• Nenhum resultado encontrado

“Território dos excluídos” : as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "“Território dos excluídos” : as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB"

Copied!
150
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

RENATA DA SILVA BARBOSA

“TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS”: as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB

RECIFE – PE FEVEREIRO – 2014

(2)

RENATA DA SILVA BARBOSA

“TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS”: as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Geografia.

Orientador

Profº. Drº. Alcindo José de Sá Co-orientador

Profº. Drº. Francisco Kennedy Silva dos Santos

RECIFE – PE FEVEREIRO – 2014

(3)

Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291

B238t Barbosa, Renata da Silva.

“Território dos excluídos” : as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB / Renata da Silva Barbosa. – Recife: O autor, 2014.

150 f. il. ; 30cm.

Orientador: Prof. Dr. Alcindo José de Sá.

Coorientador: Prof. Dr. Francisco Kennedy Silva dos Santos.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-graduação em Geografia, 2014.

Inclui referências e apêndices.

1. Geografia. 2. Espaços públicos urbanos – Crianças e adolescentes – Direitos. 3. Crianças e adolescentes - Riscos. 4. Violência urbana. I. Sá, Alcindo José de (Orientador). II. Titulo.

910 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2014-26)

(4)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS - DCG PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PPGEO

RENATA DA SILVA BARBOSA

“TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS”: AS TERRITORIALIZAÇÕES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO, NO ESPAÇO URBANO DA

CIDADE DE CAMPINA GRANDE-PB.

Dissertação aprovada, em 14/02/2014, pela comissão examinadora:

____________________________________________________________ Prof. Dr. Alcindo José de Sá

(1º examinador – orientador – PPGEO/UFPE)

____________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Sérgio Cunha Farias

(2º examinador – UEPB)

____________________________________________________________ Prof. Dr. Osvaldo Girão da Silva

(3º examinador – PPGEO/UFPE)

RECIFE – PE 2014

(5)

DEDICATÓRIA

A todas as crianças e adolescentes que têm os seus direitos violados por esta sociedade tão desigual e desumana!

(6)

AGRADECIMENTOS

Pode parecer clichê ou piegas iniciar os agradecimentos referenciando um Deus vivo, contudo, acredito ser fundamental externar a minha gratidão por mais uma etapa vencida, concluída, com este estudo. Na certeza que há um Deus que foi basilar para a conclusão do curso, sustentando e encorajando-me nas aflições, angústias e solidão que tais estudos nos remetem. A ti senhor, toda honra e toda glória!A Nossa Senhora mãe de todos nós, que, nunca me abandonou.

Em seguida, gostaria de agradecer a toda minha família pelo apoio, compreensão, tanto dos momentos ausentes (necessários para elaboração do estudo), como escutando os desabafos das dificuldades geradas. Em especial a minha mãe Maria José (mulher forte, de fé) e ao meu pai Reginaldo Arruda (homem generoso, paciente) por compreender a distância (Campina Grande – Recife) e saber da importância que este estudo significaria para minha vida profissional e pessoal. Aos meus irmãos Reinaldo Barbosa e Rildo Barbosa, por momentos de descontração, conversas, que foram compartilhados com meus sobrinhos Ricardo Barbosa e Valentina Barbosa e minha cunhada Nadjane Lopes. A minha querida vó Josefa Maria (Dona Neném), mulher que é exemplo de coragem e fé, uma guerreira, que sempre lembrou-se de colar-me nas suas orações.

Gostaria de estender os meus agradecimentos ao meu noivo Aécio Soares pela paciência, por compreender que a distância era necessária e saber compartilhar comigo os meus sonhos. A Raimunda Soares (Dona Socorro) pelo apoio e preocupação, ajudando-me a realizar as mudanças que a realização do curso em outra cidade exigia. Gostaria de elucidar a minha gratidão, também, a Maria Silva (Socorro), minha prima que me acolheu na sua casa, de forma atenciosa e carinhosa, fazendo da sua casa a extensão da minha, no início do curso, quando tudo parecia ser mais difícil.

Gostaria de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pela bolsa concedida para realização da dissertação que fomentou o estudo.

Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer ao meu orientador Alcindo de Sá pelas contribuições para realização da pesquisa, no qual, através de sua metodologia ensinou-me a ser autônoma, gerando incertezas, contudo, instigando-me a aprofundar os estudos e pesquisas; e ao meu co-orientador Kennedy Santos, sendo este importantíssimo para estruturar o estudo e pela disponibilização de tempo, buscando sempre, tranquilizar-me.

(7)

“Tá relampiano Cadê Neném? Tá relampiano Cadê Neném? Tá vendendo drops no sinal pra alguém Tá vendendo drops no sinal, ninguém Todo dia é dia, Toda hora é hora Neném não demora pra se levantar Mãe lavando roupa, pai já foi embora E o caçula chora, mas há de se acostumar Com a vida lá de fora do barraco "Hay que endurecer" um coração tão fraco Para vencer o medo de trovão Sua vida aponta a contramão Tá relampiano Cadê Neném? Tá relampiano Cadê Neném? Tá vendendo drops no sinal pra alguém Tá vendendo drops no sinal, ninguém Tudo é tão normal, todo tal e qual Neném não tem hora pra ir se deitar Mãe passando roupa do pai de agora De um outro caçula que ainda vai chegar É mais uma boca dentro do barraco Mais um quilo de farinha do mesmo saco Para alimentar o novo João Ninguém A cidade cresce junto com Neném

(8)

RESUMO

BARBOSA, Renata da Silva. “TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS”: as territorializações de crianças e adolescentes em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB. Recife, 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia. CFCH/UFPE/PPGEO.

O respectivo estudo aborda os territórios que são construídos e descontruídos nas mais variadas escalas e tempos por crianças e adolescentes, em situação de risco, no espaço urbano da cidade de Campina Grande – PB. A pesquisa delimita-se nos respectivos espaços, sendo estes localizados no centro e seu entorno: semáforos, praças (Clementino Procópio e Bandeira), parque (Evaldo Cruz) e principais ruas comerciais. Como se denota, o objetivo principal do estudo é analisar os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização desta população infanto-juvenil, bem como identificar a realidade sócio-espacial desta população, a fim de compreender melhor o porquê destes “trabalhadores” nestes locais. Isto demanda entendermos os relacionamentos familiares, o papel do Estado e a estrutura social como um todo, ou seja, o que estas instâncias garantem para as crianças e adolescentes, na tentativa de identificarmos a construção de territórios e territorialidades e, assim, evidenciar a violência, o medo e as drogas como fatores de construção territorial. O método utilizado para embasar o estudo é o dialético, visto que, caracteriza-se por um modelo esquemático de esclarecimento da realidade que possui como base a oposição e os choques entre situações diversas ou opostas (pares dialéticos), ou seja, serão analisadas as “partes” em constantes mudanças e conflitos. Os procedimentos metodológicos que norteiam a pesquisa constitui-se do levantamento bibliográfico e documental, no qual, forneceu um aporte teórico que corroborou para a pesquisa empírica.Ressalte-se que as observações “in loco” caracterizaram-se tanto por observações da pesquisadora, sem participação direta do público alvo, como também se fez necessário à aplicação de questionários, para compreendermos as relações de medo, violência e a responsabilidade da sociedade campinense com esses indivíduos. Desta maneira, o trabalho que se segue não busca unicamente apresentar uma discussão teórico-metodológico que contribua para as discussões e reflexões em torno destas problemáticas urbanas. Pretende-se também, elucidar como essas crianças e adolescentes, enquadradas em situação de risco, são sujeitos de direito; indivíduos marginalizados pertencentes a um espaço que não é “natural”, mas partícipes de organizações como a família, a sociedade e o Estado que detêm responsabilidades diante destes, aonde, são considerados pela Constituição como prioridade absoluta.

(9)

ABSTRACT

BARBOSA, Renata da Silva. "TERRITORY OF THE EXCLUDED": the territorialization of children and adolescents at risk in the urban space of Campina Grande – PB. Recife, 2014.Essay (Geography Master's Degree) Postgraduate Programme in Geography.CFCH/UFPE/PPGEO.

This study addresses the respective territories that are constructed and deconstructed in various scales and times by children and adolescents at risk situation in the urban space of Campina Grande city, PB. The research is delimited to the respective areas, these being located in the city centre and its surroundings: traffic lights, squares (ClementinoProcópio and Bandeira), parks (Evaldo Cruz) and main shopping streets. As denotes, the aim of this study is to analyse the processes of territorialisation, deterritorialisation and reterritorialisation of this youngster population, as well as identify the socio-spatial reality of their population in order to understand better why these "workers" are in these places. This requires understanding family relationships, the role of the State and the social structure as a whole, in other words, what these instances guarantee for children and adolescents in an attempt to identify the construction of territories and territoriality and thus, underline the violence, fear and drugs as territorial construction factors. The method used to support the study is dialectical, since it is characterised by a schematic model of explanation of reality that has as base the opposition and clashes between opposing or different situations (dialectical pairs), i.e., we analyse the "parts" in constant changes and conflicts. The methodological procedures that guide the research are bibliographic and documentary surveys, where they provided a theoretical contribution, which confirmed the empirical research. We point out that the in situ remarks are characterized not only by the researcher's observations, without direct involvement of the target audience, but also by questionnaires that turned out to be needed, in order to understand the relationship of fear, violence and the responsibility of Campina Grande society with these individuals. Thus, the work that follows seeks not only to present a theoretical and methodological discussion that contributes to the discussions and reflections around these urban issues. It also intends to elucidate how these children and adolescents, under risk conditions, aresubjects of laws; marginalised individuals belonging to a space that is not "natural", but participants of organisations such as family, society and the State, that hold responsibilities before them, which are regarded by the Constitution as an absolute priority.

(10)

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 01: Estação Great Western e usuários, em seus primórdios... 52

Fotografias 02 e 03: Crianças e adolescentes em semáforos em diferentes capitais do Brasil... 64 Fotografias 04: Adolescente limpando para-brisa no semáforo localizado no Bairro da Estação Velha... 67 Fotografias 05 e 06: Crianças e adolescentes na prática de limpar para-brisas no Bairro da Estação Velha... 68 Fotografia 07: Adolescente sendo aliciado por adulto... 70

Fotografias 08 e 09: Adultos comercializando nos semáforos da Avenida Canal... 71

Fotografias 10 e 11: Crianças comercializando buchas automotivas nos semáforos... 73

Fotografia 12: Crianças e adolescentes na prática da mendicância... 77

Fotografia 13: Açude Novo, construído para abastecer Campina Grande... 80

Fotografia 14: Parte interna do Açude Novo... 80

Fotografia 15: Espaços interligados do Açude novo e o Terminal de Integração... 81

Fotografia 16: Adolescentes mendigando nas lanchonetes localizadas ao redor do Açude Novo... 82 Fotografia 17: Criança enfrente a lanchonete (mendicância)... 85

Fotografias 18 e 19: Crianças coletando materiais recicláveis... 86

Fotografia 20: Oficina realizada pelo Programa Ruanda... 109

Fotografias21 e 22: Adolescentes dormindo em áreas de risco... 112

Fotografias 23 e 24: Adultos circulam em meio as crianças e adolescentes fazendo uso de substâncias psicoativas...

121

(11)

Clementino Procópio...

Fotografias 26 e 27: Paradas de ônibus que ficam localizadas paralelamente as praças Clementino Procópio e Bandeira...

136

LISTA DE MAPAS

Mapa 01: Estado da Paraíba. Ressaltando a localização do Município de Campina Grande e sua área urbana...

50

Mapa 02: Confluência das Ruas e Avenidas em estudo... 66

Mapa 03: Praça Clementino Procópio e Praça da Bandeira... 75

Mapa 04: Açude Novo e o Terminal de Integração... 79

(12)

SUMÁRIO RESUMO ... VIII ABSTRACT ... IX LISTA DE FOTOGRAFIAS ... X LISTA DE MAPAS ... XI INTRODUÇÃO ... 14

1 DA GEOGRAFIA TRADICIONAL À GEOGRAFIA HUMANÍSTICA: o território nos “altos e baixos” preferenciais dos cientistas ... 20

1.1 Território: uma perspectiva naturalizante de Ratzel ... 23

1.2 Território e Poder: um discurso metonímico? ... 29

1.3 Definindo o poder para compreender o território ... 30

1.4 Analogias e incoerências em torno do conceito de território ... 36

2 CAMPINAGRANDE E OS “TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS” ... 48

2.1 Compreendendo o espaço urbano em estudo: uma análise geo-histórica ... 49

2.2 O território na perspectiva contemporânea: multiescalar e multitemporal... 55

2.3 A construção dos territórios nessas áreas de risco: territorialidades da exclusão .... 58

2.4 Territórios cíclicos ... 62

2.4.1 Os territórios dos semáforos ... 64

2.4.2 Os territórios das praças (centro) ... 74

2.4.3 Os territórios do Açude Novo ... 78

2.4.4 Os territórios nas principais ruas comerciais (centro) ... 83

2.5 Territorialização – desterritorialização – reterritorialização: crianças e adolescentes redefinindo os processos geográficos ... 87

3 ORGANIZAÇÕES TERRITORIALIZANTES: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e seus agentes ... 96

3.1 Conselho Tutelar ... 99

3.2 Secretária de Assistência Social – SEMAS ... 101

3.3 Programa Ruanda ... 102

4 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AÇÕES SOCIAIS NA CONFIGURAÇÃO DOS TERRITÓRIOS CÍCLICOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO NO ESPAÇO URBANO ... 114

(13)

4.1 Família: uma instituição em “decadência” ... 115

4.2 Sociedade: como os campinenses “encaram” esta problemática social ... 119

4.3 Fatores favoráveis à fixação dos sujeitos nas áreas de risco: ... 122

4.3.1 Drogas ... 123

4.3.2 Medo ou “territórios do medo”? ... 129

4.3.3 Violência ... 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 138

REFERÊNCIAS ... 142

(14)

INTRODUÇÃO

O espaço urbano é constituído por diferentes formas de apropriação do uso do solo e isso acontece devido aos processos diferenciados que envolvem ações e sujeitos, que almejam usufruir ou dominar aquele espaço com um determinado propósito. Desta maneira, o espaço urbano vai sendo fragmentado. No entanto, esses fragmentos não são desarticulados. Os agentes responsáveis por esses processos de construção do espaço urbano, que o torna desigual, são as grandes empresas/indústrias, o capital imobiliário, os segregados sócio-espaciais, dentre outros. Afinal, o que embasa a ação do capital, tanto no urbano quanto no rural, é a lógica de “desenvolvimento desigual e combinado”.

Temos, portanto, um urbano que é diferenciado, onde os espaços são produzidos e consumidos de forma desigual. E essas desigualdades irão implicar diretamente na dinâmica deste espaço, visto que, grande parte dos indivíduos encontra-se à margem dessa sociedade, ou seja, as classes sociais mais baixas estarão, também, à margem do plano econômico, politico e social, implicando numa participação precária da vida urbana, bem como da sociedade. Isto posto, estabelece-se como recorte espacial do respectivo estudo a cidade de Campina Grande – PB, que fica localizada no agreste paraibano, no planalto da Borborema, entre o litoral e o sertão. Devido a sua localização, a cidade surgiu como ponto de apoio dos comerciantes que faziam o percurso sertão-litoral, sendo considerada, nos dias atuais, como uma das principais cidades interioranas do Nordeste.

Campina Grande presenciou um “boom” econômico na metade do século XX que veio atrelado, principalmente, ao ciclo do algodão. A cidade crescia de forma “assustadora”, uma vez que, o processo de urbanização pela qual passou foi veloz e impactante, não possuindo os gestores “estratégias de controle”. Para elucidarmos o exposto, Campina Grande mais que triplicou seu número de habitantes em 20 anos, passando de 33.800 habitantes para 116.200 habitantes no período de 1940 a 1960, sendo desastrosas as consequências deste fenômeno. A cidade em estudo, como tantas outras localizadas nos países periféricos, não conseguiu conciliar um desenvolvimento econômico com um desenvolvimento social. Assim, no seu espaço urbano materializa-se, através da presença de crianças e adolescentes em situação de risco, um dos reflexos de suas desigualdades sócio-econômicas. Essa problemática social já fora identificada há muitas décadas, havendo relatos que no ciclo do “ouro branco” (algodão) já presenciavam-se essa população infanto-juvenil nas ruas e até notificações de atos infracionais, em que os menores eram conhecidos como os “roubadores de buchas”. Essa ação

(15)

se caracterizava pela formação de grupos (com variadas faixa etárias) que praticavam assaltos aos caminhões que transportavam o algodão.

Os centros urbanos são caracterizados por peculiaridades que surgem a partir dos diferentes usos do solo, que serão determinados pela classe social a que o indivíduo pertence, e isso já foi mencionado. Contudo, acredita-se que essas fragmentações são “geografizadas” a partir do processo de territorialização. Ou seja, no espaço urbano podemos identificar vários territórios que são construídos e descontruídos por diferentes agentes sociais. Esses territórios são compostos não como um mosaico, mas, alguns destes se superpõem, no sentido que, em um espaço específico, podemos identificar variados territórios que foram/são dominados/conquistados para fins distintos. O território, bem como as demais categorias geográficas, teve no transcurso de sua história, momentos de ser excessivamente estudado/mencionado e momentos que foi relegado “a segundo plano”, em detrimento de outros conceitos. Desta maneira, e sendo atrelado a correntes de pensamentos distintos, o conceito de território foi sendo (re)definido; contudo, o poder, um dos elementos fundamentais para definir o termo, perpassou as décadas, contribuindo decisivamente para o que temos nos dias atuais. O território corresponde, desta maneira, a um campo de forças, onde, as relações sociais que são, também, relações de poder, dominam e delimitam os espaços, e esta forma de apropriação pode ser constituída de forma simbólica, cultural, política, econômica, ou seja, possuindo funcionalidades distintas.

Destarte, a população infanto-juvenil que se encontra em situação de risco no espaço urbano de Campina Grande – PB, sendo “fruto” de uma sociedade desigual e desumana que é conduzida por um sistema no qual as contradições tornam-se o elemento basilar para manter-se, buscam por espaços “profícuos” (no entendimento dos mesmos), permitindo-os viver em meio a tantas disparidades. Desta maneira, a pergunta principal que norteia o estudo consiste em compreender os processos/relações nos quais essas crianças e adolescentes constroem os seus territórios nas praças, parques, semáforos e principais ruas comercias do centro da referida cidade. Como questões secundárias podem elencar: O que levou esta população infanto-juvenil a coabitar esses espaços? Qual a participação da Família, da sociedade, do Estado (Leis Federais e Municipais), dentre outras instâncias, para que esta população infanto-juvenil torne os semáforos, as praças, o parque e as principais ruas comerciais, o seu local de “trabalho”? Qual o motivo da predominância de indivíduos do sexo masculino nos semáforos? Como se dá a escolha desses espaços? Como os sujeitos lidam com a violência, o medo e os entorpecentes nos semáforos, nas praças, no parque e nas principais ruas comerciais?

(16)

É importante ressaltar que as questões acima mencionadas não foram utilizadas como um conjunto de questionamentos fechados que nortearam por completo a pesquisa. No decorrer do estudo, foram sendo acrescentadas outras, reveladas com as observações “in loco”. Contudo, esse conjunto de questões significou o despertar inicial para realização da mesma. Sobre as hipóteses, estas incidem nos seguintes pontos:

a) Hipótese principal

As crianças e os adolescentes constroem os seus territórios a partir de relações sociais, nos quais o poder é elemento determinante, em espaços urbanos da cidade de Campina Grande – PB, em especial, nas praças, parques, semáforos e principais ruas centrais e seu entorno. Para os referidos segmentos, tais espaços são verdadeiros agregados de valor, pois para muitos apresentam-se com mais de uma funcionalidade: ou servem de moradia, local de conseguir dinheiro, de consumir as substâncias psicoativas, dentre outros.

b) Hipóteses secundárias

H1 – A população infanto-juvenil que se encontra em situação de risco, nas praças, parques, semáforos e principais ruas comerciais do centro da referida cidade, a partir das relações sociais, que são, também, relações de poder, territorializam os espaços urbanos, imprimindo nestes várias funcionalidades. As mesmas são distintas dos grupos sociais mais abastados, que podem ou não circular pelos mesmos locais.

H2 – O Estado nas suas variadas escalas (federal, estadual e municipal) desenvolve e vem desenvolvendo mecanismos que possam garantir de forma efetiva a proteção integral a essas crianças e adolescentes. Contudo, e apesar do aparato político-legislativo existente, ações sociais encontram pouca funcionalidade na construção de territórios cidadãos.

H3 – Sendo oriundas dessa sociedade, que é basilarmente conduzida por um sistema contraditório, desigual e desumano, as crianças e adolescentes que buscam os espaços públicos como saída imediata para seus problemas, são impulsionadas facilmente a se envolverem com substâncias psicoativas, com a violência e o medo.

Neste sentido, o estudo ora apresentado busca trazer para o cerne dos debates e das reflexões, processos referentes a dinâmicas territoriais, que são construídas/desconstruídas nas mais variadas escalas e tempos, possuindo funcionalidades que serão definidas pelas crianças e adolescentes que encontram-se em situação de risco, habitando/frequentando os espaços públicos da cidade de Campina Grande. Acresça-se, ainda,compreender a conjuntura social na qual essa população infanto-juvenil encontra-se imersa, buscando analisar os fatores que são resultantes, principalmente, do desarranjo familiar, ausência efetiva de políticas públicas,

(17)

apesar da política-legislativa apregoar garantias à proteção integral a essas crianças e adolescentes, vendo-as como prioridade absoluta.

Destarte, com a ideia de elaborar e desenvolver o respectivo estudo, visamos, também, compreender as ações político-legislativas que garantem os direitos destas crianças e adolescentes, a exemplo da Constituição Federal de 1988, que já traz um artigo referente a esta problemática, vindo em seguida à elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (1999), que, aliás, são muito pouco efetivadas. No espaço urbano da cidade em estudo, esta problemática referente à presença constante de crianças e adolescentes em situação de risco só tem aumentado, gerando outros problemas, como o consumo de substâncias psicoativas, violência, furtos, dentre outros, fatos comumente noticiados pelos jornais e telejornais do Estado e os locais.

E, por fim, vale ressaltar a importância do método, bem como dos procedimentos metodológicos para realização da pesquisa, que se caracterizou por um estudo interdisciplinar, possuindo como pilar a Ciência Geográfica. O método utilizado foi o dialético, que caracteriza-se por um modelo esquemático de esclarecimento da realidade que possui como base a oposição e os choques entre situações diversas ou opostas (pares dialéticos), ou seja, serão analisadas as “partes” em constantes mudanças e conflitos. Desta maneira, este método utiliza de elementos conflitantes entre dois ou mais fatores para explicar uma nova situação decorrente deste conflito, a síntese. Os elementos básicos deste método se caracterizam pela tese-antítese-síntese. Segundo Sposito (2004, p.39), o método dialético é aquele que “procede pela refutação das opiniões do senso comum, levando-as à contradição, para chegar, então, à verdade, fruto da razão”.

A pesquisa se caracterizou por um levantamento bibliográfico de cunho geográfico, interdisciplinar e documental, onde se buscou as fundamentações teóricas e dados importantes sobre o fenômeno em análise, em especial, o projeto Ruanda (Programa da Prefeitura Municipal de Campina Grande – PB, que trabalha na orientação das crianças e adolescentes em situação de risco). Aprofundando os procedimentos metodológicos, foram feitas observações“in loco” e a aplicação de questionários, ou seja, observações sem interação da pesquisadora com os sujeitos observados, sendo notificadas todas as ações e relações sociais estabelecidas entre eles. Essas observações “não-participativas” ocorreram de duas formas: no período de três meses (05/03/2013 a 05/06/2013), buscou-se subdividir o tempo para que as áreas em estudo fossem acompanhadas e observadas em todos os horários, em períodos distintos. Assim, as observações realizadas nos semáforos foram feitas de forma solitária, ou seja, a pesquisadora observava as áreas, bem como os sujeitos,sem acompanhar nenhuma

(18)

equipe. Acresça-se, também, as observações nas praças, parques e ruas centrais que foram realizadas a partir da inserção da pesquisadora no Programa Ruanda, que trabalha na orientação direta com as crianças e adolescentes.

Para compreender as estruturas familiares dessa população infanto-juvenil, a pesquisadora acompanhou a equipe do Programa Ruanda na realização das “visitas domiciliares”. Essas visitas às famílias das crianças e dos adolescentes que são identificados nas áreas de risco ocorreram e ocorrem mensalmente e buscam alertar os pais para o perigo que as ruas oferecem. Desta maneira, pode-se compreender o contexto de onde essa população infanto-juvenil emerge e, consequentemente, as relações de medo e violência entre a sociedade e esse segmento populacional infanto-juvenil e vice-versa, bem como as responsabilidades da sociedade perante esses sujeitos. Assim, foram aplicados questionários nas áreas de estudos, nos seguintes sítios: semáforos - principais confluências: Avenida Cajazeiras com a Rua Vigolvino Wanderley (centro – periferia); Rua Tavares Cavalcante com a Avenida Canal (centro – periferia); Avenida Canal com a Rua Santo Antônio (Periferia – centro); Rua Dr. Severino Ribeiro Cruz com a Rua Sebastião Donato (Açude Velho – Parque do Povo); Rua Miguel Couto com a Rua Dr. Severino Ribeiro Cruz (centro – periferia); Avenida Professor Almeida Barreto com a Avenida Assis Chateaubriand (centro – periferia); Rua Pedro Leal com a Rod. BR – 104 (Bairro: Tambor – catolé), Rua IremasVilarim Meira com a Rua João Quirino (periferia – centro), Rua João Quirino com a Rua IremasVilarim Meira (Bairro: catolé – Tambor) (esses três semáforos são conhecidos, popularmente como Instituto dos Cegos); Rua Otacílio Nepomuceno com a Rua Severino Trindade (periferia – centro); praças (Clementino Procópio e Bandeira); parque (Evaldo Cruz) e ruas centrais (Maciel Pinheiro, Barão do Abiaí, Cardoso Vieira, Marques de Herval, Simeão Leal e Avenida Floriano Peixoto). O procedimento metodológico referente aos questionários foi embasado em amostragem probabilística, sendo uma amostragem aleatória simples, onde, foram aplicados 440 questionários nas áreas em estudo. Para isso, foi destinado um mês a mais (01/09/2013 a 30/09/2013). A quantidade de questionários a serem aplicados foi referente à população da cidade de Campina Grande – PB, sendo direcionada a sociedade que circula pelos espaços em estudo.

Desta maneira, o trabalho estruturou-se de forma a correlacionar teoria e prática, almejando aprofundar as reflexões e discussões a respeito da problemática referente às crianças e aos adolescentes, a partir da prospectiva propiciada pelo território. Para abranger todos os objetivos que foram explanados, houve a necessidade de estruturar o trabalho em quatro capítulos, sendo estes:

(19)

No primeiro capítulo, intitulado DA GEOGRAFIA TRADICIONAL À GEOGRAFIA HUMANÍSTICA: o território “nos altos e baixos” preferenciais dos cientistas, busca-se compreender o transcurso do conceito território, bem como os principais estudiosos que desenvolveram e ampliaram os horizontes do termo, para adentrarmos na concepção do território na contemporaneidade.

No capítulo seguinte, no qual foi definido como CAMPINA GRANDE E OS “TERRITÓRIOS DOS EXCLUÍDOS”, traz-se ao cerne do debate à caracterização dessa população infanto-juvenil, a dinâmica urbana da cidade de Campina Grande, apresentando alguns aspectos geo-históricos e a identificação dos “territórios dos excluídos” que são construídos/descontruídos pelas crianças e adolescentes nas áreas já mencionadas anteriormente.

No terceiro capítulo, intitulado ORGANIZAÇÕES TERRITORIALIZANTES: oECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e seus agentes, as discussões são direcionadas para um aparato político-legislativo que busca garantir a proteção integral as crianças e adolescentes. Contudo, essa proteção é feita de forma pontual. Além de discorrer sobre o Programa Ruanda (municipal), que trabalha diretamente com esses indivíduos.

Por último, o quarto capítulo, intitulado OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AÇÕES SOCIAIS NA CONFIGURAÇÃO DOS TERRITÓRIOS CÍCLICOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO NOS ESPAÇOS URBANOS. Ao discorrer sobre esta problemática, se fez necessário compreender a conjuntura familiar que impulsiona ou não, a população infanto-juvenil adentrar estas áreas. Destacando e refletindo sobre as responsabilidades da sociedade como um todo, que possui deveres diante destes sujeitos de direitos. E, por fim, no capítulo mencionado, abordaremos fatores que “favorecem” a permanência desta população infanto-juvenil nos respectivos espaços, como as drogas, a violência e o medo.

(20)

1 DAGEOGRAFIA TRADICIONAL À GEOGRAFIA HUMANÍSTICA: o território nos “altos e baixos” preferenciais dos cientistas

A ciência geográfica teve, no transcurso de sua história, momentos de incertezas conceituais quanto seu objeto de estudo, ocasionando um “atraso” conceitual, o que dificultou os estudos que se direcionavam numa perspectiva geográfica. Ressaltando que, estes momentos vinham atrelados as correntes de pensamentos que no momento se destacavam e nas quais os estudiosos se “filiavam”, com o intuito de ter um aparato científico que desse subsídio para compreender os dilemas sociais que se propunham a desvendar.

É importante acentuar, que não é propósito do estudo em questão adentrar de forma profunda e complexa na analise da Ciência Geográfica, desde o surgimento até os dias atuais. Porém, acredita-se ser necessário esboçar o contexto no qual o conceito principal do estudo, o território, surgiu e desenvolveu-se.

Da Institucionalização geográfica que segundo Corrêa (1995), emergiu em 1870 até os dias atuais, a Geografia percorreu caminhos que a levaram de uma ciência puramente descritiva para uma ciência social, que desenvolveu conceitos que possuem como objetivo o estudo da sociedade e sua relação com o “meio”. Desta maneira, e com o intuito de situar o leitor para o estudo que segue, de forma breve e correndo o risco de pecar pelo simplismo, discorreremos sobre as “fases” que marcaram, até o respectivo momento, à ciência geográfica e os principais conceitos que foram abordados nesta, com intuito de compor um pano de fundo para análise.

Datada do inicio do século XIX, a institucionalização da Geografia foi marcada pelo o avanço e pelo domínio da produção capitalista, que adentrou e modificou o modo de produção até então vigente, demudando o modo de vida da sociedade. Segundo Moraes (1999), alguns pressupostos foram fundamentais para tal institucionalização, como, por exemplo, a necessidade de conhecer efetivamente a extensão territorial (material) do planeta, bem como colher informações sobre os lugares e desenvolver técnicas cartográficas que permitissem tais ocupações, dentre outros.

Este primeiro momento da ciência em estudo é nomeado como Geografia Tradicional ou Geografia Clássica, período que vai de 1870 até meados de 1950, onde foi marcado (e é natural que tenha sido) por incertezas relacionadas ao seu objeto de estudo, uma vez que, os principais conceitos defendidos e analisados neste período concentravam-se no estudo da região, da paisagem e do território que foi incessantemente mencionado na Geografia Política, que surge como uma das vertentes da Ciência Geográfica.

(21)

O espaço, objeto da ciência geográfica, foi negligenciado e apareceu de forma sutil, segundo Corrêa (1995), nas obras de Hartshorne, e em Ratzel de forma mais aprofundada, ensaiando o que definimos hoje por espaço. Porém, Ratzel destacou-se não só por ver o espaço como “base indispensável para a vida do homem, encerrando as condições de trabalho, quer naturais, quer aquelas socialmente produzidas” (CORRÊA apud MORAES, 1995, p.18); este se destaca também por desenvolver a sua antropogeografia que tinha como principais conceitos o espaço vital e o território (categoria de estudo em questão, que será subsequentemente analisada de forma aprofundada e complexa). O território passa a ser um dos principais focos de estudo, uma vez que, e ainda de acordo com Corrêa (1995, p.18), o “espaço transforma-se, assim, através da política, em território, em conceito-chave da Geografia”, um conceito naturalizado, pois o território estava ligado diretamente ao solo e a uma compreensão atemporal dos termos, acreditando-se ser responsabilidade dos historiadores tais estudos.

Por volta de 1950, a Geografia, agora identificada como Geografia Teorética-quantitativa ou Geografia Pragmática, que vinha atrelada a uma corrente de pensamento positivista, instaura ou propõe “modificações metodológicas” que possuíam como foco desenvolver novas técnicas (matemática/estatística) que permitissem uma análise e compreensão das relações que a sociedade desenvolvia e era desenvolvida por estas. Segundo Corrêa (1995, p.20), “o espaço aparece, pela primeira vez na história do pensamento geográfico, como o conceito-chave da disciplina”, porém, o espaço não é compreendido de forma dinâmica, relacional. Neste momento, a ciência geográfica deixa em segundo plano os conceitos de paisagem, lugar e território, debruçando-se na compreensão do espaço, porém, não se aprofunda nas relações sociais que dai desencadeiam.

Como já mencionado anteriormente, o conceito de território é deixado de lado neste período, instigando alguns estudiosos a elaborar os motivos que resultaram nessa exclusão. Silva (2002, p.18) discorre sobre:

Após 1945, entretanto, tal concepção de território entrou em declínio (TAYLOR, 1985), seja aos excessos feitos em seu nome pelas políticas expansionistas alemães, seja pela emergência da corrente geográfica conhecida como Teorético-Quantitativa que, despolitizando a Geografia, deixou de considera-la um conceito-chave (CORRÊA, 1995).

Ou seja, até este momento, o conceito de território ainda estaria diretamente vinculado a uma concepção estatal do termo, não conseguindo se adequar as novas propostas metodológicas da ciência. É importante atentar para a “despolitização da geografia”, não

(22)

cabendo correlacionar o território, um conceito até o momento com dimensões completamente políticas.

Contudo, é no período identificado como Geografia Crítica que ocorre em meados dos anos de 1970 que os debates em torno dos conceitos se intensificam. Impulsionados pelo materialismo histórico e na dialética, a Geografia abre-se para uma discussão interdisciplinar que corrobora para um desenvolvimento epistemológico que marcou o período acima mencionado. O espaço, segundo Lefébvre(apud CORRÊA, 1995, p.25) “não é nem o ponto de partida (espaço absoluto), nem o ponto de chegada (espaço como produto social)”, mas, dinâmico e relacional. Vários foram os estudiosos que se debruçaram para compreender o objeto da geografia, dentre estes destaca-se Santos (2008, p.100), que define o espaço como “um resultado da inseparabilidade entre sistemas de objetos e sistemas de ações”, permitindo assim “transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente”, um híbrido.

Outra contribuição significativa para compreendermos o campo epistemológico que concedeu ao espaço várias discussões e reflexões é a da cientista Ana Fani Alessandri Carlos (2012), que compreende o espaço a partir de uma tríade “condição, meio e produto da reprodução da sociedade”. Desta maneira, compreende-se que não existe sociedade a-espacial, muito menos espaços atemporal.

O território também será campo de várias discussões epistemológicas, chegando alguns geógrafos a criticarem o “modismo” no qual a ciência estaria submersa.O território volta ao centro das discussões geográficas, epistemologicamente renovado. Isso ocorre devido ao interesse dos estudiosos em compreender as relações de poder que se imprimia no espaço. De acordo com Silva (2002, p.18), “o território passou a ser visto, não apenas como „espaço próprio do Estado-nação, mas dos diferentes atores sociais, manifestação do poder de cada um sobre uma área precisa”.

Surgindo no mesmo período que a Geografia Crítica, a Geografia Humanista esteve calcada “nas filosofias do significado, especialmente na fenomenologia e no existencialismo” (CORRÊA, 1995, p.30). Segundo Corrêa (1995, p.30), “a geografia humanista está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo e na contingência”; o espaço estará vinculado ao vivido, aos sentimentos espaciais. Alguns conceitos voltam ao centro dos debates como, por exemplo, a paisagem, o lugar, a região e o território; porém, sendo analisados a partir da “percepção” espacial. O debate em torno do território gera algumas divergências quando analisados nesta perspectiva, pois, alguns estudiosos acreditam que o termo assim analisado se igualaria a concepção de lugar. Segundo Ribeiro (2002, p.11), “o território também é identificado a partir da apropriação simbólica,

(23)

identitária e afetiva do espaço. Neste sentido, o lugar é muitas vezes analisado como sinônimo de território, aparecendo exaustivamente na obra de Tuan como „o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico‟”.

É interessante e perceptível e, até certo ponto, compreensivo, as confusões epistemológicas que estiveram em torno dos conceitos, principalmente, do espaço e do território, pois, o espaço e o território foram concebidos no transcurso da história geográfica de forma subsequente, quando um estava no auge do debate o outro se encontrava “esquecido”. Assim, um termo “substituía” o outro, aparecendo como termos equivalentes, o que causou um atraso conceitual.

Vale ressaltar que, o surgimento de uma corrente geográfica não exclui por completo a ideia que outra corrente já tinha desenvolvido. Entretanto, os conceitos são analisados visando outras perspectivas que acrescentavam ou não ao conceito já elaborado. Após esta breve conceitualização da ciência geográfica, nos permitiremos avançar no conceito que, como mencionado anteriormente, esteve em alguns momentos no centro dos debates e em outras ocasiões foi negligenciado, e que no estudo em questão, apresenta-se como o pilar para compreendermos a problemática social dos territórios dos excluídos nos espaços urbanos.

1.1 Território: uma perspectiva naturalizante de Ratzel

É sabido que, para compreendermos e aprofundarmos o estudo sobre o território é fundamental retornar ao conceito, analisar o campo no qual este se desenvolveu e assim ponderar sobre as dificuldades encontradas no transcurso da história da ciência geográfica para conceituar tal categoria. Desta maneira, para avançarmos em direção a uma definição e assim identificá-la no espaço urbano (campo do respectivo estudo), se faz necessário explanar algumas informações a respeito do responsável pelo desenvolvimento do conceito de território, Friedrich Ratzel.

Ratzel é reconhecido na Geografia por acarretar “ventos de renovação” que foram identificados a partir dos conceitos e do interesse em estudar problemas relacionados à sociedade e às condições ambientaisque, nos dias atuais, ainda são problemas/estudos comuns aos geógrafos. Na tentativa de compreender as problemáticas que surgiam naquele período, Ratzel desenvolveu conceitos que se eternizariam e se tornariam fundamentais para as análises geográficas. Um destes foi o território, que proporcionou e proporciona vários debates epistemológicos.

Segundo Moraes (1999, p.52), Ratzel foi responsável por um revigoramento do processo de sistematização da Geografia Moderna, indo além do seu tempo. Foi o primeiro

(24)

cientista a propor realmente um estudo geográfico, pois este se preocupava em compreender os problemas humanos que borbulhavam naquele período, consequência do projeto político expansionista que Otto Von Bismarck liderava. O período que Ratzel vivenciou durante a elaboração de suas obras coincidiu com o período de Unificação do Estado Alemão, o que explica as linhas de estudos desenvolvidos por este.

Sua formação inicial foi no curso de geologia, o que elucida as suas análises que possuíam um caráter naturalizante acentuado. Porém, na busca incessante de conhecer e apresentar as áreas a serem expandidas e/ou dominadas, Ratzel desenvolve conceitos que serão abordados não só na Geografia, mas em outras ciências, como, na Antropologia, Economia, dentre outras, indo além de uma inovação “conceitual”, propondo estudos interdisciplinares, não na perspectiva atual, mas, como a soma das partes.

Entretanto, foi na Geografia e por ser um dos primeiro a relacionar sociedade e meio, que Ratzel mais se destacou. Sendo influenciado pelo contexto no qual encontrava-se inserido, o estudioso elaborou uma Geografia do Estado ou uma Geografia que legitimasse de forma científica a expansão do Estado. De acordo com Moreira (2008, p.40), “Ratzel seria o próprio espírito do imperialismo alemão no pensamento geográfico com sua teoria do espaço vital, espírito que já estaria presente em seus antecedentes e que ele teria então evidenciado com esse conceito”. Este propunha uma análise geográfica do Estado, pois segundo Raffestin (1993, p.16), “forneceu categorias para decifrá-lo: centro versus periferia, interior versus exterior, superior versus inferior, etc”.

Assim, para que a sociedade progredisse, se fazia necessária uma ligação “intima” com os recursos naturais e o território, que era compreendido como um substrato material (o solo), como se pode perceber nesta citação de Moraes (1999, p.56) “quanto maior o vinculo com o solo, tanto maior seria para a sociedade a necessidade de manter sua posse. É por esta razão que a sociedade cria o Estado, nas palavras de Ratzel: „quando a sociedade se organiza para defender o território, transforma-se em Estado”.

Porém foi em 1882 que Ratzel vivencia o “boom” do reconhecimento acadêmico quando lança sua obra intitulada Antropogeografia. Apesar de não confirmar, acredita-se que esta obra tenha sido fruto das suas “andanças” quando jornalista, onde percorreu alguns países relatando-os/descrevendo-os em artigos para o jornal local. Contudo, é importante ressaltar que a utilização desses relatos de viagens para elaboração da sua primeira versão da Antropogeografia são suposições, visto queRatzel nunca relatou tal afirmativa. Como expõe Moraes (1990), esta ideia surge do fato que, “logo após a edição de tais resultados, ele publica a primeira versão de sua obra capital, a Antropogeografia”.

(25)

Moraes (1990, p.09), de uma forma perspicaz define o objeto da Antropogeografia ratzeliana, que seria constituída de uma tríade:

O estudo da ação de tais elementos (naturais) sobre a evolução das sociedades seria o objeto primordial da pesquisa antropográfica. O estudo da distribuição das sociedades humanas sobre o globo constituiria o segundo campo de interesse dessa pesquisa. À localização atual dos grupos dever-se-ia adicionar a investigação de sua mobilidade passada, buscando levantar suas áreas originárias e seus itinerários... o terceiro tema de interesse da antropogeografia seria o estudo da formação dos territórios. O conceito de território é capital na concepção ratzeliana.

Notar-se-iam como os objetivos da Antropogeografia de Ratzel se superpõem um ao outro, formando um processo cíclico. Os elementos naturais influenciando diretamente a evolução da sociedade, a sociedade sendo distribuída no globo a partir dos fatores naturais e o território que seria a base, o palco, uma vez que este oferecia o substrato material, o solo, para que a sociedade se firmasse e desenvolvesse.

Foi nesta obra, qual possuía um caráter naturalista intenso, que Ratzelseutilizou para, de forma iminente, “explicar” a conjuntura social/política/econômica da época. A partir deste momento, passou-se a vincular o nome de Ratzel a um determinismo geográfico, que, para muitos geógrafos, tornou-se um elemento fundamental para identificar suas obras. Contudo, vale ressaltar que apesar de um caráter naturalista,Ratzel foi um crítico do determinismo simplista, determinismo este que muitos cientistas utilizariam para elaboração de seus estudos e,de forma “ingênua”, tecia criticas às suas obras. Ratzel não propunha que a natureza seria fator direto e único capaz de determinar os caminhos que a sociedade iria percorrer e consequentemente, evoluir; também não propunha um desenvolvimento da sociedade que não tivesse ligação com os recursos naturais; Ratzel propunha, na verdade, um estudo que estaria relacionando às influências que as condições naturais exerciam sobre a humanidade. Assim, buscou em suas obras identificar estas “influências” que seriam o grande “ímpeto” do seu estudo e não um raciocínio simples como foi interpretado por demais geógrafos.

A elaboração da Antropogeografia, além de eternizar o autor na Geografia enquanto ciência, pois, como já mencionado, caracterizava-se como um estudo realmente geográfico, correlacionando a sociedade e as condições ambientais, trouxe ao centro do debate uma das categorias fundamentais desta, o território.

Para Candiotto e Santos (2009, p.316):

A grande contribuição de Ratzel foi vincular o território como imprescindível para alcançar objetivos políticos, teorizando a respeito de sua relevância na constituição do Estado-Nação e intrinsicamente justificando

(26)

àmanutenção e a conquista de poder, pois, para ocorrer o domínio do Estado, seria necessário existir um território.

Desta maneira, o território constituía-se como matéria-prima queera sinônimo de poder, pois o Estado que tivesse maior controle territorial, solo, consequentemente desfrutaria de um leque maior de possibilidades para controlar outros territórios.Indo além do seu tempo, Ratzel propôs um estudo geográfico que partia do pressuposto do homem “como ser terrestre”, ou seja, as análises seriam constituídas de um substrato material, o solo, no qual ele utilizava-se da expressão território e o homem seria um ser que habitaria esta área e desenvolveria nesta atividade (trabalhos) e,a partir desta relação, surgia à necessidade de expandir os estudos para compreender os “resultados” que iram emergir da relação homem – meio.

É de comum acordo entre os geógrafos que, a Geografia Política Clássica que Ratzel desenvolveu nos seus estudos e no qual suas ideias foram expostas em sua obra “Geografia Política” estaria diretamente ligada a uma Geografia do Estado. Entretanto, os pilares de sustentação do Estado seriam o território, o que na sua concepção seria algo fácil de compreender, visto que o território seria a base física do Estado, o boden, tese defendida na sua obra, a Antropogeografia. Moraes (1990, p.73), sintetiza esta ligação entre política – estado – território – solo; “que o território seja necessário à existência do Estado é coisa óbvia. Exatamente por que não é possível conceber um Estado sem território e sem fronteiras é que vem se desenvolvendo rapidamente a geografia política”.

A perspectiva naturalizante que estaria diretamente vinculada com a definição ou utilização do termo território, desenvolvida na sua Antropogeografia, é de fácil compreensão/identificação e foi utilizada por décadas, o que significou o “ponta pé” inicial para as discussões e debates que evoluiriam constituindo a/as ideia/as que nos dias atuais embasam as pesquisas acadêmicas. Contudo, é relevante mencionar um caráter que foi identificado no período ratzeliano e que perpassou as décadas, e que nos dias atuais ainda gera discordâncias nos debates científicos, que é o perfil político do termo (aprofundaremos o debate nos itens posteriores).

Por relacionar diretamente o Estado ao território - ou melhor, para constituir o Estado seria necessário deter o poder dos territórios, que seriam na perspectiva do autor um elemento natural, o solo –Ratzel (apud MORAES, 1990, p.74) concluiu que, “um povo decai quando sofre perdas territoriais. Ele pode decrescer em número mais ainda assim manter o território no qual se concentram seus recursos; mas se começa a perder uma parte do território, esse é sem dúvida o princípio da sua decadência futura”. Esta concepção estatal/política do

(27)

território, que é fruto deste período, corroborou para uma compreensão do território em escala macro, como por exemplo, o território nacional. Esta ideia ganhou amplitude e foi e é utilizada constantemente pelo senso comum, gerando debates de cunho epistemológico na academia. O que não deixa de ser um território na concepção contemporânea também, porém, não se restringe apenas a uma escala macro, podendo-se identificar territórios em várias escalas espaciais. Essa complexidade escalar será abordada em itens subsequentes, porém, o que se propôs aqui foi compreender a gênese da questão debatida na contemporaneidade.

O território identificado de forma naturalizada na obra de Ratzel evidencia-se nas várias perspectivas que este utiliza para compreender a sociedade e a relação desta com o meio natural. Para exaltar tal afirmativa recorreremos a Moraes (1990, p.74), que expõe uma das linhas traçadas por Ratzel que interliga sociedade – território; “em meio a muitas variações que se sobrepõem, as relações entre sociedade e território continuam sendo sempre determinadas pelas suas necessidades de habitação e de alimentação”. O ser humano necessita desses dois componentes (habitação e alimentação) para sobreviver, daí a importância de conquistar/manter o seu território, o solo. Assim, esta ligação nos instiga a discorrer sobre uma “afetividade territorial”, que é um dos elementos pensados na contemporaneidade para identificar o território ou legitimá-lo.

Entretanto, é importante destacar que, como expõe Ratzel, a afetividade dos indivíduos com aquele território (solo) não se dará num primeiro momento, visto que, existe uma necessidade natural de alimentar-se e construir moradias. Contudo, passado este primeiro momento, os seres humanos passam a criar laços com aqueles espaços e assim defendê-los. Moraes (1990, p.75) enfatiza:

Quanto mais sólido se torna o vínculo através do qual a alimentação e a moradia prendem a sociedade ao solo, tanto mais se impõem à sociedade a necessidade de manter a propriedade do seu território. Diante deste último, a tarefa do Estado continua sendo em última análise apenas uma: a da proteção.

Quando a sociedade se organiza com este propósito de proteger o território, estará de forma natural criando e desenvolvendo o Estado, criando e desenvolvendo laços de afetividade com aquele território, mesmo que de forma natural (visto que a alimentação e a moradia constituem elementos fundamentais de sobrevivência).

O Estado, na concepção ratzeliana, forneceria assim condições para a proteção dos territórios e, consequentemente, estaria garantindo a sobrevivência dos indivíduos que

(28)

habitam aquele espaço. O território entendido como superfície terrestre, como discorre Moraes (1990, p.80):

Ora, diante de tanta incerteza não é muito melhor ficar no estudo de um elemento real, que é o território, que está sob os nossos pés? Sobre este território vemos claramente repetir-se o desenvolvimento das formas sociais e políticas, que tendem a ocupar espaços cada vez maiores. Naturalmente, além de ampliar-se, estas formas vão progredindo gradativamente.

O povo não existe sem território! O território fornece a base (o solo) para que a sociedade se desenvolva (forma uma identidade cultural)! Existe uma concepção mais naturalizante do termo território do que esta apresentada pela Geografia Política Clássica? Não. O território constituía um “espaço concreto em si”, que era conquistado por uma sociedade, um Estado. Porém, se a geografia ratzeliana naturalizou o conceito de território, esta também defendeu uma ideia política que foi fundamental para o desenvolvimento do termo. Sobre isto, Candiotto e Santos (2009, p.316) afirmam que:

A grande contribuição de Ratzel foi vincular o território como imprescindível para alcançar objetivos políticos, teorizando a respeito de sua relevância na constituição do Estado-Nação e intrinsicamente justificando a manutenção e a conquista de poder, pois, para ocorrer o domínio do Estado, seria necessário existir um território.

Se Ratzel “pecou” pelo exagero nomotético dos seus estudos, este se eternizou na ciência e principalmente na Geografia pelos seus estudos ousados, característicos de um cientista que foi além do seu tempo, um visionário. Os estudos de Ratzel foram concebidos “como estudos sintéticos (que buscam relações entre fenômenos diversificados) e explicativos (capazes de gerar leis), que, por sua vez, subdividir-se-iam em variadas geográficas especiais” (MORAES, 1990, p.09).

Na Geografia Política Clássica, além de correlacionar território ao solo, Ratzel por vários momentos em sua obra menciona a necessidade de “deter” estes territórios (boden), cabendo ao Estado esta tarefa, Estado este que era constituído pela sociedade. O Estado possuía o poder de assegurar a garantia desses territórios. Devido a essa concepção, o ranço da geografia ratzeliana ultrapassa as décadas e o poder, nos dias atuais, ainda apresenta-se como um componente para definir o território. Desta maneira, para avançarmos conceitualmente, faz-se necessário apresentar algumas informações que fundira o poder no território e vice-versa.

(29)

1.2 Território e Poder: um discurso metonímico?

Não se pretende neste subitem elencar vários elementos que legitimem a ideia de uma relação intrínseca entre o território e o poder. Contudo, este foi elaborado na perspectiva de alertar o leitor para um fator imprescindível de conceitualização da categoria território, podendo-se afirmar que o poder foi o único “elemento” que perpassou as décadas e, consequentemente, as diferentes, porém, não totalmente excludentes ideias geográficas que definiram/definem o território.

Quando o território foi teorizado pela primeira vez geograficamente na concepção ratzeliana, este foi naturalizado, uma vez que era identificado como solo (boden). Entretanto, um fator que foi identificado neste período e utilizado até os dias atuais, o poder, constituiu um discurso metonímico com o território, ou seja, existe uma relação entre um termo e outro (poder – território) que, geograficamente “falando”, ao identificar um dos dois, implicaria à presença do outro.

Contudo, o grande “equívoco” ratzeliano foi apresentar o Estado como único e grandiosa fonte de poder – o que é compreensível devido ao contexto (que já foi exposto no item anterior) em que Ratzel desenvolveu-se. A Geografia Política Clássica poderia ser apresentada também como uma Geografia do Estado, pois, apesar de não fugir da cientificidade, muito menos concordar com todas as estratégias políticas bismarckianas, Ratzel colheu dados/informações para que isso ocorresse, apresentando o Estado como todo poderoso. Raffestin (1993, p.16) discorre sobre:

A partir do momento em que o Estado = ao político, a categoria do poder estatal sendo superior a todas as outras, o Estado pode vir a ser a única categoria de análise. Dizer que o Estado é a única fonte do poder é, como dissemos, uma confusão... ou o Estado detém o poder e é o único a detê-lo, ou é o poder superior e é preciso construir a hipótese de poderes inferiores que podem agir como ele.

Esse “macro”, na escala de poder - o Estado – seria, desta maneira, o único e, assim, comandaria todo o resto, o que a partir da Geografia Crítica foi desmanchando-se. Portanto, é interessante pontuar que o Estado é sim uma fonte do poder, a questão é que ele não é a única fonte de poder. Podemos identificar várias “escalas de poderes”, pois, o poder encontra-se na “parte intrínseca de toda relação”.

Destarte, Souza (2009, p.59) é enfático a discorrer sobre a relação território – poder, pois, na sua concepção “o que define o território é, em primeiríssimo lugar, o poder – e, nesse sentido, a dimensão política é aquela que, antes de qualquer outra, lhe define o perfil”. É

(30)

importante atentar para em “primeiríssimo lugar”, pois, isto não implica afirmar que não existem outras formas de conceitualização, porém, aprofundaremos o debate no item 1.4, acreditando que adentrar nesta discussão fugiria a proposta estabelecida no respectivo subitem.

O que veementemente se defendeu foi que o território possui um perfil político, no qual foi identificado desde a sua gênese, que seria constituído de uma relação de poder, ou seja, o território seria nada menos que um “campo de forças”. Desta maneira, acredita-se ser necessário discorremos sobre o poder diferenciando-o da violência, visto que estes termos são constantemente tratados como sinônimos, o que gera confusões terminológicas dentro e fora das academias, principalmente, devido à concepção do senso comum com os quais os termos sempre foram relacionados.

1.3 Definindo o poder para compreender o território

O território, enquanto categoria geográfica, necessita de dois componentes para sua existência, o espaço e o poder. Porém, na respectiva análise nos limitaremos a conceituar o poder, não correlacionando com o território, pois, acredita-se ser necessário definir e diferenciar poder e violência afim deavançarmos para uma compreensão e definiçãodo território em qualquer escala espacial. Desta maneira, para aprofundarmos o debate e delimitar/limitar no que se pretende, será necessário “beber de outras fontes” para que possamos compreender a “essência” dos termos.

Destarte, o que é poder? Iniciaremos as reflexões com a definição de Michel Foucault (2008, p.04):

O poder não é, justamente, uma substância, um fluído, algo que decorreria disto ou daquilo, mas simplesmente na medida em que se admite que o poder é um conjunto de mecanismos e de procedimentos que têm como papel ou função e tema manter – mesmo que não o consigam – justamente o poder. É um conjunto de procedimentos, e é assim e somente assim que se poderia entender que a análise dos mecanismos de poder dá inicio a algo como uma teoria do poder.

Desta maneira, compreende-se que o autor não define de forma substancial o que é poder, mas, o poder. E, para avançarmos conceitualmente, se faz necessário compreendermos estes mecanismos. Ressaltando que, ao analisar estes mecanismos não estaríamos definindo o poder, porém, compreenderíamos os caminhos que este perpassa, construindo uma teoria, como bem lembra Foucault (2008, p.03), “nessa análise, trata-se simplesmente de saber por onde isso passa, como se passa, entre quem e quem, entre que ponto e que ponto, segundo

(31)

quais procedimentos e com quais efeitos”. Compreendendo estes mecanismos, estaríamos diante (a princípio) de uma definição conceitual.

Deste modo, e segundo Foucault (2008, p.04), os mecanismos que ajudam a compor uma teoria do poder, se originam nas relações sociais e podem ser constituídas das mais diferentes formas:

Os mecanismos de poder são parte intrínseca de todas essas relações, são circularmente o efeito e causa delas, mesmo que, é claro, entre os diferentes mecanismos de poder que podemos encontrar nas relações de produção, nas relações familiares, nas relações sexuais, seja possível encontrar coordenações laterais, subordinação hierárquicas, isomorfismos, identidades ou analogias técnicas, efeitos encadeados que permitem percorrer de uma maneira ao mesmo tempo lógica, coerente e válida o conjunto dos mecanismos de poder e apreendê-los no que podem ter de específico num momento dado, durante um período dado, num campo dado.

Portanto, os mecanismos de poder são constituídos de um conjunto de estruturas que podem variar dependendo da relação em que estas estejam imersas. Os mecanismos do poder são cíclicos e dinâmicos, e, desta maneira, estarão sempre em constante renovação, ou seja, são modo e meio de produção das relações sociais. Entretanto, é interessante notar também que os mecanismos que forneceram essas estruturas para pensar uma teoria do poder não possuem uma temporalidade definida, fixa, podendo variar de acordo com a relação da qual esta foi desencadeada. O autor ainda acrescenta (FOUCAULT, 2007, p.160):

... eu viso a um conjunto de mecanismos que ligam os feixes de procedimentos de que se serve o poder... de fato, o poder em seu exercício vai muito mais longe, passa por canais muito mais sutis, é muito mais ambíguo, porque cada um de nós é, no fundo, titular de um certo poder e, por isso, veicula o poder.

O poder não pertence só ao Estado, como foi muitas vezes referenciado por Ratzel e também não pertence ao modo de produção, muito vinculado entre as ideias de Marx. O poder pode ser compreendido em múltiplas escalas e pertencer a uma grande instituição ou a um grupo ou indivíduo, dependendo se este estiver no controle do conjunto dos mecanismos que podem variar e podem constituir-se de formas diferenciadas como, por exemplo, “vocação” para liderança, conhecimento adquirido, línguas, doutrina religiosa, dentre outros.

De acordo com Paul Claval (1979, p.11), “a análise do poder é, numa primeira acepção, a análise da gama das ações que se sabe praticar para modificar o meio, explorá-lo e dele tirar o necessário à vida”. Assim, a gênese do poder é identificada pelo fato dos indivíduos buscarem dominar a natureza, para desta retirarem os elementos necessários

(32)

àsobrevivência. O poder é, a princípio, naturalizado para evoluir para outras instâncias. Claval (1979, p.23) apresenta o poder “puro” como a forma mais simples do poder social:

A relação de poder puro é, sem dúvida, a forma mais simples de exercício do poder social: é ela que se desenvolve entre um chefe capaz de impor sua vontade pela coação e os que lhe estão sujeitos. A assimetria dos participantes é total: aquele que é obrigado a executar não recebe nada em troca – nem mesmo a segurança ou o bem-estar que podem justificar, por um efeito de retorno, a dominação.

Destarte, compreende-se que há um primeiro poder que foi utilizado para que os indivíduos possam retirar do ambiente os elementos necessários a sua sobrevivência. Após este período (isso não implica que tenha sido totalmente desfeito,) há uma relação de poder puro que se constituirá de um poder social, que é identificado, por exemplo, nas relações de trabalho.

Outro geógrafo a debruçar-se sobre a análise do poder foi Claude Raffestin (1993, p.51), que já inicia suas reflexões expondo suas angústias e as dificuldades encontradas: “Se há uma palavra rebelde a qualquer definição, essa palavra é o poder. „Por quê?‟ Por consistir em atos, em decisões, ele se representa mal”. O autor inicia o estudo diferenciando o “poder” que, segundo este, pode ser identificado de duas maneiras, podendo ser Poder (com letra maiúscula), que refere-se ao Estado, um poder soberano em uma escala macro; e o poder (com letra minúscula), que nas suas análises, constitui-se do nome próprio, comum.

O poder (e aqui não seguiremos a ideia proposta por Raffestin – P/p) é a parte inerente de toda relação, desta maneira, pode ser observado em qualquer lugar. Veementemente,Raffestin defende a ideia que toda relação é na verdade uma relação de poder, que acontece em um determinado lugar, então, pode-se concluir que toda relação é um lugar do poder, assim, existirá uma ligação intensa com o controle dos fluxos, que seriam justamente o controle da energia e da informação. Este ainda conclui que (op. cit., 1993, p.53):

O poder se manifesta por ocasião da relação. É um processo de troca ou de comunicação quando, na relação que se estabelece, os dois pólos fazem face um ao outro ou se confrontam. As forças de que dispõem os dois parceiros (caso mais simples) criam um campo: o campo do poder.

E ainda acrescenta (op. cit., p.58), “o poder visa o controle e a dominação sobre os homens e sobre as coisas”. E este só será identificado se existir relações sociais, onde os indivíduos estarão em “constante” processo de dominar, ser dominado e é neste espaço onde as relações se desenvolveram que o autor identifica como campo do poder.

Referências

Documentos relacionados

total ou parcial, ao terceiro proprietário dos bens ou mercadorias, com a expressa anuência da Seguradora, seja por ter efetuado despesas para minorar os danos, salvar os bens ou

Para o desenvolvimento das habilidades e competências propostas em cada um dos cursos, destaca-se o Centro de Turismo e Hotelaria, além do Centro de Gastronomia, disponíveis nos

Fundo Municipal dos Direitos da Crianca do Adolesc Balanco Seguridade social - Adendo V Anexo 6, da Lei n ° 4320, de 17/03/64.. mrfflif

A partir dos resultados de microscopia eletrônica de varredura (MEV), visuali- zou-se que a superfície da membrana de PES puro apresentou uma estrutura aparentemente

perda de informa¸c˜ ao na rede, tanto para um Filtro H´ıbrido quanto para filtros projetados.. via MJLS, com os respectivos valores da janela de

Objetivando conhecer as principais queixas para o encaminhamento de crianças e adolescentes à avaliação psicológica, a pesquisa foi desenvolvida no município de Campina Grande

It is automatically and highly scalable, providing high performance and supporting up to ten times more simultaneous users then it was required by the base use

Animadora Sócio Cultural e Psicóloga Sala de atendimento; processos clínicos Anual (apenas quando solicitada) Sessões de sensibilização nas escolas Sensibilizar e