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9 A DESCOBERTA DO SEPULCRO by albertosolana. Tradução por Paulo Santos

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Academic year: 2021

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9 – A DESCOBERTA DO SEPULCRO

by albertosolana

Tradução por Paulo Santos

O relato da descoberta também se faz em forma de lenda: No reinado de Afonso II, o Casto, um eremita chamado Pelayo, próximo à aldeia de Solovio, foi testemunha da existência de lamparinas no bosque de Libredón, onde vivia, recebendo em sonhos a profecia dos anjos de que se tratava dos

restos do Apóstolo. Os fiéis que

compartilhavam o conhecimento do fenómeno, informam o bispo Teodomiro, que perante o

depoimento, deslocou-se ao lugar, e

surpreendido pela descoberta, ordenou à comitiva fazer três dias de jejum, e depois mandou abrir uma brecha no bosque para observar o que continha. Encontra no meio da vegetação, um pequeno edifício com um altar, em cujo interior descobriu um túmulo maior e outros dois de menor dimensão, que flanqueavam o primeiro, o que identifica como o sepulcro do Apóstolo Santiago e seus discípulos, Atanásio e Teodoro.

A reação de Teodomiro, longe de precipitada, pode valorizar-se de serena, considerando que o episódio o podia elevar quase à mesma categoria de Bispo de Roma, ao jazer na sua diocese, os restos de um Apóstolo eleito do Senhor. Poderia projetar uma viagem a Roma, do Papa Leão III, ou ao império Carolíngio, de Ludovico Pio. Um critério que nos indica que mais do que o resultado de uma descoberta magnífica, procurou dar a conhecer uma notícia oculta e que quer proteger. Evitou atitudes grandiosas e limitou-se a informar a seu rei, Afonso II, monarca do reino asturiano, que lutava mais pela subsistência que pelas grandezas históricas. A reação asturiana não foi tão rápida como é habitual ser referida, senão mesmo contida, pois em Oviedo já existia, fundada pelo rei Fruela I, no século VIII, uma veneração ao templo pré-românico, cuja câmara santa guardava as valiosas relíquias e onde se realizava o culto ao Salvador. O descobrimento jacobeu veio despertar um sentimento de concorrência moral e uma dúvida legítima da autenticidade. Por isso, as crónicas oficiais asturianas foram discretas.

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Posteriormente, a descoberta parece que acabou por convencer o monarca, que organizou uma viagem com a corte ao túmulo, e mandou construir no ano de 834, vários anos após a descoberta,

uma igreja que acolhesse o

mausóleo. Esta viagem do

monarca desde Oviedo até

Compostela é considerada como a primeira peregrinação oficial ao lugar santo, originando o que hoje é denominado por Caminho Primitivo. Ao que tudo indica, Teodomiro apresentou argumentos que creditaram ao monarca a certeza na descoberta, e este acaba por reconhecer e avalizar. Não o faz erguendo um Templo grande, mas sim uma modesta basílica de pedra composta por uma única nave, junto da qual se edificaram as igrejas de São Salvador e de São João, o mosteiro de Antealtares e

o palácio episcopal, conjunto que se dimensiono u com uma muralha definindo um recinto que constituía o Locus Sanctus Iacobi.

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Depois dos reinados de Ramiro I e Ordonho I, o rei Afonso III, durante o episcopado de Sisnando I, derrubou a primitiva igreja e mandou erigir outra maior e suntuosa, composta por três naves, em pedra talhada e com colunas e pisos de mármore, cujas obras se iniciaram no ano de 872 e foram consagradas em 899. Mais tarde, Sisnando II, perante os sucessivos ataques normandos, reforça com maior solidez a primitiva muralha do Locus. Este foi o conjunto arquitetónico que Almanzor destruiu no ano de 997. As duas basílicas asturianas, muito diferentes em dimensões e revestimento de materiais, têm um ponto em comum: conservar a Edícula (nicho) Sepulcral romano no topo. Ambas foram edificadas para guardar o sepulcro jacobeu.

O facto é interpretado por muitos como uma iniciativa eclesiástica ao serviço da Reconquista da Península, e consideram a descoberta, resultado de oportunismo militar, ao serviço da reconquista e da igreja.

O oportunismo militar, esgrimido com

frequência, é tão aparente como

inconsistente, pois Santiago já era motivo de culto no norte de Espanha, considerado padroeiro e protetor, cerca de 50 anos antes do descobrimento da sua sepultura, e dado que entre o início da Reconquista, em 722 e o momento da Inventio, em 829, decorre mais de um século, tornando o referido argumento refutável.

A “grande” batalha de Clavijo, supostamente decorrida no ano de 844, durante o reinado de Ramiro I, implica tal manipulação de dados e interesses que a convertem numa falsidade histórica. Tem início na afronta ao tributo de cem donzelas, supostamente indicado pelo rei Mauregato dos muçulmanos com o intuito de evitar contendas guerreiras. A glória do triunfo, com a ajuda milagrosa do Apóstolo Santiago, desde esse momento com a alcunha de Mata-mouros, profetizou ao rei em sonhos, que a sua intervenção, seria favorecida num cavalo

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branco e espada prateada, que o levaria à vitória, e em agradecimento o rei estabeleceu um tributo (promessa a Santiago). Sánchez Albornoz demonstra que esta batalha não existiu, e que a verdadeira contenda decorreu em Monte-Laturce, em Albelda, e vencida alguns anos mais tarde por Ordonho I, sem o mencionado tributo de donzelas, nem intervenção milagrosa, nem a promessa a Santiago. Foi Ramiro II, rei de Castela e León, em peregrinação a Compostela, que invocou a proteção do Apóstolo, outorgando a promessa a Santiago depois da batalha de Simancas, no ano de 939, sendo auxiliado pelos condes Fernán González e Assur Fernández, e alcançado uma sólida vitória sobre as tropas de Abderramán III.

Santiago converte-se em símbolo para as tropas, de modo isolado e pouco decisivo num extenso processo de séculos, onde nem sequer é o único que ostenta a alcunha de mata-mouros. No reino de León, com o padroeiro Isidoro de Sevilha (sepultado em León), é invocado a mesma alcunha, e o mesmo acontece com os castelhanos, com o seu patrono São Millán da Cogolla. De acordo com tradição cluniacense, anterior à descoberta do sepulcro, cada

exército tem seu patrono e rende tributo em forma de promessa. Santiago acaba por se impor no final do Século XIV, com a Reconquista já muito avançada e que resulta numa Espanha Imperial cujas guerras divinas encontram um estandarte adequado. Inclusive ainda no século XVII, San Millán volta a ser proclamado Patrono de Castela, e copatrono de Espanha, e inclusivamente, nesta época é proposto consentir o patronato de Espanha a Santa Teresa em detrimento de Santiago. Invocar o mito de Santiago, mata-mouros, como montagem pró-reconquista é um erro, que contribuiu muito para o legado património artístico, mas que não tem relação com a origem da Tradição Jacobeia.

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Para Sánchez Albornoz, a Reconquista não teve nada de guerra santa, portanto não obedecia ao cumprimento de um conceito proposto pelo Islão, nem se entendia como forma de morte mártire. Também não pode ser entendido como uma cruzada, porque não foi levada a efeito com motivações religiosas nem a extensão de um credo. Ainda que a Reconquista tenha tido início em comunidades periféricas do reino visigodo de Toledo (astures, cántabros…), com a tradicional resistência a ser subjugada,

nos territórios hispanos do norte,

mistura-se com os interesses dos godos fugitivos da batalha de Guadalete, em 711, perante as tropas berberes do norte de África que atravessaram Gibraltar, ao comando de Tariq e Muza, por mediação do Conde dom Julián, no conflito dinástico pela coroa de Witiza. A ajuda converte-se em invasão, e sozinho durante quatro anos, sem resistência, por capitulações pacíficas, transações e pactos amistosos, e às vezes por força militar, apoderam-se de quase toda a Península Ibérica. Dom Pelayo, foi o obreiro da união da revolta dos povos do norte com a motivação patriótica dos visigodos fugitivos e congrega num único movimento que, talvez a partir de sentimentos diversos, se reúne numa frente comum. Assim, desde a fundação de Oviedo, no Século VIII, a Reconquista tem como objetivos mencionados em crónicas, a expulsão

dos muçulmanos como usurpadores do

visigodo, e a restauração do reino visigodo, que já tinha conseguido a desejada unidade territorial entre o ano de 476 e 711. A intacta

identidade visigótica reiniciou cedo um

processo de restauração, não por motivação doutrinal, mas patriótica. Assim, é infundado julgar, que mais de um século após seu início, se recorresse à farsa de um sepulcro grandioso para incentivar a Reconquista.

O oportunismo eclesiástico tem menos fundamento ainda, porque a Tradição Jacobeia, contrariamente ao que se costuma deferir, não foi criada pela Igreja à sua medida, sendo inclusivamente a primeira em adotar uma atitude crítica, tendo Roma ignorado durante muito tempo Compostela. No final do século X, a igreja hispano-visigoda, considerada arruda e ignorante, possuía pouco prestígio em Roma, em contraste com a celebridade de Santiago, citada nas crónicas muçulmanas como o mais importante santuário cristão de Hispânia, aonde peregrinavam com origem em todas as partes da Europa, inclusive de Roma. Desta forma, é iniciado uma rivalidade latente entre Santiago e Roma, que

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resultou na primeira iniciativa romana de abolir o rito visigótico e substituí-lo pelo romano. Em meados do Século XI, Roma observa com preocupação a crescente predominância que atinge toda a esfera cristã da igreja de Santiago, de que o bispo Iriense, Cresconio (1037-1066), desperta uma onda de inquietude na sede do catolicismo, com a acusação de se preocupar mais com armas e milícias do que das questões pastorais, com domínio sobre outros bispados hispanos, com poder concedido pelos reis e prestígio bélico reconhecido em crónicas, e sobretudo por denominar-se episcopis lriensi apostolicae sedis. Marcado com todos estes incidentes, que são entendidos como gestos de insubmissão perante os representantes enviados pela Igreja Católica, em questões de protocolo de receção, bem como algumas declarações que soaram discordantes, a suspeita converteu-se em acusação de arrogância e soberba, e diante o risco de um problema eclesiástico, o Papa León IX, no Concilio de Reims, no ano de 1049, excomunga Cresconio, por conceder a si próprio o título de bispo da sede apostólica, que é entendido por Roma como uma exagerada ambição de superioridade da Igreja Hispana, num tratamento igualitário para com a sede do catolicismo. Simultaneamente, na excomunhão, ditam-se vários cânones que afetavam a velha igreja hispana, em particular à de “Gallaecia”.

Mas se são infundadas as argumentações de oportunismo, o discurso deixa impressão e, em relação a Santiago, os críticos que tomam o partido anti jacobeu, questionando a historicidade de Teodomiro, chegando a ser encarado uma personagem fictícia para a ocasião, e negar a existência precedente de Compostela, que se considera uma cidade criada no século IX para “albergar” um sepulcro inventado, desencadeando o desnecessário dilema se Compostela é ou não uma montagem ao serviço de interesses militares e eclesiásticos.

É certo e deve ser assinalado, que Santiago é dirigido com diversas intenções muito direcionadas, sugerindo ser uma montagem em que muitos obtêm resultados: os militares conseguem dedicação nas batalhas; os reis e políticos ganham terrenos conquistados; os monges conseguem promoção da peregrinação que eleva as doações e mordomias; os prelados atingem benefícios fiscais e favores económicos; a Igreja adquire a captação de devotos e designa uma alternativa à Terra Santa…. Estes interesses, frequentemente utilizados pelas mais mesquinhas atitudes humanas, mancham a Tradição Jacobeia, de

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igual forma que fizeram os mercadores no Templo de Jerusalém.

Mas estes nunca foram os motivos geradores, senão atitudes que rentabilizam um fenómeno anterior que não é fruto de uma montagem oportunista ou de um simples erro. Caso tivesse sido, a História e a arqueologia teriam detetado, e não existe tal referência. Não se aceita que Compostela fosse o resultado de uma super-trama multidisciplinar, um complô supra-histórico, em que os dados documentários favoráveis carecem de rigor ou são falsificações, na necessidade e na oportunidade de que umas relíquias sejam motivo suficiente para que se alinhem num mesmo grupo monges, prelados, políticos, reis, militares, homens de ciência, peregrinos de toda a condição, e as atitudes e documentos de gentes de diferentes momentos históricos, sejam interesseiros, ou falsos, ou equivocados, ou manipulados. E ainda, que todos tenham sido capazes de coordenar uma mentira ao longo dos séculos, transmitida na perfeição, que encubram a montagem sem resquícios, indetetáveis à arqueologia, sem que hoje em dia seja possível desmentir. Apenas esta situação tem tanto peso argumental, que ainda sem ser demostrativa, guarda muita convicção em favor da Tradição Jacobeia. Seria bem pouco se isto fosse tudo, mas há bem mais.

Referências

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