ora, não se deve arbitrar que essas noções sejam senão na mente do Criador: com efeito, não foi posto fora de si o que quer que tenha visto”. Portanto, se o cavalo não é pela mesma noção que é o homem, então, as noções próprias eternas de cada um são na mente do Criador. – Ainda, Agostinho, em Sobre a

Trinda-de VI35, diz que é “arte plena” sempre “de todas as noções dos viventes”.

26. Se for dito que ‘muitas’ são ditas graças à referência para as coisas que são ideadas ou são feitas segundo elas: donde essa multiplicidade não é senão na referência – contra, Remígio36: “Cada um tem a noção graças à qual é feito”. Ora, consta que uma é a noção graças à qual é feito o homem e outra graças à qual é feito o asno; ora, essa distinção não é nas próprias coi-sas: com efeito, embora haja utilidades nas coisas, as noções, no entanto, não são nas coisas, mas junto ao feitor. Portanto, se são postas muitas utilidades, e pelas utilidades correspondem as noções junto ao feitor – com efeito, o artífice não faz senão graças à noção que é junto a si; e, além disso, uma é a noção de um feito e outra a de outro, e essas são junto ao feitor –, en-tão, resta que há várias noções em Deus.

27. Contra, a saber, que todos sejam segundo uma noção em Deus, Agostinho37: “A arte é ple-na das noções de todos os viventes”; e segue-se: “Todos nela são um, assim como ela é um sobre o uno, com o qual um”. Portanto, todas aquelas noções são um segundo o que são nele. 28. Além disso, o Damasceno38: “Todos são um em Deus para além da não geração, da geração e da processão”; e as noções são nele para além delas segundo a noção inteligida; portanto, resta que todas as ideias sejam um nele, porque as próprias ideias não são a não geração ou a geração ou a processão.

33 Agostinho, Sobre a doutrina cristã I, cap. 5: “Portanto, as coisas pelas quais se deve fruir: o Pai, o Filho

e o Espírito Santo” (PL 34, 21). Cf. Lombardo, Sent. I, d. 1, cap. 2.

34 Questão 46, n. 2 (PL 40, 30). 35 Cap. 10, n. 11 (PL 42, 931).

36 Isto é, Nemésio de Emesa, De natura hominis, c. 1 (PG 40, 526 A). 37 Sobre a trindade VI, cap. 10, n. 11 (PL 42, 931).

38 Sobre a fé ortodoxa, I, cap. 2 (PG 94, 791 D); versão de Burgúndios, cap. 2, n. 2: “O Pai, o Filho e o

Espírito Santo segundo todos são um, para além da não geração e da geração e da processão” (ed. E. Buytaert, p. 14).

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29. Ainda, quanto ao mesmo: é maior perfeição inteligir muitos por um do que muitos por muitos, sendo que pode igualmente [ser feito] por um e por muitos; porque o uno é antes de muitos, e, assim, mais se aproxima da perfeição do que os muitos. Portanto, resta, visto que as noções digam aquilo pelo que as coisas são feitas, [que] mais se aproxima da perfeição que uma ideia em si faça muitas coisas que muitas. Ora, o que mais se aproxima da perfeição é atribuído a Deus39, no qual há a suma perfeição; portanto, todos são ditos nele apenas segun-do uma noção.

30. Se for dito que não são ditas uma ideia ‘em si’, mas porque vêm ao uno pela ordem, isto nada é. Com efeito, entendamos, pelo impossível, que as coisas não sejam ordenadas: quanto a isso, se a multiplicidade for entendida sem a ordem e a intelecção for pelas espécies, é ne-cessário que aqueles muitos sejam inteligidos por suas espécies. Mas, assim, não pode ser dito, daquilo que são ordenadas a um, que as espécies sejam um. De modo semelhante, as espécies das coisas são junto ao intelecto divino, sejam as coisas ordenadas ou não. Portanto, vê-se quanto a isso que todos não são ditos uma ideia porque são ordenados a um.

31. Ainda, quanto ao mesmo, Agostinho40: “O Sumo Espírito, pelo mesmo verbo pelo qual diz a si mesmo, diz tudo ser feito”. Ora, o verbo pelo qual diz a si é a semelhança expressíssima de-le41; portanto, também ele será a semelhança expressíssima das coisas; portanto, será uma semelhança de tudo.

32. Depois, pergunta-se incidentalmente se pode ser dita expressíssima a semelhança das cria-turas: porque ou semelhança acidental ou substancial. Não acidental: porque expressíssima, não pode ser senão substancial; além disso, nenhum acidente é comum a Deus e à criatura. Contudo, se for substancial, então, vê-se que as criaturas sejam sobre a substância de Deus, o que é falso.

33. Respondo: Note que ‘noção’ faz referência à causa final: com efeito, a noção é além da qual a coisa é ou é feita; ‘ideia’ à formal: ora, é ideia segundo a qual é contemplada; ‘exem-plar’, porém, é para aquilo de cuja similitude é feito ou pode ser feito42. Portanto, digo que a ideia é intermediária segundo a noção inteligida entre a essência divina e a criatura que ela faz; ora, nada é intermediário segundo a coisa. E porque é a modo de intermediário segundo a inteligência, a ideia tem algum modo desde uma parte, e outro desde a outra parte. Desde a parte das criaturas tem que seja ‘muitas’; ora, desde a arte de Deus, que seja ‘una’. Donde cumpre notar que não é dita propriamente ‘muitas’ enquanto a multiplicidade que é nelas for expressa pela dicção que significa a multiplicidade, mas pela dicção que cosignifica a multipli-cidade. Isso é patente desde as palavras de Agostinho: com efeito, há aquela arte plena das noções de cada um. E esta é a razão: porque da parte de Deus a ideia se dá mais proximamen-te, donde mais convém a ele a unidade que a pluralidade; donde, se for propriamente expres-sa aquela pluralidade, deve ser expresexpres-sa pela multiplicidade ‘cosignificada’ e não ‘significada’. Donde esta: ‘ideias’, é própria, esta: ‘muitas ideias’, porém, menos própria. Portanto, cumpre

39 Anselmo, Monológio, cap. 15 (PL 158, 163 C); Damasceno, Sobre a fé ortodoxa IV, cap. 12 (PG 94, 1134

C); versão de Burgúndio, cap. 85, n. 2: “Com efeito, tudo deve ser mais bem devolvido a Deus”.

40 Confissões, XI, cap. 7, n. 9 (PL 32, 813); Anselmo, Monológio, cap. 33 (PL 158, 188 C).

41 Agostinho, Sobre as 83 questões diversas, q. 74 (PL 40, 86); Sobre a trindade XV, cap. 14, n. 23 (PL 42,

1076).

42 Cf. Alexandre de Hales, Glosa para Sentenças I, d. 36, n. 4, ou, aqui, n. 8: “Ainda, exemplar, noção,

ideia são o mesmo na coisa, mas o exemplar enquanto causa eficiente, a ideia enquanto formal, a noção enquanto final. [...]”.

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dizer que as noções são várias na conversão para as coisas, são um na conversão para Deus; donde “a arte é plena de todas as noções dos viventes, e todos são um nela”43.

34. Mas se são um, de que modo todos são ditos por aquele uno? Isto será dito depois, na questão Sobre a ciência.44

35. Para a objeção de que mais é sustentar a pluralidade de quaisquer que sejam as coisas do que a das espécies (24), digo que são excedentes e excessivas. Com efeito, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três coisas distintas, mas se têm mais proximamente da essência da pessoa que da ideia. Isso é patente desde as palavras de Agostinho, que diz: “Todas as noções são um nela”, a saber, na arte, “assim como ela um sobre o uno”. Donde esta é a ordem segundo a inteligência nos divinos: primeiro é que o Pai e o Filho [e o Espírito Santo] são um na essência divina; depois é que o Filho é desde o Pai [e o Espírito Santo desde ambos]; depois são as no-ções das coisas. Com efeito, a primeira manifestação de Deus está nisto que gera o Filho sobre sua substância e que espira o Espírito Santo; a segunda manifestação que se segue a estas é o criar; ainda, há outra, pela qual as coisas são inteligidas pelo anjo ou pela alma. Portanto, há nos divinos uma dupla manifestação: uma pela qual o Verbo é desde o Pai, outra pela qual o Espírito Santo é desde ambos. Segundo estas manifestações há duas na criatura. Uma é a ma-nifestação no homem ou no anjo, segundo o que as criaturas são inteligidas por eles; e esta corresponde àquela manifestação da virtude de Deus [que é] segundo o que o Filho é desde o Pai. Outra é a manifestação nas coisas segundo o que são criadas, e esta corresponde à mani-festação que é segundo o que o Espírito Santo é desde o Pai e desde o Filho. Portanto, antes que intelijamos a multiplicidade das coisas, há aquela manifestação pela qual se manifesta no Filho e no Espírito Santo. – Portanto, quando se diz ‘maior é a distinção das coisas que a das espécies das próprias coisas’, é verdadeiro e é falso. Porque se dissermos ‘espécies’ segundo o que são na alma e ‘coisas’ as criaturas, digo que é verdadeiro. No entanto, se dissermos ‘coi-sas’ a paternidade, a filiação e a espiração, digo que é menor a distinção daqueles que a das ideias que são na mente de Deus, porque esta distinção precede necessariamente àquela que é das espécies. Donde é mínima entre todas aquela distinção que é das pessoas, porque é tal qual o exemplar de tudo; ali há a suma perfeição naqueles três. Donde diz Agostinho45: “O mesmo verbo pelo qual diz a si, diz tudo ser feito”.

36. Para a pergunta de se o Verbo de Deus é a semelhança expressíssima das criaturas (31), digo que não; ou melhor, é unicamente a semelhança expressíssima do Pai.

37. Para a pergunta de se a semelhança acidental ou substancial das coisas (32), digo que essa divisão se dá quando há a semelhança na coisa assemelhada; ora, o Verbo é a semelhança que assemelha; ora, aquilo deve ser entendido sobre a semelhança assemelhada. Por exemplo, dois convêm na brancura, ou convêm na semelhança; ora, a própria semelhança não convém em algo outro? Não; ou melhor: ela é semelhança de si mesma. Assim deve ser entendida ali, e muito mais excelentemente.

43 Agostinho, Sobre a trindade VI, cap. 10, n. 11 (PL 42, 931).

44 Questão ainda não encontrada, a não ser que se trate da questão 2 do Apêndice II. 45 Supra, n. 31.

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ALEXANDRE DE HALES* Questões Disputadas

“Antes que fosse frade” Apêndice II

Questão 2

Sobre a ciência divina46 [...]

11. Depois, pergunta-se: tendo dito Agostinho nas 83 Questões47 que há ideias na mente divi-na, “nas quais, quem não crê, julgo que seja infiel”, dado que disse no mesmo livro que “cada um é criado pela noção própria”: há a questão de se são o mesmo que a essência divina e don-de são ditas muitas.

12. Argumenta-se que [as mesmas ideias] não sejam [as essências] divinas por certa considera-ção no livro Sobre o acidente48, que é a seguinte: Se alguém disser que o saber é o inteligir ao fazer referência ao uno e aos vários quando são dissonantes: se são dissonantes, isto não é aquilo. Por exemplo, visto que a essência divina seja una de todos os modos, e há várias ideias ou noções, a essência divina não será as ideias ou noções. – Ainda, a essência não é própria a nada a não ser a si mesma, mas as noções são próprias a cada um; portanto, a essência divina não é aquelas noções.

13. Ainda, ou uma noção é outra, ou não. Argumenta-se que não a partir disso que os singula-res têm noções próprias; ora, nos próprios nenhum é o outro. De fato, se nenhuma daquelas é a outra, e são a essência divina, nela haverá a multiplicidade para além das pessoas; portanto, não é completamente simples, assim como a alma não é posta completamente simples, visto que, por natureza, tenha a multiplicidade das espécies inteligíveis.

14. Donde pergunta-se: visto que há muitas ideias, mas a multiplicidade não pode ser desde a parte da essência divina nem nelas mesmas, dado que apenas há um desde a eternidade, en-tão, (a multiplicidade) será segundo a referência às coisas a serem criadas ou criadas; portan-to, a multiplicidade é naturalmente pré-inteligida tanto nas coisas criadas quanto nas ideias; portanto, vê-se que o temporal é causa do eterno.

15. Ainda, toma-se a unidade e a multiplicidade nas ideias: por que não as outras disposições, como a mutabilidade e a imutabilidade, a substancialidade e a acidentalidade?

* Cf. MAGISTRI ALEXANDRI DE HALES, Quaestiones Disputatae ‘Antequam Esset Frater’. Nunc primum editae

studio et cura PP. Collegii S. Bonaventurae. Florença: Quaracchi, 1960, Vol. III, Quaestiones 60-68, Ap-pendix II, p. 1461-1465.

46 Segundo observa WOOD,R.1993,Distinct Ideas and Perfect Solicitude: Alexander of Hales, Richard

Rufus, and Odo Rigaldus. Franciscan Studies, Vol. 53, p. 9, n. 7, ainda que seja “muito provável”, há certa dúvida sobre se Alexandre é de fato o autor desta questão.

47 Questão 46, n. 2 (PL 40,30).

48 Aristóteles, Topica, II, c. 10: “Ora, ainda é preciso considerar quanto ao uno se também se dá

seme-lhantemente a vários. Com efeito, às vezes há diferença. Por exemplo, se saber é cogitar, saber muitos também é cogitar muitos... Portanto, se não houver isso, também não se diz o outro sobre o uno, que o saber seja o cogitar” (Bekker, 114b 32-36).

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16. E deve-se dizer que as ideias são o mesmo que a essência divina, e, semelhantemente, as noções. Ora, diferem pela noção e pela referência. Pois é dita essência divina enquanto é con-siderada absolutamente, mas é dita ideia segundo a referência à criatura. E não se segue, se um for dito segundo a unidade e a multiplicidade e o outro não, que isto não seja aquilo. Com efeito, isto não é requerido para ela essencialmente e segundo a substância ou o sujeito. Pois um homem é um animal, e muitos homens muitos animais; e um homem um branco, e muitos homens muitos brancos; e, no entanto, muitos animais um animal, e muitos homens um ho-mem. E aquela unidade é a da noção. Não se dá assim onde uma voz significa muitos; no en-tanto, diz-se mais convenientemente o signo de muitos ou a ideia de muitos.

17. Quanto à objeção sobre as noções, diga-se que as noções são ditas próprias segundo o que são noções; porque as noções voltam-se para a causa final, porém, há diferentes causas finais criadas. Mas todas aquelas, que são as noções, se dão desde a causa final incriada. Portanto, que sejam “próprias”, não se dá em referência daquilo que é eterno, mas do temporal. Que sejam “noções”, isto se dá daquilo que é eterno, e são eternamente noções. Ora, que aquelas noções sejam eternas é tomado daquilo que disse Agostinho nas 83 Questões49. Com efeito, disse que não se dá que se as sustente em outro que em Deus, e não temporalmente, mas desde a eternidade.

18. Para o que se pergunta, se deve-se dizer mutáveis ou imutáveis, assim como unos ou mui-tos, diga-se que não, pois a unidade [e] a multiplicidade são disposições consequentes ao ente inteligível e são no exemplar e no exemplo; ora, a mutabilidade é a disposição quanto ao prin-cípio, o qual é o não ser: com efeito, é mutável do não ser ao ser.

19. Quanto à objeção de que se vê que o temporal seja a causa do eterno, diga-se que nada proíbe que o temporal seja o princípio da intelecção do eterno, mas não do ser. Portanto, a multiplicidade das ideias não é senão cosignificada, não principiando a substância delas. Por isso, se inteligimos a ideia desde a parte dos ideados, cointeligimos a multiplicidade pela ideia. 20. Donde pode-se perguntar: dado que as ideias e as noções são ditas várias pela cosignifica-ção, dado também que são ditas respectivamente, graças a que não (são) sabedoria ou ciên-cia? E, novamente, convém separar pelas noções qual é a diferença entre estas três. – Para isso, diga-se que, segundo o modo de inteligir, entre a essência divina e as coisas criadas caem intermediárias a sabedoria e [a ideia] e a noção. Segundo o modo de inteligir, a sabedoria ou ciência se dá mais proximamente com a essência do ciente; a noção e a ideia, da parte das coisas criadas. Mas de modo diferente, pois a noção é mais próxima que a ideia: com efeito, a ideia nem sempre é dita própria, mas a noção sempre é dita própria. E, por isso, a sabedoria ou ciência não é dita uma e própria. Ora, as ideias são ditas muitas, mas não próprias, as no-ções muitas e próprias. E segundo isso há o considerar na alma humana, na qual há ciência e a espécie e a noção. E há diferença, visto que a noção se volta à causa final, a ideia à exemplar, a ciência à efetiva, que é a vontade; e estas três compreendem a eficiente: a potência, a vontade e a ciência.

21. Ainda há a questão: se as ideias são várias, ou pela coisa, ou pela noção. Se pela coisa, en-tão há muitas desde a eternidade. Se pela noção, ou, novamente, as noções são coisas, ou intelecções. Se coisas, novamente, há o inconveniente como acima; se intelecções, vê-se que o intelecto componha a multiplicidade onde não há. – Respondo: Há a multiplicidade da noção e a multiplicidade da coisa. A primeira está na ideia, e, desde a multiplicidade, há essa noção nos

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ideados; e não põe a multiplicidade na ideia, mas na compreensão da ideia. E a intelecção não é vazia e vã graças a que não põe nenhuma multiplicidade na substância da ideia, mas (põe a multiplicidade) naquilo que é dito para ela. Com efeito, digo, falando propriamente, que o ideado (põe a multiplicidade) para a ideia e também a semelhança (põe a multiplicidade) para a coisa desde a qual é, pois a semelhança e o ideado (põem a multiplicidade) desde a ideia.

22. Donde pergunta-se se apenas os bons são sabidos. O que se vê, uma vez que nada é sabido senão aquilo de que há exemplar no Deus ciente; portanto, os males não são sabidos, visto que não há exemplar dos males no Deus ciente.

23. Agostinho quanto ao mesmo, Sobre o livre arbítrio50: “As naturezas são tão viciosas quanto se afastam da arte daquele pela qual são feitas; e são tão retamente censuradas quanto, delas, o censor vê a arte pela qual são feitas, visto que censure nelas aquilo que ali não vê”. – Ainda, Cassiodoro, sobre o Salmo51: “Os pecados são escondidos de Deus”.

24. Ainda, se os males são na ciência de Deus, os males são no Deus ciente. Ora, o mesmo é segundo a coisa Deus e Deus ciente; portanto, são em Deus. – Contra, Agostinho52, Rm [11, 36: A partir dele e por ele e nele são todos]: “São por ele e nele aqueles dos quais é autor”.

25. Contra, o Profeta disse: Conhece de longe os altos, Glosa53: “Soberba”. Ainda, de que modo puniria os pecados a não ser que soubesse que pecasse? Com efeito, convém residir junto ao juiz o conhecimento do delito.

26. Respondo: Saber é dito de dois modos, proporcionalmente àquilo que é o saber em nós: pois há o saber especulativo ou contemplativo e o saber prático; e esse é dito a ciência do que é beneplácito em Deus. Ora, novamente, o saber contemplativo é dito de dois modos: pois de um modo o saber é dito aquilo de que a causa reside junto ao intelecto; de outro modo, de que a privação da causa está junto a ele. E por este último modo os males são sabidos, porque em tais não é encontrada a similitude de Deus enquanto são deste modo, mas são ignorados dos outros dois modos. E, segundo isso, são procedentes as autoridades referidas em contrá-rio.

27. Ainda, há a questão de se ele conhece tudo como causa ou não, porque sobre isso os Filó-sofos tinham várias opiniões. Com efeito, alguns provam que as ideias são várias em Deus, e não permanece, graças a isso, que seja a causa suma e suprema. E assumem essa prova uni-versal: o uno não é aquilo pelo qual muitos distintos são conhecidos; mas os universais são conhecidos como distintos por Deus, pois se não fossem conhecidos [como distintos], a cogni-ção do homem seria mais perfeita que a de Deus; portanto, há a cognicogni-ção divina pela multipli-cidade das ideias. – Ainda, quanto ao mesmo, fazem uma indução semelhante: que resultem no espelho corporal imagens ou semelhanças, não mostra a impotência do espelho, mas a potência; ora, que façam referência (!), mostra a impotência. Porque, se desde a eternidade há as ideias de tudo, nisso se mostra a virtude do Primeiro, não a imperfeição, porque é pôr a suma perfeição nele.

50 Livro III, cap. 15, n. 42 (PL 32, 1291s.).

51 In Ps. 16,14: Do escondido para ti, está repleto o ventre deles (PL 70, 122A)

52 Melhor, P. Lombardo, Sent. I, d. 36, c. 2, donde foram tomadas todas as autoridades aqui referidas. 53 De Lombardo: “Isto é, os soberbos” (PL 191, 1208 C).

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28. Contra isso, faz-se objeção de muitos modos: primeiro, que se houvesse ideias em Deus, ou seriam finitas em número ou infinitas. Não infinitas, pois isso seria supérfluo, pois todo conhe-cimento e natureza é refratário à infinidade. Ora, se finitas, então seria impossível que Deus conhecesse várias coisas que foram ou serão: ora, várias podem ser. Portanto, visto que a po-tência de Deus seja infinita, aquelas coisas não são conhecidas por Deus, embora tenha a se-melhança delas. Portanto, segundo isso, nem tudo é conhecido por ele. Dado que isso seja falso, resta que o primeiro54 seja falso. – Ainda, visto que é mais perfeito conhecer muitos por um que muitos por muitos, pois o uno é anterior a muitos, e isso é possível, porque infinitos singulares são conhecidos por um universal. – Ainda, é mais perfeito conhecer na causa que na não causa, e [na] causa não dependente de mudança ou do mutável que na dependente. Ora, há uma causa do imutável; portanto, conheceria a si mesma.

29. O que deve ser concedido. Ora, cumpre distinguir...55 que a ciência divina é diversa da hu-mana. Com efeito, a ciência divina é sobre as coisas pela causa das coisas, que é anterior a todas, na qual as coisas têm a sua perfeição. E não é da perfeição da intelecção ter a multipli-cidade de fantasias, desde as quais se dá a distinção das intelecções, ou melhor, assim como, no seu ser, as coisas procedem distintas desde a própria causa feitora, na qual não se distin-guem, assim as coisas são conhecidas distintamente pelo mesmo cognoscente, embora não haja nenhuma distinção nelas. E assim como por um universal são compreendidos vários singu-lares, que entre si são diversos, por uma causa todos os causados: com efeito, não é possível haver um universal tal como há uma causa de todos os causados. – Ora, não há semelhança entre o espelho e a ciência divina: pois, que o espelho tenha muitas semelhanças das coisas, cabe à virtude do esplendor do terminado para o terminado transparente, a saber, o vidro extenso. De outra parte, visto que seja completamente simples, não há duas naturezas em Deus, das quais uma possa ser a multiplicidade segundo a recepção das imagens desde as coi-sas exteriores, visto que nada recebe destes que são exteriores.

[...]

54 Isto é, o primeiro argumento que defende que as ideias não são infinitas em Deus.

55 Nota da edição crítica: “segue-se uma pequena adição marginal, infelizmente ilegível em nosso

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ALEXANDRE DE HALES* Suma Teológica

Tomo I Livro I Quinto Tratado Sobre a ciência de Deus

Seção I. – Sobre a ciência de Deus considerada absolutamente. Questão Única

Sobre a Natureza e a as condições da ciência divina.

Auxiliando a graça do Salvador, após a investigação sobre a potência, deve-se perguntar deste modo sobre a ciência divina:

Primeiro, o que é segundo a noção inteligida; segundo, pelo que é; terceiro, do que é; quarto, como é.

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MEMBRO I

Oque é a ciência divina.

Acerca do primeiro, pergunta-se: o que é a ciência divina segundo a noção inteligida?

Quanto a isso, se procede assim: a. Agostinho, no livro Sobre a trindade:56 “A ciência é a pró-pria sabedoria, a sabedoria o mesmo que a própró-pria essência, porque naquela Trindade o saber não é diverso do ser”. Portanto, a ciência não é nada diverso da essência divina.

I. Pergunta-se, então, se, na ciência, algo é conotado para além da noção da essência.57

E parece que sim: 1. Com efeito, Hugo de São Vitor diz58: “Nada é a ciência que não é sobre nada. Portanto, toda ciência é sobre algo, porque se não houvesse nada sobre o que haver ciência, a ciência não seria nada.” Portanto, em toda ciência conota-se a referência àquilo que pode ser sabido.

2. Ainda, a ciência é a assimilação do intelecto à coisa sabida59. Portanto, se a assimilação co-nota a referência, de modo semelhante também a ciência a coco-notará.

3. Ainda, Hugo de São Vitor, em suas Sentenças:60 “A ciência é dos existentes, a presciência, dos futuros” etc. Portanto, a ciência diz a referência para as coisas existentes, assim como a presciência para as coisas futuras.

* DOCTORIS IRREFRAGABILIS ALEXANDRI DE HALES, Summa Theologica. Studio et cura PP. Collegii S.

Bonaventu-rae ad Fidem Codicum Edita. Tomus I. Liber Primus. Florença: Quaracchi, 1924, p. 244-250.257-261.

56 XV, c. 13 (PL 42, 1076).

57 Cf. Guilherme de Auxerre, Summa, I, c. 8, q. 1. 58 De sacr. christ. fid., I,p. 2,c. 14 (PL 176, 212). 59 Cf. Aristóteles, De anima III, 8.

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Contra: a. 35 Dist.61 diz: “Se nada fossem os futuros, nada seria a presciência, ainda que hou-vesse ciência em Deus”; ora, se não houhou-vesse coisas futuras, não haveria o dizer a referência à criatura; portanto, na ciência não é requerida a referência à criatura.

b. Ainda, quando se diz que Deus sabe a si, se diz a essência divina, mas não é contada a

refe-rência à criatura; portanto, não está importada a referefe-rência à criatura em virtude do significa-do significa-do nome de ciência.

c. Igualmente, quanto ao mesmo, Dionísio, no livro Sobre os nomes divinos:62 “a sabedoria divina, ao conhecer a si mesma, conhece tudo”. Portanto, não conhece e sabe de outro modo que por si mesma; ora, quando digo: “conhece a si ou sabe”, não está conotada a referência à criatura; portanto, de modo semelhante, nem quando se diz “sabe a coisa”.

d. Para isso é possível responder que “saber” às vezes é dito absolutamente, e, assim, não está

conotada a referência. Às vezes é dito respectivamente com a determinação, mas isso de dois modos, porque, às vezes, com a determinação da própria referência de si, e, assim, não é im-portada a referência. Às vezes, com referência ao diverso, e, assim, a referência é imim-portada, e isso de dois modos, assim: como que em ato ou como que em hábito. – Mas, contra, diz-se que Deus sabe a si, sabe a criatura: portanto, ou univocamente ou equivocamente. Se univocamen-te, então há uma única noção inteligida quanto aos dois: portanto, se a referência não está conotada quando se diz “sabe a si”, de modo semelhante, não está conotada quando se diz “sabe as criaturas”. Se equivocamente, então por uma noção diversa sabe a si e as criaturas – contra: ao saber-se, sabe as criaturas, como disse Dionísio63, portanto, não sabe a si e as cria-turas por uma noção diversa, então, pela mesma.

e. Ainda, contra isso que foi dito, faz-se a objeção: ao se dizer “Deus sabe as criaturas”, está

conotada a referência, ao se dizer “Deus sabe”, de modo absoluto, não está conotada nenhu-ma referência. Portanto, se aqui não está conotada nenhunenhu-ma referência, então, em virtude do nome, a ciência não conota nada. – Vê-se isso de um segundo modo: com efeito, há que se considerar o nome divino em si e na coordenação. Se algum nome nada conota em si, também não conota algo na coordenação em virtude do nome. Ora, é patente que, em todos os nomes divinos que conotam, há conotação também fora da coordenação: como é patente neste no-me “criador”, em “senhor” e seno-melhantes, e assim por diante. Se, portanto, este verbo “sabe” nada conota fora da coordenação, também não conotará na coordenação em virtude do signi-ficado do nome.

II. Ainda, faz-se uma objeção contra o dito de que “nada é conotado quando se diz: Deus sabe a si” e dá-se a prova de que está conotada a referência, mas não à criatura. Pois, ao se dizer ciência, há a intelecção da essência; portanto, ao se dizer “ciência”, ou algo é acrescentado na noção inteligida à essência ou não. E consta que sim, porque a ciência é a assimilação do inte-lecto à coisa sabida; ora, como diz Hilário64: “A semelhança não se dá em si”, ou melhor, a se-melhança sempre diz que alguns convêm em algo uno; portanto, onde há sese-melhança, há também a referência da pluralidade; portanto, quando a ciência é inteligida, é inteligida a refe-rência pela qual se prova a pluralidade das pessoas. Portanto, por mais que a ciência divina

60 Pseudo-Hugo, Summa, tr. 1, c. 12 e Hugo de S. Vitor, De sacram. christ. fid., I, p. 2, c. 9 (PL 176, 61,

210).

61 Pedro Lombardo, I Sent., d. 35, c. 7 e 8. 62 Cap. 7, § 2 (PG 3, 870, PL 122, 1154). 63 Loc. cit.

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seja dita para si, como quando se diz “Deus sabe a si”, no entanto, está conotada a referência das pessoas, porque está conotada a semelhança ou a assimilação.

III. Mas pergunta-se, além disso, se essa semelhança é entendida como exemplar, segundo o que se diz que a ciência divina não é nada diverso da essência divina significada como exem-plar65. Se assim, – contra: a ciência não é a causa das coisas, porque há a ciência de Deus dos males, no entanto, Deus não é a causa dos males; ora, o exemplar é causa formal: com efeito, Deus é a causa formal exemplar; portanto, a ciência não diz a essência divina como exemplar. – Ainda, não há exemplar das coisas não existentes; ora, há ciência das coisas não existentes; portanto, não são o mesmo a ciência e o exemplar.

IV. Ainda, pergunta-se porque a ciência divina é nomeada de modos diversos, como é patente na distinção 35 do livro I das Sentenças66: com efeito, a ciência é nomeada sabedoria,

presci-ência, disposição, providpresci-ência, predestinação.

1. Com efeito, vê-se que deveria ser nomeada de vários modos, pois, assim como a predesti-nação é a presciência dos que hão de ser salvos, assim a reprovação é a presciência dos que hão de ser condenados; portanto, assim como a predestinação é dita uma diferença da ciência, assim deve ser dita a reprovação.

2. Ainda, pergunta-se por que a memória não é dita a ciência dos passados, assim como a presciência [é dita a ciência] dos futuros, dado que, assim, são sabidos por ele tanto os passa-dos como os futuros.

Respondo: I. O nome “ciência” significa principalmente a essência divina, no entanto, não sig-nifica a essência divina como essência, mas como hábito: com efeito, a ciência em nós é o há-bito quanto ao que há de ser conhecido, assim como a virtude é o háhá-bito quanto ao que há de ser operado. Ora, a ciência ou esse hábito não é nada diverso da assimilação do intelecto à coisa. Ora, a semelhança pode ser em ato ou em hábito, assim como é patente: posto que nada seria a cor e que a luz teria a semelhança de todas as cores, a luz teria a semelhança para todas as cores em hábito; de modo semelhante, para os sabíveis remotos, a ciência, que é assim como a luz, tem semelhança para eles em hábito, mas não em ato. Portanto, cumpre dizer que é semelhança em ato e semelhança em hábito; ainda, é semelhança para as coisas e é semelhança desde as coisas: semelhança para as coisas como é patente na arte; ainda, é semelhança da coisa graças ao intelecto especulativo e semelhança da coisa graças ao intelec-to prático, a qual é dita arte se for comparada à obra. Portanintelec-to, a ciência de Deus, falando segundo nós, diz a semelhança especulativa não desde as coisas, mas para as coisas; em hábi-to, não em ato. Para si, porém, em ato. Ora, digo que sabe “em ato” quando intelige as coisas que existem em ato ou na natureza própria, não apenas na causa; “em hábito”, quando inteli-ge em seu exemplar ou na arte. Portanto, diz-se que a semelhança é “especulativa” para mos-trar que a primeira intenção da ciência, uma vez que é dos bens e dos males, não é como a intenção da arte, que é deste modo: ou do exemplar, ou da virtude. De fato, é dita “para a coisa” não segundo a dependência, mas segundo a causa, para que seja separada da ciência humana, que recebe desde as coisas. Donde Dionísio, Sobre os nomes divinos67: “O intelecto

divino não aprende os entes a partir dos entes, mas a partir de si; em si, segundo a causa, pre-concebe a notícia e a ciência de tudo”. Mas é dita “para a coisa” em hábito porque, como diz

65 Guilherme de Auxerre, loc. cit. 66 Cap. 1.

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Hugo de São Vitor68: “Dizemos, por acaso, que, desde a eternidade, tiveram ser no Criador todos os incriados que são criados temporalmente? E ali se sabia onde se dariam, e desse mo-do se sabia pelo que se dariam, e não conheceu algo fora de si o Deus que tumo-do tinha em si”. Porém, é dita “para si” em ato porque sempre está presente para ele em ato.

[Para as objeções]: 1. Portanto, para aquela objeção de Hugo de que “a ciência é sobre algo”: diga-se que, quanto toca ao nome “ciência”, não diz respeito às criaturas em ato, mas em hábi-to; mas quando se diz “sabe as criaturas”, como que a referência é reduzida de hábito em ato: com efeito, então diz respeito em ato.

3. Quanto àquilo a que se faz a objeção de que “a ciência é dos existentes”: diga-se que a exis-tência é entendida ou em sua natureza ou na causa; ainda, na causa são entendidos ou como na potência da causa ou como na disposição de sua causa. Portanto, quando se diz “a ciência é dos existentes”, deve-se tomar “dos existentes” na potência da causa, assim como Hugo disse. 2. Semelhantemente, diga-se que a assimilação deve ser entendida em hábito, não em ato, quando a ciência é dita como que a assimilação do intelecto para a coisa.

a-e. Ainda, quanto àquilo a que se faz a objeção de que “quando se diz Deus sabe a si, não está

conotada alguma referência”69, respondo: é verdadeiro, não está conotada a referência em ato, mas a essência divina está significada como semelhança. Ora, a própria natureza divina tem a semelhança sobre seu poder: não a semelhança que é desde as criaturas, mas, antes, a semelhança que é para as criaturas, mesmo que não haja criatura70: donde também está cono-tada a referência em hábito. Portanto, conceda-se que Deus sabe a si e sabe a criatura pela mesma noção71; mas, quando se diz “Deus sabe a si”, a referência está conotada em hábito; quando se diz “sabe a criatura”, em ato.

II. Quanto àquilo que se pergunta se é notada a referência das pessoas, quando se diz “Deus sabe a si”: diga-se que alguns disseram que não; ou melhor, abstraídas as pessoas, dever-se-ia dizer: “Deus sabe a si, intelige a si, recorda a si”; no entanto, quando se diz “Deus sabe a si”, a essência divina é inteligida como semelhança, e não há diversidade a não ser segundo a noção inteligida. – Ou diga-se, como se diz por outros, segundo Anselmo, que se dá para a fé que a própria ciência, que é semelhança, significa a essência e conota a pluralidade das pessoas, porque é semelhança de vários. Donde Anselmo, no Proslogio72: “Nisto que o sumo espírito intelige a si, o Pai gera e o Filho é gerado, porque o inteligir a si põe que a semelhança esteja junto a si”; e, assim, se sustenta a relação de um e de outro, que, no entanto, são por tudo semelhantes, isto é, a mesma essência.

III. Quanto àquilo que se pergunta “se pelo nome ‘ciência’ se entende a noção do exemplar”, respondo: há a ciência simples da notícia ou especulativa e há a ciência prática ou com aprova-ção73. Do primeiro modo, a ciência não diz a noção exemplar, mas do segundo modo.

IV. Quanto àquilo que se pergunta sobre a distinção daquelas palavras pelas quais se nomeia a ciência divina, alguns74 disseram que a inteligência divina pode ser considerada segundo o que

68 De sacram. christ. fid., I, p. 2, c. 15 (PL 176, 212). 69 Cf. b.

70 Cf. a. 71 Cf. d.

72 Cf., antes, Monologio, c. 32 e 63 (PL 158, 186 e 209). 73 Cf. Guilherme de Auxerre, Summa I, c. 8, q. 2. 74 Cf. Pedro de Poitiers, I Sent., c. 14 (PL 211, 845).

(22)

a referência é abstraída das coisas que são sob o tempo ou segundo o que faz referência às coisas que são sob o tempo. Segundo o que faz referência às coisas abstraindo a referência da condição do tempo, assim é dita sabedoria e ciência; de fato, segundo o que faz referência às coisas sob a condição do tempo, assim é presciência, disposição, predestinação, etc. Ora, há diferença entre a sabedoria e a ciência: pois há o considerar a própria causa, e segundo isso se diz sabedoria; ou o efeito na causa, e assim é dita ciência, porque a ciência é a compreensão da coisa pela causa75. Ainda, segundo o que a inteligência divina considera as coisas sob a con-dição do tempo, há diferença: porque ou, de modo comum, diz respeito ao bem e ao mal e, assim, é presciência; ou apenas ao bem e isso de muitos modos: pois alguns dizem respeito aos bens tanto da natureza quanto da graça, outros ao bem unicamente da graça. Ora, o bem da natureza é duplo: ou no que se está por fazer ou no que está feito. Se no que se está por fazer, então, é disposição, se no que está feito, então, é providência. O bem da graça, no en-tanto, diz respeito à predestinação. – Ou, diferentemente, segundo o que diz Hugo de São Vitor em suas Sentenças76: “Ora a sabedoria e ciência divina é chamada tanto presciência como

disposição, predestinação, providência: ciência dos existentes, presciência dos futuros, dispo-sição dos que hão de ser feitos, predestinação dos que hão de ser salvos, providência dos su-jeitos”.

1. Que se pergunte por que entre esses não se nomeia a reprovação: diga-se que nada acres-centa sobre estes ou além. Pois na intelecção da reprovação não há senão dois: a presciência da iniquidade e a preparação da pena77; a presciência da iniquidade é inteligida na presciência, a preparação da pena na disposição; ora, a predestinação acrescenta, porque diz a referência para o bem da graça.

2. Quanto àquilo a que se propôs a objeção “por que não se diz memória a ciência dos passa-dos, assim como se diz presciência a ciência dos futuros”, diga-se que se faz isso para que não pareça que as coisas antecedem a ciência divina.

MEMBRO II

Peloque há a ciência divina.

Segundo, pergunta-se pelo que há a ciência de Deus. E, primeiro, se Deus sabe as coisas por si ou por outro; segundo, se pela causa ou pela não-causa; terceiro, se por um ou por muitos, quarto, se pelo exemplar.

164

CAPÍTULO I

SE DEUS SABE AS COISAS POR SI OU POR OUTRO78.

Quanto ao primeiro, assim se procede e se prova que sabe por si: a. Porque o inteligível é a perfeição do intelecto79. Portanto, se aquilo pelo que inteligimos é o princípio da perfeição, se Deus inteligisse por outro que por si, aquele e seria a perfeição de seu intelecto. Ora, é impos-sível que tenha uma perfeição exterior; portanto, não pode inteligir por outro que por si.

75 Cf. Aristóteles, Anal. Post. I, c. 2.

76 De sacram. christ. fid. I, p. 2, c. 9 (PL 176, 210). 77 Cf. Lombardo, I Sent. d. 40, c. 2.

78 Cf. S. Boaventura, I Sent. , d. 40, c. 2; Breviloq. P. 1, c. 8. 79 Cf. Aristóteles, Metafísica XI, c. 9.

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