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O musicar do atajo de negritos da família Ballumbrosio do El Carmen : práticas, ensaios e peregrinações = The musicking of the atajo de negritos of the Ballumbrosio family: practice, rehearsal and pilgrimages

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Academic year: 2021

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Instituto de Artes

ELLIS REGINA SÁNCHEZ HERMOZA

O MUSICAR DO ATAJO DE NEGRITOS DA FAMÍLIA BALLUMBROSIO DO EL

CARMEN: PRÁTICAS, ENSAIOS E PEREGRINAÇÕES

THE MUSICKING OF THE ATAJO DE NEGRITOS OF THE BALLUMBROSIO FAMILY: PRACTICE, REHEARSAL AND PILGRIMAGES

CAMPINAS 2019

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O MUSICAR DO ATAJO DE NEGRITOS DA FAMÍLIA BALLUMBROSIO DO EL CARMEN: PRÁTICAS, ENSAIOS E PEREGRINAÇÕES

THE MUSICKING OF THE ATAJO DE NEGRITOS OF THE BALLUMBROSIO FAMILY: PRACTICE, REHEARSAL AND PILGRIMAGES

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas as part of the requisites required to obtain the title of Master of Music in the area of Music: Theory, Creation and Practice.

Orientadora: Suzel Ana Reily

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ELLIS REGINA SÁNCHEZ HERMOZA, E ORIENTADO PELA PROFA. DRA. SUZEL ANA REILY.

CAMPINAS 2019

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Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Sánchez Hermoza, Ellis Regina,

Sa55m S_aO musicar do atajo de negritos da família Ballumbrosio do El Carmen : práticas, ensaios e peregrinações / Ellis Regina Sánchez Hermoza. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

S_aOrientador: Suzel Ana Reily.

S_aDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

S_a1. Musicar local. 2. Cultura afro-peruana. 3. Etnomusicologia. 4.

Performance musical. 5. Etnografia. I. Reily, Suzel Ana, 1955-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The musicking of the atajo de negritos of the Ballumbrosio family :

practice, rehearsal and pilgrimages

Palavras-chave em inglês: Local musicking Afro-Peruvian culture Ethnomusicology Musical performance Ethnography

Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática Titulação: Mestra em Música

Banca examinadora:

Suzel Ana Reily [Orientador] Alberto Tsuyoshi Ikeda

Lorena Avellar de Muniagurria

Data de defesa: 29-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Música

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-7005-3632 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6217431796258731

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ELLIS REGINA SÁNCHEZ HERMOZA

ORIENTADORA: SUZEL ANA REILY

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. SUZEL ANA REILY

2. PROFA. DRA. LORENA AVELLAR DE MUNIAGURRIA 3. PROF.DR.ALBERTO TSUYOSHI IKEDA

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Dedico esse trabalho a minha querida família, em especial a meu papito Américo Sánchez (in memoriam), que quando criança me cantava as melodias das cantigas dos atajos de negritos.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Agradeço a Deus, a vida, a Pachamama e todas as entidades espirituais que me acompanharam neste caminhar. A minha querida família, pelo suporte, ajuda, compreensão e apoio constante, em especial à minha mãe, por toda a força e sacrifício. Ao meu querido papito luthier Américo Sanchez que me acompanha desde o céu e que me ensinou o amor e o respeito à arte, como também valorizar as tradições e culturas tradicionais. A meu companheiro Fernando pela força, carinho e apoio.

À CAPES, por ter me concedido a bolsa e tornar possível esta pesquisa. Ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Unicamp por ter me dado a oportunidade de pesquisar uma manifestação cultural peruana e contribuir para dar mais visibilidade às práticas e saberes das culturas populares afrodescendentes e suas ancestralidades.

À minha orientadora, Suzel Ana Reily, pela oportunidade, paciência, apoio, exigência, pela ajuda com o idioma, por ter acreditado desde o começo, por confiar em mim e no meu trabalho, pelas horas de trabalho e por ter me encaminhado no universo fantástico da etnomusicologia. À banca, Prof. Ikeda, Profa. Lorena pelo apoio e correções com a organização do texto, ideias e orientações. Ao professor Roberto Zan por ter me encaminhado na área acadêmica na Unicamp, ao professor Manu Falleiros por ter sido um dos primeiros professores que me recebeu e apresentou a UNICAMP.

À Chebo, Roberto e a toda a família Ballumbrosio por terem me permitido vivenciar a experiência e poder compartilha-la. Aos moradores do El Carmen, o violinista e sapateador carmelitano Guillermo Marcos Santa Cruz, Lalo Izquierdo, Octavio Santa Cruz e demais entrevistados, muito obrigada por suas palavras e contribuições.

Aos meus gatos por terem me acompanhado nas horas de escrita. À Omar, meu colega de filmagem, cujo apoio e suporte foi muito importante no desenvolvimento da minha pesquisa de Campo no El Carmen. À Cali, por ter me apresentado o Chebo, a querida mestra Chalena Vasquez pelas nossas últimas conversas sobre a importância da pesquisa sobre as práticas

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com suas observações.

Aos/as mestres das culturas populares, que mesmo com os reveses lutam para que o legado das tradições perdure, obrigada pelos ensinamentos, pelo cuidado com a memória e valorização da nossa ancestralidade.

Ao grupo temático Musicar Local – Novas Trilhas para a Etnomusicologia, o qual foi muito enriquecedor e me ajudou a compreender vários aspectos da etnomusicologia.

A todas as pessoas que conheci nesta caminhada e que me ajudaram em certa medida, as pessoas que acreditaram e não acreditaram em mim e as que passaram pela minha vida ajudando a me tornar uma pessoa melhor e seguir aprendendo.

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Esta pesquisa tem como objetivo analisar como se desenvolve o musicar do atajo de negritos da Família Ballumbrosio – localizado no departamento de Ica, província de Chincha, Peru– por meio da etnografia da performance, e compreender as negociações internas e o processo de preparação que acontece nos ensaios e práticas antes da peregrinação até o fim do ciclo. Primeiramente, localizamos o atajo em relação às práticas afro-peruanas, classificando-o como tradição participativa. Seguimos com uma descrição densa do processo ritual do atajo, para então fazer um zoom sobre três momentos desse processo com o fim de identificar como cada instância das jornadas dos atajos envolve mudanças contextuais.

Palavras-chave: Atajo de Negritos. Musicar Local. Cultura Afro-peruana. Etnomusicologia. Etnografia da Performance.

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This research aims to analyze the musicking of the atajo de negritos of the Ballumbrosio Family – an Afro-Andean cultural manifestation that takes place in the department of Ica, in the Chincha province, in Peru. By carrying out an ethnography of performance, we seek to understand the internal negotiations and the preparation process taking place during rehearsals leading to the start of the pilgrimage up to its completion. First, I locate the atajo in relation to Afro-Peruvian practices, classifying it as a participatory tradition. This is followed by a dense description of the ritual process of the atajo, and finally I focus in on three moments of this process to show how each instance of the journey of the atajos involves contextual changes.

Keywords: Atajo de Negritos. Local Musicking. Afro-Peruvian Culture. Ethnomusicology. Ethnography of Performance.

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Esta investigación tiene como objetivo analizar cómo se desarrolla el musicar del atajo de negritos de la Familia Ballumbrosio – ubicado en el departamento Ica, provincia de Chincha, Perú – por medio de la etnografía de la performance, y comprender las negociaciones internas y el proceso de preparación que ocurre en los ensayos y prácticas antes de la peregrinación hasta el fin del ciclo. En primer lugar, situamos el atajo en relación con las prácticas musicales afroperuanas, clasificándolo como tradición participativa. Continuamos con una descripción densa del proceso ritual del atajo, para luego abordar más detalladamente sobre tres momentos de este proceso para identificar como cada instancia de las jornadas de los atajos involucran cambios contextuales.

Palabras claves: Atajo de Negritos. Musicar Local. Cultura Afroperuana. Etnomusicología. Etnografía da Performance.

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Figura 1 - Artigo: “Rasgos sobre las congregaciones públicas de los negros bozales”...27

Figura 2 - Teatro e Danças Negras do Peru, grupo da Victoria Santa Cruz...31

Figura 3 - Entrevista realizada: Octavio Santa Cruz mostrando os documentos históricos das apresentações da Victoria Santa Cruz...32

Figura 4 - Transcrição da linha melódica da música “Molino Molero” (festejo)...34

Figura 5 - Transcrição do Time line – base rítmica do festejo...35

Figura 6 - Transcrição da música “Serrana Vieja” que faz parte do repertório do Atajo de Negritos...38

Figura 7 - Entrevista realizada com o senhor Adan Herrera, atualmente um dos caporales mais velhos no El Carmen...38

Figura 8 - Mapa do departamento de Ica...39

Figura 9 - Mapa da Província de Chincha...39

Figura 10 - Atajo de Negritos do El Carmen, performance na praça do El Carmen...41

Figura 11 - Chebo Ballumbrosio na performance do Atajo de Negritos...45

Figura 12 - Caporal-criança Menique na performance do Atajo de Negritos...46

Figura 13 – Costureira Rosário...50

Figura 14 - Vestimenta do Atajo de Negritos: chicote e as faixas...51

Figura 15 - Atajo de Negritos do El Carmen, performance na praça do El Carmen...52

Figura 16 - Casa da Família Ballumbrosio, funciona como centro cultural, está decorada com fotos dos atajos do El Carmen, recortes de periódicos e condecorações. Na foto: Os irmãos Ballumbrosio Guadalupe, de esquerda à direita: Miguel, Roberto, Chebo, Filomeno e Camilo, no meio Ellis Regina...54

Figura 17 - Interior da casa da Família Ballumbrosio, funciona como centro cultural, está decorada com fotos dos atajos do El Carmen, recortes de periódicos e condecorações. Na foto: Retratos do patriarca Amador Ballumbrosio...55

Figura 18 - Parte dos integrantes do Atajo de Negritos na casa Ballumbrosio, antes do primeiro recorrido no El Carmen...64

Figura 19 - Atajo de Negritos do El Carmen, performance na praça do El Carmen...69

Figura 20 - Transcrição da primeira estrofe das danças “Homenaje a la Virgen del Carmen” e “Despedida de la Virgem del Carmen”, que fazem parte do repertório do Atajo de Negritos...75

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Figura 23 - Nicho do patriarca Amabor Ballumbrosio. Cemitério do El Carmen...83

Figura 24 - Transcrição da rítmica da dança “Llegada del Rey” ...85

Figura 25 - Atajo de Negritos do El Carmen, performance na praça do El Carmen...87

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I.1 Etnomusicologia no Peru --- 17

I.2 A Diáspora Africana no Peru --- 19

I.3 Metodologia --- 21

I.4 Resumo dos Capítulos --- 23

CAPÍTULO I – AS PRÁTICAS MUSICAIS AFRO-PERUANAS --- 24

1.1 Primeiros Documentos Históricos sobre as Manifestações Afro-peruanas --- 26

1.2 Tradição Inventada: Reelaboração das Práticas Musicais Afro-peruanas --- 29

1.3 Festejo e outros Gêneros Musicais Afro-peruanos --- 31

1.4 Atajo Afro-Andino ou Afro-Peruano? --- 36

CAPÍTULO II – O ATAJO DE NEGRITOS--- 40

2.1 A Organização do Atajo de Negritos--- 44

2.2 O Processo Ritual --- 52

2.3 Atajo da Família Ballumbrosio --- 53

CAPÍTULOIII - DOS ENSAIOS ÀS PEREGRINAÇÕES--- 57

3.1 Ensaios, Preparação, Partida--- 58

3.2 Último Ensaio Geral na Casa do Amador Ballumbrosio --- 59

3.3 O Batismo --- 62

3.4 Preparação e Peregrinação --- 63

3.5 Chegada à Igreja e o Encontro --- 64

3.6 Peregrinação nas Casas dos Devotos --- 65

3.7 Romaria ao Cemitério --- 67

3.8 A Celebração da Virgem del Carmen --- 68

3.9 O dia de reis e a beata melchorita em Grocio Prado --- 69

3.10 Ritual de fechamento do ciclo: a queima do altar --- 71

CAPÍTULOIV – O REPERTÓRIO DO ATAJO DE NEGRITOS --- 72

4.1 Elementos Performativos dos Atajos--- 72

4.1.1 Repertório para o Menino Jesus --- 73

4.1.2 Repertório para a Virgem del Carmen --- 74

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4.3.2 Dia da Virgem del Carmen: Peregrinação na Praça do El Carmen para o

recebimento da Virgem --- 83

4.3.3 Queima do Altar (Ritual de Fechamento) --- 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS--- 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--- 97

ANEXO A – CARTAZ DA CONVOCATÓRIA DO ATAJO DE NEGRITOS DO EL CARMEN --- 100 ANEXO B – LETRAS DO REPERTÓRIO DO ATAJO DE NEGRITOS --- 101

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objetivo analisar as práticas musicais do Atajos de Negritos da Família Ballumbrosio, baseadas no distrito do El Carmen que fica na costa peruana ao sul de Lima. Os Atajos de Negritos são grupos de homens, meninos e meninas afrodescendentes que saem nas ruas na época do natal onde performam danças e canções. Compreendem-se os

atajos como tropas tradicionais performativas comunitárias (SHELEMAY, 2011; WENGER,

1998), na medida em que são formados por amadores com ligações a El Carmen. Os Atajos de

Negritos também podem ser considerados afro-andinos, pois unem o fervor popular e as

tradições de longa data que envolve a transmissão de geração para geração por meio de conhecimentos coletivos que emergiram dos encontros étnicos da região.

O atajo da Família Ballumbrosio, como outros atajos, sai na época de natal entre os dias 23 de dezembro a sete de janeiro. Celebra o nascimento do Menino Jesus, assim como o dia da Virgem del Carmen (27 de dezembro), padroeira da localidade e o dia de reis (6 janeiro). Além do período natalino, o atajo pode participar dos festejos do dia Virgem del Carmen dos dias 6 a 14 de julho, do dia da identidade carmelitana no dia 26 de novembro (no qual comemora-se o natalício do patriarca Amador Ballumbrosio, símbolo da identidade afro-peruana e carmelitana), assim como também outras festividades que podem ocorrer em outras localidades, cidades próximas, inclusive em Lima.

A performance do atajo dramatiza narrativas ligadas aos Reis Magos, os pastores e as experiências dos africanos escravizados (TOMPKINS, 1981). Essa mesma representação se reflete em outros elementos do atajo, tais como as letras, ritmos, danças e vestimentas. Essas representações surgem pelos encontros e fricções das três culturas: a andina, presente nos valores do mundo pré-hispânico; a hispânica, ligada ao catolicismo e o legado africano presente nas rítmicas utilizadas nas danças, entre outros aspectos, como veremos ao longo da dissertação.

Os Atajos de Negritos estão particularmente presentes na Costa do Peru, região centro-sul de Lima, no departamento de Ica, província de Chincha, em distritos como El Carmen, Grocio Prado, Sunanpe, Tambo de Mora, Chincha Alta, entre outros. Na época colonial nessas localidades, havia maior presença de africanos escravizados e afrodescendentes devido à concentração do trabalho escravista da produção de algodão, cana de açúcar, como também alguns dos escravos idosos ou com alguma deficiência foram colocados nas fazendas do El Carmen.

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El Carmen, localidade foco desta pesquisa, é um distrito de aproximadamente 12,050 habitantes, localizado no departamento de Ica. Há registros que os atajos envolvem as comunidades afrodescendentes desde meados do século XIX. Como outros estudos demonstraram (TOMPKINS, 1981; VASQUEZ, 1982), uma das hipóteses da possível origem do atajo remete a práticas musicais que derivam da tradição espanhola de cantar e dançar diante dos presépios, como também as celebrações religiosas dos afrodescendentes no Corpus Christi na época colonial, que aconteciam em torno das igrejas (TOMPKINS, 1981, p.155). No caso do El Carmen, a construção da igreja foi um dos fatores que propiciou o surgimento do Atajo de Negritos (CHOCANO, 2013, p. 18).

Cabe ressaltar a existência da dança de negritos que se realiza em outros países da América Latina, assim como também em outras localidades do Peru, tanto na parte andina como na costa, nos quais contêm o elemento religioso cristão imposto pelos espanhóis na época colonial. Essa dança, em cada localidade, adquiriu características próprias que se evidenciam nas práticas performativas das suas agrupações. Na região andina, muitas vezes os negritos são representados por dançarinos que utilizam máscaras pretas ou pintam a cara de preto, mas isso tem uma conotação simbólica especifica referida ao cristianismo. Como menciona Vasquez apud Chocano (p. 20, 2013), “o termo negrito não faz referência a cor da pele dos possíveis dançantes, mas sim a condição de não batizados dos mouros, que controlavam a península ibérica antes do advento dos reinos católicos”1

Atualmente, os atajos do povoado de El Carmen são patrimônio cultural da nação peruana, segundo a resolução vice ministerial Nº 035-2012-VMPCIC-MC (JORNAL OFICIAL DA REPÚBLICA DO PERU, El Peruano, 2012). O processo de patrimonialização ocorreu graças à ajuda de alguns acadêmicos, antropólogos, dos mestres, integrantes dos

Atajos do El Carmen, moradores da localidade e do Ministério de Cultura. Ademais, também

foi incluído na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial pela UNESCO, que aconteceu em Bogotá, Colômbia no “XVI Comité Intergubernamental para la Salvaguardia

del Patrimonio Cultural Inmaterial de la UNESCO”.2

1El término “negritos” no hace referencia al color de piel de los posibles danzantes, sino a la condición de no

bautizados de los moros, quienes controlaban la península ibérica antes del advenimiento delos reinos católicos.

2

XVI Comité Intergubernamental para la Salvaguardia del Patrimonio Cultural Inmaterial de la UNESCO. Disponível em: https://ich.unesco.org/es/RL/el-hatajo-de-negritos-y-las-pallitas-danzas-del-sur-de-la-costa-central-del-peru-01309. Acesso em 25 de janeiro de 2019.

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I.1 ETNOMUSICOLOGIA NO PERU

A maioria dos estudos e pesquisas realizadas sobre a música peruana tem tido um enfoque sobre as tradições andinas, abarcando principalmente a reconstrução histórica da música Inca e a estrutura musical das melodias andinas. Como aponta Romero (1987), houve uma tendência no período dos anos 1970 à produção de estudos sincrônicos e práticas de trabalho de campo sistematizadas, com novos enfoques e métodos.

Os estudos organológicos foram revitalizados através das rigorosas descrições de Valencia para o caso das flautas de pã da região sul de Puno (1980; 1981; 1983). O problema de etnicidade e da relevância cultural do charango3 na região sul dos Andes foi investigado pelo etnomusicólogo americano Thomas Turino (1983; 1984), que mais tarde se interessou pelo tema das relações sociais e da identidade cultural, com base em sua experiência no distrito de Conima, Puno (1987),4 (ROMERO, 1987, p. 101).

Em relação à cultura afro-peruana, foram desenvolvidas diversas descrições etnográficas, com ênfase na reconstrução histórica afro-peruana realizada por Fernando Romero (1939; 1942) e outros autores. Cabe ressaltar que a maior porcentagem corresponde a recortes históricos da comunidade afro-peruana (ROMERO, 1987). Um dos poucos estudos etnomusicológicos realizados sobre as práticas musicais afro-peruanas foi o de William Tompkins (1981), que se baseia sobre vários anos de pesquisa de campo nos anos de 1975 a 1976 nas regiões da costa peruana, particularmente Lima, Chincha, Cañete e Lambayeque.

Uma segunda premissa fundamental é que apesar de que podemos e devemos traçar certos paralelos culturais entre o peruano e outras culturas musicais afro-americanas para enriquecer a nossa compreensão das dinâmicas de aculturação, tal comparação não equipara o desenvolvimento musical afro-peruano com aquele dos afro-brasileiros, afro-caribenhos ou outras tradições negras do novo mundo5 (TOMPKINS, 1981, p.12) 6.

3 “Cordófone composto, um alaúde de braço, de cuello e com ressonador côncavo” (MENDIVIL, 2002, p. 78). 4

“Los estudios organológicos fueron revitalizados a través de las rigurosas descripciones de Valencia para el caso de las flautas de pan de la región sur de Puno (1980; 1981; 1983) El problema de la etnicidad y la relevância cultural del charango en el sur andino fue investigado por el etnomusicólogo norteamericano Thomas rurino (I 983; 1984), quien más tarde se interesó por el tema de las relaciones sociales y de la identidad cultural, en base a su experiencia en el distrito de Conima, Puno” (1987). (ROMERO, 1987, p. 101).

5

Tradução pela autora.

6 La segunda premisa fundamental es que a pesar de que podemos y debemos trazar ciertos paralelos

interculturales entre lo afroperuano y otras culturas musicales afroamericanas para enriquecer nuestra comprensión de las dinámicas de aculturación, tal comparación no equipara el desarrollo musical afroperuano

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Nota-se também o estudo de Rosa Elena Vasquez (1982) envolvendo estudos etnográficos na costa peruana, os quais também ressaltam o caráter híbrido das manifestações afro-peruanas e as relações e negociações internas do papel que desenvolve o Atajo de

Negritos dentro da comunidade do El Carmen.

Nós apontamos que além da necessidade estética, com a dança de negritos se satisfazem necessidades do tipo social, estabelecendo laços entre os membros do

atajo, como também entre os familiares deles. Já temos percebido que se

estabelecem laços de apadrinhamento e companheirismo que duram toda a vida. Assim mesmo a identificação e solidariedade entre todos os participantes, sejam membros ativos, familiares ou pessoas da localidade que participam dando apoio moral o econômico. É muito importante considerar também a maneira de produzir esta dança que é eminentemente coletiva em todo seu processo7 (VÁSQUEZ, 1982 p.173).8

Uma perspectiva já ligada ao conceito do Atlântico Negro se encontra nos trabalhos de Heidi Carolyn Feldman (2005; 2008) que propõe uma adaptação ao discutir o “Pacífico Negro”, tendo em consideração o contexto histórico, político, social e as relações de poder para uma maior compreensão da cultura afro-peruana. Outro trabalho mais recente sobre a música afro-peruana é do autor Fernando Llanos (2011), que faz uma crítica à abordagem de Feldman (2005; 2008) sobre o “Pacífico Negro”. Para Llanos (2011) Feldman estaria deixando de lado a influência e semelhanças do universo simbólico e estético que a música afro-peruana teria com a música afro-latina e suas conexões com o Atlântico Negro.

Se a música afro-peruana teria chegado ou não como o intuito de lembrar o passado, o que chama a atenção é como ela tem conseguido se estabelecer como uma expressão identitária cultural, provavelmente, menos entendida como uma invenção artificial da tradição e mais como uma necessidade social de ressignificar elementos culturais do Ocidente globalizado, em diálogo com as noções locais de negritude (LLANOS, 2011, p.60).

con aquél de los afrobrasileños, afrocaribeños u otras tradiciones negras del Nuevo Mundo (TOMPKINS,1981,

p. 12).

7 Tradução feita pela autora.

8 Señalábamos, que aparte de la necesidad estética, con la Danza de negritos se satisfacen necesidades de tipo

social, estableciendo lazos entre los miembros del atajo, como entre los familiares de los mismos. Ya hemos visto que se establecen lazos de padrinazgo y compadrazgo que duran toda la vida. Asimismo, la identificación y solidaridad entre todos los participantes, ya sea miembros activos, familiares o gente del pueblo que participa dando apoyo moral o económico. Es de suma importancia considerar también la manera de producir esta danza, que es eminentemente colectiva en todo su proceso (VÁSQUEZ ,1982, p.173).

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I.2 A DIÁSPORA AFRICANA NO PERU

Um dos registros mais antigos conhecidos até o momento sobre a presença dos negros no Peru data do começo da época colonial, no século XVI, quando os espanhóis trouxeram africanos de diversas etnias para serem utilizados como mão de obra escrava no trabalho rural e doméstico. Dentre esses escravizados haviam os chamados bozales (boçais), africanos vindos diretamente da África com nenhum ou pouco conhecimento da língua e costumes espanhóis, e em maior proporção, os ladinos, africanos escravizados provenientes da Espanha, nascidos na África ou não, e em sua maioria sob contato com tradições européias, como por exemplo, a doutrinação católica (ARRELUCEA, 2018).

Muitos destes africanos escravizados provinham de diferentes etnias. Os primeiros que chegaram ao Peru eram da Guiné e Angola.

Os africanos que chegaram ao Peru nos primeiros tempos provieram de diversas regiões como Guiné, Angola e em menor medida de Biafra e Congo, enquanto que no século XVIII, as regiões de extração de maior importância foram Mauritania, as Ilhas Canarias, Guinea, Cabo Verde, Senegal, Costa de Oro, Serra Leona, São Tomé (na atual Cameron) e Angola9 (BOWSER, 1974; ROMERO, 1980; TARDIEU, 1989; ADANAQUÉ, 1991; 1993, apud ARRELUCEA, 2018, p. 37).10

Estas diferentes etnias instaladas no Peru se concentravam nas chamadas cofradias11 e isto muitas vezes provocava enfrentamentos e tensões internas, mas também um intercâmbio cultural entre membros de culturas africanas distintas como forma de resistência e identidade cultural. Portanto, podemos levantar a hipótese de que a presença dos escravos

bozales e ladinos no Peru favoreceu uma diversidade étnica e consequentemente cultural,

onde o homem negro pôde reforçar suas práticas culturais tradicionais, mas também, criar identidades híbridas com as tradições espanholas e andinas.

As confrarias foram criadas muito cedo em Lima. No século XVI, de um total de de

9

Tradução feita pela autora.

10 Los africanos que arribaron al Perú en los primeros tiempos provinieron de diversas zonas como Guinea,

Angola y, en menor medida, de Biafra y Congo, mientras que para el siglo XVIII las zonas de extracción de mayor importancia fueron Mauritania, las Islas Canarias, Guinea, Cabo Verde, Senegal, Costa de Oro, Sierra Leona, Santo Tomé (en la actual Camerún) y Angola (BOWSER, 1974; ROMERO, 1980; TARDIEU,

1989; ADANAQUÉ, 1991; 1993, apud ARRELUCEA, 2018).

11Cofradías/confraria (português): instituições/irmandades de controle social encarregadas de modelar a consciência dos setores populares. HOUAISS. Dicionário eletrônico HOUAISS da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

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zesseis confrarias dez eram de negros e no ano 1619 aumentaram a quinze, um número considerável, o qual evidencia a importância desta instituição que pouco a pouco foi se diferenciando. No ano 1650 existiam confrarias de boçales e criolos, depois foram criando confrarias separadas de escravos e libertos, criolos e mulatos. A casta também foi importante neste processo diferenciador ao se fundar confrarias de congos, minas, mizangas, lucumies, entre outros (BOWSER, 1977: 54; HÜNEFELDT, 1979: 22-23; TARDIEU, 1997: 529; VEGA, 2005: 707)12 (ARRELUCIA; COSAMALON, 2015, p.66).13

Segundo os dados coletados por Browser (1977), a demografia da população afrodescendente teve seu auge na época colonial, no final do século XVIII. Ao final do século XIX foi registrado um período de extermínio e quase perda da população afrodescendente, já que utilizaram muitos escravos na Guerra del Pacífico como combatentes (1879-1883), pejorativamente chamados de “carne de cañon”14, além das mortes por epidemias e doenças. Desta forma, a população afrodescendente perdeu visibilidade e peso demográfico. Segundo o censo e dados coletados pelo autor, apenas 11% da população era afrodescendente. Também encontramos em Vasquez (1982) um destaque à população negra nas manifestações culturais peruanas, afirmando que qualquer referência no popular ou às práticas culturais feitas pelo povo em Lima durante a colônia e o século XIX é predominantemente feita pela população negra.

A contribuição dos afrodescendentes não se limita à época colonial, nem às fontes que os identificam a uma categoria étnica. O papel que desempenhavam era de mediadores culturais articulando as suas próprias práticas e tradições com os demais grupos que se relacionavam, criando assim uma identidade que espelha a sua realidade. Adotaram os elementos da hegemonia cultural, da cultura imposta, que tinha empatia com os próprios códigos sociais e estéticos: indução de instrumentos europeus como também parte e estrutura de músicas coplas, decimase novos conteúdos incorporados impostos pela religião cristã. Assim como também menciona Vasquez (1982), dentro da cultura afro-peruana, a maioria das manifestações e práticas surge pelos encontros e fricções das três culturas (hispânica, andina e africana); deste modo, a identidade no contexto atual foi construída em

12Tradução feita pela autora.

13

Estas cofradías se fundaron tempranamente en Lima. En el siglo XVI, de un total de dieciséis cofradías diez

eran de negros y hacia 1619 aumentaron a quince, un número considerable, lo cual evidencia la importancia de esta institución que poco a poco fue diferenciándose. Hacia 1650 ya existían cofradías de bozales y criollos, después fueron creándose cofradías separadas de esclavos y libertos, criollos y mulatos. La casta también fue importante en este proceso diferenciador al fundarse cofradías de congos, minas, mizangas, lucumíes, entre otros (BOWSER, 1977: 54; HÜNEFELDT, 1979: 22-23; TARDIEU, 1997: 529; VEGA, 2005: 707).

14Carne de cañón: Segundo a RAE, refere-se à tropa inconsideradamente exposta a perigo de morte. F. coloq. Pessoas comuns, sem tratadas sem consideração (RAE 2016).

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torno destes encontros, seja em sua estrutura musical, no conteúdo das letras ou uma forma de dançar.

Chegamos à comprovação de que a dança de negritos não era precisamente de origem africana, senão de procedência espanhola, transformada pelos negros no Peru, os quais incorporaram conteúdos sobre a escravidão, rítmica de procedência africana e melodias pentatônicas de origem Andino. A síntese das três vertentes claramente definidas naquela dança é possível se encontrar em outras como em

“triste com fuga de tondero” ou “cumanana” 15 (VASQUEZ, 1982, p.20).16

É possível dizer que o elemento hispano é evidente nas práticas musicais, a imposição da religião cristã e nas cantigas de natal, pois a tradição de cantar villancicos e de dançar na frente do presépio corresponde a uma tradição muito antiga na Espanha, como também a adoração ao Menino Jesus e à Virgem. O elemento africano se aprecia nas rítmicas utilizadas no sapateado e na tradição oral dos escravos que persiste no folclore e no elemento andino da sonoridade do violino e nas linhas melódicas da voz, onde predomina o uso da escala pentatônica, como também na harmonia do huayno, música andina.

I.3 METODOLOGIA

Abordamos o Atajo por meio da “etnografia da performance musical” (SEEGER, 2015) visando compreender as negociações internas e o processo ritual que ocorre desde as fases preparatórias para as peregrinações do grupo até o final de suas jornadas rituais. Seeger (1992) propõe uma orientação para o estudo de qualquer tipo de música, sistematizado com base em perguntas a serem respondidas pela observação de uma performance musical: que é performado? Quem performa? Onde ocorre a performance? Quando ela ocorre? Como ocorre? Por que ocorre?

Por meio desta orientação etnográfica teremos uma melhor compreensão do fazer musical, tendo em consideração o contexto onde se desenvolve a performance e não somente a análise da música enquanto objeto sonoro. Trata-se de analisar como a performance serve de

15 Tradução feita pela autora.

16

Llegamos a la comprobación de que la danza de negritos no era precisamente de origen africana, sino de

procedencia española, transformada por los negros en Perú, los cuales incorporaron contenidos sobre esclavitud, rítmica de procedencia africana y melodías pentatónicas de origen andino. La síntesis de las tres vertientes claramente definidas en aquella danza es posible encontrar en otras como “triste con fuga de tondero” o “cumanana (VASQUEZ, 1982, p. 20).

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veículo para outras ações sociais e de que maneira os sons específicos fazem parte de processos sociais.

Foram realizadas três pesquisas etnográficas no Peru, na localidade do El Carmen, no departamento de Chincha, a primeira no período de dezembro de 2017 (23 até 27 de dezembro) e janeiro de 2018 (6 de janeiro, Dia dos Reis Magos) em Grocio Prado. A segunda etapa da pesquisa de campo foi realizada no mês de julho de 2018 em Lima e El Carmen; finalmente, a terceira etapa foi realizada no período de dezembro de 2018 até janeiro de 2019. Estas pesquisas de campo compreenderam observação participante, filmagens, registros fotográficos das performances e entrevistas semiestruturadas. Os registros realizados no campo foram parte do percurso de um atajo específico da Família Ballumbrosio.

Ao todo foram realizadas oito entrevistas: cinco em El Carmen e três em Lima. Duas no período de dezembro de 2017, durante as festividades do atajo no El Carmen com os violinistas Guillermo Marcos Santa Cruz e Chebo Ballumbrosio, que são membros e lideranças dos atajos; duas entrevistas no mês de julho de 2018, com a senhora Rosário de Villamarin (costureira das vestimentas do atajo e esposa de um caporal do atajo da Família Ballumbrosio) e Sr. Adan Herrera; estas pessoas foram indicadas por Chebo Ballumbrosio, por pertencerem à Irmandade da Virgem del Carmen. Sr. Adan atualmente é um dos

caporales17 mais velhos no El Carmen; a última entrevista foi realizada no período de dezembro de 2018, com o caporal Roberto Ballumbrosio, integrante do Atajo de Negritos da Família Ballumbrosio; em Lima foram realizadas duas entrevistas no período entre janeiro e fevereiro de 2018, com Eduardo Izquierdo e Octavio Santa Cruz, dois cultores da tradição afro-peruana e uma entrevista no mês de julho de 2018, com Miguel Ballumbrosio, caporal, integrante do Atajo de Negritos da Família Ballumbrosio.

Do mesmo modo foi realizado um teaser dos registros audiovisuais dos momentos da manifestação, os quais foram obtidos na pesquisa de campo realizada no Peru entre os meses de dezembro 2017 à janeiro de 2019, intitulado: “Peregrinação do Atajo de Negritos da Família Ballumbrosio” – El Carmen. Peru.

Neste vídeo destacam-se resumidamente os nove momentos do processo ritual dos atajos em ordem cronológica. Desta maneira, os registros audiovisuais servem como ferramenta para ilustrar e compreender como se desenvolve o musicar do atajo da Família Ballumbrosio dentro da manifestação e como as performances se desenvolvem e mudam de

17 Antigamente representavam o capataz da época colonial que inspecionava e punia o trabalho escravo e os negritos ou escravos

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acordo com a localidade dentro da comunidade. Futuramente, as imagens também poderão servir para a elaboração de um documentário.

Recomenda-se que o leitor acesse esse material para que tenha uma ideia de como são as performances dos atajos antes de seguir com a leitura, bem como nos momentos que discutem as performances (Ver https://youtu.be/sse05PfRw4Y). Do mesmo modo, foi realizada a transcrição de 11 das letras do repertório do atajo, assim como também a transcrição em notação musical de quatro danças. Essas produções encontram-se nos Anexos. Também está disponível um acervo de registros fotográficos, partituras coletadas na pesquisa de campo e arquivos inéditos no sitio eletrônico: https://ellisreginasanchez.wordpress.com/

I.4 RESUMO DOS CAPÍTULOS

O primeiro capítulo, “As Práticas Musicais Afro-peruanas”, tem por objetivo situar o

Atajo de Negritos no contexto das práticas musicais afro-peruanas. Para isso, apresentarei

alguns gêneros musicais tradicionais afro-peruanos e exemplos etnográficos abordando o contexto histórico-social do universo afro-peruano. Um dos debates em questão neste capítulo é como na classificação performativa participativa (TURINO, 2008) vários elementos são fundamentais para determinar o papel da música dentro do contexto histórico-social e como esta pode se tornar uma performance apresentacional. Geralmente uma performance participativa torna-se apresentacional quando esta é tirada do seu contexto original, espetacularizando-a, reestruturando, adaptando novas formas musicais nessa nova performance e mudando o papel da música dentro dessa manifestação cultural. Usando exemplos etnográficos e aprofundando nos gêneros e práticas musicais afro-peruanas do século XX (TOMPKINS, 1981; VASQUEZ, 1982), analisarei como estas práticas musicais se distinguem a partir do musicar e da performance, tendo em consideração o contexto histórico social onde se desenvolvem e como abordam questões ritualísticas, de sacralidade e de religiosidade nas performances.

No segundo capítulo, “O Atajos de Negritos”, será abordado o panorama do universo cultural e o contexto histórico-social do Atajo de Negritos, assim como questões referentes à organização interna e como se desenvolve na atualidade, baseando-se na bibliografia consultada sobre atajos: (TOMPKINS, 1981; VASQUEZ, 1982), como também informações e relatos obtidos nas entrevistas semiestruturadas nas pesquisas de campo realizadas em 2017, 2018 e 2019.

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No terceiro capítulo, “Dos Ensaios às Peregrinações”, foi analisado como se desenvolve o musicar do Atajo de Negritos da Família Ballumbrosio por meio da etnografia da performance para compreender as negociações internas e todo o processo ritual de preparação que acontece nos ensaios e práticas antes do começo da peregrinação do atajo, o qual será compreendido como comunidade de prática (WENGER, 1998) e deste modo analisar: Como estas práticas performativas favorecem ocasiões de encontros, desenvolvendo-se uma comunidade de prática, compreendendo: engajamento coletivo; interações sociais, formas de mediação; como o musicar do atajo revela a construção da localidade (APPADURAI, 1996).

Em “O Repertório do Atajo de Negritos” descreveremos três momentos específicos, musicalmente distintos, que acontecem dentro da peregrinação do atajo, os quais tem uma distinção mais marcante dentro da performance, no repertório, no tipo de coreografia, no sapateado, entre outros aspectos. O objetivo não é realizar uma análise musicológica, e sim poder ilustrar detalhadamente como a música e o repertório do atajo estão configurados e assim compreender como a escolha do repertório está atrelada com à localidade em que ocorre, os devotos, os participantes da comunidade e os participantes “externos”. Deste modo, compreender como as interações sociais e o musicar se desenvolve dentro da comunidade.

Por fim, completamos a dissertação com algumas considerações finais.

CAPÍTULO

I

-

AS PRÁTICAS

MUSICAIS AFRO-PERUANAS

Existem várias tradições musicais que poderiam ser classificadas como afro-peruanas. Historicamente, estas tradições eram fundamentalmente participativas na sua orientação. Isto é, ocorriam como atividades comunitárias onde todos os presentes estariam envolvidos de alguma forma na performance (TURINO, 2008). Por volta de 1950, alguns gêneros musicais como festejo, lando, zamacueca, entre outros, passaram por um processo de reelaboração que desencadeou no renascimento de práticas musicais conscientemente construídas como afro-peruanas. O processo de reelaboração de muitas dessas práticas musicais envolveu mudanças nas estruturas musicais e no texto das canções, a fim de manter a tradição oral que estava se perdendo nas localidades da costa do Peru. Este processo também envolveu a incorporação de elementos “africanos” para assim africanizar o afro-peruano. Neste processo, o papel da música também mudou, tornando-se música como espetáculo e consequentemente performance “apresentacional” (TURINO, 2008). Mais adiante, aprofundaremos como se desenvolveram as práticas musicais afro-peruanas a partir do contexto histórico cultural.

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Caso distinto aconteceu com outra prática musical afro-peruana, o Atajo de Negritos, a qual ainda se mantém vigente. O atajo é intergeracional, está relacionada à religiosidade católica e, segundo as classificações de Turino (2008), é performado de forma participativa18. A performance é coletiva em todo o seu processo. Atualmente se mantém vigente graças à comunidade. Seus membros estão a cargo da sua organização e financiamento; em sua maioria, a comunidade local participa direta ou indiretamente dos rituais do atajo, de modo que todos fazem parte do musicar. Mas mesmo entre os atajos há grupos mais apresentacionais que performam em datas não tradicionais e fora do contexto religioso ritualístico, mudando de finalidade e consequentemente virando performances apresentacionais, mas isso é mais frequente nas apresentações espetacularizadas que acontecem em teatros em Lima e no exterior do que em El Carmem.

O Atajo de Negritos traz como centro das investigações sua riqueza cultural, em específico, nas expressões artísticas da música e da dança, no papel que desempenha atualmente e na construção da identidade da comunidade afro-peruana. Como Glaura Lucas (2002) destaca, a música e a dança em certas religiões e rituais são centrais e podem tornar-se mediadoras nas relações sociais. “Música e dança tornam-se o principal veículo da experiência religiosa em certos rituais religiosos, e, portanto, estão complemente integradas dentro da organização social de tais religiões” (LUCAS, 2002, p.18). No caso do Atajo de Negritos, a música e a dança estão fortemente atreladas à religião católica. Isso se reflete na performance, nas letras do repertório e sobretudo na devoção da festa dos integrantes e participantes da festividade no dia da Virgem del Carmen e do Menino Jesus.

Os rituais comemorativos são uma dramatização da “memória social” (CONNERTON, 1989). É uma forma de inscrever aquilo que o grupo quer lembrar no próprio corpo. Como Suzel Reily (2002) menciona, por meio das experiências no ritual, algumas práticas podem promover experiências memoráveis nos grupos sociais.

A eficácia de qualquer ritual, por mais coerente que seja, reside em sua capacidade de promover experiências memoráveis entre os participantes, capazes de transportá-los para o universo mítico de sua dramatização coletiva. O que determinará se isso ocorrerá ou não é o modo como as estruturas são implementadas em contextos reais, em que pessoas se

18

Esta classificação, portanto, contempla o fato de que as vivências musicais de muitas pessoas hoje se centram em formas de música gravada. Por sua vez, cada uma destas categorias foi subdividida em dois campos de prática musical. Os campos em tempo real incluem práticas ligadas a “música participativa” (participatory music), nas quais não há distinção entre músicos e plateia, e a “música apresentacional” (presentational music), que prevê esta distinção; os da música gravada envolvem “gravações em alta-fidelidade” (high-fidelity) e “arte de estúdio” (studio art) (TURINO, 2008, apud REILY; HIKIDI; TONI, 2016, p.7).

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encontram e fazem uso de seu legado para mediar suas relações com os santos e entre si (REILY, 2002).

O elemento religioso ritualístico está muito presente nessa manifestação, já que a igreja católica desempenha um papel muito importante nas construções de novas identidades americanas. No Peru, as religiões africanas complementaram-se com a religião católica, chegando assim a um sincretismo, reinterpretando, mediante a adoração de santos, rituais do catolicismo; havia pouca distinção entre o sagrado e o profano.

Segundo Rosa Elena Vásquez (1982), a mestiçagem que surgiu no colonialismo, trouxe consigo uma maior diversidade, encontros e interculturalidades de parte não só dos espanhóis, senão também entre os africanos escravizados provenientes de África Central (Guiné, Congo e Angola), que foram trazidos para as Américas. Desde a chegada dos colonizadores, os espanhóis trouxeram e impuseram suas crenças e formas de vida, empregando uma dominação coercitiva excludente, como também sua religião cristã, suas tradições, entre elas a música, instrumentos musicais, danças e novas práticas. Assim, a cultura dos colonizadores passou a coexistir e se misturar com a cultura local.

De igual forma isto aconteceu no processo de sincretismo da religião católica com a cosmovisão andina. Segundo Carlos Reyna (2003), foi isso que aconteceu no Peru. Em seu trabalho El sincrestismo Iberoamericano, Manuel Marzal (1985) faz uma tipologia dos processos envolvidos em encontros entre as religiões nas Américas. Quando duas religiões têm um longo contato, pode ocorrer que a religião dominante engloba a religião subalterna até tornar-se uma única religião (síntese); podem conservar a sua identidade de modo independente (justaposição); podem formar uma nova religião cujos elementos (crenças, ritos, formas de organização e suas normas éticas) são produtos do encontro das duas religiões, nas quais certos elementos se identificam com seus similares, outros desaparecem por completo, outros permanecem tal como estavam e outros se reinterpretam, mudando seu próprio significado ou acrescentando outros (sincretismo) (MARZAL, 1985).

1.1 PRIMEIROS DOCUMENTOS HISTÓRICOS SOBRE AS MANIFESTAÇÕES AFRO-PERUANAS

Como menciona William Tompkins (1981), uma das primeiras referências e registros das origens das práticas musicais afro-peruanas corresponde a meados do século XVIII. Um dos arquivos que relata como se desenvolviam as práticas musicais afro-peruanas nesse

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período é o artigo “Rasgos sobre las congregaciones publicas de los negros bozales” (JORNAL MERCURIO PERUANO, Lima 19 de Junho 1791 num. 49.), publicado no jornal nacional Mercúrio Peruano, que descreve parte das manifestações culturais dos afrodescendentes nas cofradíasdesse período. Consta no jornal que no dia 14 de agosto de 1722, gêneros musicais como o panalivio e o sereno eram dançados nas cofradías, mas foram proibidos pelo cabildo eclesiástico19 por serem escandalosos. Também existem registros da inserção dos negros escravizados nas práticas musicais dos espanhóis e mestiços na época colonial, os quais interpretavam música militar, assim como outras músicas para entreter os espanhóis, seja nas fazendas como também nas mansões urbanas. Alguns mulatos dominaram certas formas musicais européias e ensinavam em escolas, como também acontecia na Europa no século XV (TOMPKINS, 1981).

Figura 1 -Artigo: “Rasgos sobre las congregaciones públicas de los negros bozales”

Fonte: Jacinto Calero Moreira em JORNAL MERCURIO PERUANO (Lima 19 de Jun 1791, nº 49).

Como Tompkins (1981) e Vasquez (1982) mencionam, infelizmente não existe material de registros sonoros nem estudos etnomusicológicos que relatem como era exatamente a música afro-peruana na época colonial, devido que no século XX a maioria

19 “Los cabildos eran corporaciones de clérigos dotadas de personalidad jurídica, cuyos miembros tenían un objetivo espiritual común: la celebración solemne del culto divino en el coro de la catedral”. PUENTE, Leticia Pérez. El cabido y la universidad. Las primeras canonjías de oficio en México. Histórica Vol. 36, Universidad Nacional Autónoma de México. 53-96, 2012.

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dos folcloristas e etnomusicólogos no Peru realizaram estudos sobre as culturas das principais cidades e do universo andino. Atualmente, existem muito poucos registros sobre o fazer musical rural dos afrodescendentes. A maioria dos arquivos e registros históricos são pinturas, relatos de cronistas, publicações em jornais e a tradição oral que perdurou em algumas localidades, como Chincha e na costa do Peru.

Cabe ressaltar que no século XX começou a se distinguir as práticas musicais afro-peruanas das práticas da música da costa peruana, chamada de “música criolla20”, que era interpretada pelos espanhóis, mestiços e alguns afrodescendentes que já tinham incorporado a cultura e práticas musicais européias. Entre os gêneros musicais que correspondem à música criolla, pode-se citar: a valsa, polca, marinera, canto de jarana, tondero, entre outros, os quais tinham influências das práticas musicais européias. No final do século XIX a música afrodescendente era chamada de música negroide, o qual foi substituído pelo termo afro-peruano a partir do final dos anos 1950, com a finalidade de distinguir as práticas musicais da costa da música criolla. Um dos principais expoentes da inserção do termo afro-peruano foi o folclorista e pesquisador Nicomedez Santa Cruz. Influenciado pelo movimento africanista e black power começou a inserir esse termo em entrevistas, jornais e no âmbito musical.

Não se falava do afro nessa companhia (Pancho Fierro). Falava-se sobre o criollo, Estampas de Pancho Fierro. Desintegra-se a companhia e eu formo outro grupo, mas não para seguir trabalhando nisso artisticamente ou comercialmente, senão a maneira de investigação. E começo a utilizar o termo “afro-peruano” porque, por um lado, encontrava algo de exotismo e, por outro lado, coincidia com a minha posição africanista em relação a independência dos países africanos21 (SANTA CRUZ,

apud VASQUEZ, 2013).22

20 El término se referiría a los hijos de los esclavos negros que habían nacido en el Nuevo Mundo; despues se

aplicó a cualquier persona nacida en las colonias. Más recientemente,“criollo” ha llegado a significar cualquier individuo que siente y practica un nacionalismo cultural o “criollismo”. Sebastián Salazar lo ha definido bien: un criollo, dice, ‘es un nativo de Lima o, por extensión, de cualquier otra parte de la costa, que vive, piensa y actúa de acuerdo con un conjunto dado de tradiciones y costumbres nacionales, pero sin incluir aquellas tradiciones que no son indígenas’ (TOMPKINS, 1981 apud SALAZAR, 1975, p. 45).

21Tradução feita pela autora. 22

No se hablaba de lo afro en esta compañía (Pancho Fierro). Se hablaba de lo criollo, Estampas de Pancho

Fierro. Se desintegra la compañía y yo formo un grupo, pero no para seguir trabajando en esto artísticamente, comercialmente, sino a la manera de investigación. Y empiezo a usar el término “afroperuano” porque, por un lado, le encontraba algo de exotismo y, por otro lado, coincidía con mi posición africanista en relación con la independencia de los países africanos (SANTA CRUZ, apud VASQUEZ, 2013).

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1.2 TRADIÇÃO INVENTADA: REELABORAÇÃO DAS PRÁTICAS MUSICAIS AFRO-PERUANAS

Neste item, discutirei como nos anos 1950 a música afro-peruana passou por um processo de renascimento e reestruturação devido a vários fatores e a busca pela construção da identidade afro-peruana por meio das práticas musicais. Nesse processo, as tradições participativas afro-peruanas passaram por processos de espetacularização, tornando-se mais apresentacionais ao serem trasladadas ao palco.

Essas mudanças foram impulsionadas por fatores extramusicais, particularmente fatores políticos. Mediante a problemática da reinvindicação histórica das comunidades negras de acabar com o prejuízo ocasionado pela escravatura, o que as permitiria encontrar um lugar na nação peruana, setores da esquerda peruana buscaram representatividade política ativa, como foi o movimento Black Power. Vale apontar também a perda demográfica da população negra ocasionada pela Guerra Del Pacífico (1879-1883). Somado a esses fatores, a presença do folclorista Nicomedes Santa Cruz, que, juntamente com a sua irmã, Victoria Santa Cruz, produziu pesquisas e material sonoro sobre as práticas musicais afro-peruanas. Nicomedes tinha proximidade com outros pesquisadores da diáspora na América Latina, como Fernando Ortiz, Edison Carneiro e Câmara Cascudo. Isso contribuiu para a reafirmação de uma nova identidade de caráter antes africanista que afro-peruana (TOMPKINS, 1981; LLANOS, 2017). Deste modo, surge o renascimento da música afro-peruana, para assim reforçar e demarcar a identidade afro-peruana por meio das práticas musicais, que reinterpretam e inventam as tradições dos afrodescendentes (HOBSBAWM; RANGER, 1983).

No âmbito da performance das práticas musicais afro-peruanas, a maioria teve uma mudança significativa que demarcaria o seu significado na atualidade, tornando-se música apresentacional, trasladado ao palco, como foi o caso dos gêneros afro-peruanos mencionados anteriormente: festejo, alcatraz, lando, entre outros. Os elementos musicais destes gêneros sofreram mudanças; por exemplo, substituíram-se os instrumentos tradicionais por instrumentos cosmopolitas, como instrumentos de percussão de origem afro-cubana (bongo, conga, tumbadora) que foram propostas por folcloristas como José Durand, os irmãos Santa Cruz e a companhia Peru Negro de Ronaldo Campos conjuntamente criaram novos padrões rítmicos no cajón para cada gênero musical afro-peruano.

Inspirando-se nestas primeiras tentativas de popularizar a música afro-peruana, agrupações de músicos e dançarinos criaram “shows” de música negra estilizada,

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oferecendo apresentações na Praça de Acho, em clubes noturnos e na televisão e no rádio. No final dos anos 50, Nicomedes Santa Cruz organizou um novo grupo formado principalmente por artistas que Durand tinha descoberto. Santa Cruz, conhecido em princípio como decimista, também havia começado sua carreira pública em associação como grupo Pancho Fierro. Em 1959 seu grupo “Cumanana”gravou seu primeiro álbum, dando-lhe reconhecimento como líder na promoção do folclore afro-peruano23(TOMPKINS,1981, p.50).24

Segundo Tompkins (1981), o desenvolvimento da música afro-peruana no século XX poderia se dividir em dois períodos: a primeira metade do século consistiria na quase desaparição das práticas musicais associadas exclusivamente aos afrodescendentes e a segunda metade do século XX compreenderia o renascimento das manifestações afro-peruanas. Este movimento foi iniciado por grupos e companhias como: La Cuadrilla Morena de Pancho Fierro, que foi a primeira agrupação a apresentar parte do repertório afro-peruano no Teatro Municipal 1956; Gente Morena, cujos integrantes pertenceram à companhia Pancho Fierro; o grupo Cumanana, formado pelo folclorista e pesquisador Nicomedes Santa Cruz, que no ano de 1959 gravou o primeiro disco de folclore afro-peruano, sendo considerado um dos maiores representantes da cultura afro-peruana; o Conjunto Nacional de Folclore, fundado em 1973 por Victoria Santa Cruz e patrocinado pelo Instituto Nacional de Cultura, era formado por quarenta e cinco dançarinos, quinze músicos, numerosos coreógrafos e equipe técnica, tendo apresentações semanais em Lima e ocasionalmente em diversas partes do mundo. Victoria Santa Cruz também criou a agrupação Teatro y Danzas Negras del Peru, que realizou apresentações em mais de 14 países, ela foi premiada em vários países pelo trabalho realizado como investigadora e coreógrafa e em 1961 ganhou uma bolsa do governo francês para estudar teatro e coreografia.

23

Tradução feita pela autora.

24 “Inspirándose en estos primeros intentos de popularizar la música afroperuana, pequeñas bandas de músicos

y bailarines crearon ‘shows’ de música negra estilizada, ofreciendo actuaciones en la Plaza de Acho, en clubes nocturnos o en la televisión y la radio. A fines de los años cincuenta Nicomedes Santa Cruz organizó un nuevo grupo formado principalmente por los artistas que Durand había descubierto. Santa Cruz, conocido en un principio como decimista, también había empezado su carrera pública en asociación con el grupo Pancho Fierro. En 1959 su grupo “Cumanana” grabó su primer álbum, dando a Santa Cruz reconocimiento como líder en la promoción del folklore afroperuano” (TOMPKINS, 1981, p.50).

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Figura 2- Teatro e Danças Negras do Peru, grupo da Victoria Santa Cruz. Fonte: SANTA CRUZ, Victoria. Teatro y Danzas Negras Del Peru. Homenaje al

cincuentenario de la Pontificia Universidad Católica Del Peru. Caretas, Editoriales Unidas, Lima, 1967.

1.3 FESTEJO E OUTROS GÊNEROS MUSICAIS AFRO-PERUANOS

Outras manifestações culturais afro-peruanas tiveram um desenvolvimento completamente diferente, como foi o caso dos festejos zamba malato, zamacueca, lando entre outros. Devido à perda de registros sonoros, houve mudanças não só na performance, mas também na reelaboração de novas estruturas a partir de lembranças da tradição oral e o processo criativo que ocorreu no próprio estúdio de gravação, assim definiram-se as características das “novas versões” desses gêneros musicais afro-peruanos, onde houve uma reconstrução e reinterpretação das formas musicais, dando-as uma estética cosmopolita.

Segundo o relato de Octavio Santa Cruz, músico, pesquisador e integrante da família Santa Cruz, sobrinho do folclorista Nicomedes Santa Cruz, na entrevista que me concedeu em Lima em 2018, algumas das reelaborações e reestruturações das músicas afro-peruanas que se cantavam antigamente foram recopiladas pelos irmãos Santa Cruz. Octavio Santa Cruz relatou o processo criativo ocorrido em relação à música Zamba Malato, que pertence ao primeiro álbum, Cumanana (1963), de Nicomedes e Victoria Santa Cruz, para o qual ele contribuiu na produção da arte dos cartazes e programações.

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No ano 1963, numa noite de gravação do álbum Cumanana (1963), que era um long

play, tínhamos que completar os minutos de um lado para que fosse igual ao outro

lado e faltava uma música... Nesse momento Nicomedes se lembrou da música que cantava quando criança “La zamba se pasea com la batea” (cantando). Começou a cantar e ensinou a cantora e demais músicos que estavam no estúdio de gravação. Adicionou mais texto, armaram o tema, o gravaram num take só. Quer disser, essa música foi coletada nos anos 1915-1920 e foi gravada no ano 1963... Praticamente uma recuperação desse canto. Existem músicas assim, recuperadas e reelaboradas em outro contexto 25 (SANTA CRUZ, 2018).26

Figura 3 - Entrevista realizada com Octavio Santa Cruz. Mostrando os documentos históricos das

apresentações da Victoria Santa Cruz.

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisa em Lima 17/02/2018.

Complementando este relato da entrevista, cabe mencionar como Nicomedes Santa Cruz desenvolveu a parte da estrutura musical e o acompanhamento do violão para a música “Zamba Malato”.

25

Entrevista concedida pelo senhor SANTA CRUZ, Octavio (2018). Tradução feita pela autora.

26 En el año 1963, una noche de grabación del álbum Cumanana (1963), que era un long play, teníamos que

completar los minutos de un lado para que sea igual al otro lado y faltaba una música... En ese momento Nicomedes recordó de la música que cantaba cuando era niño “La zamba se pasea con la batea” (cantando). Comenzó a cantar y le enseno a la cantante y demás músicos que estaban en el estudio de grabación. Aumento un texto más, amarraron el tema y lo grabaron en una toma. Quiere decir que, esa música fue recopilada en los años 1915-1920 y fue grabada en el año 1963... Prácticamente fue una recuperación de ese canto. Existen músicas así, recuperadas y reelaboradas en otro contexto (SANTA CRUZ, 2018).

(33)

E agora, o que coloco aqui? – se perguntava Nicomedes olhando suas anotações e o espaço vazio – O que colocamos que seja música de qualidade como a que há no álbum, e assim de antiga?». Nesse momento ficou pensativo e começou cantar:

A zamba se passeia... com a batea ... Landó Zamba Malató ... Landó

Zamba Malató …Landó Zamba Malató ... Landó...

Disse-lhe a o senhor Vicente Vasquez: «Compadre Coco! Procure você um acompanhamento... Que seja o mais negro possível e o mais antigo também! Que isso daqui é mais velho que todos nós juntos...»27 (SANTA CRUZ, 2015, p.31).28

Como Tompkins (1981) comenta que muito do repertório do festejo perdeu-se, já que no começo do século XX os gêneros afro-peruanos não tinham chegado ao auge e quase nunca eram interpretados nas apresentações e reuniões sociais. Os músicos afrodescendentes preferiam tocar outros gêneros musicais da música criolla, como marineras e valsas.

Deste modo, muito do vasto repertório do festejo ficou localizado, por meio da tradição oral, nas comunidades afrodescendentes como Ica, Chincha, Aucallama, Chancay, entre outras. No entanto, com o transcorrer do tempo a tradição oral ia se perdendo. É por isso que os pesquisadores e músicos foram a essas localidades para poder recuperar a tradição oral e, a partir disso, recriar e revitalizar o folclore afro-peruano. Nas últimas décadas do século XX o apogeu do festejo se deveu graças aos intérpretes afrodescendentes provenientes da costa centro sul do Peru, como Chancay, Aucallama, Canete e Chincha. Na maioria dos casos os músicos e pesquisadores das práticas musicais afro-peruanas encontraram alguns relatos dos mais velhos que lembravam somente fragmentos das músicas antigas, versos e frases. É por isso que muitas das músicas afro-peruanas têm o mesmo coro ou verso que se repete. Outras músicas, como é o caso de “Molino Molero”, tem uma história que coincide com o contexto histórico do século XIX e foi mantida pela tradição oral.

Possivelmente o festejo mais antigo ainda conhecido é “Molino Molero”, documentado pelo Jose Durand. A pessoa de quem aprendeu a música foi Bartola Sancho Davila, que, por sua vez, a aprendeu de sua tia Juana Irujo, que tinha sido escrava. Durand acredita que desde a

27 Tradução feita pela autora.

28«Y ahora, ¿qué pongo aquí? – se decía Nicomedes mirando sus anotaciones y el espacio vacío–.¿Qué ponemos

que sea música de calidad como la que ya hay en el disco, y así de antigua?». En eso se queda pensando y empieza a cantar: La zamba se pasea... con a batea ... Landó; Zamba Malató.... Landó; Zamba Malató ....Landó; Zamba Malató .... Landó. Y le dice a don Vicente:«¡Compadre (porque era su compadre). Compadre Coco!! Búsquele usted un acompañamiento...pero lo más negro que pueda, y lo más antiguo también! Que esto es más viejo que todos nosotros juntos...» (SANTA CRUZ, 2015, p.31).

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independência com San Martin ninguém podia nascer escravo, mas aqueles que tinham sido escravos antes de 1821 continuaram como tal até que o presidente Ramon Castilla os liberou. Portanto, Juana Irujo deve ter nascido antes da independência. Pelo que se deduz, esta música pode ter se originado durante as primeiras décadas do século XIX, senão antes (TOMPKINS, 1981, p.116).29

Figura 4- Transcrição da linha melódica da música “Molino Molero” (festejo). Fonte: Tompkins, 1981.

No começo do século XX, segundo os cronistas e a testemunha dos povoadores mais velhos das comunidades da Costa do Peru, a instrumentação do festejo era violão, voz e percussão. Em meados do ano de 1925, na fazenda San José (El Carmen), o instrumento de percussão, tambor de botija, foi substituído posteriormente pelo cajón (TOMPKINS, 1981).

Com o passar do tempo foi se adicionando outros instrumentos de percussão utilizados em outros gêneros afro-peruanos, como o son de los diablos, um dos gêneros mais antigos que data do século XVIII, registrados pelo pintor Pancho Fierro no ano 1830. Entre esses instrumentos incluem-se quijada de burro30, cajita,31cencerro32, entre outros. A origem da rítmica ainda não se sabe com certeza, mas muitos pesquisadores apontam que possivelmente uma das origens tenha derivado do sapateado, já que muitos dos cajóneadores são exímios

29Posiblemente el festejo más antiguo todavía conocido es “Molino molero”, recopilado por José Durand. Se lo

enseñó Juana Irujo, quien había sido esclava, a su sobrina Bartola Sancho Dávila. Durand razona que desde la independencia con San Martín nadie podía nacer siendo esclavo, pero aquellos que habían sido esclavos antes de 1821 continuaron como tales hasta que Castilla les dio la libertad. Por lo tanto, Juana Irujo debió nacer antes de la independencia. Por lo que se deduce que esta canción pudo haberse originado durante las primeras décadas del XIX, si no antes (TOMPKINS, 1981, p.116).

30 Queixo de burro: é um instrumento musical de percussão, idiofone, é utilizado em várias manifestações afro-americanas. Nas práticas musicais afro-peruanas tem uma forte presença.

31Cajita: Instrumento musical de percussão, idiofone, de madeira.

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