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O calar e o ressoar da/na palavra outra da/na outra palavra

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

ANDERSON JAIR GOULART

O CALAR E O RESSOAR DA/NA PALAVRA OUTRA DA/NA OUTRA PALAVRA

FLORIANÓPOLIS 2018

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ANDERSON JAIR GOULART

O CALAR E O RESSOAR DA/NA PALAVRA OUTRA E DA/NA OUTRA PALAVRA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, área de concentração Linguística Aplicada, como requisito para obtenção do Título de Doutor em Linguística. Orientação: Profª. Drª. Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti.

FLORIANÓPOLIS 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Goulart, Anderson Jair

O CALAR E O RESSOAR DA/NA PALAVRA OUTRA E DA/NA OUTRA PALAVRA / Anderson Jair Goulart ; orientadora: Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti.

332 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Linguística. 2. Encontro. 3. Representações conceituais. 4. Base histórico-cultural. 5. Ato responsável. I. Cerutti-Rizzatti, Mary Elizabeth. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Titulo.

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Os ressoos constitutivos das palavras que percorrem as linhas deste texto são dedicados à Mary, com quem tanto aprendi ao longo desses anos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me conceder luz e revitalizar diariamente minha fé. Aos meus pais, Jair e Ivone, por serem minhas grandes referências na vida. Seu amor e sua torcida ao longo do percurso de formação acadêmica e humana estão sempre reaviados em mim. Essas mesmas palavras são dirigidas a meus queridos irmãos, Jeferson e Bianca.

À minha esposa e amiga, Daiane. Seu amor e seu apoio me fortaleceram em cada momento de dedicação a esta tese. Você esteve e está comigo todos os dias, compartilhou cada suspiro provindo do cansaço gerado nas minhas horas de dedicação diária ao Doutorado, muito recompensador diante do modo como esta pesquisa se configurou. Obrigado por reacender em mim tanta felicidade e por se dedicar com tanto afinco aos nossos filhos, João Pedro e Francisco, numa etapa em que precisei estar mais ausente. A cada dia em que João Pedro entrava no quarto e me perguntava: “Pai, você já terminou?”, “Você quer um suco, pai”?, eu podia confirmar a experiência magnífica que é ser pai de duas crianças tão sensíveis. Francisco, ainda engatinhando, me acariciava intensamente, quando ao longo dos meses que passei em frente ao computador vinha até a porta do quarto, batia e chamava pelo “papan”...Obrigado por me fazerem mais feliz. Vocês justificam tudo isso.

Aos meus avós queridos, em especial à minha avó, Olga, pelo amor e carinho dedicados a mim, sempre contemplados nas suas orações, agradecimento que também estendo à minha sogra, Maria Isaura.

Aos demais familiares e amigos, por compreenderem as minhas ausências nos momentos de festividade. Um agradecimento especial à Maria Alice, amiga tão querida com quem sempre pude compartilhar as alegrias da vida, à Simone, minha amiga-irmã de São Bento do Sul, que continua sempre comigo em constante sintonia, e à Karol, a quem tanto admiro pela humanidade que transmite e pela parceria constante que firmamos desde os estudos para o exame de seleção do PPGLg.

À UFFS, por conduzir meus horários de trabalho de modo a não comprometer a condução do processo de geração de dados e escrita da tese.

Aos colegas e amigos que tive a oportunidade de fazer, integrantes do Grupo de Pesquisa Cultura Escrita e Escolarização. Obrigado por me possibilitarem aprender tanto durante os longos anos

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de estudo e convivência. De algum modo também formamos uma família.

Aos professores constituintes da banca examinadora: Dra. Simone Bueno Borges da Silva, Dra. Simone Lesnhak Willemann, Dra. Viviane Heberle, Dr. Marcos Antonio Rocha Baltar e Dra. Rosângela Pedralli. A interlocução com vocês me permitiu aguçar o olhar exotópico necessário para a análise dos dados empíricos. Agradeço também à Profª. Dra. Sabatha Catoia Dias e à Profª. Dra. Josa Coelho da Silva Irigoite, por aceitarem compor a suplência da banca. Que nossos diálogos se ampliem ainda mais daqui para frente. À Profª. Dra. Nilcéa Lemos Pelandré, por tanto nos ensinar. O objeto desta tese derivou de uma de suas falas em bancas de nosso Grupo de Pesquisa. À Profª. Dra. Nelita Bortolotto, que gentilmente se predispôs a conhecer o estudo e dialogar conosco em ocasiões futuras.

Às colegas pós-graduandas e professoras da Educação Básica que participaram de todo esse processo. Obrigado por constituírem um grupo tão movido a lutar para que a educação de nosso país tenha novas configurações, pelo menos no que se refere à responsabilidade que nos compete como profissionais da Linguagem.

Por fim, resta-me dizer que palavras me faltam para agradecer à professora Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti, minha orientadora e amiga. A interlocução mais experiente que você estabeleceu comigo ao longo desses onze anos me fazem hoje compreender profundamente por que esse objeto de estudo fez tanto sentido. Sou mais feliz por você ter me orientado como estudante e por me fazer um ser humano melhor. A Universidade precisa de mais profissionais como você, abertos a acolher o outro e com ele compartilhar seu conhecimento fora dos escafandros. Buscamos o encontro, e ele aconteceu. Obrigado por tudo, professora.

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[...] No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a voz dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos – O verbo tem que pegar delírio

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RESUMO

Esta tese tematiza o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa no âmbito da formação continuada de professores, configurando-se como um estudo de delineamento propositivo que integra esfera acadêmica e esfera escolar, mais especificamente, pós-graduados/pós-graduandos em Linguística Aplicada e professores de Língua Portuguesa da Educação Básica, em busca da apropriação conceitual crítica em eventos de letramento (HEATH, 2001 [1982] que focalizam fundamentos filosófico-epistemológicos e bases teórico-metodológicas na educação em linguagem sob uma filiação histórico-cultural. O estudo responde à seguinte questão geral de pesquisa: Considerando como base desta tese uma proposta de pensar com pós-graduados/pós-graduandos em Linguística Aplicada e com professores da Educação Básica o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa, sob a perspectiva da busca pelo encontro de vivências da esfera acadêmica e de vivências da esfera escolar, como compreender, nessa busca pelo encontro, o percurso de heterorregulação da conduta para a prospectada autorregulação da conduta na apropriação de bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas para tal docência, considerada uma filiação histórico-cultural – em se tratando dos participantes deste estudo, vinculados a cada qual dessas duas esferas, num processo que historia a produção de um Curso de Formação Continuada para outros professores da área? Teorizações do ideário vigotskiano, do Círculo de Bakhtin e dos estudos do letramento constituem o aporte conceitual deste estudo de natureza qualitativa, que envolve nove interactantes as quais participam de um Programa de Extensão cujo mote é a produção de um Curso de Formação Continuada para docência em Língua Portuguesa. O Curso em produção organiza-se em Módulos, em dois dos quais se inserem as participantes desta pesquisa, as quais são acompanhadas ao longo de dois anos em eventos de letramento diversificados, contemplando sessões de estudo, entrevistas, rodas de conversa e produção documental. As diretrizes analíticas desses dados têm como eixo o encontro e tomam como unidade de análise o evento de letramento, composto pelos seguintes constituintes: interactantes – as nove participantes do estudo –; cronotopo – nele implicados espaços e tempos ao longo dos dois anos de percurso de pesquisa –; esfera da atividade humana – escolar e acadêmica –; e ato de dizer – nele implicados enunciados cujo conteúdo foi gravado ou que se historiou pela modalidade escrita em documentos produzidos. Os resultados sugerem que a constituição/ressignificação de representações

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filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas sobre docência em Língua Portuguesa, de base histórico cultural – ingrediências da autorregulação da conduta na respectiva docência – requerem apropriação conceitual crítica que se historia no encontro das interactantes e no estado de intersubjetividade dele derivado, para o que é condição a ausculta vinculada ao ato responsável, no qual o mundo da cultura respectivamente à abstração teórica se integra ao mundo da vida respectivamente ao agir docente no cotidiano escolar, consolidando a pravda.

Palavras-chave: Encontro. Representações conceituais. Base histórico-cultural. Ato responsável. Eventos e práticas de letramento.

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ABSTRACT

This thesis focuses on the teaching and learning of Portuguese in the context of continuing teacher education, being configured as a proposal-based study that integrates academic and school spheres, more specifically, postgraduate students in Applied Linguistics and teachers of Portuguese in Basic Education, in search of a critical conceptual appropriation in literacy events (HEATH, 2001 [1982]) that focus on philosophical-epistemological foundations and theoretical-methodological bases in language education under a historical-cultural affiliation. The study answers to the following general research question: Considering as basis of this thesis a proposal to think with postgraduate students in Applied Linguistics and with teachers of Basic Education the teaching and learning of Portuguese, from the perspective of a search for the encounter of experiences of the academic sphere with experiences of the school sphere, how should we understand, in this search for the encounter, the route from the hetero-regulation of the conduct to the prospected self-regulation of the conduct in the appropriation of philosophical-epistemological and theoretical-methodological bases for such teaching, considered a historical-cultural affiliation – in the case of the participants of this study, linked to each of these two spheres, in a process that historicizes the production of a Continuing Formation Course for other teachers in the area? Vygotskian and Bakhtinian theorizations and literacy studies are the conceptual contribution of this qualitative study, involving nine interactants who participate in an Extension Program whose motto is the production of a Continuing Training Course for the teaching of Portuguese. The Course in production is organized in modules, in two of which are included the participants of this research, which are accompanied throughout two years in various literacy events, including study sessions, interviews, round-table discussions and documentary production. The analytical guidelines of this data are based on the encounter and take as a unit of analysis the literacy event, composed of the following constituents: interactants – the nine participants of the study; chronotope – spaces and times throughout the two years of research; sphere of human activity – school and academic; and the act of saying – in it implied statements whose content was recorded or that was historicized in written modality in the documents produced. The results suggest that the constitution/re-signification of philosophical-epistemological and theoretical-methodological representations on Portuguese teaching, of cultural historical basis – ingrediencies of

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self-regulation of behavior in the respective teaching – require critical conceptual appropriation that is historicized in the encounter of the interactants and in the state of intersubjectivity derived therefrom, for which a condition is the hearing linked to the responsible act, in which the world of culture respectively to theoretical abstraction, is integrated into the world of life, respectively to the teaching act in the daily school life, consolidating pravda.

Keywords: Encounter. Conceptual representations. Historical-cultural basis. Responsible act. Literacy events and practices.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1:Organização dos dados...104 Quadro 2: Relação entre etapas de pesquisa e instrumentos de geração de dados...113

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Diagrama Integrado – Parte I...117

Figura 2: Diagrama Integrado – Parte II...118

Figura 3:Diagrama com enfoque na gradação das relações entre interactantes no interior do evento de letramento...120

Figura 4: Matriz estruturante do Módulo I...131

Figura 5: Matriz estruturante do Módulo II...135

Figura 6: Print da página veiculada à Formação Continuada...142

Figura 7: Texto discutido na SE01 do Módulo I...150

Figura 8: Texto discutido em SE02 do Módulo I...155

Figura 9: Texto discutido em SE05 do Módulo I...162

Figura 10: Texto discutido em SE07 do Módulo I...167

Figura 11: Texto discutido em SE08 do Módulo I...175

Figura 12: Texto discutido em SE02 do Módulo II...190

Figura 13: Texto discutido em SE05 do Módulo II...195

Figura 14: Texto discutido em SE08 do Módulo II...207

Figura 15: Texto discutido em SE09 do Módulo II...211

Figura 16: Texto discutido em SE11 do Módulo I...217

Figura 17: Texto discutido em SE13 do Módulo I...225

Figura 18: Texto discutido em SE14 do Módulo I...234

Figura 19: Material produzido para exposição em Momento Acadêmico...239

Figura 20: Material produzido para exposição em Momento Acadêmico...246

Figura 21: Texto discutido em SE12 do Módulo II...254

Figura 22: Texto discutido em SE13 do Módulo II...260

Figura 23: Texto discutido em SE13 do Módulo II...260

Figura 24: Texto discutido em SE15 do Módulo II...268

Figura 25: Material produzido para exposição em Momento Acadêmico...271

Figura 26: Material produzido para exposição em Momento Acadêmico...272

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SUMÁRIO

1 O OBJETO DE PESQUISA: EM BUSCA DO FAZER COM O OUTRO...25 1.1 O OBJETO DESTA TESE...26 1.2 MOTIVAÇÕES DESTE ESTUDO...34 2 O OUTRO NA HISTORICIDADE DO ATO RESPONSÁVEL:

UMA REMISSÃO AO SUJEITO, À LINGUAGEM, À

ALTERIDADE E À APROPRIAÇÃO DA CULTURA...39 2.1 A LINGUAGEM COMO INSTITUIDORA DAS RELAÇÕES ENTRE O EU E O OUTRO...42 2.2 DAS RELAÇÕES ENTRE A SUBJETIVIDADE E A ALTERIDADE NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA...51

3 EIXOS NORTEADORES DO IDEÁRIO

HISTÓRICO-CULTURAL COMO BASE NA (RE)CONFIGURAÇÃO DO PROCESSO DE EDUCAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA...63 3.1 CONCEBENDO A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO ENCONTRO DE VOZES EM HISTORICIDADE...66 3.2 DESDOBRAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA PROPOSIÇÃO DO SIMPÓSIO CONCEITUAL: UM OLHAR PARA O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NA APROPRIAÇÃO CRÍTICA DOS USOS DA LINGUAGEM...76

4 COMPREENSÕES E TENSIONAMENTOS DE/EM

ENCONTROS DE PALAVRAS: UMA BUSCA POR NOVAS PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS...89

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: UM OLHAR QUE VÊ O PARTICULAR NA TENSÃO COM O GENÉRICO HUMANO..91 4.2 APRESENTAÇÃO DO CAMPO E DOS PARTICIPANTES DE PESQUISA...94 4.3 ETAPAS DA PESQUISA E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DE DADOS CORRESPONDENTES...106 4.3.1 As rodas de conversa e a disponibilidade para o encontro...108

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4.3.2 As sessões de estudo na configuração do percurso empreendido: eventos de letramento centrais...110 4.3.3 As entrevistas como instrumento de complementação do percurso empreendido...111 4.4 TEORIZAÇÕES DE BASE HISTÓRICO-CULTURAL EM DIRETRIZES PARA ANÁLISE DOS DADOS...115 5 O CALAR DA OUTRA PALAVRA NO RESSOAR DA PALAVRA PRÓPRIA: TENSIONANDO VIVÊNCIAS NA EDUCAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA EM BUSCA DE ENCONTROS DA UNIVERSIDADE E DA ESCOLA...123 5.1 O EXERCÍCIO DA AUSCULTA DE REPRESENTAÇÕES DE OUTREM ACERCA DA EDUCAÇÃO EM LINGUAGEM: O ABRIR-SE PARA O ENCONTRO...127 5.2 EM BUSCA DA APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO NO PENSAR COM O OUTRO EM NOVOS EVENTOS DE LETRAMENTO...143 5.2.1 Vivências com a outra palavra no plano filosófico-epistemológico da linguagem...145 5.2.2 Vivências com o outro/Outro em discussões teórico-metodológicas sobre leitura...178 5.3 RESSIGNIFICAÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES DAS INTERACTANTES: POSSÍVEIS REVERBERAÇÕES, NAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO, DOS EVENTOS DE LETRAMENTO VIVENCIADOS...212 5.3.1 Representações sobre a educação em linguagem e regulação da conduta por parte das participantes do Módulo I – enfoque filosófico-epistemológico...214 5.3.2 Representações sobre leitura constitutivas do ato de dizer das interactantes do Módulo II: enfoque teórico-metodológico...250 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ALGUMAS PALAVRAS QUE CALARAM [FUNDO] NESTE PERCURSO...275 REFERÊNCIAS...287 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....299 APÊNDICE B – Eixos norteadores para as rodas de conversa...303 APÊNDICE C – Eixos norteadores para as sessões de estudo – eventos de letramento...305 APÊNDICE D – Eixos norteadores para as entrevistas individuais...307 APÊNDICE E – Enfoque das discussões do Módulo I...309

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APÊNDICE F – Enfoque das discussões do Módulo II...311 ANEXO A: Diagrama Integrado...313 ANEXO B – Proposta de curso de extensão...315 ANEXO C – Excertos de textos produzidos no Módulo I...321 ANEXO D – Excertos de textos produzidos no Módulo II...325 ANEXO E - Parecer consubstanciado do CEP - Aprovação...329

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1 O OBJETO DE PESQUISA: EM BUSCA DO FAZER

COM O OUTRO

O ‘não álibi no ser’ coloca o eu em relação com o outro, não segundo uma relação indiferente com o outro genérico e enquanto ambos exemplares do homem em geral, mas enquanto coenvolvimento concreto, relação não indiferente, com a vida do próprio vizinho, do próprio contemporâneo, com o passado e o futuro de pessoas reais (Mikhail Bakhtin).

Tomar a linguagem1 como instrumento2 implicado na produção e na transformação da realidade natural e social, organizador do pensamento humano e instituidor das relações interpessoais é admitir seu importante papel no que respeita à apropriação do mundo pelos sujeitos nas relações intersubjetivas que nele vivenciam. Esse olhar corresponde, nesta tese, a uma epistemologia que reputamos de base histórico-cultural, dada a incumbência que nos impomos de (re)projetar encaminhamentos teórico-metodológicos para a formação humana no que toca às relações entre escola e universidade.

Situado nessa perspectiva, este estudo põe em tensionamento ancoragens de base epistemológica distinta por meio de simpósio conceitual fundamentado em postulações vigotskianas, bakhtinianas e dos estudos do letramento concebidas por nós como passíveis de articulação, sobremodo no que diz respeito às concepções de linguagem e sujeito3, na busca pelo encontro de palavras (PONZIO, 2010) de sujeitos singulares em espaços e tempo específicos, no caso dos

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Língua e linguagem são alternadas como sinônimos ao longo deste estudo. A epistemologia em que nos inscrevemos nos exime de marcar a diferença conceitual entre sistema ou faculdade mental, uma vez que entendemos estar nas relações intersubjetivas o sentido de os sujeitos se valerem dos mais variados usos da língua/linguagem.

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Instrumento é aqui compreendido com base em Vygotski (2012 [1931]) como o que permite aos sujeitos agir na realidade e modificá-la a partir das relações que se estabelecem ao longo de suas vivências, o que entendemos extensível a realidades distintas daquela imediata.

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No Grupo de Pesquisa Cultura Escrita e Escolarização do qual faço parte, este meu estudo constitui fechamento de um amplo conjunto de dissertações e teses em que os Estudos do Letramento compõem o mencionado simpósio.

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participantes desta pesquisa, pós-graduandos/pós-graduados e professores de Língua Portuguesa em atuação na Educação Básica e/ou na Educação Superior, em interação nos últimos dois anos, para juntos (re)avaliarem novos caminhos para formação docente4.

Particularidades de pensar o fazer com – nas relações intersubjetivas – nos desafiam a transcender um olhar de natureza diagnóstica na busca por um movimento que se quer propositivo, principalmente por concebermos que a intrassubjetividade se realiza na/pela intersubjetividade (VYGOTSKI, 2012 [1931]), (res)significando práticas de letramento (STREET, 1988), o que requer o ato responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]). Interessa-nos, assim, de modo particular, compreender como se historia, nessas vivências do grupo em estudo com a palavra outra, a apropriação do conhecimento acerca de pressupostos filosófico-epistemológicos e teórico-metodológicos da/para a educação em linguagem, acompanhando o delineamento de representações sobre tais pressupostos no percurso de busca pela consolidação do encontro.

1.1 O OBJETO DESTA TESE

Esta seção tematiza a descrição do objeto de nosso estudo, perpassando a questão geral de pesquisa e seus desdobramentos, tendo como eixo norteador a busca pela compreensão e pela (res)significação da ação docente no trabalho com a linguagem, concebida, em uma perspectiva vigotskiana, como instrumento psicológico que medeia a formação do sujeito e sua inserção nas mais variadas esferas da atividade humana5. Trata-se de pesquisa que estuda atividade projetada pelo Grupo de Pesquisa Cultura Escrita e Escolarização, vinculado ao NELA – Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada – da Universidade Federal de Santa Catarina, a qual tem implicações de extensão, envolvendo formação continuada de professores de Língua Portuguesa

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Daí o convite à leitura ambivalente do título desta tese: „O calar e o ressoar DA palavra outra NA outra palavra‟ (a palavra do eu ressoa na palavra do outro), assim como o movimento inverso „O calar e o ressoar NA palavra outra DA outra palavra‟ (a palavra do outro ressoa na palavra do eu).

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Optamos por italizar termos e expressões que constituem conceitos relevantes para este estudo, conceitos cuja explicitação constará do aporte teórico da tese. Outros conceitos mencionados, sem tal condição fundante à pesquisa, serão marcados apenas com aspas simples. Essa marcação deriva de concebermos que tomadas metacognitivas exigem destaque gráfico.

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das redes públicas de ensino de Florianópolis/SC, tanto quanto licenciandos do Curso de Letras Português da UFSC.

Na apresentação deste objeto, compreendemos que complexas fazem-se as possibilidades de estudarmos a linguagem, porque mediadora das vivências dos homens na/com a realidade histórica da qual fazem parte. No campo da Linguística Aplicada, demarcar a linguagem como o objeto de conhecimento se dá a partir da relação da Linguística com outras áreas do conhecimento, como a História, a Filosofia, a Psicologia, a Antropologia, dentre outras. Nesse campo dos estudos linguísticos, a dimensão sociológica constitutiva da linguagem e dos sujeitos que dela se valem para interagir com a realidade à sua volta e compreendê-la é condição primeira para entendermos por que não a estudamos na assepsia das relações com a alteridade, tanto quanto não concebemos os sujeitos fora dessa mesma relação, questão em que o diálogo – no sentido bakhtiniano do termo – com outros saberes para além do escopo da Linguística é importante.

Concentrando nosso olhar em questões que envolvem o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa, vemos como tal diálogo se mostra fundamental, considerando que os conhecimentos objetivados pela humanidade ao longo da História não estão prontos e destinados à replicação humana nos diferentes tempos, bem como considerando que os homens não se mostram passivos diante daquilo que lhes é apresentado. Essa compreensão nos leva a reiterar a linguagem como instrumento psicológico de mediação simbólica (VYGOTSKI6, 2012 [1931]), tanto quanto nos incumbe de olhar para os sujeitos na sua singularidade, considerando quem são e como se constituíram ao longo da vida, na relação com o outro/Outro7, suscitando também estudos do Círculo de Bakhtin, a que voltaremos no aporte teórico desta tese.

Em igual medida valemo-nos de contribuições advindas dos estudos do letramento, fundamentados na Antropologia da Linguagem8, que contemplam outros elementos sinalizadores do modo como os

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Haverá alterações na grafia dos nomes de L. V. Vigotski e de V. N. Volochínov referenciados ao longo do texto, em razão da observância da forma como cada edição consultada referencia os autores.

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À frente, explicitaremos nossa compreensão do que seja o Outro. 8

Temos concebido, em nosso Grupo de Pesquisa, os estudos do letramento como afetos ao campo da Antropologia da Linguagem, assumindo o risco de o fazer e justificando esse risco na compreensão de que o principal teórico em que nos pautamos, Brian Street, tem, em sua obra, forte imbricamento com o os estudos antropológicos.

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diferentes sujeitos se relacionam com a escrita nos diferentes eventos de letramento (HEATH, 2001 [1982]) dos quais participam, contextos em que as motivações e os sentidos delineiam-se na/pelas interações, na/com a alteridade por meio da modalidade escrita da língua, o que Street (1988) conceituou como práticas de letramento, conceito ampliado por Barton (1994) em convergência com a metáfora da ecologia, na qual o autor aponta para necessidade de os eventos serem observados/compreendidos a partir dos contextos nos quais ganham materialidade, o que não significa insularizar os sujeitos em tais contextos de uso, para o que advertem críticas de Brandt e Clinton (2002) ao se referirem à dimensão romântico-pragmática que exacerbações para os usos locais implicariam.

Estamos cientes de que o tema letramento tem sido amplamente debatido ao longo dos anos com base em ancoragens distintas, e isso não raro suscita problematizações, como no caso do alargamento de adjetivações que tomam o conceito como sinônimo de „tecnologia‟ ou „competência‟, redundando em nominalizações como „letramento digital‟, „letramento computacional‟, dentre outras amplamente conhecidas na literatura acerca do tema, o que, em muitos casos, como registra Street (2000) termina por reificar o conceito de cultura ou tomar as mídias como foco em detrimento das práticas sociais para as quais tais mídias se prestam.

Embora compreendendo a complexidade com a qual essa proposta de articulação epistemológica nos leva a lidar – discussão que abriremos no aporte teórico desta tese –, vimos nela a possibilidade de aprimoramento na busca por inteligibilidades que nos movem como linguistas aplicados, ampliando os diálogos da área para além dos seus próprios limites disciplinares, uma vez que consideramos a linguagem não “[...] como um fenômeno de caráter unicamente fisiológico do qual venha excluído o componente sociológico [...]” (PONZIO, 2013, p. 147), mas na relação entre exterioridade e interiorização da linguagem, relação amplamente estudada por Vygotski (2012 [1931]).

Às palavras, desse modo, são conferidos sentidos, delineados e compartilhados no grande tempo e nos espaços em que, nele, elas têm lugar, enunciadas por sujeitos que participam da história e a modificam (GERALDI, 2010a), tornando-a sempre passível de revisitação, já que o presente se erige a partir do passado, projetando a memória de futuro (com base em BAKHTIN, 2012 [1979]). Isso implica (inter)ação dos homens entre si e sobre o mundo por meio da linguagem, por meio de palavras refratadas na interlocução, reconhecida a natureza ideológica da palavra que se projeta no discurso como signo (com base em

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VOLÓSHINOV, 2009 [1929]9), razão pela qual podemos participar da vida social, viver e responder aos outros, compreensão que é também base para nossa proposta de aproximar os ideários bakhtiniano e vigotskiano em tal discussão:

O termo mediador na dialética entre base e superestrutura vem identificado por Bakhtin e por Vigotski no signo e em particular no signo verbal, que constitui o material do qual são feitas todas as relações sociais em qualquer nível, das relações de trabalho àquelas de nível artístico-literário, e que estabelece a relação de inter-relação entre o nível das ideologias institucionalizadas, dominantes, e aquele das ideologias não oficiais ou ainda em formação. (PONZIO, 2013, p. 151-152).

Ao compartilharmos concepções de sujeito e de linguagem não dissociadas da história, do tempo e do espaço que a significam, vemos como possível, embora não menos arriscada, a aproximação entre os ideários de base histórico-cultural aqui referenciados10, os quais implicam conceitos que nos interessam na dialogia entre a Psicologia da Linguagem, com base no pensamento vigotskiano, a Filosofia da Linguagem, com base nos estudos bakhtinianos e a Antropologia da Linguagem, no que toca aos estudos do letramento – ideários que entendemos basilares para compreender como o sujeito se move no seu tempo e no seu espaço por meio da escrita e na relação com outros tempos, outros espaços e outros sujeitos, discussão que gostaríamos de empreender ao tematizar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa.

Problematizar o ensino de língua na escola, tanto quanto discuti-lo e pensá-lo na universidade, levam-nos a olhar para a inter-relação entre o que é tomado por conteúdo a ser ensinado e o

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Estamos cientes da publicação de nova tradução desta obra, respectiva ao ano de 2017. Mantivemos, porém, a versão em espanhol porque ela foi objeto de consulta ao longo do processo de realização desta tese, e uma mudança agora nos pareceu injustificada porque demasiado custosa sob o ponto de vista da edição do texto. A opção pelo espanhol decorreu exatamente do zelo pela qualidade da tradução, questão agora, ao que parece, plenamente resolvida com esta nova versão em português, feita diretamente do russo.

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Distinções que vemos entre essas abordagens e que possam suscitar incongruências serão discutidas no aporte teórico à frente.

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professor, sua relação com e frente a esses mesmos conteúdos. Por que, em nosso dia a dia, questionamentos como “O que ensinar nas aulas de Língua Portuguesa?” ou ainda “Como ensinar aquilo que se elege por objeto de ensino nas aulas?” presentes nas discussões acerca do ensino de linguagem desde a década de 198011 ainda parecem permanecer obscuras para muitos de nós, professores, após três décadas12? Entendemos estar em tais questionamentos a necessidade de haver uma maior proximidade entre a universidade e a escola em discussões de natureza teórica e metodológica, uma interação mais efetiva no que respeita a (des)confortos quando se trata do que fazer em sala de aula e do como fazê-lo. Para tanto, entendemos estar nas relações entre essas instituições a possibilidade do vislumbre de outras alternativas para que pesquisadores, professores e alunos possam pôr-se em diálogo – no sentido bakhtiniano sob o qual vimos tomando o conceito neste estudo – , sendo a ausculta condição primeira para compreender a aula como encontro de professor e aluno, na ressignificação que vimos propondo a este último conceito (CERUTTI-RIZZATTI; IRIGOITE, 2015) a partir do modo como o vê Ponzio (2010; 2013; 2014).

Sob a perspectiva a que nos filiamos, a formação humana dá-se na alteridade, nas vivências do eu e do outro, sempre evênticas porque materializadas em circunstâncias espaço-temporais únicas. A nossa unicidade como sujeitos, pelas diferentes experiências com o outro/Outro mediadas pela linguagem, faz com que nos debrucemos sobre o singular, o não-repetível, mas tomando-o sempre na relação com o outro e o Outro, entendido este último, aqui, a partir do conceito de genérico humano (HELLER, 2014 [1970]). Em nos inserindo em determinadas esferas da atividade humana na condição de insiders (KRAMSCH, 1998), coloca-se a possibilidade de participarmos nessa mesma condição em esferas distintas daquelas nas quais já nos inserimos, aprimorando, assim, o engajamento com e o aprendizado de novas experiências que nos são requeridas em atividades sociais

11

Tal debate é aprimorado em textos da área de conhecida repercussão de autores como Angela Kleiman, João Wanderley Geraldi, Luiz Percival Leme Britto, Irandé Antunes, dentre outros autores.

12

Consideramos, aqui, que, apesar de amplamente dada em nível nacional a negação do enfoque na gramática normativa, estudos de nosso Grupo e nossa participação em projetos de extensão sinalizam para a forte presença do normativismo ainda nas aulas de Língua Portuguesa, quando não para o total esvaziamento do enfoque nos conhecimentos gramaticais (CATOIA DIAS, 2016; DAGA, 2016; GIACOMIN, 2013).

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específicas, condição que nos chama para pensar cuidadosamente a ação docente em linguagem.

Entendemos estar o sujeito constantemente numa relação em que se faz possível a transformação ancorada nas vivências com a alteridade, permitindo ressignificações tanto nas práticas de letramento (STREET, 1988) quanto no modo de olharmos e interferirmos no mundo, já que dessa relação é impossível sairmos ilesos (PONZIO, 2010). As relações com os outros nos convidam à ausculta, a dar tempo ao outro, a nos constituirmos como autores do dizer, porque a ele fomos chamados a responder de algum modo e de um jeito que somente cada um pode fazê-lo, dada a singularidade constitutiva do existir-evento (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]).

[...] a relação com o outro não se reduz à relação de palavras de sujeitos individuais. O encontro efetivo e sempre renovado sozinho e com o outro de si mesmo, com irredutível, incomparável singularidade de cada um, própria e dos outros; é encontro da outra palavra de falante singular com a palavra outra de interlocutor singular, é encontro de compreensão que responde, tornado possível pelo calar e pela escuta13. (PONZIO, 2010, p. 52). Os diferentes dizeres nas relações entre subjetividade e alteridade implicam vivências anteriores no âmbito da cultura e da história mediadas pela linguagem. Cabe-nos a não-indiferença (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]) àquilo que é diferente, singular e constitutivo de cada um de nós, não perdendo de vista a inter-relação de nossas palavras na cadeia discursiva (com base em VOLÓSHINOV, 2009 [1929]).

Como professores e pesquisadores, ocupados com a educação em Língua Portuguesa, evocamos a arquitetônica bakhtiniana em que o eu-para-mim, o eu-para-o-outro e o outro-para-mim mostra-se fundamental para se pensar o ato responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]) – fazendo-se, em nossa compreensão, sempre na relação com o Outro – não apenas como pensado, mas como concretamente vivido, o

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O autor distingue escuta e ausculta, posicionando-se em favor desta última e a concebendo como abertura sem álibis para o outro. Nossas leituras desse filósofo nos fazem „ver‟ esta escuta como ausculta¸ considerando que a relação que ele estabelece é entre o calar e o auscultar. Mantemos o termo aqui por não havermos tido acesso ao original em italiano.

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que termina por não colocar teoria e prática em mundos dicotomizados, mas por conceber o tensionamento/a integração14 entre elas/delas como fundamental para ancorar a questão norteadora deste estudo: Considerando como base desta tese uma proposta de pensar com pós-graduandos/pós-graduados em Linguística Aplicada e com professores da Educação Básica o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa, sob a perspectiva da busca pelo encontro de vivências da esfera acadêmica e de vivências da esfera escolar, como compreender15, nessa busca pelo encontro, o percurso de heterorregulação da conduta para a prospectada16autorregulação da conduta na apropriação de bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas para tal docência, – considerada uma filiação histórico-cultural – em se tratando dos participantes deste estudo, vinculados a cada qual dessas duas esferas, num processo que historia a produção de um Curso de Formação Continuada para outros professores da área? Registramos desdobramentos dessa questão geral nas seguintes questões-suporte: (i) No percurso inicial de busca pelo encontro: Em se tratando dos participantes desta pesquisa – pós-graduandos, pós-graduados e professores em atuação –, que representações acerca de conceitos fundantes

14

Estamos cientes das especificidades distintivas dos conceitos de dialética – enfoque vigotskiano – e dialogia – enfoque bakhtiniano, considerando a tônica daquela na „síntese‟ e desta na „integração‟. A conciliação de ambas, aqui, é risco que corremos ao aproximar as abordagens dessas duas escolas de pensamento.

15

Estamos cientes de ser pouco comum o uso de verbo tal na enunciação da questão de pesquisa e arriscamo-nos a mantê-lo em nome da precisão do que efetivamente nos dispusemos a fazer. Não foi nosso propósito nem (i) explicar o movimento dinâmico-causal de composição/ressignificação de tais

representações, porque isso teria exigido uma análise pontual e circunstanciada

de cada uma das interactantes individualmente em se tratando de cada um dos conceitos, o que nos imporia dois desafios: ou abrir mão das nove participantes de pesquisa e ficar com no máximo duas ou três, ou produzir uma tese inconvenientemente volumosa; nem (ii) fazer análise do discurso dessas

interactantes sobre seu próprio processo, porque isso nos levaria para a virada

discursiva, retirando-nos de nosso enfoque propositadamente epistêmico. Assim, ousamos buscar compreender esse movimento pelos enunciados das

interactantes, mas a partir da assunção de que o pensamento se realiza na

palavra. 16

O uso deste adjetivo assenta-se na inferência que todos os processos de estudo têm como finalidade a autorregulação da conduta dos sujeitos no tangente ao objeto estudado.

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atinentes a bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas sobre ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa é possível inferir?; (ii) Ao longo do percurso de busca pelo encontro: Como se compreendem configurações dessas representações e a que se pode atribuir eventuais ressignificações delas?; (iii) Finalizado o percurso de busca pelo encontro: É possível inferir distinções entre representações iniciais acerca dos conceitos estudados e de suas implicações metodológicas e representações finais? Já o objetivo geral deste estudo – em convergência com a questão geral de pesquisa – é compreender, na busca pelo encontro, o percurso de heterorregulação da conduta para a prospectada autorregulação da conduta na apropriação de bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas para tal docência, – considerada uma filiação histórico-cultural – em se tratando dos participantes deste estudo, vinculados a cada qual dessas duas esferas, num processo que historia a produção de um Curso de Formação Continuada para outros professores da área.

Os objetivos específicos ocupam-se das implicações desse processo nos modos de conceber e atuar nas aulas de Língua Portuguesa, requerendo de nós: (i) Conhecer que representações acerca de conceitos fundantes atinentes a bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas sobre ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa é possível inferir no percurso inicial da busca pelo encontro. (ii) Delinear configurações dessas representações ao longo da busca pelo encontro, identificando a que se pode atribuir eventuais ressignificações delas nesse percurso. (iii) Inferir prospectadas distinções entre representações iniciais acerca dos conceitos estudados e de suas implicações metodológicas e representações finais.

O objeto de pesquisa aqui delineado parte da ausculta como condição para caminhos possíveis em um percurso que tome a aula de Língua Portuguesa como encontro, condição que entendemos primeiro assentar-se sob o modo como nós, professores e estudiosos do campo, assumimos esse desafio, a começar pelas compreensões que temos acerca da educação em linguagem.

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1.2 MOTIVAÇÕES DESTE ESTUDO

Nos últimos anos, várias pesquisas vêm se ocupando do ensino e da aprendizagem de Língua Portuguesa17, reiterando o compromisso político a partir do qual a Linguística Aplicada como área tem buscado atuar nos estudos para os quais delineia novas inteligibilidades. Sob essa perspectiva, importam epistemologias de base social as quais fundamentam esta tese, (re)direcionando o olhar para além de um recorte de diagnóstico da realidade escolar atual, uma dimensão a nosso ver ainda prevalente em muitos estudos em nível de pós-graduação, e nos convidando à reflexão para transformação do/no modo como se tem pensado e operacionalizado o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa na escola. Para tanto, é importante que se mobilizem saberes de natureza teórica e metodológica para um fazer com, transcendendo um fazer para os professores. A escola, tanto quanto a Universidade, são, sem dúvida alguma, instituições sociais com um importante papel a realizar no que concerne ao tratamento de problemas linguísticos socialmente relevantes, contexto em que o trabalho colaborativo entre estudantes, professores e pesquisadores da área de Linguagem mostra-se fundamental.

Estudos recentes sobre o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa e a formação de professores18 têm discutido com certa regularidade o processo de apropriação por parte de licenciandos em cursos de Letras ou professores da Educação Básica de conceitos como linguagem, leitura e gêneros do discurso, tendo como base o tratamento conferido a tais conceitos nos PCN‟S e nas Propostas Curriculares decorrentes da parametrização em nível nacional. Em tais estudos parece emergir a compreensão de que a apropriação teórica pode permitir outros encaminhamentos no trabalho com a leitura e a escrita em sala de aula, cabendo à formação continuada contribuir para que o professor reflita teoricamente sobre sua prática. Em consulta ao Banco de Teses da CAPES, encontramos movimento semelhante em Duran (2011) e Veiga (2011), que focalizam em suas pesquisas o tratamento conferido aos gêneros do discurso por professores da Educação Básica que cursaram o Gestar II, observando aproximações e distanciamentos entre as discussões teóricas e o modo como os professores têm

17

São exemplos desses estudos Giardini (2011); Pedralli (2011; 2014); Catoia Dias (2012; 2016); Tomazoni (2012; 2016).

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Gedoz (2011), Fonseca (2011) e Azevedo (2012) são algumas dessas pesquisas.

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trabalhado com os textos nas aulas. Cabe mencionar que entendemos ser bastante relevante nessas pesquisas apontamentos para uma necessidade de aproximação entre a formação inicial e a formação continuada de professores na origem, ainda que pareça prevalecer em tais propostas um olhar de natureza diagnóstica.

Considerando a importância desses estudos para refletirmos sobre a educação linguística no país, registramos, em igual medida, a necessidade de transcendê-los. Silva (2012), ao focalizar a formação continuada em Língua Portuguesa no estado do Paraná, descreve a relevância de haver maior vinculação entre teoria e prática nesse campo de estudos. Na busca por essa aproximação, tematiza o processo de apropriação teórica docente quando, no contexto da pesquisa, seis professores da Educação Básica estudam e produzem os materiais didáticos para sua própria formação. Os resultados apontam para um grande entrecruzamento de vozes quando da reflexão conceitual em integração com as experiências da prática docente, tanto quanto sinalizam para dificuldades de efetiva compreensão conceitual por parte dos professores.

É importante registrar, porém, que, nesse percurso de mapeamento de estudos nesse campo, não localizamos pesquisa cujo recorte temático e cujos objetivos se aproximassem dos contornos que conferimos a esta tese, o que, em nossa compreensão, também contribui para ratificar sua relevância. Assim considerando e tendo presente nossa vontade de empreender uma ação que se queira propositiva nas aulas de Língua Portuguesa, as vivências pessoais19 que experienciei nas esferas escolar e acadêmica simultaneamente acentuaram em mim, ao longo dos anos, os questionamentos que na Academia regularmente apareciam nos textos: o porquê de as aulas de Língua Portuguesa nem sempre acontecerem como evento singular, os motivos de ainda prevalecer em tais aulas um tratamento conferido à língua como sistema e, quando da tentativa de um movimento transcendente, o texto até entrar no centro da discussão, mas em muitos casos como pretexto para o ensino da gramática (GERALDI, 1997 [1991]; BRITTO, 1997), como reforçado em muitos livros didáticos e no que muitos alunos e pais esperam do ensino de Língua Portuguesa. Em minha prática efetiva como professor no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, tais questões faziam-se

19

Em algumas passagens desta seção e de outras ao longo da tese haverá uso da primeira pessoa do singular, dada a natureza das vivências que contribuíram para motivação deste estudo e que se colocaram como constitutivas do processo analítico dos dados.

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sempre presentes, principalmente por serem também objeto de estudos do Grupo de Pesquisa Cultura Escrita e Escolarização, vinculado ao NELA, núcleo no qual me insiro como pesquisador.

Esse movimento que compreendo dialógico, de reflexão sobre os textos e fundamentação na práxis, juntamente a problematizações com que temos convivido por ocasião de bancas de arguição afetas a defesas de dissertações e teses de nosso Grupo de Pesquisa, processos em que se tem colocado a necessidade de novos escritos que discutam o campo da metodologia de ensino de Língua Portuguesa, fortaleceu em mim a motivação para pensar uma proposta de transformação do que nos textos acadêmicos já vem costumeiramente sendo problematizado, em atenção à arquitetônica do existir-evento descrita por Bakhtin (2010 [1920-1924]) em que cada sujeito é único, tendo para si uma responsabilidade sem álibis diante do vivido, do uno e do ato que se concretiza com o reconhecimento da assinatura.

Esse olhar, marcado pela alteridade, reforça uma concepção de „ensino‟, tanto quanto de „aula‟, como encontro de sujeitos singulares, uma vez que professores e alunos aprendem uns com os outros e têm suas práticas de letramento (STREET, 1988) constantemente revisitadas, porque vivas e distintas são as interações nas quais os sentidos acerca do mundo se delineiam. Para dar lugar a um movimento de ressignificação das vivências, de ampliação de práticas, outros eventos de letramento (HEATH, 2001 [1982]) na escola precisam emergir, contemplando a vida tal qual se estabelece em diferentes esferas da atividade humana, em que seguramente a escola, como educadora por excelência do trabalho com a leitura e a escritura20 em muitos estratos culturais tem um compromisso ainda mais expressivo e que não se pode denegar, especificamente nos entornos mais pobres (KLEIMAN, 1995).

O desenvolvimento dos homens – no sentido vigotskiano desse termo – decorre das relações intersubjetivas protagonizadas ao longo do tempo (VYGOTSKI, 2012 [1931]; WERTSCH, 1985) e tende a provocar ressignificações no modo como concebemos a vida, como lidamos com os diferentes sistemas de valores que a compõem, já que, dadas as especificidades históricas, econômicas e culturais, a acessibilidade a sistemas de referência como a ciência, a arte, a literatura tende a apresentar-se de modo desigual. Se a historiação da produção

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Em nosso Grupo de Pesquisa, quando se trata da correlação com leitura, temos optado por escritura, de modo a distinguir de escrita como modalidade da língua.

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cultural humana incide sobre o desenvolvimento dos sujeitos, cabe-nos mais uma indagação: Na condição de professores e pesquisadores, como podemos agir em favor da formação humana integral, não ignorando as singularidades dos sujeitos e, ao considerá-las, como orientar um trabalho que contemple a ampliação de práticas de letramento? Uma reflexão dessa natureza compreende que na escola é preciso se ensinar o que os sujeitos não sabem (BRITTO, 2012; 2015), agir sobre sua zona de desenvolvimento iminente21 (VYGOTSKI, 2012 [1931]), considerando, para tal, o que já é de conhecimento do aluno e permitindo a ele a compreensão das funções que a escritura e a leitura podem desempenhar, situação que requer conhecimentos científicos do professor como interlocutor mais experiente em relação ao aprendiz (VYGOTSKI, 2012 [1931]).

Tomadas essas considerações iniciais, compreendemos como tendo substantiva relevância propor o estreitamento de relações entre universidade e escola, processo cujos participantes, ao estarem diretamente envolvidos no ensino e/ou na pesquisa em língua/Língua portuguesa/Portuguesa, possam pensar juntos como agir teórico-metodologicamente em favor de um ensino de excelência comprometido com os diferentes usos da linguagem. Intensifica-se, nessa mesma proposição, nosso compromisso como profissionais da linguagem preocupados com a inserção dos diferentes sujeitos (KRAMSCH, 1998) nas mais variadas esferas da atividade humana, o que demanda vivências outras de nossa parte acerca dos aportes teóricos eleitos para subsidiar nossa ação docente, tanto quanto reflexão e sensibilidade no modo de conduzir esse percurso.

No caso específico desta tese, uma última justificativa, não menos importante e de natureza bastante pragmática, também se coloca: a rarefação de discussões, no Curso de Letras Português da UFSC22, sobre bases filosófico-epistemológicas e teórico-metodológicas de fundamentação histórico-cultural para educação em linguagem, ainda que tais bases sejam a orientação prevalente nos documentos parametrizadores da Educação paras as Redes Estadual e Municipal de Educação locais. Tal rarefação motivou a proposta de organização do Curso de Extensão que constitui lócus para este estudo e do que nos ocuparemos à frente. Assim, ainda que tal Curso, em si mesmo, não constitua nosso objeto de estudo – o objeto é o suposto movimento de heterorregulação para autorregulação da conduta que tem lugar nele –,

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A partir de Prestes (2010), temos preferido a tradução iminente. 22

Conforme Giacomin (2013) e Fraga (2016).

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sua viabilização ratifica a relevância deste estudo, porque, em a havendo, o olhar para como ela se constituiu/constitui e seu papel na formação dos sujeitos seguramente contribui para que outros estudos congêneres derivem da tese que aqui se projeta, sendo facultadas novas possibilidades de formação docente na educação em linguagem.

De modo a viabilizar este percurso, esta tese se organiza em cinco capítulos: no primeiro deles, configurado até aqui, ocupamo-nos da apresentação do objeto de estudo, acompanhado das razões que o significam; no segundo e terceiro capítulos, discorremos sobre os conceitos teóricos mobilizados para problematizações acerca da (re)configuração da educação em linguagem, defendida sob uma base histórico-cultural; no quarto capítulo, apresentamos os caminhos de pesquisa e as diretrizes sob as quais os dados foram gerados; e, por fim, no quinto capítulo, analisamos o processo em busca do encontro de palavras, no entrelugar que as vivências da universidade e da escola podem suscitar.

(39)

2 O OUTRO

23

NA HISTORICIDADE DO ATO

RESPONSÁVEL: UMA REMISSÃO AO SUJEITO, À

LINGUAGEM, À ALTERIDADE E À APROPRIAÇÃO

DA CULTURA

O diálogo é estritamente ligado ao inevitável envolvimento com o outro, e responderá ao outro sem limite de tempo e de espaço. O diálogo exorbita da responsabilidade própria de responder por si. [...] é a responsabilidade e um responder do outro (Augusto Ponzio).

As diferentes abordagens linguístico-filosóficas serviram e ainda contribuem significativamente para consolidação de olhares sobre as relações humanas e o modo como servem ou não aos propósitos inculcados pelo mercado no tempo em que se vive, à funcionalidade requerida pela vida social. Tais olhares evidenciam concepções de linguagem e de sujeito que suscitam em sua base uma orientação epistemológica bastante particular, impulsionando os estudiosos da linguagem a desafios expressivos: em nosso caso específico, lidamos com a compreensão da linguagem como objeto24 social; logo, não nos inscrevemos em uma epistemologia que vê a língua como um código pronto a ser incorporado uniformemente pelos homens, independentemente de quem sejam e das relações que cultivam. O desafio, a nosso ver, reside tanto na fuga a esse imanentismo quanto na superação de uma visão utilitarista de mundo, que nos colocaria a servir ao mercado e a nos comportarmos de maneira convencionalmente aceita e prescrita pelo que já é do plano da funcionalidade (PONZIO, 2014). Dentro dessa lógica, cada um de nós poderia ser substituído por um outro, porque o que está em jogo é a ação que desempenhamos na funcionalidade que nos é atribuída e não a singularidade que faz com que essa mesma ação seja única, irrepetível e protagonizada por um sujeito insubstituível – e, em o sendo única, deixa de ser ação para ser ato –, tal como se coloca em Bakhtin (2010 [1920-1924]) e Ponzio (2014; 2010).

23

Aqui, remissão ao outro e ao Outro, distinção que será objeto de discussão à frente.

24

Objeto é tomado, aqui, na perspectiva histórico-cultural da objetivação da

cultura.

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Ao assumirmos um olhar que considera a singularidade das relações dos sujeitos com os outros em cuja interação se constituem, estamos assumindo que esse mesmo sujeito não vive para passivamente cumprir o que está posto pela cultura sem questioná-la. Se assim o fosse, a história não promoveria mudanças; o futuro dos diferentes projetos estaria fadado a uma reprodução emblemática do status quo do passado. A vida seria marcada pela previsibilidade e pela estabilidade. O sujeito, regido pelo pertencimento a essa mesma condição, ocuparia lugares pré-definidos e agiria com base nos limites interpostos pelos papéis sociais a ele delegados, em detrimento do acolhimento e do altruísmo requeridos nas relações humanas, uma vez que fadadas à armadilha da identidade, conforme reflexões de Ponzio (2014; 2010) pautadas no ideário bakhtiniano.

Quando tratamos da formação humana, reconhecemos o agir humano na sua concretude, na realização do ato responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]), sem que haja espaço para instituição de diferenças indiferentes e para a „tolerância‟ ao outro, como sinalizado por Ponzio (2014; 2010), filósofo segundo o qual ninguém almeja „ser tolerado‟; espera-se a acolhida. A linguagem no ato é evêntica e constituída pelas muitas vozes sociais que tornam dialógicas as respostas que proferimos aos outros. Negar a eventicidade dessas relações seria, em nossa compreensão, anular nossa insubstituibilidade e a possibilidade de nos (re)colocarmos no mundo diferentemente uns dos outros. Essa assunção da eventicidade, porém, não descura do genérico humano (HELLER, 2014 [1970]).

Se alguma diferença importa, é a que nos desobriga de viver nos limites do escafandro25, aproximando-nos do outro dentro e para além de nossa sociogênese (com base em VYGOTSKI, 2012 [1931]), em relações que se estabelecem também por nada (PONZIO, 2014; 2010), no plano da infuncionalidade, a exemplo das relações afetivas. Relações dessa natureza podem nos auxiliar a problematizar quem somos, como agimos e o que queremos para nossa vida numa sociedade marcada pela divisão de classes, sob essa estratificação, pela alteridade relativa que a caracteriza. Importa, segundo o filósofo italiano, fugir dessa alteridade relativa em nome de assumir uma alteridade absoluta, o que implica ser

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Ponzio (2013; 2014) vale-se da metáfora do escafandro para criticar pertencimentos identitários nos limites dos quais os sujeitos agem, tomando tais pertencimentos como álibis para acolher o outro apenas sob as restrições desses limites: respira-se tão somente dentro do escafandro; fora dele não há vida possível.

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o outro que acolhe o eu para além dos limites das relações funcionais, respectivas aos papéis e pertencimentos socioeconômicos e culturais que restringem a abertura das relações humanas. Entendemos que, na educação, exatamente em razão do processo de formação humana a que serve, importa o exercício da alteridade absoluta – acolher o outro sem álibis. Importa, assim, conceber a alteridade como um lugar que acolhe e pensa o outro, sem reduzir esse comportamento ao utilitarismo das relações de mercado, tanto quanto sem reduzi-lo a pertencimentos identitários que, em exacerbando as diferenças, apagam a genericidade humana e, ao fazê-lo, criam a “armadilha da identidade”, de que trata Ponzio (2014).

A complexidade das questões colocadas nos convida a ver o sujeito como singular, que pertence a uma cultura, mas a ela não se conforma; age, constituindo-a, ao mesmo tempo que por ela é constituído (com base em VYGOTSKI, 2012 [1931]; GERALDI, 2010b). O tempo e a história repercutem sobre vivências singulares, acontecimentos únicos, ampliando o modo como nos vemos e como enxergamos também o que nos é externo. O ato de pensar exige que pensemos no/o outro e que o outro pense em nós/nos pense26 (MIOTELLO, 2011); por isso nossa incompletude se revela tão significativa no ideário bakhtiniano. Esse movimento está, segundo Ponzio (2014), para além do conceito de identidade, das relações capitalistas, enfatizando a necessidade de se quebrarem as barreiras impostas pelas relações de pertencimento. É o que o autor chama de diferença não-indiferente, inscrita no plano da história e da cultura. Não importa aqui ser o rico ou o pobre, o branco ou o negro, mas sim o sujeito singular que nos mostramos em relações espaço-temporais sempre irrepetíveis, evênticas, mas sempre na tensão com o genérico humano (HELLER, 2014 [1970]), com a alteridade. Essa compreensão da singularidade tem como fio condutor a arquitetônica bakhtiniana assumida em Para uma filosofia do ato responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]), em que o outro é central para constituição do eu, a razão pela qual dizemos o que temos de dizer a partir das condições que a alteridade instaura, uma alteridade absoluta, despida de pertencimento e voltada para acolher os muitos outros, uma atenção para a qual a educação de nosso país precisa se voltar. E, tendo presente a importância da istina para que haja a pravda (BAKHTIN, 2010

26

Ponzio (2014) atenta para a importância de não apenas pensar no outro, mas pensar o outro, como genitivo subjetivo, condição para o acolhimento.

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1924]; AMORIM, 2009), também o Outro se coloca aqui como fundante.

2.1 A LINGUAGEM COMO INSTITUIDORA DAS

RELAÇÕES ENTRE O EU E O OUTRO

Os sujeitos, ao longo das experiências que protagonizam, valem-se da linguagem para interagir com os seus. O uso da linguagem medeia o agir no mundo, o responder aos outros de forma a eliciar quem somos, de onde viemos e o que pensamos. Não há como nos enunciarmos fora de uma inserção num tempo e num espaço específicos, desvestidos pela história que se delineia em cada palavra enunciada na cadeia ideológica (VOLÓSHINOV, 2009 [1929]). Tal entendimento nos remete a uma filiação teórico-epistemológica de base histórico-cultural, em que as singularidades que se constituem na cultura e na história dos diferentes grupos e, por via de consequência, dos sujeitos que nelas se projetam, se historiam, sinalizam para uma compreensão de linguagem pautada na intersubjetividade (VYGOTSKI, 2012 [1931]); WERTSCH, 1985) e, portanto, como instituidora de acontecimentos constituídos por vozes que em alguma medida compõem encontros27 (PONZIO, 2010), e que se mostram quando o primeiro passo é dado, e a linguagem é então tomada como ato28 responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]).

Reconhecer o caráter singular da linguagem e do sujeito que dela se vale na interação com o outro requer especial atenção para as especificidades culturais e históricas que, no encontro da outra palavra e da palavra outra (PONZIO, 2010) se colocam como repertório cultural para tal. Não há encontro desprovido de valoração, sem ressoo da vida vivida e do tom emotivo-volitivo (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]) assumido por aqueles que tomam a palavra e a significam na alteridade. Esse conceito bakhtiniano – alteridade – contém a complexidade da qual se reveste o ato singular, não-indiferente no encontro. O tom impregnado na palavra, o modo como a tomamos no enunciado, direcionando essa palavra ao outro, a faz única, nossa,

27

A proposição de encontro aqui é tomada a partir da perspectiva bakhtiniana, tal qual o faz Ponzio (2010), compreendendo intersubjetividade como constitutiva dos sujeitos que se enunciam em seus diferentes projetos de dizer. Ampliaremos essa discussão conceitual ao longo deste estudo.

28

Ato compreendido com base na filosofia bakhtiniana de “dar um passo”, no russo „K filosofii postupka”, a responsabilidade do agir é intransferível, marcada pela mesma singularidade do sujeito que o protagoniza.

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irrepetível, proferida por um sujeito para o outro com o qual interage. Palavras alimentadas por axiologias nas quais os sujeitos compartilham representações de mundo ou as veem em conflito, palavras como signos ideológicos (VOLÓSHINOV, 2009 [1929]), já que, na cadeia discursiva, a compreensão “[...] responde al signo mediante otros signos29 [...]” (VOLÓSHINOV, 2009 [1929], p.31), permeando, assim, a natureza essencialmente social da interação, na qual a consciência também se constitui.

El signo sólo puede surgir en un territorio interindividual, territorio que no es „natural‟ en el sentido directo de esta palavra: el signo tampoco puede surgir entre dos homo sapiens. Es necesario que ambos individuos estén socialmente organizados, que representen un colectivo: sólo entonces puede surgir entre ellos un médio sígnico (semiótico). La consciência individual no sólo es incapaz de explicar nada en este caso, sino que, por el contrario, ella misma necessita ser explicada a partir del medio ideológico social. Embora estejamos cientes da complexidade do conceito de consciência, o concebemos como conteúdo ideológico na interação social. Tal posicionamento, ancorado no pensamento do Círculo de Bakhtin, não poderia evocar outros sentidos para nós, dada a concepção de signo como palavra viva, materializando-se nos processos interacionais entre o eu e o outro como reações-respostas historiadas. Os signos constituem-se, portanto, na cultura, e nela ressignificam o já conhecido, aquilo que o sujeito singular experiencia da forma como ninguém poderia fazê-lo e sempre nas relações sociais.

Ao sair de seu estado imortalizado, inflexível na significação de dicionário, a palavra liga-se ao que Volóshinov (2012 [1927]) compreende como ideologia, já que o conteúdo que nela se apresenta e se (re)configura é mutável, negociado, agenciado em cada ato. O tempo e o espaço são constitutivos da natureza ideológica, e novos sentidos são sempre possíveis porque novas vivências ganham lugar na história das relações interlocutivas, e cada um deles demarca essa relação com os seus outros de forma singular.

29

Eximimo-nos, ao longo do texto, de traduzir passagens em língua estrangeira dos textos referendados, dado o suposto domínio nessas línguas que entendemos caracterizar o auditório social de uma tese.

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