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2011 TALHARI - A INTERRUPCAO DE GESTACAO DE FETO ANENCEFALO E SUA CORRELACAO COM O INSTITUTO DO CRIME IMPOSSIVEL

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CAMPUS DE CACOAL

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DO CURSO DE DIREITO

SILVIO STANLEY TALHARI

A INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO E SUA

CORRELAÇÃO COM O INSTITUTO DO CRIME IMPOSSÍVEL

Trabalho de Conclusão de Curso Monografia

Cacoal - RO 2011

(2)

A INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO E SUA

CORRELAÇÃO COM O INSTITUTO DO CRIME IMPOSSÍVEL

Por:

SILVIO STANLEY TALHARI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR – Campus de Cacoal, como requisito parcial para grau final de Bacharel em Direito elaborada sob a orientação da Professora Mestre Elimei Paleari do Amaral Camargo

Cacoal - RO 2011

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Catalogação na publicação: Leonel Gandi dos Santos – CRB11/75 Talhari, Silvio Stanley.

T145i A interrupção de gestação de feto anencéfalo e sua correlação com o instituto do Crime Impossível/ Silvio Stanley Talhari – Cacoal/RO: UNIR, 2011.

f. 84

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal.

Orientadora: Profª. Msc. Elimei Paleari do Amaral Camargo

1. Direito penal. 2 Aborto. 3. Crime Impossível. 4. Anencéfalo I. Camargo, Elimei Paleari do Amaral. II. Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. III. Título.

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A INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO E SUA

CORRELAÇÃO COM O INSTITUTO DO CRIME IMPOSSÍVEL

Esta monografia foi julgada aprovada para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR – Campus de Cacoal, mediante apresentação à Banca Examinadora, formada por:

________________________________________________ Profª MSc. Elimei Paleari do Amaral Camargo

Orientadora

________________________________________________ Profª MSc. Maria Priscila Soares Berro

1º examinador (a)

________________________________________________ Prof. MSc. José de Morais

2º examinador (a)

Cacoal – RO 2011

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Dedico primeiramente a Deus, em que creio e que sempre está presente nos meus anseios.

Dedico a minha esposa Marta Regina da Silva Talhari e a minha filha Lizandra da Silva Talhari que sempre estiveram ao meu lado dando forças pra continuar, e é o amor que sinto por elas que me fez e faz seguir em frente.

Dedico também aos meus amigos e professores da faculdade que estiveram comigo nos cinco, longos, anos deste curso.

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Sou profundamente grato aos meus amigos que participaram da minha luta, e que por muitas vezes agiram como irmãos e professores. Agradeço a Deus por ter colocado no meu caminho, em específico, Alessandro, Adeildo, Anna, Diogo, Donizete, Genivaldo, Juliano, Leandro Gude, Messias, Muniz, Ronaldo, Torres e Wellinton, colegas de sala, não excluindo os demais. Estes amigos foram fundamentais, contribuindo direta e indiretamente.

Gostaria também de agradecer aos meus amigos em geral, os quais sempre contribuíram com estímulos e confiança na minha capacidade. Aos meus amigos policiais militares de Presidente Médici, pela paciência, apoio e compreensão.

Gostaria de expressar a minha profunda e eterna gratidão a minha esposa, que amo incondicionalmente, Marta Regina da Silva Talhari, que desde o início a acreditou e reconheceu meu esforço, dando-me méritos que nem eu acreditava possuir, e por diversas vezes me ajudou sempre de coração aberto. A minha filha, Lizandra da Silva Talhari, que por muitas vezes não teve a minha atenção e mesmo assim esteve ali me dando carinho e amor. Por fim, a minha mãe Jorlinda Ribeiro de Novais, que não teve a oportunidade de estudar, mas que hoje compartilha comigo, filho de seu ventre, a vitória que ela não teve oportunidade de conquistar.

Finalmente, agradeço a todos os professores e funcionários da Unir, Campus de Cacoal, pela atenção, respeito e compromisso profissional.

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“O que adquire sabedoria ama a sua própria

alma; o que conserva o entendimento prospera.”

Provérbios Cap.19, vers.8 – Bíblia Sagrada.

(8)

RESUMO

TALHARI, Silvio Stanley. A interrupção de gestação de feto anencéfalo e sua correlação com o instituto do Crime Impossível. 84 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso. Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal – 2010.

A incriminação do aborto tem uma única finalidade, proteger a vida do nascituro. Daí deriva a necessidade jurídica em determinar o momento exato em que o feto adquire a vida, assim como, o momento em que ocorre sua morte. A Lei 9.434/97, dispõe que considera-se morto, para fins de transplantes, quem tiver suas atividades cerebrais cessadas. O problema é aplicar este mesmo critério, especificamente, ao feto acometido de anencefalia, visto este não possuir cérebro. Por outro lado, o Código Penal nada expressa sobre a anencefalia, restando uma lacuna acerca do tema. Disso, resultam as divergências em saber se o Código Penal permite ou não a interrupção de gestação de feto anencéfalo, pois a depender do enquadramento jurídico que se der ao anencéfalo o ato do abortamento pode ser visto como crime impossível. A medicina, majoritariamente, posiciona-se a favor da interrupção, pois entende que a gestante deve ser protegida dos malefícios da gravidez. Outros estudiosos afirmam que o feto anencéfalo não é pessoa, portanto, não é protegido pelo CP, visto que o feto não tem expectativa de desenvolvimento, entendendo a vida como um processo. Assim, o feto não teria vida própria, mas apenas vida no aspecto biológico. Devido e esse contorno reproduzido nos tribunais é que chegou ao STF a ADPF nº 54, a qual clama por uma palavra final, se é ou não crime a interrupção de gestação de fetos anencéfalos. O método utilizado no desenvolvimento do trabalho foi o dialético, adotando-se o procedimento monográfico.

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ABSTRACT

TALHARI, Silvio Stanley. The interruption of gestation in anencephalic fetus and its correlation with the Institute of Impossible Crime. 84 pages. Completion of work the course. Federal University from Rondônia – Campus from Cacoal – 2010.

The criminalization of abortion has a single purpose, to protect the life of the unborn. Hence the legal necessity of determining the exact moment when the fetus acquires life, as well as the moment when death occurs. Law 9.434/97 provides that it is considered dead for transplants, who have their brain activity ceased. The problem is to apply the same criteria, specifically, the fetus afflicted with anencephaly, since it has no brain. On the other hand, the Penal Code says nothing about the anencephaly, leaving a gap on the subject. Addition, the differences result from whether the Criminal Code to permit the interruption of gestation anencephalic fetus, because depending on the legal framework that gives the anencephalic the act of abortion can be seen as a crime impossible. Medicine, mostly, it positions itself for the interruption, the belief that pregnant women should be protected from the harmful effects of pregnancy. Other scholars argue that the anencephalic fetus is not a person therefore is not protected by the PC, since the fetus has no expectation of development, understanding life as a process. Thus, the fetus would not have a life, but only in the biological life. Because this boundary and played in the courts is that Supreme Court came to the ADPF No. 54, which calls for a final word, whether or not a crime to interrupt gestation anencephalic fetuses. The method used in the development of this study was dialectical, adopting the procedure monograph.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 ABORTO ... 13

1.1 CONCEITO ... 13

1.2 BREVE HISTÓRICO DO ABORTO ... 14

1.3 BEM JURÍDICO PROTEGIDO ... 15

1.3.1 Início da vida ... 17

1.3. 2 Fim da vida - Morte ... 19

1.4 TIPOS DE ABORTO ... 24

1.4.1 Auto-Aborto e aborto consentido ... 25

1.4.2 Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante (CP, art. 125) ... 26

1.4.3 Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante (CP, art. 126) ... 27

1.5 ABORTO LEGAL. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (CP, art. 128) ... 28

2 ANENCEFALIA ... 31

2.1 ASPECTOS CONCEITUAIS ... 31

2.1.1 Eugenia ... 31

2.1.2 Anencefalia ... 32

2.1.3 Distinção entre feto malformado e feto inviável ... 33

2.2 CONSIDERAÇÕES MÉDICAS ... 33

2.2.1 Anencefalia e sua descrição ... 33

2.2.2 Diagnóstico da anencefalia ... 35

2.2.3 Causas da anencefalia ... 35

2.2.4 Incidência, prognóstico e tratamento da anencefalia ... 36

2.2.5 O Conselho Federal de Medicina e a Anencefalia ... 36

2.2.6 O Caso Marcela de Jesus ... 38

2.3 PRINCÍPIOS QUE RONDAM A QUESTÃO DA ANENCEFALIA ... 40

2.3.1 Direito à Vida ... 40

2.3.2 Legalidade, autonomia da vontade e liberdade ... 40

2.3.3 Dignidade da pessoa humana ... 41

2.3.4 Direito à saúde da gestante ... 44

2.4 CONSIDERAÇÕES MÉDICAS ACERCA DOS MALES CAUSADOS A GESTANTE ... 45

2.4.1 O Direito da gestante de interromper a gestação de feto anencéfalo ... 47

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3.1 A ANENCEFALIA NOS TRIBUNAIS ESTADUAIS ... 59

3.1.1 Argumentos contrários a interrupção de gestação de fetos anencéfalos ... 59

3.1.2 Argumentos favoráveis a interrupção de gestação de fetos anencéfalos... 62

3.2 A AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL ... 68

CONCLUSÃO ... 72

REFERÊNCIAS ... 76

OBRAS CONSULTADAS ... 80

ANEXO A FOTO DE FETO ANENCÉFALO ... 81

ANEXO B FOTO DE FETO ANENCÉFALO ... 82

ANEXO C FOTO DE FETO ANENCÉFALO ... 83

(12)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho fundamenta-se no interesse pessoal de conhecer os efeitos de uma gestação anencefálica no Brasil. Saber como os fetos e às gestantes são protegidos em sua saúde e como são tratados juridicamente.

Por outro lado, é importante discutir as implicações jurídicas, pois a anencefalia ultrapassa os limites legais, abrangendo aspectos dos mais diversos, como religiosos, filosóficos e médicos, dentre outros, de tal modo que o tema, pela sua relevância social, necessita de uma reflexão acadêmica muito além das barreiras jurídicas inflexíveis. A idéia da reflexão para uma nova concepção é a principal razão de expor a temática escolhida no meio acadêmico.

O presente trabalho parte da analise da definição de morte dada pela Lei nº 9.434/97, a Lei dos Transplantes, a qual no art. 3º ressalta que cessadas as atividades cerebrais a pessoa é considerada morta e, portanto, pode ter seus órgãos retirados. Este é o critério de morte adotado no Brasil – morte encefálica. O problema reside em saber se esse critério pode ou não ser aplicado ao feto acometido de anencefalia, já que ele não possui cérebro.

A depender da resposta seria possível examinar a questão sob dois aspectos. A primeira é a correlação com o instituto do crime impossível, pois se o anencéfalo não possui cérebro, poderia dizer que ele é um morto, juridicamente falando. Do segundo ponto de vista, considerar que o feto não é um morto poderia em tese dizer que a interrupção da gravidez configuraria o crime de aborto, tipificado nas hipóteses do Código Penal Brasileiro, artigos 124, 125 e 126.

Assim, se a mulher grávida de anencéfalo optar pela interrupção da gestação estaria praticando o crime de aborto ou estaria praticando a hipótese de crime impossível pela absoluta impropriedade do objeto, já que não se mata o que está morto? O crime de aborto protege a expectativa de vida do feto. O Anencéfalo

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não tem expectativa de vida. Seria ele protegido pela Lei?

O Código Civil Brasileiro, no artigo 2º, põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção. É uma garantia (resguardo) do nascituro para quando nascer não ter seus direitos perecidos. Mas e se o feto não tiver expectativa de vida para ser gozada?

Afinal, o feto anencefálico é pessoa ou apenas um organismo biológico (conjunto de células)? Vários autores divergem sobre a resposta. Se não for pessoa, mas apenas organismo então não haveria crime de aborto, pois seria um conjunto de células em processo de divisão. Haveria vida, mas não vida a nível de pessoa, mas vida apenas biológica (vegetativa).

Justifica-se a discussão porque há de se pensar nos efeitos da manutenção ou da antecipação do parto de fetos anencéfalos, tendo em vista que o feto anencéfalo não possui qualquer chance de vida extrauterina.

A relevância do problema é de suma importância para a sociedade, principalmente à família e à gestante, pois a mantença da gestação de feto anencéfalo pode caracterizar violação ao princípio da dignidade humana. Porém, a interrupção da gestação pode despertar a norma incriminadora da conduta. Não há resposta segura na lei, mas apenas conjecturas doutrinárias.

Discute-se a anencefalia na legislação, porém além do próprio feto anencéfalo existe também a condição da gestante, que é tão vítima da natureza quanto o feto. Por essa razão a gestante deve ser amparada, também, em regras constitucionais bastante explícitas tais como o direito à liberdade, em seu sentido mais amplo, o direito à autonomia da vontade, o direito à saúde (física, moral e psicológica), a proibição da prática de tortura e, sobretudo, o direito à dignidade da pessoa humana. A anencefalia por anos vem tendo tratamento diversificado nos tribunais inferiores, dificultando a criação de uma jurisprudência uniforme. Por esse motivo foi impetrada no Supremo Tribunal Federal a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54 – ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A ação pede ao STF para que deixe de ser considerado crime a antecipação do parto em caso de fetos anencéfalos.

O objetivo é trazer à tona a reflexão acerca da definição de morte da Lei nº 9.434/97 (morte encefálica) com o conceito de anencefalia, com vistas a clarear a possibilidade ou não da interrupção da gestação.

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adotando-se o procedimento monográfico, com a finalidade de confrontar pensamentos e informações, para se chegar à conclusão. As informações são amparadas em pesquisas bibliográficas de cunho qualitativo, doutrinas, jurisprudências pátrias, leis específicas, bem como artigos científicos e resoluções, concernentes ao assunto.

Para entendimento do tema serão examinadas todas as hipóteses de aborto, sejam as formas vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, como também, as formas permitidas. Além de destacar o bem jurídico protegido – vida -, e seu oposto a morte.

No capítulo referente à anencefalia, examina-se as implicações médicas (posicionamentos de médicos e entidades de classe) e legais, (no que tange a interrupção de gestação de anencéfalo não haver previsão expressa para sua realização). Além de que, são expostas as conseqüências físicas e psicológicas que podem afetar a gestante durante sua gravidez.

Ao final será demonstrado como o tema está sendo tratado nos tribunais, se há consenso ou não nas decisões proferidas e em que fase da discussão encontra-se a interrupção de gestação de feto anencéfalo.

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1 ABORTO

Neste capítulo serão examinadas todas as hipóteses de aborto, sejam as formas vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, como também, as formas permitidas. Além do mais, será dado destaque ao bem jurídico protegido – vida -, pois está é o objeto primordial a ser tutelado. O tema aborto é pressuposto introdutório ao tema do presente trabalho.

1.1 CONCEITO

O aborto é um tema polêmico por natureza, pois não há consenso nem mesmo no próprio nome. Divergem juristas e médicos ao conceituá-lo. Alguns dizem que o termo correto é abortamento (conduta de abortar), reservando o aborto ao produto morto ou expelido (NORONHA, 2003).

Prado (2004, p. 104), enfatiza que “O Código Penal brasileiro não define o que se entende por aborto. Trata-se de elemento normativo extrajurídico do tipo. A sua correta definição exige um juízo de valor empírico-cultural, feito, sobretudo, pelas ciências médicas e biológicas”.

Tratando-se de um conceito mais didático, Mirabete (2002, p. 93) ensina: “Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão.”

“O estágio da evolução do ser humano em formação não importa para a caracterização do delito de aborto” (PRADO, 2004, p. 105).

Ponto importante a se observar é o que se refere à expulsão do produto do aborto, visto que é desnecessária, ao contrário do que pensa Maggiore (apud NORONHA, 2003, p. 54), “Aborto é a expulsão do produto da concepção ainda não vital”.

Carrara (apud NORONHA, 2003, p. 54) afirma que “a destruição pode consumar-se, sem que, conquanto raramente, seja expulso o feto, como ocorre com a dissolução e a reabsorção do embrião, no início da gravidez; com sua mumificação, permanecendo ele no interior do útero; e calcificação (litopédio)” [grifo

(16)

do autor]. Prado (2004, p. 106) acrescenta:

O termo inicial para a prática do delito em exame é, portanto, o começo da gravidez. Do ponto de vista biológico, o início da gravidez é marcado pela fecundação. Todavia, sob o prisma jurídico, a gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, ou seja, com a sua fixação no útero materno (nidação).

Conclui-se, que para o cometimento do crime de aborto é pressuposto, indispensável, gravidez em curso, prova cabal de que o feto estava vivo e a relação direita ou indireta da manobras abortivas com o resultado morte do feto.

1.2 BREVE HISTÓRICO DO ABORTO

A prática do aborto, durante longo lapso temporal, não era visto como crime, sendo muito comum entre os povos hebreus e gregos. Em Roma, a Lei das XII Tábuas e a Lei da República não tratava do aborto, pois entendia que o produto da concepção era parte do corpo da mulher e não um ser autônomo. Cabia a mulher decidir se continuava ou não sua gestação (CAPEZ, 2008).

Posteriormente, o aborto passou a ser incriminado, pois feria o direito do marido à prole. Ou seja, “Sua incriminação foi justificada pela frustração das expectativas paternas quanto à sua descendência” (PRADO, 2004, p. 100).

Com o Cristianismo, conforme Capez (2008) o aborto passou efetivamente a ser reprovado socialmente, tendo os imperadores Adriano, Constantino e Teodósico reformado o direito e assimilado o aborto criminoso ao homicídio.

Capez (2008, p 120), em continuidade ao relato histórico do aborto, relata que na “Idade Média o teólogo Santo Agostinho, com base na doutrina de Aristóteles, considerava que o aborto seria crime apenas quando o feto tivesse recebido alma, o que se julgava ocorrer quarenta ou oitenta dias após a concepção, segundo tratasse de varão ou mulher.” “Esta percepção de Santo Agostinho não era seguida por outros teólogos como Basílio (374 d. C.), o qual afirmava que o aborto provocado era sempre criminoso.” (PRADO, 2004).

“No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante, mas apenas criminalizava a conduta de terceiro que realizava o aborto com ou sem consentimento daquela.” (CAPEZ, 2008, p. 120). “O

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fornecimento de meios abortivos era também incriminado, mesmo quando não realizado o aborto.” (PRADO, 2004, p. 101).

Capez (2008, p. 120) menciona que somente no “Código Penal de 1890, por sua vez, passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante.”

Finalmente, Delmanto (2010, p. 467) relata que o Código Penal de 1940 tipificou as seguintes condutas abortivas:

a. aborto provocado pela própria gestante ou auto aborto (art. 124, primeira parte); b. consentimento da gestante a que outrem lhe provoque o abortamento (art. 124, segunda parte); c. aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125); d. idem, com consentimento ou consensual (art. 126); e. aborto qualificado (art. 127); f. aborto legal (art. 128), que é impunível.

Do relato histórico percebe-se que a criminalização do aborto sofreu várias alterações legislativas no decorrer dos tempos. Estas mudanças de comportamento não foram pacificas. Sempre houve fortes argumentos contrários e a favor do aborto, o que persiste até os dias atuais. Exemplo é o caso da interrupção seletiva da gestação em que fetos apresentam malformações incompatíveis com a vida.

1.3 BEM JURÍDICO PROTEGIDO

O bem jurídico protegido pelo Código Penal pelos artigos 124, 125 e 126 é a vida humana em formação. É a vida intrauterina.

Mirabete (2002, p. 93) esclarece o que se entende por proteção:

Tutela-se nos artigos em estudo a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) existe um ser em germe, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico exclusivo e, ao menos nos últimos meses da gravidez, se movimenta e revela uma atividade cardíaca, executando funções típicas de vida. Protege-se também a vida e a integridade corporal da mulher gestante no caso de aborto provocado por terceiro sem seu consentimento.

Igual pensamento é apresentado por Prado (2004, p. 103) ao discorrer que: “tutela-se também – ao lado da vida humana dependente (do embrião ou do feto) – a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida.”

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“Existe um interesse ético-político do Estado na conservação da vida humana, como condição de vida e desenvolvimento do conglomerado social ou do povo politicamente organizado, ou ainda como condição de sua própria existência.” (NORONHA, 2003, p. 17).

Prado (2004, p. 103), acrescenta ensinando que a vida tem proteção constitucional, não importando o estágio de sua evolução. Segundo suas palavras:

O direito à vida, constitucionalmente assegurado (art. 5º, caput, CF), é inviolável, e todos, sem distinção, são seus titulares. Logo, é evidente que o conceito de vida, para que possa ser compreendido em sua plenitude, compreende não somente a vida humana independente, mas também a vida humana dependente (intra-uterina).

Estas afirmações deixam claro que a proteção jurídica recai sobre a vida. “É ela o bem supremo da pessoa e tanto basta para assegurar-se sua defesa e proteção” (NORONHA, 2003, p. 17).

Ribeiro (2004, p. 98 e 99) faz ponderações acerca da proteção jurídica dada pelo Código Penal:

[...] o Direito Penal, ao punir o aborto, está, efetivamente, punindo a frustração de uma expectativa, a expectativa potencial de surgimento de uma pessoa. Por essa razão, o crime de aborto é contra uma futura pessoa – nesse ponto reside a sua virtualidade -, não porque o Código Penal teria atribuído o status de pessoa ao feto – o que nem o Código Civil atribuiu -, mas porque o feto contém a energia genética potencial para, em um futuro próximo, constituir uma realidade jurídica distinta de seus pais, o que ocorrerá se for cumprido o tempo natural de maturação fetal e se o parto ocorrer com sucesso. Especificamente sobre o conceito de vida intra-uterina, não há divergência entre o Direito Penal e o Direito Civil. O Direito Civil não atribui o status de pessoa ao nascituro, mas apenas antecipa a eficácia da personificação para a preservação de alguns interesses, todos eles condicionados ao nascimento.

Nesse contexto, o bem jurídico-penal protegido pelo Código Penal no crime de aborto não é a energia do feto, fruto exclusivo da fusão genética parental que se chama vida. O Código não protege nem uma unidade nem uma identidade genética nova, assim como também não protege o ato santificado da fecundação. Isso significa que só a conduta que frustra o surgimento de uma pessoa tipificará o crime de aborto. Significa ainda que apenas o feto com capacidade fisiológica de ser pessoa pode também ser sujeito passivo do crime de aborto. E ser pessoa depende apenas do decurso do prazo de maturidade que se cumpre a cada instante da gestação e de um parto sem fatalidade.

Hungria (apud DINIZ, 2004, p. 102 e 103) esclarece que o “feto acometido de malformação somente deve ser protegido se houver potencialidade de ser

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pessoa. Assim, a interrupção de uma gravidez que não frustra o surgimento de uma pessoa não é proibida pelo Código Penal.” Nesse sentido expressa:

O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há [como] falar em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.

Portanto, no pensamento dos autores acima mencionados, o que a norma penal visa proteger é a vida na potencialidade de desenvolvimento e vivência.

Importante fazer a conexão dos pensamentos apresentados em relação aos fetos com anomalias incompatíveis com a vida – anencéfalos, visto que estes não possuem malformações físicas leves que destroem a aparência, mas um defeito que impossibilita potencialidade de vida extrauterina. Segundo as citações acima onde não há viabilidade de se tornar uma pessoa, não haveria proteção jurídica.

1.3.1 Início da vida

Para que se possa estabelecer o termo final da vida é pressuposto indispensável à análise de onde ela tem início. É por essa razão que Vieira (2006, p. 14), afirma e ao mesmo tempo indaga: “É fato que a vida é um processo, mas onde se inicia esse processo? Saber o momento em que a vida começa tem grande significado, por exemplo, para a utilização de embriões em pesquisas e até mesmo no que toca às questões envolvendo o aborto.”

É este marco divisor entre o surgimento da vida e a vida como um processo é que se definirá o momento em que a vida será protegida pelo ordenamento jurídico.

A Constituição Federal garante, em seu art. 5º, caput, a “inviolabilidade do direito à vida” (BRASIL, 1988), cláusula pétrea, ao passo que o Código Civil Brasileiro, em seu art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2002). Além disso, a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto n° 678 de

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06 de novembro de 1992, estabelece em seu art. 4º, I: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” (BRASIL, 1992, [grifo nosso]).

Visto que a proteção jurídica vem desde a concepção, não há um consenso sobre o momento inicial da vida, seja por razões científicas, religiosas ou jurídicas. Discutir em qual momento do desenvolvimento da vida uterina deve recair a tutela penal, é matéria extremamente controvertida.

Há divergências significativas sobre o início da vida humana (o momento da concepção, o momento da nidação, o momento da formação da crista neural ou ainda o momento em que a mãe, por ato de vontade, encara o feto como pessoa, e então lhe confere essa qualidade (FERRAJOLI apud FRANCO, 2004). Por esta razão é que várias teorias surgiram para explicar o momento exato em que a vida se manifesta. Discute-se também se a vida surge coincidentemente com a gravidez ou não. Delmanto et al. (2010, p. 468) simplifica e evidência as teorias mais importantes sobre o início da vida:

a. A vida inicia-se com a fecundação do óvulo, tornado ovo, e que começa a se desenvolver (de zigoto a blastócito, passando para os estágios embrionário e fetal), ainda que a fecundação ocorra em laboratório. Para essa corrente, há vida mesmo antes da gravidez [...].

[...]

b. A vida inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina, aproximadamente entre cinco a sete dias após a fecundação, salvo na hipótese de fecundação in vitro e implantação artificial.

[...]

c. A vida inicia-se a partir do momento em que o embrião tem batimentos cardíacos (entre 3 a 4 semanas).

d. A vida começa a partir do momento em que o feto tem impulsos cerebrais (aproximadamente após oito a nove semanas), estando o cérebro totalmente formado por volta da 10ª semana. Esse entendimento teria como respaldo normativo o fato de a Lei nº 9.434/97, ao tratar do transplante de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, estatui, em seu art. 3º, que o óbito se dá com o “diagnóstico de morte encefálica”.

e. A vida se inicia com o nascimento do feto vivo, com vida extrauterina autônoma (coincidindo o momento do início da vida com o do início da personalidade civil). Esta última posição encontra-se ultrapassada, mesmo porque o art. 2º do CC tutela os direitos do nascituro. [grifo nosso].

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a seguir, pois o que se diferencia é apenas o enfoque dado ao mesmo fato. Noronha (2003, p. 55) descreve as fases da gravidez:

Da cópula ao nascimento do novo ser, há várias fases que assim se apresentam: a) coito ou fecundação externa; b) conjunção nas vias genitais femininas (útero ou trompas) de um espermatozóide com um óvulo maduro e fecundável (fecundação interna); c) fixação do óvulo fecundado na mucosa uterina já preparada para recebê-lo (aninhamento); d) segmentação e desenvolvimento do ovo aninhado até à maturidade do produto da concepção (gravidez); e) expulsão do feto a termo (parto). Embora, sob o ponto de vista médico, gravidez seja mais propriamente o período que decorre entre a terceira e a quinta fases, sob o aspecto jurídico ela vai desde a fecundação até o início do parto. [grifo do autor]

Quando se indaga a origem da vida sob a ótica religiosa também há entendimentos diversos. Papaleo (2000, p. 78) afirma que “Predomina a opinião de que a pessoa exista desde o primeiro instante da fecundação, donde se conclui que, nesse entendimento, o aborto ocorreria a qualquer momento a partir daí.”

Há, todavia, opiniões não exatamente coincidentes com esta precoce instalação da pessoa, como pondera Haering (apud PAPALEO, 2000, p. 79): “Alguns estudiosos de ética e moralistas julgam-se bastante certos ou estão convencidos de que na fase primária entre a fecundação e o implante não se pode ainda falar de pessoa humana”. Segre (apud VIEIRA, 2006, p. 14) evita discussões e aduz que “a essência da vida está na subjetividade, na forma como cada um a percebe e, portanto, ela é indefinível, e sua experiência inefável”

Em que pese à importância da discussão sobre o início da vida, ela não é significante para a propositura deste trabalho. O importante é estabelecer o momento da morte. Estabelecido a morte deixa de existir vida. Isso basta. A Lei 9.434/97 estabeleceu o momento em que a morte evidencia-se, com a cessação das atividades cerebrais (BRASIL,1997).

1.3.2 Fim da vida – morte

É difícil afirmar em que momento a morte pode ser evidenciada. Por causa disso, vários critérios são usados, ou seja: “Morte clínica – que ocorre com a paralisação da função cardíaca e da respiratória -, a morte biológica – que resulta da destruição molecular – e a morte cerebral – que ocorre com a paralisação das

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funções cerebrais.” (CAPEZ, 2008, p. 16). De acordo com o Dicionário Médico Blakiston (apud CAPEZ, 2008, p. 16), a morte cerebral consiste:

[...] na parada das funções neurológicas segundo os critérios da inconsciência profunda sem reação a estímulos dolorosos, ausência de respiração espontânea, pupilas rígidas, pronunciada hipotermia espontânea (temperatura excessivamente baixa), e abolição de reflexos.

Muitas são as discussões jurídicas sobre a definição de conceitos como a vida, morte, ser humano. Tais nomenclaturas são emprestadas da biologia e da medicina e, portanto, compete às ciências dar-lhes significado.

A magistrada alemã Limbach (apud FREITAS, 2011, p. 21) põe termo às discussões jurídicas quando aduz: “A ciência do Direito não é competente para responder a questão a respeito de quando começa a vida humana.” Se o Direito não é competente para conceituar o início, também é incompetente para conceituar a morte, conforme a magistrada. Esta afirmação é restrita ao ramo da ciência biológica e médica. Porém, Franco vai mais além:

Nenhuma tomada de posição mostra-se adequada se não se partir de uma consideração básica: vida e morte constituem um processo contínuo, gradual e complexo, não um episódio isolado e, como um processo, tem um desenrolar encadeado no tempo. É evidente, assim, que o conceito de vida ou de morte se insere num dado momento desse desenvolvimento biológico, mas aí não se cuida mais de um conceito de biologia ou de medicina e, sim, de algo que ultrapassa esses limites e chama à colação a filosofia, a ética, a lei e a própria sociedade (2005, não paginado).

Em que pese os posicionamentos contrários, parece mais acertado o posicionamento que confere às ciências biologias e médicas a definição de morte, visto que o corpo é composto de matéria e não basta apenas um conceito de cunho filosófico ou ético, mas sim a constatação física, que somente as ciências biologias e médicas têm condições e meios de evidenciar.

Destarte, que não se pode deixar de lançar mão de conceitos filosóficos e culturais. Na verdade há um entrelaçamento de conhecimentos, restando às ciências biológicas e médicas a última palavra.

Assim, vê-se que estabelecer um conceito não é uma tarefa de fácil aceitação entre as ciências, e, por causa destas contradições, é que as ciências médicas deixaram de lado a discussão dos conceitos e partiram para a definição dos

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critérios de identificação da morte até como forma de política médica, como relata Franco:

Ora, desde o informe, de l968, do Comitê da Escola de Medicina de Harvard, o coração deixou de ser o órgão central da vida e a falta de batimentos cardíacos, a representação da morte. Elegeu-se, em substituição, o cérebro, de forma que a morte passou a ser definida como a abolição total da função cerebral (whole brain criterion), o que "importa a perda da função integradora do organismo como um todo, por parte do sistema nervoso central e inclui o comprometimento de todo o encéfalo, do tronco encefálico e de outras funções neocorticais” (MARTINEZ, 2000, P. 663). A partir da nova definição de morte, estabeleceu-se um limite na assistência dada a pacientes propiciando um inquestionável progresso na área da transplantação (2005, não paginado).

Esta é a definição de morte estabelecida pela medicina e adotado atualmente no ordenamento jurídico brasileiro. Está expresso na Lei de Transplantes de Órgãos - Lei 9.434/97, art. 3º (BRASIL, 1997):

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina [Grifo nosso].

“O conceito de morte neurológica como morte da pessoa é amplamente aceito no mundo, por médicos, teólogos e público em geral, não tendo mudado desde que foi pela primeira vez utilizada.” (PENNA, 2005, não paginado). Becker (2007, p. 221), contudo, pondera que “isso não significa que os demais tecidos e órgãos estejam mortos. A morte encefálica simplesmente atesta a total impossibilidade de vida como indivíduo. Se assim não fosse, não seria lícito retirar um coração pulsante de um indivíduo para transplante.”

Franco (2005, não paginado) apesar de entender que o critério de morte encefálica seja o melhor critério aponta ponderações ao se utilizar o método para diagnosticar a morte do anencéfalo:

Ao contrário de quem se encontra em estado vegetativo permanente, o anencéfalo não tem o próprio cérebro (hemisférios cerebrais e córtex), o que exclui que se possa, em sua relação, adotar o critério da morte cerebral mesmo que tal critério, apesar das restrições que lhe são movidas, tenha embasamento legal. Seria um verdadeiro contra-senso reconhecer a morte

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cerebral de quem não tem, materialmente, cérebro.

O doutrinador acima mencionado propõe outro critério para confirmar a morte no caso específico da anencefalia: “Dá-se, então suporte à teoria da morte neocortical (high brain criterion).”. Esclarece ainda mais Gherardi (apud FRANCO, 2005) o qual "abandona completamente o sentido puramente biológico da vida e prioriza em seu lugar os aspectos vinculados à existência da consciência, afetividade e comunicação, como expressão de identidade da pessoa.” Penna (2005, não paginado) finaliza o raciocínio ao asseverar que: “Trata-se, portanto, de ausência de consciência. Assim, a morte da pessoa corresponde à impossibilidade de retorno da consciência.”

Referidas afirmações querem dizer que no momento em que a consciência foi abolida não há que se falar mais em vida da pessoa, mas apenas em vida biológica de um corpo. Diniz (apud FRANCO, 2004, não paginado) finaliza: “Destarte, os pacientes em estado neurológicos intermediários – e, em particular a anencefalia – que não atendem aos requisitos da morte cerebral, mas se enquadram: perspectiva da morte neocortical, não podem ser considerados como tecnicamente vivos.”

Diniz (2011, p. 74), ao discorrer sobre anomalia fetal incompatível com a vida, vai mais adiante e afirma que na “ausência da vida ou na ausência da potencialidade da vida, não há pessoa, apenas coisa e, o mais importante: o princípio do direito à vida perde o objeto de proteção, que é a própria vida.”

Gherard (apud FRANCO, 2005) em um simpósio internacional relatou o fato de um amigo ainda viver apenas biologicamente, porém sem consciência: “Quando meu amigo Jones perdeu estas características identificadoras de si mesmo, disse Wikler, Jones realmente morreu para mim embora o corpo que o abrigava devia ainda ser definido como biologicamente vivo”.

No mesmo sentido que Gherard, Capez (2008, p. 16) lembra que: [...] há casos em que, mesmo após a morte cerebral, órgãos vitais continuam funcionando, havendo, inclusive, exemplo de gestante que chegou a dar à luz nessas condições” Capez afirma ainda que o critério de morte encefálica é o melhor critério ao escrever: “ [...] com a destruição irreversível das células e do tecido encefálico, não mais há a mínima condição de vida, embora possa o corpo vegetar por algum tempo ainda.”.

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Mesmo não falando expressamente da anencefalia é, possivelmente, um caso em que se enquadraria o feto anencéfalo.

Apontando a diferenciação de organismo biológico vivo e pessoa e sua repercussão na morte comenta Penna (2005, não paginado):

Como conceito, a morte neurológica é a morte da pessoa, a impossibilidade de consciência. Como morte é irreversível. A manutenção do organismo biologicamente ativo é realizada artificialmente com o auxílio de drogas e máquinas (respirador). Usamos o termo biologicamente ativo para evitar o termo vivo, e a aparente contradição entre pessoa morta e organismo vivo.

E continua seu raciocínio exemplificando:

Todos os dias células de nossos corpos morrem e outras se reproduzem. Como exemplo, ao produzirmos uma cultura de células humanas in vitro, teremos sem dúvida células humanas vivas. No entanto, não temos aí uma pessoa ou um indivíduo sujeito de direitos, apesar da singularidade do DNA do indivíduo (espécime de Homo sapiens sapiens) que forneceu as primeiras células para a cultura e também da possibilidade teórica de o núcleo dessas células ser usado numa clonagem, gerando aí uma pessoa.

A terminologia empregada quando se trata de morte neurológica é importante, já que o conceito de células e tecidos vivos não corresponde ao conceito ético e filosófico de vida humana.

Finalizando os comentários acerca da vida puramente biológica, assim caracterizada pela ausência de consciência, o geneticista Walter Pinto (apud VIEIRA, p. 14) explica que: “a célula retirada de um tecido vivo pode se multiplicar diversas vezes, se colocada no meio apropriado de temperatura e oxigênio, e guarnecida por vitaminas, sais, aminoácidos etc. É vida, mas não vida própria.”

A divisão da vida sob dois aspectos – vida pessoa e vida biológica – não é unânime. Um pequeno trecho da obra de Marques (2011, p. 68), a qual não admite a morte do anencéfalo, dá pra resumir a diversidade:

Além disso, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil, em seu art. 4º, I, caminhando no mesmo sentido que a legislação brasileira estabelece que: “Toda pessoa tem direito a que se respeite a sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Portanto, segundo o Pacto, o início da vida ocorre desde o momento da concepção.

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pessoa e vida biológica – proposta pelos autores acima citados, pois a vida não comporta esta divisão. Por isso a proteção vem desde a concepção, quando ainda (a vida) existia a nível embrionário e, portanto, não há que se falar em morte enquanto houver a vida biológica (com ou sem consciência).

Assim, o critério adotado pelo ordenamento jurídico pátrio é a morte encefálica. Entretanto, é necessária a reflexão acerca do que é morte no sentido da inexistência da pessoa e da inexistência do corpo como organismo vivo.

1.4 TIPOS DE ABORTO

O aborto pode ser espontâneo ou induzido. São várias as causas e os motivos que podem levar a que uma gravidez seja interrompida, quer espontaneamente, quer por indução.

O aborto pode ser natural, acidental, criminoso, legal ou permitido. O aborto natural e o acidental não constituem crime. No primeiro caso, há interrupção espontânea da gravidez. O segundo geralmente ocorre em conseqüência de traumatismo, como, v. g., a interrupção da gravidez causada por queda (JESUS, 1999, p. 115).

A doutrina e a jurisprudência reconhecem várias espécies de aborto, dentre as quais destaca-se:

a) aborto terapêutico o qual Capez (2008, p. 134) conceitua como sendo “[...] a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexistir outro meio para salvá-la.”; b) aborto social ou econômico, denominado por Jesus (2008, p. 140)

como aquele “[...] permitido em casos de família numerosa, para não lhe agravar a situação social.” O ordenamento jurídico brasileiro não admite esta espécie de aborto; e

c) aborto por indicação eugênico ou eugenésico cuja “indicação permite o aborto quando existam riscos fundados de que o embrião ou o feto sejam portadores de graves anomalias genéticas de qualquer natureza ou de outros defeitos físicos ou psíquicos decorrentes da gravidez.” (PRADO, 2004, p. 117). Assim como o abordado no item anterior, esta espécie não

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é permitida no Brasil.

Ainda no que tange ao aborto por indicação eugênico, convém enfatizar o apregoado por Mirabete e Fabbrini (2008a, p. 70):

Há, entretanto, uma tendência à descriminalização do aborto eugenésico em hipóteses específicas. Com o válido argumento de que não se deve impedir o aborto em caso de grave anomalia do feto, que o incompatibiliza com a vida, de modo definitivo, já se têm concedido centenas de alvarás judiciais para abortos em casos de anencefalia (ausência de cérebro ou má formação do cérebro) (RT 756/652, JTJ 232/391, 239/375, JCAT 83-84/699,

RDJ 22/264) [...]. A inviabilidade da vida extra-uterina do feto e os danos

psicológicos à gestante justificam tal posição, apoiando-se alguns na tese da existência da possibilidade de aborto terapêutico e outros no reconhecimento da excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa.

O Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940), ao tratar do aborto criminoso, elegeu as seguintes figuras típicas:

a) auto-aborto (CP, art. 124, 1ª parte);

b) fato de a gestante consentir que outrem lhe provoque aborto (art. 124, 2ª parte);

c) provocação de aborto sem o consentimento da gestante (art. 125); d) provocação de aborto com o consentimento da gestante (art. 126); e) aborto qualificado pela lesão corporal ou morte da gestante (art. 127). Concernente às causas de aborto legal, estas se dividem em aborto necessário ou terapêutico (128, I) e aborto sentimental, humanitário ou ético (art. 128, II) (BRASIL, 1940).

1.4.1 Auto-Aborto e aborto consentido

O artigo 124 do CP está dividido em duas hipóteses incriminadoras: a primeira parte prevê o denominado auto-aborto, por intermédio de meios executivos químicos, físicos ou mecânicos a gestante provoca em si mesma a interrupção da gravidez. Nesta hipótese cuida-se de delito próprio, isto é, “autora é a gestante, sendo o produto da concepção o sujeito passivo.” [...] “Exige-se prova de vida do sujeito passivo imediato. “(JESUS, 1999, p. 118).

A segunda parte do citado dispositivo disciplina o aborto consentido, que ocorre quando a gestante consente que outrem provoque o aborto em si própria.

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Nesta hipótese, segundo Damásio E. de Jesus (1999, p. 118) “autor pode ser qualquer pessoa, havendo dupla subjetividade passiva: feto e a gestante.”

Quanto ao enquadramento jurídico do terceiro (ajudante) da segunda figura do artigo 124, Capez (2008, p. 128) entende que “nesta hipótese, responderá pelo delito do art. 124 do CP a título de partícipe, se induzir, instigar, auxiliar, pagar, acompanhar etc.” Este também é o pensamento de Delmanto (2010, p. 469) que acrescenta: “Todavia, quem pratica os atos materiais do aborto incorre nas penas do art. 126 (aborto com consentimento da gestante ou consensual).”

Prado (2004, p. 111), por sua vez esclarece as colocações anteriores ao fazer a seguinte explanação:

A co-autoria não é, portanto admissível no auto-aborto. O terceiro que realiza o aborto consentido pela gestante é autor do delito previsto no artigo 126. Não obstante, a participação é perfeitamente possível. Faz oportuno consignar a seguinte distinção: se o partícipe induz, instiga ou auxilia a própria gestante a realizar o aborto em si mesma ou a consentir que outrem o faça, responde pela participação no delito do artigo 124; porém, se concorre de qualquer modo para a provocação do aborto por terceira pessoa, responderá como partícipe do crime do artigo 126 do Código Penal.

Para quem não admiti a co-autoria, por ser crime de mão própria, é possível o concurso de pessoas na modalidade de participação, quando, por exemplo, alguém induz a gestante a consentir que terceiro lhe provoque o aborto (CAPEZ, 2008). Noronha (2003, p. 61) é enfático e observa que quem auxilia a gestante a praticar o aborto “será co-autor do crime, ex vi do art.29.”

1.4.2 Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante (CP, art. 125).

Provocar o aborto sem o consentimento da gestante significa dizer que ela não tinha o conhecimento da gravidez ou desconhecia que estava sendo submetida a um meio abortivo.

Prado (2004, p. 111) observa que: “Exemplos característicos de fraude são aqueles em que o agente ministra à mulher grávida substância abortiva ou nela realiza intervenções cirúrgica para a extração do feto sem o seu conhecimento.” Delmanto (2010, p. 469) por sua vez traz a seguinte classificação para o instituto em

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exame: “Comporta duas formas: a. não concordância real (violência, grave ameaça ou fraude); b. não concordância presumida (menor de 14 anos, alienada ou débil mental)”.

Prado (2004) faz questão de explicar o significado da expressão do artigo 125 do CP “sem o consentimento”, pois a falta de consentimento pode ocorrer de duas formas: quando a gestante tenha mostrado – por palavras ou atos – contrária ao aborto ou quando desconhecia a própria gravidez ou o processo abortivo em curso.

1.4.3 Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante (CP, art. 126).

Esta é uma forma menos severa de punição, pois no caso, a gestante, tem completa ciência do que está fazendo ou está a fazer.

Assim, se o terceiro realiza as manobras abortivas com o consentimento – expresso ou tácito, desde que inequívoco – da gestante, responderá aquele pelo delito previsto no artigo 126, enquanto esta incorrerá nas penas do artigo 124, 2ª parte, do Código Penal (aborto consentido) (PRADO, 2004, p. 121).

É necessária a capacidade da gestante, pois do contrário estará caracterizado a hipótese do parágrafo único do art. 126. Acerca da capacidade explica Jesus (1999, p. 121):

É necessário que a gestante tenha capacidade para consentir, não se tratando de capacidade civil. Neste campo, o Direito Penal é menos formal e mais realístico, não se aplicando as normas do Direito Privado. Leva-se em conta a vontade real da gestante, desde que juridicamente relevante.

Se por um lado o caput do artigo 126 elenca as hipóteses de consentimento válido, o parágrafo único do mesmo artigo elenca a hipótese do consentimento inválido.

Se, ao contrário, a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o seu consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça o violência, o fato é atípico diante da norma que descreve o aborto consensual, adequando-se à definição do crime do art. 125 do CP, nos termos do que preceitua o art. 126, parágrafo único (DAMÁSIO E. de JESUS, 1999, p. 121).

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Assim, nas hipóteses do parágrafo único do artigo 126, restará configurada a ausência de consentimento e, portanto, verificada a previsão do artigo 125: “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante”.

1.5 ABORTO LEGAL. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (CP, art. 128).

Nos termos do art. 128 do Código Penal, não se pune o aborto praticado por médico:

I. se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No inciso I, do art. 128 ocorre o chamado pela doutrina de “aborto necessário” e tem natureza terapêutica. Neste caso há dois bens jurídicos em perigo (a vida do feto e a vida da genitora), de modo que a preservação da vida da genitora depende da destruição do outro (vida do feto). A escolha de qual bem jurídico deve prevalecer faz parte da política criminal legislativa, donde se entende que o feto é um bem jurídico menor em relação à vida da mãe.

Noronha (2003, p. 63 e 64) critica a técnica utilizada na redação do referido artigo:

Segundo cremos, não é das mais felizes a redação do art. 128. Se o fundamento do inc. I é o estado de necessidade, e o do II ainda o mesmo estado, conforme alguns, ou a prática de um fato lícito, não nos parece que na técnica do Código se devia dizer “não se pune...”. Dita frase pode levar à conclusão de que se trata de dirimente ou de escusa absolutória, o que seria insustentável. Em tal hipótese, a enfermeira que auxiliasse o médico, no aborto, seria punida. Nos incisos do art. 128, o que desaparece é a ilicitude ou antijuridicidade do fato, e, consequentemente, devia dizer-se: “Não há crime”. [grifo do autor].

Consoante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual. Neste sentido “Basta que a gravidez trará risco futuro para a vida da gestante, que pode advir de causas várias, como, exemplo, câncer uterino, tuberculose, anemia profunda, leucemia, diabetes” (CAPEZ, 2008, p. 134). Importante observar que não basta apenas o risco a saúde

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da gestante, mas a constatação médica de que a doença detectada acarretará risco de vida da mulher grávida.

Jesus (1999, p. 124) simplifica: “aborto necessário só é permitido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Assim, subsiste o delito quando provocado a fim de preservar a saúde”. Noronha (2003, p. 64) reforça a afirmativa de Jesus ao arrematar: “Força é convir, entretanto, que muita vez, [sic] não sacrificar um é sacrificar os dois.”

Hungria (apud CAPEZ, p. 135) faz a seguinte observação sobre a intervenção médica:

É dispensável a concordância da gestante ou do representante legal, podendo o médico intervir à revelia deles, até porque muitas vezes a mulher se encontra em estado de inconsciência e os familiares podem ser impelidos por motivos outros, como o interesse na sucessão hereditária, no momento de decidir sobre o sacrifício da vida da genitora ou do feto.

A intervenção do médico não exige autorização judicial, pois ao médico cabe a responsabilidade de dizer se deve ou não sacrificar a vida biológica do feto. Porém, por prudência, o médico deve obter o parecer de outro colega ou colegas, sem que isto seja um imperativo.

No inciso II, do art. 128 do CP, ocorre o chamado pela doutrina de ”sentimental, humanitário ou ético”. É o aborto realizado por médico nos casos de gravidez resultante de violência sexual – estupro (BRASIL, 1940).

O estupro, segundo o artigo 213 do Código Penal, é “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL, 1940).

“Ao contrário do aborto necessário, o aborto sentimental necessita de prévio consentimento da gestante ou, quando incapaz, do seu representante legal. Recomenda-se para segurança do médico, que este obtenha o consentimento da mulher ou de seu representante legal, por escrito ou na presença de testemunhas idôneas.” (DELMANTO, 2010, p. 470).

Capez (2008, p. 136) faz considerações acerca do consentimento e da prova do estupro:

A lei não exige autorização judicial, processo judicial ou sentença condenatória contra o autor do crime de estupro para a prática do aborto

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sentimental, ficando a intervenção a critério médico. Basta prova idônea do atentado sexual (boletim de ocorrência, testemunhos colhidos perante a autoridade policial, atestado médico relativo às lesões defensivas sofridas pela mulher e às lesões próprias da submissão forçada à conjunção carnal).

Vários são os entendimentos em relação à autorização legal. Defendem alguns não ser humano impor à mulher manter em suas entranhas um ser que não é gerado pelo amor, que só lhe recorda o momento de pavor que viveu, como desumano também será impor-lhe alimente e crie esse ente (NORONHA, 2003).

Manzini (apud NORONHA, 2003, p. 66) vê na espécie, ainda “estado de necessidade, porque as conseqüências danosas do estupro (a gravidez) constituem a permanência da causa criadora do perigo atual de um grave dano à pessoa.”

Noronha (2003, p. 66) prossegue relatando os entendimentos sobre a justificativa do aborto “Outros, entretanto, impugnam a prática, argumentando que a origem delituosa de uma vida não pode justificar sua destruição, cabendo ao Estado a criação do filho. Acrescentam ser a ação dirigida contra quem nenhuma culpa teve”.

Por fim Capez (2008, p. 135) arremata: “O Estado não pode obrigar a mulher a gerar um filho que é fruto de um coito violento, dados os danos maiores, em especial psicológicos, que isso lhe pode causar.”.

Observa-se que o legislador conferiu à mãe o direito de preservar sua dignidade e seu livre arbítrio, além de se ver livre de um prejuízo psíquico, mesmo que em desfavor da vida de um feto, e, portanto, de uma futura criança, saudável e que não tem culpa da forma como foi concebida.

Como se vê, uma grande contradição em nosso ordenamento diante da celeuma envolvendo o aborto de feto anencéfalo que não tem expectativa de vida [...], ao contrário do feto saudável fruto de violência sexual, amplamente aceito (DELMANTO, 2010, p. 470).

Percebe-se que em ambos os casos relacionados anteriormente, sempre o legislador tentou proteger a vida humana, especificamente a da gestante, por se tratar de bem maior.

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2 ANENCEFALIA

No presente capítulo será desenvolvida toda a problemática que circunda a interrupção de gestação de fetos acometidos de anencefalia, quais sejam suas implicações médicas (posicionamentos de médicos e entidades de classe) e legais, (no que tange a interrupção de gestação de anencéfalo não haver previsão expressa para sua realização). Além de que, serão expostas as conseqüências físicas e psicológicas que podem afetar a gestante durante sua gravidez.

2.1 ASPECTOS CONCEITUAIS

São conceitos preliminares obrigatórios à compreensão dos termos empregados, tanto jurídicos como médicos, já que facilitará a interpretação do que será exposto.

2.1.1 Eugenia

O termo Eugenia foi criado por Francis Galton (1822-1911) (apud GODIM, 1998, não paginado) que o definiu como: “O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. O termo foi criado quando Galton defendia em sua obra a idéia de que a inteligência era herdada e não fruto da ação ambiental.

Capez (2008, p. 137) conceitua o aborto eugenésico como sendo aquele:

[...] realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. Não é permitido pela nossa legislação e, por isso, configura o crime de aborto, uma vez que, mesmo não tendo forma perfeita, existe vida intra-uterina, remanescendo o bem jurídico a ser tutelado penalmente.

A eugenia não é bem vista, pois carrega forte conteúdo discriminatório, cuja significação é a purificação de raças. A vida sendo viável deve ser defendida, não importa se há malformações. Este é o preceito fundamental estabelecido no art. 5º

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da Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 1988).

2.1.2 Anencefalia

A discussão sobre o aborto do feto anencéfalo tem que passar, necessariamente, por uma melhor compreensão do que vem a ser a anencefalia. Lazarini Neto (2007, p. 381) descreve o fenômeno da anencefalia:

A anencefalia (do grego an = sem; enkepalos = cérebro), ou seja, “sem cérebro”, é anomalia congênita, uma anormalidade do desenvolvimento do embrião e do feto, constituindo-se, pois, em gravíssimo problema do sistema nervoso, advindo assim uma anomalia resultante de um defeito do tubo neural do embrião. Essa anomalia. Letal, ocorre entre o 20º e o 28º dia após a concepção, entre a terceira e a quarta semana do desenvolvimento do feto.

Aproximadamente 75% dos fetos afetados morrem dentro do útero,

enquanto que, dos 25% que chegam a nascer, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto dentro da primeira semana (PONTES, 2005, não paginado).

Diniz e Ribeiro (2004, p. 102 e 103) fazem a seguinte observação:

Na anencefalia, não há estruturas cerebrais (hemisférios e córtex), havendo apenas o tronco cerebral. Há ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida, relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as funções dependentes da medula espinhal.

A revogada resolução nº 1.752/2004 do Conselho Federal de Medicina (BRASIL, 2004) já no seu primeiro considerando definia o anencéfalo como um natimorto cerebral:

CONSIDERANDO que os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto, quando muitos órgãos e tecidos podem ter sofrido franca hipoxemia, tornando-os inviáveis para transplantes;

Seja como for, o quadro neurológico do anencéfalo é 100% fatal. Não há no Brasil relato de feto anencefálico que tenha sobrevivido por mais que horas ou

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alguns dias.

2.1.3 Distinção entre feto malformado e feto inviável

A distinção de feto malformado formação leve) de feto inviável (má-formação grave) é a sua intensidade. Nucci (2008, P. 621) percebe a importância em revelar essa diferenciação e por isso cita nas palavras de Alfredo Farhat:

É preciso que se distinga desde logo, que inúmeras malformações quando de pequeno vulto, são compatíveis com a vida. É o que acontece com o lábio leporino, a goela de lobo, ausência de membros, pés tortos, sexo dúbio, inversões viscerais etc. Outras vezes, a monstroosidade é de tal sorte que pode impedir a vida. Registram-se a evisceração do tórax e do abdome, a encefalia [sic], a ausência de cabeça, fusão de membros, duplicidade de cabeça, anomalias de grandes vasos, isso tratando-se de monstros unitários.

A consequência de tais distinções é justamente a viabilidade ou não. O feto com má-formação grave é inviável e, portanto, não guarda compatibilidade com a vida, já que todos os recursos científicos disponíveis são inúteis a sua reversibilidade. Exemplo é a anencefalia.

As malformações leves são compatíveis com a vida, porém muitas vezes a sua qualidade de vida apresentará algumas limitações. Essas malformações em muitos casos têm à sua disposição meios científicos aptos a melhorar a qualidade de vida ou até mesmo sua reversão.

2.2 CONSIDERAÇÕES MÉDICAS

As considerações médicas partem da análise feita por diversos profissionais médicos e estudiosos do assunto, na qual apresentam seus fundamentos científicos acerca da anencefalia, assim como os efeitos que a gestação provoca na gestante.

2.2.1 Anencefalia e sua descrição

(36)

anencefalia ao afirmar que:

A anencefalia é um defeito congênito decorrente do mau fechamento do tubo neural que ocorre entre o 23 e 28 dias de gestação. Trata-se de um problema da embriogênese que ocorre muito precocemente na gestação, causado por interações complexas entre fatores genéticos e ambientais.

Franco (2004, não paginado) complementa ao esclarecer que:

A anencefalia caracteriza-se pela ausência de uma grande parte do cérebro, pela ausência de pele que teria que encobrir o crânio na zona do cérebro anterior, pela ausência de hemisférios cerebrais e pela exposição exterior do tecido nervoso hemorrágico e fibrótico.

Segundo a "National Institute of Neurological Disorders and Stroke", traduzido por Fontes (2008, não paginado) a anencefalia é:

[...] uma desordem cerebral que resulta de defeito no tubo neural. Quando o feto sofre de anencefalia há ausência de uma grande porção do cérebro, crânio e escalpo. Bebês com anencefalia nascem sem a parte frontal do cérebro, que é a maior parte deste consistindo principalmente dos hemisférios cerebrais responsáveis pelo pensamento. O tecido cerebral remanescente geralmente fica exposto - sem cobertura de ossos ou pele.

O "National Institute of Neurological Disorders and Stroke" (NINDS) apresenta a anencefalia da seguinte forma:

Uma criança que nasce com anencefalia é geralmente cega, surda, inconsciente e incapaz de sentir dor. Embora alguns indivíduos com anencefalia possam nascer com tronco cerebral rudimentar, a falta da parte frontal do cerebral funcionando elimina permanentemente a possibilidade de algum dia ganhar consciência. Podem ocorrer ações reflexas, como respirar e respostas a sons ou toques.

Foi constatado que o risco de reincidência é de 1% a 4% se o casal já teve criança afetada pelo Defeito Aberto do Tubo Neural. Este risco cresce para 15% quando dois filhos apresentaram o mesmo problema. Contudo, somente 5% das mães de bebês portadores de defeito aberto do tubo neural têm antecedente da doença (MARQUES, 2011).

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) em carta aberta veiculada em 2011, afirmou que anencefalia é:

[...] “resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir o cérebro”.

(37)

Portanto a antecipação do parto ou a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, não é um processo abortivo.” [grifo do autor].

Como se percebe não há mais discussão sobre o diagnóstico da anencefalia, porém ainda persiste a discussão acerca da sua interrupção ou não.

2.2.2 Diagnóstico da anencefalia

A anencefalia geralmente é descoberta pelo médico através de uma avaliação médica pré-natal e por uma ultra-sonografia de rotina, antes do nascimento. Caso contrário, ela é descoberta no momento do nascimento. Zugaib (apud Marques, 2011, p. 74) no que tange a evolução tecnológica e a certeza do diagnóstico afirma que:

[...] a ultrassonográfia é capaz de detectar em torno de 100% dos casos de anencefalia. Diz-se ainda, que a malformação por anencefalia pode ser diagnosticada a contar da oitava semana da gestação, entretanto, a garantia de 100% só é possível a partir de 13 a 14 semanas.

“A maior parte dos fetos anencéfalos (em torno de 65%) apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes do parto.” (FEBRASGO, 2011, não paginado) Esta informação é uma das justificativas para que a gestação seja interrompida antes de seu termo final.

2.2.3 Causas da anencefalia

A causa da anencefalia ainda não goza de certeza científica, mas acredita-se que esteja relacionada à má-formação por herança genética e até mesmo fatores ambientais, tais como a falta de ácido fólico (folato). É o que ensina Diniz (2010, p. 55):

A anencefalia pode ser causada por uma mutação genética, em que o gene não se comporta de forma correta. Mas há ainda outros fatores, como a falta de ácido fólico (uma vitamina do complexo B), no organismo. Estão no grupo de risco mães com diabetes mellitus e que trabalham com agrotóxicos.

Referências

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