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Violência doméstica e familiar contra a mulher no brasil e a efetividade das políticas públicas no processo de prevenção e de atendimento às vítimas: uma análise a partir do município de Ijuí/RS

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LAIANA OLDENBURG DA SILVA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL E A EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE PREVENÇÃO

E DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS

Ijuí (RS) 2020

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LAIANA OLDENBURG DA SILVA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL E A EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE PREVENÇÃO

E DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2020

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Dedico este trabalho à minha família, especialmente aos meus pais, os quais são meus maiores exemplos de vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado forças ao longo desta trajetória. Aos meus pais, pelo apoio e confiança em mim depositados, pelas palavras de ânimo e estímulo, que nunca me fizeram desistir do meu objetivo.

Ao meu namorado, pela compreensão nos momentos de ausência, pelo carinho e incentivo durante esta caminhada.

À professora orientadora, Ester Eliana Hauser, pelas contribuições, intervenções, paciência e disponibilidade neste desafio.

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A Justiça é justa quando trata igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais. Maria

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso discute o fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher no país, bem como, as políticas públicas destinadas ao seu enfrentamento, analisando o nível de efetividade das mesmas e a importância da Rede de Proteção à Mulher, tendo por referência sua atuação no município de Ijuí/RS. Historicamente, estruturaram-se na sociedade diferentes comportamentos para homens e mulheres, o que permitiu a construção de relações interpessoais violentas, pois baseada na cultura patriarcal, a lógica da soberania masculina e subordinação feminina perpetuou-se através das gerações, e, atualmente, está enraizada em diversas instituições familiares. Embora a Lei nº 11.340/06 represente um avanço no que tange às políticas de proteção à mulher e de enfrentamento à violência, verifica-se, ainda, a necessidade do aprimoramento, especialmente no campo da prevenção, atuando com crianças e jovens, trabalhando com questões de gênero e igualdade, desconstruindo os estereótipos historicamente instituídos, para superar a cultura que está na base da violência doméstica e familiar contra a mulher. O método utilizado para a realização do presente trabalho é do tipo hipotético-dedutivo, sendo que o suporte teórico foi obtido através da coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e eletrônicos.

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ABSTRACT

This work of conclusion course presents aspects about the phenomenon of domestic and family violence against women in the country, as well as public policies aimed at addressing them, analyzing their level of effectiveness and the importance of the Women's Protection Lines, having as reference its performance in the city of Ijuí / RS – Brazil. Historically, different behaviors for men and women have been structured in society, which has allowed the construction of violent interpersonal relationships, since based on patriarchal culture, the logic of male sovereignty and female subordination has been perpetuated through the generations, and today it is rooted in several family institutions. Although Law No. 11.340 / 06 represented an advance in terms of policies to protect women and confront violence, there is still a need for improvement, especially in the field of prevention, acting with children and young people, working with gender and equality issues, deconstructing the historically instituted stereotypes, to overcome the culture that base domestic and family violence against women. The method used to carry out the present work is of the hypothetical-deductive type, and the theoretical support was obtained through the collection of data in bibliographic sources available in physical means and electronic media.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 1. QUESTÕES DE GÊNERO, (DES)IGUALDADE E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL ... 12 1.1 Violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil ... 13 1.2 Questões de gênero, desigualdade e violência contra a mulher ... 21 1.3 O valor do empoderamento feminino no processo de emancipação da mulher e de enfrentamento à violência doméstica e familiar ... 29 2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO E DE PROTEÇÃO À MULHER ... 36 2.1 O Estado Brasileiro e o enfrentamento da questão da violência contra as mulheres ... 37 2.1.1 Criação das Delegacias Especializadas de atendimento à mulher e a (não) incidência dos JECriminais no âmbito da violência doméstica ... 41 2.1.2 Mecanismos legais protetivos na Lei Maria da Penha... 48 2.2 A Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher:

objetivos, princípios e bases normativas internacionais ... 57 2.3 A construção da Rede de Proteção às mulheres a partir da experiência de Ijuí/RS ... 66 CONCLUSÃO ... 80 REFERÊNCIAS ... 85

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo dedicado ao fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil e o conjunto de políticas públicas destinadas ao seu enfrentamento, discutindo os níveis de efetividade no processo de responsabilização do agressor, prevenção e atendimento à mulher vítima, bem como, o papel da Rede de Proteção, tendo por referência sua atuação no município de Ijuí/RS.

Assim, este estudo pretende verificar quais são as políticas públicas utilizadas no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil e no município de Ijuí/RS, da mesma forma, qual a real importância da consolidação e atuação da Rede de Proteção à Mulher no processo de prevenção e atendimento às vítimas de violência familiar.

A violência contra a mulher está presente em todo território nacional, sendo perpetrada, precipuamente, por namorados, cônjuges, companheiros ou ex-companheiros das ofendidas. Os papeis de gênero idealizados historicamente, tendo por base a cultura machista, estão sendo desconstruídos frente ao progresso do empoderamento feminino. A cultura patriarcal gera privilégios aos homens e desabriga as mulheres, as quais estão mais suscetíveis às diversas modalidades de violência.

Pode-se citar como exemplos as violências física e psicológica – que são as duas formas mais comuns de agressões às mulheres – sendo que esta última inaugura o denominado ciclo da violência doméstica, o qual se torna um impeditivo para que às mulheres compreendam que estão inseridas em uma relação abusiva

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e, também, é um obstáculo para que consigam conquistar sua autonomia tanto financeira quanto social.

Após o advento da Lei nº 11.340 de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, foram implementados mecanismos de proteção às mulheres vítimas de violência. Estes, por sua vez, formam uma verdadeira rede de proteção às ofendidas, prestando auxílio à estas, assim como agindo na prevenção e no combate à violência.

Neste sentido, no primeiro capítulo serão abordados dados referentes à violência contra a mulher no país, como também, serão apresentadas as modalidades de agressões e o ciclo que está inserida a mulher vítima. Posteriormente, será inaugurada discussão acerca do conceito de gênero e papeis de gênero estabelecidos historicamente – os quais se naturalizam na sociedade contemporânea, reproduzindo a opressão das mulheres e o domínio masculino. Por fim, será analisado o valor do empoderamento feminino enquanto construção da autonomia jurídica e social da mulher. Não obstante, a violência ainda permanece presente no cotidiano de muitas mulheres, sendo necessária a ruptura desse relacionamento abusivo, e, para isso, sinala-se a imprescindibilidade de a mulher compreender a situação que está inserida e desejar afastar-se deste cenário de hostilidade.

No segundo capítulo é escancarada a trágica história de uma mulher vítima de violência, a qual se tornou o símbolo da luta feminina e do descaso do Estado no que tange às situações de violência doméstica. Outrossim, será abordada a criação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher e a consequente exclusão da incidência dos Juizados Especiais Criminais nos casos de violência doméstica – os quais definiam grande parte das situações como meras “infrações de menor potencial”. Embora a criação destas delegacias seja um grande avanço para a sociedade, as vítimas que procuram tais espaços para se proteger e se resguardar, são alvos, ainda, da violência institucional, o que será abordado neste tópico. Ademais, serão apresentadas as medidas protetivas de urgência inclusas na Lei Maria da Penha, além das recentes alterações no Código Penal, o que

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reforça a proteção contra a violência letal e à dignidade da mulher. Ainda, serão exibidos os objetivos, princípios e bases da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, bem como, a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 457 (2020). Por fim, serão apresentadas políticas públicas destinadas à prevenção e ao enfrentamento desse fenômeno mundial, além de algumas instituições que integram a Rede de Proteção à Mulher, ressaltando, ainda, fragilidades do sistema e o fato de que, embora exista uma legislação mais repressiva, os índices de violência não retroagem, indicando, assim, a necessidade do aprimoramento, sobretudo, no campo da prevenção.

O método utilizado para a realização do presente trabalho é do tipo hipotético-dedutivo, sendo que o suporte teórico foi obtido através da coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, com seleção de materiais bibliográficos baseados em livros, artigos científicos e demais materiais disponíveis na internet.

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1. QUESTÕES DE GÊNERO, (DES)IGUALDADE E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL

Historicamente constituiu-se na sociedade ocidental uma visível distinção de papeis de gênero, o que permitiu a construção de relações de poder desiguais entre homens e mulheres, que são a base do patriarcado e do machismo. Tais relações, estruturadas na lógica de supremacia masculina e subordinação feminina, ainda estão presentes no cotidiano da sociedade contemporânea, embora tenha ocorrido grandes transformações jurídicas no sentido da afirmação dos direitos humanos e da igualdade de gênero. Aos homens, como regra, atribuíram-se os papeis relativos ao espaço público e ao mercado de trabalho, bem como o lugar de provedores da família, enquanto às mulheres destinaram-se as tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e um conjunto de papeis considerados inferiores. Logo, “ao homem sempre coube o espaço público, e a mulher foi confinada nos limites do lar, no cuidado da família” (DIAS, 2019, p. 1), o que permitiu a consolidação histórica de uma espécie de desigualdade e de subordinação feminina.

Neste contexto, marcado pela desigualdade, a violência doméstica e familiar contra a mulher sempre esteve presente, sob as mais diferentes formas, não só no Brasil como no mundo, sendo perpetrada, precipuamente, por namorados, cônjuges e companheiros das ofendidas. Os supostos papeis de gênero estabelecidos pela sociedade para homens e mulheres estão sendo desconstruídos, diante do progresso do empoderamento feminino. Esse é, talvez, o principal motivo do crescente índice de violência contra a mulher, pois a cultura do patriarcado gera privilégios aos homens e desabriga as mulheres e, diante do processo de emancipação feminina, representa uma espécie de reação à perda de espaços de poder privilegiados. Pode-se citar como exemplos a violência física e a psicológica, que são as duas formas mais comuns de agressões às mulheres – a segunda modalidade desencadeia o ciclo da violência doméstica.

Após a condenação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos face ao caso Maria da Penha, o Estado Brasileiro implementou a Lei nº 11.340/2006, a qual se tornou um importante instrumento de prevenção e de controle da violência

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doméstica, introduzindo alguns mecanismos de proteção às mulheres vítimas desta forma de violência.

1.1 Violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil

O princípio da igualdade estabelecida no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, se tornou um importante avanço para o combate à discriminação da mulher. Essa conquista representou a efetivação da busca pelo respeito enquanto cidadã de uma sociedade democrática. Contudo, a violência doméstica e familiar torna-se um empecilho para sua real consolidação.

De acordo com o Mapa da Violência de 2015 (WAISENFIELD, 2015), o qual trata sobre dados da violência contra a mulher no Brasil, em uma perspectiva histórica, entre 1980 e 2013, foram 106.093 homicídios de mulheres no Brasil. Assustadoramente, o número passou de 1.353 vítimas no ano de 1980, para 4.762 em 2013, com um aumento de 252%. Sinala-se que no ano de 2013, o Brasil alcançou o índice de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, uma elevação estarrecedora, se comparado à taxa do ano de 1980, que contava com 2,3 vítimas, uma crescente de 111,1%.

Ademais, o Mapa da Violência (WAISENFIELD, 2015) também expõe dados da violência perpetrada por um familiar da vítima, sendo que dos 4.762 homicídios de mulheres registrados no ano de 2013 no país, cerca de 50,3% foram praticados por familiares, representando sete feminicídios diários. A taxa de 33,2% do total dos casos foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros das ofendidas, tipificando quatro mortes diárias neste contexto, revelando que ainda predomina feminicídios no âmbito conjugal.

Segundo Cerqueira e Bueno (2019), no período decenal entre os anos de 2007 e 2017, houve uma crescente taxa de homicídios de mulheres brasileiras, com cerca de 20,7%, passando de 3,9 para 4,7 assassinatos por grupo de 100 mil mulheres. Nesse lapso temporal, houve o crescimento desse índice em dezessete Unidades da Federação.

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Tendo em vista esta realidade, a Lei nº 11.340/06, trouxe em seu texto a conceituação de violência doméstica e familiar contra a mulher, e em seu artigo 5º estabelece que:

[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006).

A violência se manifesta, principalmente, no interior dos lares brasileiros, e é praticada não apenas por familiares, companheiros e ex-companheiros das mulheres, mas também por pessoas que convivem com estas, não tendo necessariamente um vínculo biológico ou uma relação íntima de afeto, e suas consequências ultrapassam o âmbito privado, sendo considerada, inclusive, como uma violação de direitos humanos.

Ademais, apesar de ser um fenômeno histórico, cultural e social, somente nas últimas décadas, a violência contra a mulher tornou-se uma questão de saúde pública (GROSSI; TAVARES; OLIVEIRA, 2019, p. 268).

A violência doméstica e familiar contra a mulher ainda está presente no cotidiano da sociedade, pois “é inquestionável que a ideologia patriarcal ainda subsiste, leva o homem a ter-se como proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos” (DIAS, 2019). Isso explica o porquê a violência contra a mulher é, na maioria das vezes, perpetrada por namorados, maridos e companheiros das ofendidas.

Todavia, esse modelo cultural está sendo rompido diante do progresso do empoderamento feminino frente às desigualdades de direitos, apagando a visão

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tradicional do que se considera como comportamento adequado aos homens e às mulheres, historicamente construído.

Através da independência feminina, muitos namorados, cônjuges e companheiros não conseguem compreender e aceitar esse novo contexto social e reagem com atitudes violentas, buscando o controle e a manutenção do poder sobre suas companheiras. A Lei nº 11.340/2006, se tornou um importante instrumento legislativo, o qual protege as mulheres e lhes assegura mecanismos contra todas as modalidades de violência doméstica. “É um passo significativo para assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual e moral” (DIAS, 2019, p. 1).

O artigo 7º (Lei nº 11.340/2006) estabelece, dentre outras, cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, quais sejam, violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

A agressão física, por sua vez, de acordo com artigo 7º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, é “entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal” (BRASIL, 2019) da mulher. São exemplos mais comuns deste tipo de agressão, tapas, puxões de cabelo, empurrões, chutes e socos, gerando lesões aparentes, ou não, nas vítimas. Geralmente, enquanto as marcas das agressões são pequenas, as vítimas hesitam em registrar o boletim de ocorrência, todavia, esta modalidade de violência inclui diversos atos, que podem progredir em intensidade e frequência (HIRIGOYEN, 2005, p. 45), podendo até mesmo evoluir ao feminicídio.

Por outro lado, a violência psicológica, consoante o artigo 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, é compreendida como sendo atitudes que desencadeiam na ofendida “dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões” (BRASIL, 2019). “É uma noção subjetiva: um mesmo ato pode ter significações diferentes segundo o contexto em que se insere,

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e um comportamento será visto como abusivo para uns e não por outros” (HIRIGOYEN, 2005, p. 28).

Portanto, ocorre a violência psicológica quando o companheiro, mediante condutas e expressões negativas, desestabiliza, denigre e despreza a vítima. São exemplos atitudes como ameaças, chantagens, constrangimentos, manipulações, isolamentos, humilhações, as quais podem desenvolver na vítima doenças como depressão, transtornos psicológicos, distúrbios do sono e ansiedade.

A terceira agressão mais frequente contra a mulher é a sexual e, como descreve o artigo 7º, inciso III, da Lei nº 11.340/2006, esta é

[...] entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, [...] que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição [...] ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2019).

Essa é a modalidade de violência que as vítimas possuem mais dificuldade em admitir. Algumas mulheres ainda possuem o entendimento de que uma relação sexual imposta por seu parceiro faz parte do dever conjugal, todavia, esse é um exemplo prático de violência sexual, que na maioria das vezes, passa despercebido, por ser naturalizado.

Já no inciso IV do artigo 7º, da Lei nº 11.340/2006, é explicitado o conceito da violência patrimonial, que, muitas vezes, não é amplamente divulgado e, por conta disso, não é compreendido pelas vítimas como sendo uma modalidade violência doméstica, assim tem-se o entendimento de que é a “conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores” (BRASIL, 2019), “visando tirar da mulher sua autonomia, fazer com que ela não tenha margem de manobra se ela manifestar veleidades de separação” (HIRIGOYEN, 2005, p. 54).

Outrossim, o companheiro pode convencer a vítima a deixar sua atividade profissional ou até mesmo os estudos, para que esta venha a depender

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financeiramente dele, dificultando, futuramente, uma situação de divórcio, por exemplo. Nessa lógica, este é

[...] o caso mais clássico, em que o medo das dificuldades materiais, em consequência da sua dependência econômica, impede as mulheres de deixarem um cônjuge violento. Elas temem não conseguir juntas as duas pontas, arranjar um trabalho e um local de moradia. Muitas vezes desconhecem seus direitos ou os apoios possíveis e ficam desencorajadas (HIRIGOYEN, 2005, p. 54).

Por fim, a violência moral é a conduta que configura calúnia, difamação ou injúria, e que ocorre, na maioria das vezes, simultaneamente à violência psicológica. São três tipos penais estabelecidos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro. Calúnia é definida como sendo a falsa imputação à mulher de um fato definido como crime. Por outro lado, a difamação é quando se denigre a imagem da ofendida perante a sociedade, imputando-a fatos ofensivos à sua reputação. Já a injúria consiste em atingir a dignidade da vítima, ofendendo-a na sua intimidade.

Referindo-se às diferentes formas de violência contra a mulher Silva, Coelho e Caponi (2006), salientam que elas se iniciam “[...] de uma forma lenta e silenciosa, que progride em intensidade e consequências”, inaugurando, portanto, o denominado ciclo da violência. Esse ciclo é divido em três fases, as quais tornam as agressões um processo cíclico e repetitivo.

A primeira fase é denominada de “fase de tensão” (HIRIGOYEN, 2005, p.62), na qual se perpetua, precipuamente, a violência psicológica. É desencadeada por pequenos incidentes no relacionamento do casal que vão se ampliando gradativamente. A vítima se responsabiliza pelas atitudes agressivas do companheiro e age para agradá-lo, abdicando de seus próprios desejos para servi-lo. Hirigoyen (2005, p. 62) explica a fase de tensão:

Uma fase de tensão, de irritabilidade do homem, relacionada [...] a preocupações e dificuldades da vida cotidiana. Durante essa fase, a violência não se manifesta diretamente, mas transparece por mímicas (silêncios hostis), por atitudes (olhares agressivos) ou pelo timbre de voz (tom irritado).

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Ainda, segundo Hirigoyen (2005, p. 27), as agressões físicas e psicológicas estão interligadas, pois, na maioria das vezes, o homem violento “prepara o terreno”, amedronta e apavora a mulher na primeira fase do ciclo, para que, posteriormente, possa agredi-la. Portanto, a violência psicológica sempre antecede à física.

A segunda fase denomina-se de fase de agressão, na qual a violência física inicia-se paulatinamente, com empurrões, puxões de cabelo, tapas, chutes, socos, mordidas, podendo evoluir para a utilização de armas – sejam brancas ou de fogo – por parte do companheiro. Ademais, nesta fase ocorre a violência patrimonial, pois o homem destrói objetos pessoais da ofendida e até mesmo os pertences do domicílio. A violência sexual também está presente, posto que o homem obriga a mulher a manter relações sexuais, demonstrando sua superioridade e dominação. A vítima não reage às diversas agressões, tendo em vista que o “terreno já foi preparado” para o episódio (HIRIGOYEN, 2005, p. 62).

A terceira e última fase do ciclo da violência, é “fase de desculpas” ou “fase de reconciliação” (HIRIGOYEN, 2005, p. 63), quando o companheiro tenta atenuar ou anular sua conduta violenta. Isto é, após as atitudes agressivas perpetradas pelos namorados, cônjuges e companheiros, advém o arrependimento, as justificativas e explicações que lhes tiram o sentimento de culpa. O homem, portanto, “adota uma atitude agradável, mostra-se repentinamente atencioso, cheio de gentilezas. Ajuda nas tarefas de casa. Mostra-se apaixonado” (HIRIGOYEN, 2005, p. 64). Todavia, é nesse ponto que o ciclo da violência novamente se inicia, uma vez que as atitudes violentas e agressivas do companheiro retornam e, posteriormente, progridem para tapas, empurrões e chutes, inaugurando, novamente a fase das desculpas.

Segundo o Mapa da Violência (WAISENFIELD, 2015), os índices no país são alarmantes, em especial a agressão física, que é a mais frequente, com 48,7% dos casos, seguida da violência psicológica e sexual, com 23% e 11,9%, respectivamente. A residência do casal é o ambiente onde ocorre cerca de 71,9%

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das agressões contra à mulher, local onde a vítima deveria estar segura, no aconchego do lar.

Consoante o mesmo estudo (WAISENFIELD, 2015), no que tange à violência letal, são registrados, ano a ano, mais de 4.000 casos, sendo que a maior parte dos feminicídios, em torno de 33,2%, foram praticados por companheiros ou ex-companheiros das vítimas, representando 4 mortes diárias.

A partir da análise dos dados apresentados no Atlas da Violência de 2018 (CERQUEIRA, 2018), apura-se que 49.497 casos de estupro foram registrados nas Delegacias de Polícia brasileiras, no ano de 2016. Já no Sistema Único de Saúde, durante esse mesmo período, foram contabilizados cerca de 22.918 casos de estupro. Embora esses dados sejam assustadores e alarmantes, não representam a verdadeira realidade e a dimensão do problema.

A pesquisa de opinião pública “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado”, de agosto de 2010 (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO/SESC, 2010), foi realizada com 2.365 mulheres e 1.181 homens, em 25 estados da federação brasileira. Averiguou-se que 40% das entrevistadas já sofreram alguma modalidade de violência, e destas 22% tinham entre 25 a 34 anos de idade à época dos incidentes. Dentre as agressões mais praticadas, estão empatadas em primeiro lugar, o controle/cerceamento e a violência física ou ameaça, com 24% dos casos. Seguidos da violência psíquica/verbal e sexual, com 23% e 10%, respectivamente. Os companheiros e ex-companheiros são os autores de cerca de 80% das agressões mencionadas.

Conforme as tabelas apresentadas no Atlas da Violência de 2019 (CERQUEIRA, 2019), verifica-se que o estado do Rio Grande do Sul está na 16º posição no ranking da violência, com a taxa de 5,5% de homicídios para cada 100 mil mulheres, no ano de 2017. O site da Secretaria da Segurança Pública do estado do Rio Grande do Sul (SSP/RS, 2020), disponibiliza, ano a ano, gráficos que demonstram indicadores da violência contra a mulher. No mês de janeiro de 2018, no estado, foram contabilizadas 3.625 ameaças contra mulheres e 194 casos de

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estupro, sendo esse o período com maiores registros dentre esses dois delitos, durante todo o ano de 2018. Em relação ao delito de lesão corporal, o mês de dezembro do mesmo ano contou com 2.222 casos. Já os meses de dezembro e junho de 2018, ficaram empatados no número de feminicídios consumados no estado do Rio Grande do Sul, sendo registrados 16 casos, para cada mês.

Em um comparativo com o ano de 2019 (RIO GRANDE DO SUL, 2019), no mês de janeiro foram registrados 3.708 casos de ameaça, 2.082 de lesão corporal e 168 de estupro, sendo esse o mês, até então, que contabilizou os maiores números da prática desses delitos. Em relação ao delito de feminicídio, o marco foi o período de maio, que estimou 13 casos consumados.

Já no âmbito do município de Ijuí, de acordo com o Relatório Anual da Coordenadoria da Mulher (RELATÓRIO ANUAL DO MUNICÍPIO DE IJUÍ, 2018), até o ano de 2018, 2.269 casos de mulheres em situação de violência doméstica e familiar foram acompanhados pelo serviço. Só em 2018, houve um acréscimo de 436 novos casos, resultando na média de 189 atendimentos mensais às vítimas de violência doméstica neste município.

Ainda no município de Ijuí, durante 2018 (RELATÓRIO ANUAL DO MUNICÍPIO DE IJUÍ, 2018), foram registrados 387 casos de ameaça praticados contra a mulher, 236 de lesão corporal e 15 de estupro, representando 1,03%, 1,08% e 0,88%, do total de casos no estado do Rio Grande do Sul do ano de 2018, respectivamente.

Diante dos dados estatísticos expostos, percebe-se que a violência doméstica e familiar contra à mulher é a realidade de muitas brasileiras, e que, infelizmente, torna-se algo rotineiro. Empoderar as vítimas, através das políticas públicas, significa fortalecê-las para conseguirem alterar a situação e sentirem-se seguras frente ao agressor, apoiando-se na rede de proteção à mulher.

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1.2 Questões de gênero, desigualdade e violência contra a mulher

Primeiramente, cabe esclarecer o conceito de gênero, uma vez que esse é o termo recorrentemente utilizado quando se faz menção à violência contra a mulher.

O vocábulo “gênero” foi, preliminarmente, utilizado pelas feministas americanas para referirem-se à construção social das diferenças baseadas no sexo. Esse termo assinalava uma rejeição à natureza biológica, que no uso de palavras como “sexo” indicava desigualdades entre homens e mulheres (SCOTT, 1989, p. 3).

A definição de gênero apresentada por Scott (1989, p. 21) é constituída por duas partes, quais sejam: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”.

A partir da reflexão de Simone de Beauvoir (1980 apud NIELSSON, 2018 p. 168) de que não se nasce mulher, mas torna-se mulher, parte-se do pressuposto de que as características humanas definidas para o gênero feminino não advém do sexo biológico, mas são obtidas através de um processo social e individual. Na década de 70, compilaram tal reflexão no conceito de gênero, o qual foi empregado para mencionar à construção histórica sociocultural das condutas, atitudes e pensamentos de homens e mulheres. Nesse sentido,

[...] o surgimento do conceito obedece à necessidade de elucidar a diferença entre o biológico e a construção cultural do masculino e do feminino, indagar sobre os processos de socialização que acontecem nas sociedades patriarcais e que permitem manter a hierarquização entre os sexos e perpetuar o domínio do masculino (NIELSSON, 2018, p. 168-169).

Nesse viés, percebe-se que características, comportamentos e atitudes que normalmente são atribuídas ao homem ou a mulher, são, sobretudo, estereótipos historicamente construídos. Por exemplo, atividades domésticas são geralmente designadas para as mulheres, e por outro lado, aos homens cabe o sustento da

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família. Estes devem jogar futebol para se distraírem das atividades laborais estressantes, enquanto que as mulheres devem preparar a janta da família, brincar com os filhos e organizar a casa, tudo isso após um dia de trabalho. Dessa forma, “lidar com o conceito de gênero significa colocar-se contra a naturalização do feminino e, obviamente, do masculino” (NIELSSON, 2018, p. 170).

Os papeis estabelecidos na perspectiva de gênero transformam-se conforme a cultura, sendo possível visualizar papeis distintos em diferentes regiões do mundo. Nessa senda, gênero pode ser definido como uma construção sociocultural histórica de papeis desiguais, o que implica, invariavelmente, em relações de poder desiguais. Nesse sentido, Andrade (2005, p. 85) expõe com clareza como ocorre a construção/naturalização de papeis de gênero, segue:

Espaço público – papéis patrimoniais –, estereótipos do pólo da atividade: ao patrimônio, o cuidado dos bens. Espaço privado – papéis matrimoniais –, estereótipos do pólo da passividade: ao matrimônio o cuidado do lar. Estamos perante o simbolismo de gênero com sua poderosa estereotipia e carga estigmatizante. Este simbolismo (enraizado nas estruturas) que homens e mulheres, no entanto, reproduzem apresenta a polaridade de valores culturais e históricos como se fossem diferenças naturais (biologicamente determinadas) e as pessoas do sexo feminino como membros de um gênero subordinado, na medida em que determinadas qualidades, bem como o acesso a certos papéis e esferas (da Política, da Economia e da Justiça, por exemplo) são percebidos como naturalmente ligados a um sexo biológico e não ao outro.

A diferença de gênero está presente, ainda que de forma sutil, em grande parte das relações interpessoais e, em razão disso, pode-se perceber que o patriarcalismo está enraizado na nossa cultura contemporânea, produzindo e reproduzindo estereótipos de gênero que acabam sustentando a opressão das mulheres, asseverando a dominação masculina, o que gera desigualdade entre homens e mulheres. Essas desigualdades variam de tal forma que alcançam graves violações de direitos humanos, como por exemplo, a violência doméstica e o feminicídio, os quais estão cada vez mais presentes no cotidiano das mulheres (NIELSSON, PINTO, 2017).

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A individualidade e as particularidades de cada indivíduo passam a ser limitadas a partir do momento em que pertencem a um determinado grupo. Deste modo,

[...] quando a exclusão das mulheres da cidadania foi legitimada pela referência às diferentes biologias das mulheres e dos homens, “diferença sexual” foi estabelecida não somente como um fato natural, mas também como uma base ontológica para diferenciação política e social (SCOTT, p. 21).

A violência contra a mulher é a consequência mais grave da reprodução de estereótipos distintos e hierarquizados entre homens e mulheres. Gênero deve ser compreendido como uma construção histórica sociocultural criada e reproduzida pela sociedade, diferentemente da natureza biológica do ser humano. O fenômeno da violência, atualmente, demonstra-se como um problema social, mas inaugurado no pretérito, ocorrendo, prioritariamente, nos espaços privados, mas também em ambientes públicos. Isso se dá, pois, as relações de poder, historicamente constituídas, permanecem na vida cotidiana, sendo reproduzidas constantemente pela sociedade.

A ideia do domínio do homem sobre a mulher originou-se em tempos antigos, pois o sistema patriarcal é responsável pela decadência da mulher, o qual, até os dias atuais, permanece hígido, mesmo que discreto e sutil, assim, observa-se que:

Historicamente, na sociedade patriarcal, a família tem sido um dos lugares nobres, embora não exclusivo (porque acompanhada da Escola, da Igreja, da vizinhança, etc), precisamente do controle social informal sobre a mulher. E a violência contra a fêmea no lar, do pai ao padrasto, chegando aos maridos ou companheiros, pode ser vista, portanto, como uma expressão de poder e domínio; como uma violência controladora (ANDRADE, 2005, p. 96).

Deste modo, o patriarca detinha direitos sobre a mulher, não sendo punido pelos atos violadores, pois estaria simplesmente exercendo o direito de ser superior, “se a violência é em grande medida doméstica, o sistema, protegendo a unidade familiar e não a violentada, reforça a cumplicidade punitiva e o controle patriarcal” (ANDRADE, 2005, p. 99).

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Embora o princípio da igualdade entre homens e mulheres esteja consagrado no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o modelo patriarcal ainda está implantado na sociedade contemporânea, estabelecendo relações desiguais e a subordinação feminina. Sinala-se o entendimento dos autores:

Na sociedade patriarcal, [...] o homem tinha o direito de controlar a vida da mulher como se ela fosse sua propriedade, determinando os papéis a serem desempenhados por ela, com rígidas diferenças em relação ao gênero masculino. O homem tinha o dever de trabalhar para dar sustento à sua família, enquanto a mulher tinha diversas funções: de reprodutora, de dona-de-casa, [...] de educadora dos filhos do casal e de prestadora de serviços sexuais ao seu marido (BORIS; CESÍDIO, 2007, p. 456).

As mulheres estavam adstritas aos limites da residência, desempenhando papeis estritamente domésticos, cabendo-lhes, somente, acatar as decisões impostas e submeter-se à autoridade masculina. Isso levou ao desenvolvimento “de um estereótipo que relegava o sexo feminino ao âmbito do lar, onde sua tarefa seria a de cuidar da casa, dos filhos e do marido, e, sendo sempre totalmente submissa a ele” (FOLLADOR, 2009, p. 8).

De acordo com o autor, “no período colonial as mulheres não podiam frequentar escolas, ficando dessa forma excluídas do âmbito da educação formal, destinada apenas aos homens” (FOLLADOR, 2009, p. 8). Ademais, elas não podiam expressar ideias, manifestar opiniões, pois o domínio perpetrado pelos homens abarcava todas as esferas da vida. Destaca-se que,

[...] num passado não tão distante, agressões perpetradas pelos homens contra as suas mulheres não configuravam nenhuma espécie de delito, ao contrário, eram comportamentos legitimados pelo regime patriarcal (OLIVEIRA, 2012, p. 158).

Diante da subordinação e omissão das mulheres frente aos homens, estas tornaram-se suscetíveis às diversas modalidades de violência. Embora tenha havido um enorme progresso da independência feminina, estes papeis de gênero estabelecidos pelo patriarcado, ainda são reproduzidos, inicialmente, no âmbito familiar, e, posteriormente, nas instituições escolares, religiosas e no mercado de trabalho. É rotineiro, após o almoço familiar, as mulheres organizarem a mesa e

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lavarem a louça suja, enquanto os homens assistem televisão. Esse é um exemplo clássico de que ainda se perpetua, na sociedade, pequenos resquícios da cultura do patriarcado, o qual é transmitido de geração a geração. Logo,

[...] a sociedade ainda é patriarcal e machista, predominando o controle do macho sobre a fêmea e é em consequência desta dominação que mulheres necessitam de leis e de órgãos especiais que as ampare, já que, abafadas pelo medo e pela vergonha, não se expõem facilmente perante os órgãos do Estado (OLIVEIRA, 2019).

É evidente, portanto, que no cotidiano de diversas mulheres, ainda persiste a supremacia masculina, asseverado por condutas machistas. Frases e piadas legitimando a subordinação e desigualdade feminina, que “expressam a conivência da sociedade com este tipo de violência, sobretudo quando perpetrada por maridos ou companheiros, justificando tal fenômeno como se legítimo fosse” (OLIVEIRA, 2012, p. 152). Isso revela a carga preconceituosa que ainda persiste na sociedade em relação às mulheres e os papeis de gênero estabelecidos na Antiguidade.

Segundo Oliveira, “ao reproduzirem, mesmo que inconscientemente, determinadas práticas e valores, as pessoas permanecem agindo para a manutenção do modelo patriarcal e dessas supostas regras de conduta” (2012, p. 156), uma vez que os papeis de gênero já foram naturalizados. Deste modo, não há como negar que a igualdade material ainda não foi concretizada atualmente, embora esteja formalmente estabelecida na Carta Magna vigente.

Segundo Andrade (2005, p. 84 e 85), o simbolismo de gênero, reproduzido por homens e mulheres, como se fosse algo naturalmente estabelecido, possui na esfera pública, o protagonismo masculino, como um ser másculo, lutador, inteligente e forte. Enquanto que, na esfera privada, a mulher aparece em primeiro plano. Reserva-se para o cuidado do lar e dos filhos, sua sexualidade está limitada à função reprodutora e é estereotipada como sendo uma pessoa frágil, sentimental, doméstica, dominada e recatada. Nesta perspectiva, observa-se que:

As diferenças entre homens e mulheres seriam facilmente verificáveis se tais distinções não transcendessem o mero aspecto biológico. Ao se observar as relações entre os sujeitos, verifica-se que as características sexuais foram fatores condicionantes para a identificação de papéis

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impostos pela sociedade, atividades estas que, embora pudessem ser exercidas por ambos, foram entregues a apenas um deles, configurando desigualdades sociais que implicam, até hoje, na exclusão feminina (OLIVEIRA, 2012, p. 153).

De acordo com Narvaz (2005, p. 33), nas primeiras décadas do século XX, as mulheres brasileiras não aceitaram mais ficarem adstritas aos limites domésticos, saindo, portanto, do amparo e proteção do patriarca. Entretanto, precisaram conquistar seus direitos civis e aumentar suas participações na vida pública. No ano de 1916, o Código Civil Brasileiro, de caráter conservador e patriarcal, asseverou a supremacia do homem, uma vez que a mulher casada somente poderia laborar com a autorização marital. Já em 1932, em meio ao governo de Getúlio Vargas, a mulher adquiriu o direito ao voto.

Somente com o denominado Estatuto da Mulher Casada, Lei nº 6.121, do ano de 1962, foi extraída da legislação brasileira a necessidade de autorização do marido para que a mulher pudesse laborar. Outrossim, implementou-se o instituto dos bens reservados, o qual era constituído do patrimônio adquirido pela mulher como produto do seu trabalho. É interessante destacar que esses bens não respondiam pelas obrigações adquiridas pelo marido, ainda que a dívida era obtida em proveito da família. Posteriormente, a Lei do Divórcio, de 1977, trouxe alguns pontos relevantes no progresso à igualdade de gênero, tendo em vista que tornou facultativo para a esposa a adoção do sobrenome do marido. Ademais, o homem adquiriu o direito de solicitar alimentos à companheira, pois, anteriormente, só era garantido à mulher (DIAS, 2019).

Mas, somente com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, houve um progresso em relação à igualdade de gênero no país. A título exemplificativo, pode-se citar o artigo 226, §5º, o qual estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (BRASIL, 1988). Este dispositivo assegura equidade na família, como nunca foi observado na história do Estado.

Todavia, todo processo de mudança cultural e social é lento, isso explica o porquê “a mulher ainda está fora do mercado de trabalho mais qualificado, ganha

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menos no desempenho das mesmas funções, tem dupla jornada de trabalho” (DIAS, 2010, p. 6), posto que muitos homens não auxiliam nas tarefas domésticas cotidianas, e isso torna-se responsabilidade da mulher, a qual além de estar no mercado de trabalho, necessita ser cozinheira, faxineira e babá no próprio lar. Além do fato de que muitas dessas mulheres sofrem agressões de diversos tipos, sendo, portanto, a violência doméstica um dos maiores obstáculos que dificultam o exercício de cidadania e de terem os seus direitos respeitados.

De fato, durante anos, as mulheres ficaram confinadas nos limites do lar, não possuindo voz ativa na evolução da sociedade. Posteriormente, deslocaram-se ao mercado de trabalho, saindo do espaço privado e doméstico para o ambiente público, tornando-se empoderadas e independentes. A partir do momento em que algumas mulheres não acataram com os padrões pré-estabelecidos socialmente, os homens sentiram-se no direito de exigi-las a cumprir com os moldes culturais, fazendo-as crer que poderiam repreendê-las, utilizando-se da violência.

Indubitavelmente, o reconhecimento de que a violência doméstica é uma forma de violação de direitos humanos, trouxe um grande avanço no que tange aos direitos das mulheres e ao efetivo combate em relação a este tipo de agressão, muito embora a Lei nº 11.340/2006 já tenha progredido em relação ao assunto. Ressalta-se, no entanto, que

A concessão de um tratamento diferenciado às mulheres que não são respeitadas em seus lares faz-se imprescindível, uma vez que somente a estruturação de um aparato judiciário aliado ao fiel cumprimento da lei por parte dos operadores do direito é capaz de equilibrar as desigualdades gritantes entre os sexos e garantir às mulheres condições mínimas de dignidade (OLIVEIRA, 2012, p. 152).

Diante de todo esse processo de mudança cultural, alguns homens através da perpetração de algum tipo de violência, necessitam se impor como um ser dominador, mantendo seu poder sobre a mulher e diminuindo a autonomia desta. Com isso, fica evidente que os papeis de gênero construídos historicamente conduzem às atitudes violentas nas relações interpessoais.

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Segundo Oliveira (2012), não há um equilíbrio familiar onde existam condutas agressivas que expressam alguma modalidade de violência contra a mulher, diante disso, torna-se imprescindível interromper urgentemente com a expansão dessas práticas. Muitas dessas manifestações agressivas acontecem no contexto familiar, onde há relações íntimas de afeto, e por conta disso, os próprios envolvidos na situação acreditam que estas atitudes seriam meros contratempos conjugais.

Ainda que muitas pessoas não consideram algumas condutas como sendo perpetuação da violência contra a mulher, acreditando serem atitudes normais, o fenômeno da violência é algo complexo e que muitas vezes o Estado, como sendo o responsável por proteger suas cidadãs, não consegue dirimir o problema, justamente porque ocorre no ambiente privado.

À vista disso, o Estado, visando atingir o princípio da dignidade da pessoa humana e um dos objetivos fundamentais da República, qual seja, reduzir as desigualdades sociais, deve promover políticas públicas, não só pretendendo atingir as mulheres vítimas de violência doméstica, mas sim desenvolver projetos para a prevenção dessas práticas.

A Lei nº 11.340/06 surge da soma dos esforços da sociedade brasileira, representando um marco na história e tornando-se um importante instrumento legislativo, por ser a primeira lei federal que visa a prevenção e o combate às violências praticadas contra as mulheres (TORNQUIST et al., 2009, p. 362). A partir dela foi desenvolvida diversas políticas públicas, disponibilizando serviços especializados no atendimento às vítimas, bem como, espaços de acolhimento.

Esse instrumento jurídico é um avanço essencial para a proteção dos direitos das mulheres, mas também, semeia uma mudança de comportamento, tentando introduzir na sociedade a ideia de igualdade entre os gêneros. É necessário romper com comportamentos machistas e patriarcais que sustentam a perpetuação da violência, para que se pacifique a concepção de que a mulher possui liberdade de

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escolha sobre seu corpo, seu trabalho e sua vida, respeitando-a enquanto ser humano, assim como preceitua o princípio da dignidade da pessoa humana.

1.3 O valor do empoderamento feminino no processo de emancipação da mulher e de enfrentamento à violência doméstica e familiar

Embora houveram avanços sociais, culturais e até mesmo legislativos, hodiernamente, as mulheres ainda confrontam-se com diversas barreiras, as quais obstam uma ascensão feminina no mercado de trabalho, no ambiente político e no meio esportivo, por exemplo. Para romper com a desigualdade de gênero, as mulheres necessitam se oporem aos valores e condutas patriarcais, os quais foram internalizados desde a infância.

Com a capacitação técnica e o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, operou-se uma dupla jornada, pois além da sua ocupação profissional, elas se sentem, ainda, responsáveis pelos afazeres domésticos, perpetuando, mesmo que inconscientemente, os modelos patriarcais.

Na perspectiva feminista, o empoderamento é a construção da autonomia feminina. Significa a emancipação da mulher do autoritarismo, da opressão e da subordinação fomentado pelo modelo patriarcal. O empoderamento feminino pressupõe uma alteração na visão que historicamente se construiu como condutas adequadas aos homens e mulheres. É contestar, resistir e, por fim, abolir à ordem patriarcal existente na sociedade, para que as mulheres assumam maior domínio sobre suas vidas e também sobre o próprio corpo (SARDENBERG, 2012).

Neste diapasão, o empoderamento é, concomitantemente, o processo e o resultado desse processo, tendo como objetivos, o questionamento da ideologia patriarcal, a transformação das instituições que fortalecem e propagam as desigualdades e propiciam condições para que mulheres de classe baixa possam obter acesso às informações (SARDENBERG, 2012).

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Mediante o exposto, o empoderamento expressa uma mudança de paradigma cultural, um deslocamento da visão do homem enquanto dominador e a mulher como sua subordinada. O empoderamento garante à mulher sua autonomia, nas diversas esferas da vida, sendo uma condição para o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres.

Mas, para que isso ocorra, primeiramente, as mulheres devem se conscientizar, reconhecendo a existência de uma ideologia patriarcal, a qual legitima o domínio do homem sobre a mulher. Outrossim, devem perceber como esse modelo se perpetua na sociedade contemporânea, para que assim possam ter a convicção e internalizarem que são merecedoras de respeito e de direitos.

O empoderamento feminino originou-se dos movimentos feministas pretéritos. A denominada primeira onda do feminismo ocorreu na Inglaterra, a partir das últimas décadas do século XIX, quando as mulheres se organizaram para lutar em prol dos seus direitos, principalmente em relação ao direito ao voto. No Brasil, a líder do movimento era Bertha Lutz, bióloga e cientista, a qual iniciou a luta ao voto. Esta foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que realizou campanhas públicas, tendo levado em 1927, um abaixo-assinado ao Senado Federal, pedindo a aprovação do Projeto de Lei que dava o direito de voto às mulheres brasileiras, sendo adquirido somente no ano de 1932 (PINTO, 2010).

Na década de 70, ocorreram no Brasil as primeiras manifestações feministas, em pleno regime militar. Mas, com a redemocratização do país, eclodiu a discussão acerca dos direitos das mulheres, diante disso, foi criado em 1984, o Conselho Nacional da Condição da Mulher, que promoveu campanhas para a inclusão dos direitos das mulheres no novo texto constitucional. O resultado foi significativo, pois a Constituição Federal de 1988 assegurou diversos direitos às mulheres (PINTO, 2010).

Embora que paulatinamente, houve a emancipação jurídica da mulher e sua conquista como cidadã, desestimulando o modelo patriarcal. Essa vitória foi

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adquirida a duras penas, e atualmente a mulher integra o corpo social enquanto ser humano, exercendo funções primordiais, a partir da independência profissional e pessoal.

Segundo Dias (2011, p. 1), no ano de 1932, a mulher atingiu sua condição de cidadã brasileira ao conquistar o direito ao voto. Entretanto, ainda havia alguns empecilhos para seu pleno exercício, pois ao contrair o casamento, a mulher ainda perdia sua plena capacidade, tornando-se relativamente incapaz. Mas, tão somente em 1988, através da Constituição Federal Brasileira, foi consagrada a igualdade formal entre homens e mulheres.

Contudo, na realidade fática atual, ainda se perpetuam desigualdades, pois “o acesso da mulher à educação e o seu ingresso no mercado de trabalho – conquistas alcançadas graças ao movimento feminista – não lhe garantiu igualdade nem de salário e nem de oportunidades” (DIAS, 2011, p. 1). Nesse sentido,

[...] os avanços, ainda que significativos no mundo público, não tiveram a mesma repercussão no ambiente doméstico. Nas relações familiares persiste a mulher subjugada ao homem, que se arvora o direito de puni-la toda a vez que ela não corresponde ao modelo de comportamento por ele imposto. A maior prova são os surpreendentes números da violência doméstica que somente foram contabilizados com o advento da Lei Maria da Penha (DIAS, 2011, p. 1).

Percebe-se que a violência contra a mulher ainda é a realidade de muitas brasileiras, uma vez que a contestação do sistema patriarcal ocasionou uma ruptura nas estruturas familiares, as quais eram baseadas no domínio masculino e na subordinação feminina. Assim, a violência contra a mulher se insere na medida em que o homem busca a restruturação deste modelo, reagindo com condutas agressivas.

Compreender que a existência das desigualdades sociais são instituídas a partir do modelo patriarcal é o início da autonomia, da emancipação e do empoderamento feminino. Todavia, isso pressupõe mudanças nas relações interpessoais, o que pode acarretar o desenvolvimento de alguma modalidade de violência, por parte do homem, para que a sistemática daquele modelo retorne.

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À vista disso, a Lei nº 11.340/2006 se tornou um importante instrumento, pois, além de assegurar mecanismos para a coibição da violência, estabelece a integração de diversos órgãos para a assistência da mulher. Fortalecê-las é fundamental para que consigam modificar a situação e sentirem-se seguras frente ao agressor. Esse avanço possibilitou que a violência contra a mulher passasse a ter maior visibilidade, transcendendo o ambiente privado.

Não obstante o processo de reconhecimento de direitos, emancipação e empoderamento feminino, a violência contra a mulher ainda permanece presente em muitos lares. Quando a violência chega ao nível da agressão física, significa que as vítimas toleraram comportamentos denominados de “micro violências”, como ataques verbais, condutas e expressões negativas que desestabilizam, denigrem e desprezam aquela. Paulatinamente, essas atitudes tornam-se naturais, permitindo com que o companheiro evolua com as agressões, aumentando a gravidade e frequência destas. Entretanto, muitas das ofendidas somente entendem que foram vítimas da violência doméstica quando as agressões aparentam ser intencionais, pois, se a atitude do companheiro, por exemplo, deu a entender que não foi realizada de propósito, não será considerada por elas como sendo violência (HIRIGOYEN, 2005, p.89-90).

O processo de submissão da mulher se desenvolve em dois momentos: inicia-se com a sedução e, caso esta resista, o homem utiliza-se de procedimentos violentos. Primeiramente, na fase da sedução, ocorre, aparentemente, o amor verdadeiro e puro, e uma troca afetiva. É um período de preparação psicológica para a submissão, uma vez que a mulher é desestabilizada e perde a confiança em si mesma. Mesmo o agressor perpetuando “micro violências”, a vítima se ilude e naturaliza essas práticas. Esse tipo de relação bloqueia a mulher e a impede de analisar sua própria situação. O homem inicia a violência psicológica, na medida em que desfere críticas aos pensamentos e atitudes da vítima, estimulando-a pensar igual ele, assim, esta fica totalmente dominada pelo homem (HIRIGOYEN, 2005, p. 92-93).

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Vários fatores implicam o momento da decisão de romper com o relacionamento violento, dentre esses, o temor em relação a guarda dos filhos, a vergonha perante a sociedade, a dependência financeira, uma vez que o companheiro faz com que a mulher desista do seu ofício para dedicar-se exclusivamente ao lar, fazendo com que, no momento da separação, não tenha estabilidade financeira e, sobretudo, autonomia para prosseguir sozinha, considerando que muitas se desvinculam dos laços afetivos com os familiares, pois os homens proíbem aquelas de visitarem os parentes. De acordo com Hirigoyen,

O homem pode querer convencer sua mulher a parar sua atividade profissional ou seus estudos, levantando o argumento de que as crianças ficam infelizes sem sua mãe, que as refeições são feitas às pressas, que a casa fica malcuidada, que este segundo salário só serve para aumentar os impostos etc. Essa situação forçada torna toda e qualquer tentativa de separação ainda mais difícil (2005, p. 55).

Nas situações de violência doméstica, há uma inversão da culpa, pois a vítima acredita que se o companheiro é violento, significa que não satisfez seus desejos ou não soube ajudá-lo quando necessitou. A mulher assume a culpa pela situação caótica, admitindo sua responsabilidade. O companheiro faz com que a vítima acredite que o seu comportamento agressivo somente se originou diante das atitudes daquela, justificando suas ações e culpando a vítima pela situação. Quando a mulher ameaça deixá-lo, o processo de culpabilização é reforçado pelo companheiro, o qual perpetua chantagens, como por exemplo, que irá cometer suicídio caso esta venha a lhe deixar (HIRIGOYEN, 2005, p. 107-109).

Muitas mulheres vítimas da violência doméstica são julgadas por não saírem do relacionamento violento, todavia, esse processo de separação é longo, até que retomem a consciência e percebam as “armadilhas” que estiveram expostas, para que então possam solicitar auxílio. Sem o devido apoio, muitas vítimas ficam desvirtuadas, pois, de um lado algumas possuem a vontade de sair da relação amorosa, mas por outro, não conseguem identificar maneiras para separar-se do companheiro. Outras querem preservar a família e os filhos, vivem na dependência financeira e psicológica do companheiro e temem pela falta de carinho, caso venham a separar-se deste (HIRIGOYEN, 2005, p. 197).

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Enquanto as mulheres estiverem dentro da relação amorosa violenta, não irão encontrar uma resposta para a situação. Mas, para saírem deste relacionamento “é preciso reconhecer sua impotência em mudar o outro e decidir-se, finalmente, preocupar-se consigo mesma” (HIRIGOYEN, 2005, p. 201).

O processo de separação, nessa situação, é moroso “e as mulheres vítimas muitas vezes dão a impressão de não saber o que querem” (HIRIGOYEN, 2005, p. 201). Mas, de fato, o rompimento da relação amorosa se desenvolve em várias etapas, pois, primeiramente, a vítima põe término ao relacionamento e, posteriormente, retoma novamente a relação. Elas reproduzem esse processo várias vezes, antes de cessar definitivamente (HIRIGOYEN, 2005, p. 201). Assim sendo,

[...] o fato de deixar, por um tempo, o domicílio conjugal lhes permite testar sua vida sem o cônjuge: cada vez que se vêem sozinhas adquirem um pouco mais de confiança em si e mais autonomia. Elas aplacam seus medos e se dão conta de que, mesmo que seu cônjuge lhes tenha dito muitas vezes: “O que vai ser de você sem mim?”, elas podem viver sem ele. Elas testam também seu comportamento, suas possibilidades de evolução. E esperam, até o último momento, que ele venha a mudar (HIRIGOYEN, 2005, p. 201).

Logo em seguida, quando a mulher rompe com a relação amorosa e sai da residência do casal, o companheiro tenta retomar a convivência e garante que irá mudar o comportamento, ou ainda, ameaça suicidar-se, caso a vítima se negue em reatar o relacionamento. É nesse momento que o sentimento de culpa por parte da mulher aumenta, pois deixaram para trás o companheiro que amou por muito tempo.

A naturalização e invisibilidade das diversas modalidades de agressões praticadas contra a mulher no âmbito doméstico, demonstram a banalização de um contexto violento, que muitas vezes é tratado como dissabor cotidiano, pequenos desentendimentos ou problemas do contexto exclusivamente privado, que devem ser resolvidos no interior do lar e somente pelos sujeitos envolvidos. Esse processo de naturalização e até mesmo de culpabilização das vítimas pelas agressões, inicia-se com a cultura desenvolvida historicamente, pois, frases que passam despercebidas acabam se tornando uma perpetuação e banalização da violência,

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tais como “se apanha é porque gosta” ou “ela deve ter merecido”, são exemplos cotidianos que demonstram plenamente a naturalização da violência e, inconscientemente, a imposição da culpa da vítima pela situação. Essa cultura impacta diretamente no silêncio das mulheres e na sua responsabilização pela violência. Por conseguinte,

A uma mulher que se queixa da violência verbal de seu companheiro não é raro que os que a cercam a aconselhem a ser mais meiga ou sexy, o que subentende: “Se ele está assim, é porque suas doses de sexo e fantasia estão sendo insuficientes”. [...] Não é surpreendente ver algumas mulheres acharem que estão sendo “punidas” quando não conseguem isso. Ela julgam, muitas vezes, que a violência faz parte das coisas “não muito agradáveis”, porém inevitáveis da vida. [...] Em caso de agressão, duvidam da própria percepção da realidade, e pode mesmo acontecer de não mencionarem uma agressão sofrida por medo de serem ridicularizadas ou, pior ainda, consideradas culpadas (HIRIGOYEN, 2005, p. 79).

Diante do exposto, percebe-se que a violência doméstica e familiar contra a mulher ainda está presente no cotidiano de muitas brasileiras e que, por vezes, é naturalizado e relevado pelos sujeitos envolvidos e, também, pela sociedade. Portanto, ainda há uma longa caminhada a ser percorrida para superar a submissão das mulheres na sociedade e, sobretudo, nos relacionamentos conjugais.

Salienta-se que a violência contra a mulher não será erradicada da sociedade, enquanto esta continuar assentada sob o sistema patriarcal, o qual oprime as mulheres, que se tornam objetos pelos quais os homens exercem seu poder, desenvolvendo a inferioridade feminina. Deve-se ocorrer uma mudança de comportamento e a implementação da ideia de igualdade entre homens e mulheres, para que os direitos fundamentais destas não sejam mais violados.

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2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO E DE PROTEÇÃO À MULHER

Através da Lei nº 11.340/06, denominada informalmente de Lei Maria da Penha, foram efetivados alguns mecanismos de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, bem como políticas públicas de prevenção à violência (muito embora se faça necessário ampliar a atuação neste campo), formando, portanto, uma rede de proteção às ofendidas, oferecendo auxílio à estas e agindo no combate às diversas formas de violência.

Com o desencadeamento de diversas políticas públicas nos últimos anos, deflagra-se uma crescente preocupação com o enfrentamento da violência contra a mulher, haja vista a complexidade do assunto e as consequências, muitas vezes, irreversíveis, que acompanham as vítimas ao longo da vida.

Indubitavelmente, as mulheres vítimas de violência doméstica necessitam do acompanhamento de uma equipe multidisciplinar. Deste modo, as políticas públicas voltadas para esse grupo social necessitam ser interligadas com serviços psicológicos, assistenciais, de saúde, orientação jurídica, casas abrigo, etc., para que a rede tenha, de fato, efetividade prática.

À vista disso, as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, implementadas na década de 80, auxiliam para atribuir visibilidade aos casos envolvendo violência de gênero, que por anos foram tratados como normais, sendo “resolvidos” sem a interferência do Estado.

Nos últimos anos, o debate acerca da violência contra a mulher nas políticas públicas ganhou espaço, tanto no ambiente acadêmico quanto na sociedade em geral, graças às lutas feministas e um caso emblemático que auxiliou a difundir no país os direitos das mulheres, e, consequentemente, instigou discussões a respeito do tema.

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2.1 O Estado Brasileiro e o enfrentamento da questão da violência contra as mulheres

A história por trás da implementação da Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, é triste e dolorosa. Uma, entre tantas vítimas de violência doméstica e familiar, se tornou o símbolo brasileiro da luta em favor dos direitos das mulheres, da resistência feminina e do descaso do Estado para com os casos envolvendo violência doméstica.

Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, residia juntamente com seu esposo – professor universitário e economista – e suas três filhas, no município de Fortaleza, no estado do Ceará. Foi vítima de tentativa de feminicídio, por duas vezes, tendo como agressor o seu próprio marido. Primeiramente, em 29 de maio de 1983, foi alvo, durante a simulação de um assalto, de um tiro de espingarda, que a deixou paraplégica. Na segunda tentativa, o ofensor tentou eletrocutá-la enquanto a vítima se banhava (DIAS, 2012).

Mas essas tentativas não foram situações isoladas durante o relacionamento amoroso, pois, a partir do momento em que o agressor “foi naturalizado e se estabilizou profissional e economicamente, modificou totalmente seu modo de ser” (FERNANDES, 2012, s.p.), a vida conjugal tornou-se insuportável e o tratamento destinado às filhas era cruel e intolerante.

A transformação inesperada no comportamento do ofensor desencadeou suspeita de que suas qualidades iniciais mascaravam sua outra face, a qual objetivava alcançar suas metas profissionais. Pois, quando necessitou do auxílio financeiro de Maria, era carinhoso, atencioso e, para a época, era o namorado desejado por todas. Entretanto, quando atingiu o patamar social e economicamente desejado por ele, não se importou em demonstrar o desdém pela família que constituiu (FERNANDES, 2012, s.p.).

Como todo início do ciclo da violência, as agressões físicas não ocorreram subitamente. Os atos corretivos praticados pelo agressor em relação às filhas,

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paulatinamente, aumentavam de intensidade ao ponto de praticar torturas psicológicas e físicas nas crianças. Contudo, as atitudes perversas eram perpetradas, inicialmente, apenas na residência da família, sendo que para a sociedade em geral, o ofensor demonstrava-se ser moderado e cordial.

Fernandes (2012, s.p.) expõe a realidade de sua rotina, trazendo o seguinte relato:

Eu vivia em função de evitar que as coisas piorassem, sempre na mesma luta para controlar as crianças a fim de que não o irritassem. Minhas filhas continuavam sujeitas ao distúrbio emocional do pai, que sempre acordava de péssimo humor. Tudo era motivo de bater nas filhas, quebrar os brinquedos ou objetos quaisquer que encontrasse à sua frente.

O agressor foi protagonista de diversos episódios lastimáveis de violência de ordem física e psicológica contra sua esposa, intimidando-a, proibindo-a de visitar familiares, privando-a de sua liberdade pessoal e impondo-a o modo de educar as filhas. Além disso, o ofensor preparava-se para herdar os bens da vítima, quando solicitava que a mesma assinasse seguro de vida, contrato de compra e venda de veículo, e quando efetuava fotocópias dos documentos pessoais da vítima.

Nesse viés, aponta a ofendida,

Passei a sugerir com frequência que ele procurasse outra vida, pois eu já não tinha condições de manter nosso relacionamento naqueles termos. Marco não se modificava nem tomava nenhuma iniciativa para solucionar o impasse e como a cada dia que passava a situação ficava mais lamentável, deduzi que ele estava forçando-me a pedir oficialmente a separação. Mas eu tinha a intuição de que, ao fazê-lo, ele me mataria (FERNANDES, 2012, s.p.).

Na madrugada do dia 29 de maio de 1983, Marco Antônio Heredia Viveros, iniciou a execução criminosa, objetivando a morte de sua esposa. A mesma acordou assustada com um forte barulho dentro do quarto. Embora não tivesse visto ninguém, tentou levantar da cama, mas sem sucesso. Em sua boca havia um gosto estranho de metal, e um “borbulhamento” nas costas, portanto, logo imaginou que seu esposo havia tentado lhe matar com um tiro (FERNANDES, 2012, s.p.).

Referências

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