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Racionalidades na eleição do diretor da escola pública portuguesa: um estudo de caso

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Racionalidades na eleição do diretor da escola pública portuguesa.

Um estudo de caso.

Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação Área de Especialização em Administração Educacional

Teresa Maria Barradas Silva Soares

Orientadora: Professora Doutora Maria João de Carvalho

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Racionalidades na eleição do diretor da escola pública portuguesa.

Um estudo de caso.

Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação Área de Especialização em Administração Educacional

Teresa Maria Barradas Silva Soares

Orientadora: Professora Doutora Maria João de Carvalho

Composição do Júri:

Presidente: Doutor Américo Nunes Peres

Vogais: Doutora Maria João Cardoso de Carvalho Doutora Maria das Neves Leal Gonçalves

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v AGRADECIMENTOS

Esta dissertação de mestrado é fruto de um ano de trabalho árduo, impossível de concretizar sem o apoio, a colaboração e o incentivo de muitas pessoas, a quem devo um reconhecimento público.

Um agradecimento especial à minha orientadora científica, professora doutora Maria João de Carvalho, uma mente crítica, desafiadora e perfecionista, com quem espero manter uma colaboração académica profícua e duradoura.

Um muito obrigado a todos os participantes neste estudo, com o estatuto de interlocutores privilegiados, que, com os seus valiosíssimos contributos, garantiram uma investigação, concetualmente, interessante, pelos diversos e antagónicos pontos de vista que tão assertivamente expressaram. Aos elementos do corpo docente, não docente, alunos, pais e encarregados de educação, membros da autarquia e da comunidade local, bem hajam!

Às minhas amigas de sempre, Maria Elisa Guichard e Nélia Janeiro Chaves, um obrigado do tamanho do mundo pelo apoio incondicional, pelo incentivo sem reservas e simplesmente por estarem ao meu lado (desculpem, por termos passado um ano sem os habituais roteiros culturais).

À minha família, em geral, e às minhas irmãs, em particular, um agradecimento profundo pela permanente disponibilidade e pela confiança que depositam em mim.

Uma gratidão imensa para com os meus filhos, Jorge Miguel e Patrícia Helena, que passaram a ver a mãe acoplada a um portátil no meio de livros, folhas e mais folhas... mas que, orgulhosamente, viam crescer um projeto de realização pessoal.

Para o Jorge, meu marido, meu amor e meu pilar, um obrigado do tamanho do universo pelo estímulo, apoio e tiradas humorísticas que me faziam regressar à Terra, quando orbitava pelo mundo administrativo, legal e organizacional da realidade escolar.

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vii RESUMO

O modelo de gestão da escola pública portuguesa, estatuído pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, consubstancia um novo marco na evolução dos órgãos diretivos, pelos quais efetuámos uma incursão diacrónica, no pressuposto de que, conhecendo o passado, melhor compreendemos o presente e mais sustentadamente perspetivamos o futuro.

Da estrutura orgânica desenhada pelo Ministério da Educação e Ciência, emerge a figura do diretor, órgão unipessoal, eleito pelo conselho geral, órgão colegial, num sistema que configura uma abertura da escola a forças exteriores anteriormente alheadas das esferas decisórias e um afastamento acentuado dos atores tradicionalmente mais envolvidos na vivência escolar.

Centrados no fenómeno da eleição do diretor, procurámos determinar as representações e racionalidades que conduzem os membros do conselho geral a selecionar o diretor da escola, problematizando as dinâmicas políticas envolvidas no processo eleitoral e aferindo do sentimento de legitimidade e democraticidade entre os atores educativos, que englobam pessoal docente, não docente, alunos, pais e encarregados de educação, autarquia e comunidade educativa.

Desenvolvemos uma investigação de natureza qualitativa, integrada numa abordagem de cariz interpretativo, pela assunção de que a realidade é subjetiva e socialmente construída. A partir de um estudo de caso, selecionámos criteriosamente vinte e um interlocutores privilegiados de um Agrupamento de Escolas, representantes de toda a comunidade educativa, com e sem assento no conselho geral, recolhendo informação que nos permitiu analisar a operacionalização dos princípios de democraticidade e participação, aplicados ao microcosmos organizacional escolar, marcado por uma vertente crescentemente politizada, onde se tece uma complexa teia de jogos, interesses, conflitos, estratégias e coligações, num enquadramento congruente com o modelo organizacional político.

Neste contexto, características de perfil e personalidade dos candidatos a diretor, de entre as quais se destacam a capacidade de liderança, a capacidade de relacionamento e a capacidade de mobilizar forças opostas e concentrar sinergias na implementação do Plano de Intervenção assomam como motivos preponderantes na sua seleção, matizados, porém, com nuances de ordem pessoal ou profissional. Face ao reduzido número de responsáveis pela escolha do diretor, é possível determinar que a sua legitimidade advém do poder centralizador e burocrático, mas também do democrático, consubstanciado na eleição, ainda que numa forma de democracia representativa, sem a participação e intervenção direta da grande maioria dos

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elementos que compõem a comunidade educativa. Neste sentido, o novo modelo de gestão configura-se como o menos democrático do regime pós-25 de abril.

Palavras-chave

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ix ABSTRACT

The management model of the Portuguese public school, implemented by Decree-Law no. 75/2008, 22nd of April, represents a new milestone in the evolution of school management boards, through which we did a diachronic incursion, on the assumption that, knowing the past, we will better understand the present and more consistently address the future.

From the organic structure set out by the Ministry of Education and Science, emerges the figure of the Director, one-man body, elected by the General Board, the Collegiate Body, in a system that configures an opening of the school to external forces, previously away from the decisional spheres and a considerable withdrawal from the more traditionally involved key actors in the school dynamic. Focussed on the election of the Director, we searched to determine the representations and rationalities that lead the members of General Board to select the Director of the school, questioning the political dynamics involved in the electoral process and assessing the feeling of legitimacy and democracy among the educational actors, which include teaching staff, non-teaching staff, students, parents or guardians, autarchy and educational community.

We developed an investigation of qualitative nature, set in an interpretative approach, by the assumption that reality is subjective and socially built. From a case-study, we carefully selected twenty-one particular people from a School Grouping, representatives of the whole community, with and without seats on the General Board, thus gathering information that allowed us to analyzed the application of democracy and participation principles, applied to the organizational school microcosm, marked by a growing politicized angle, where a complex web of games, interests, conflicts, strategies and coalitions is formed, in a coherent frame with the political organizational model.

In this context, profile and personality features of the candidates to Director, from which we highlight the ability of leadership, the ability of relationship, of mobilizing opposite strengths and focussing synergies on the application of the Intervention Plan, come as main motives for the selection, mixed, however, with nuances of personal or professional order. Given the reduced number of responsible people for the choosing of the Director, it is possible to determine that his legitimacy comes from the centralized and bureaucratic power but also from the democratic one, embodied on the election, even if in a representative democracy,

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without the direct participation and intervention of the vast majority of the elements that form the educational community. Therefore, the new management model stands as the least democratic one after the 25th April.

Key-words:

Decision; director; democracy; participation; election; management model; political model

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xi ÍNDICE GERAL Agradecimentos ... v Resumo ... vii Abstract ... ix Índice Geral ………..………... xi Índice de Figuras ... xv Índice de Gráficos ... xv

Lista de abreviaturas, acrónimos e siglas ... xvii

Introdução ... 1

PARTE I – ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR – EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONTORNOS POLÍTICOS E RACIONALIDADES CAPÍTULO I - Evolução histórico-legal do regime de gestão e administração da escola pública portuguesa ... 9

1. Continuidades e ruturas na gestão da escola pública ... 9

1.1. O domínio clerical na educação medieval ... 9

1.2. Os Descobrimentos e o advento da cultura renascentista e humanista: impacto das ordens religiosas no ensino ... 12

1.3. Protagonistas educativos durante a monarquia absolutista e o Iluminismo – a reforma pombalina ... 16

1.4. Gestão e administração escolar durante o Liberalismo e Monarquia Constitucional – conselho do liceu e reitor (1836-1910) ... 22

1.5. Tentativas de descentralização durante a I República – alternância de poder entre o reitor e o conselho escolar (1911-1926) ... 31

1.6. Poder autocrático do reitor durante o Estado Novo (1933-1974) ... 37

1.7. Período pós-revolucionário – as comissões de gestão e as experiências “autogestionárias” (1974) ... 42

1.8. Ruturas duais na colegialidade da administração centralizada - o conselho diretivo (1974-1998) ... 45

1.9. O reforço da autonomia local - o conselho executivo e a assembleia de escola (1998 – 2008) ... 52

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xii

1.10. Um modelo de liderança espartilhada – o diretor e o conselho

geral (2008 -) ... 56

CAPÍTULO II – Democraticidade, participação e eleição ... 67

2. Da génese do sistema democrático às teorias de democraticidade organizacionais contemporâneas ... 67

2.1. Democracia e participação no contexto organizacional - democracia representativa e democracia participativa ... 73

2.2. Participação e tomada de decisão no contexto escolar ... 84

2.3. O princípio democrático e o direito de sufrágio na democracia representativa ... 88

2.3.1. O princípio democrático e o sistema eleitoral ... 89

2.3.2. Eleição e designação dos representantes no conselho geral .. 91

2.3.3. Procedimentos na eleição do diretor ... 98

2.3.4. Formas e finalidades da impugnação ... 105

CAPÍTULO III - Dimensões estruturantes do modelo organizacional político .... 113

3. Imagem multifacetada da organização escolar - o paradigma político e a imagem da arena política ... 114

3.1. Interesses individuais e articulação grupal ... 118

3.2. Ambivalência do conflito ... 122

3.3. Alianças e negociação ... 124

3.4. A rede relacional na escola – poder e contrapoder, autoridade e influência ... 125

3.5. Racionalidades e tomadas de decisão em contexto escolar ... 133

PARTE II – A ELEIÇÃO DO ÓRGÃO UNIPESSOAL NA ESCOLA PÚBLICA PORTUGUESA CAPÍTULO IV – Metodologia da Investigação ... 149

4. Desenho metodológico ... 150

4.1. Problemática da investigação e questão emergente ... 150

4.2. Revisão da literatura ... 151

4.3. Método de investigação qualitativa e paradigma interpretativo .... 152

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4.5. Estudo de caso ... 161

4.6. Unidade de gestão e interlocutores privilegiados ... 162

4.7. Instrumentos de recolha de dados ... 173

4.7.1. Documentação ... 174

4.7.2. Observação participante e não estruturada ... 177

4.7.3. Entrevista semiestruturada ... 178

4.7.4. Conversas Informais ... 179

4.8. Tratamento dos dados ... 179

CAPÍTULO V – Apresentação e discussão dos resultados ... 187

5. Apresentação e análise dos dados ... 187

5.1. Dimensão do modelo de gestão ... 188

5.1.1. Mudança de paradigma ... 188

5.1.1.1. Do Decreto-Lei n.º 115-A/98 ao Decreto-Lei n.º 75/2008 188

5.1.1.2. Grau de participação dos agentes educativos ... 192

5.1.1.3. Municipalização da educação ... 195

5.1.1.4. Gestão por nomeação/eleição ... 197

5.1.2. Conselho geral ... 199

5.1.2.1. Democraticidade e abertura ao meio ... 199

5.1.2.2. Interferência político-partidária ... 202

5.1.2.3. Forças com assento ... 205

5.1.3. Diretor ... 206

5.1.3.1. Legitimidade ... 206

5.1.3.2. Proximidade ... 207

5.2. Dimensão da eleição do diretor ... 208

5.2.1. Ação do CGT ... 208

5.2.1.1. Procedimento concursal ... 208

5.2.1.2. Conhecimento documental e jurídico-legal ... 214

5.2.2. Fatores de seleção do diretor ... 215

5.2.2.1. Conhecimento pessoal ... 215

5.2.2.2. Perfil e capacidade de liderança ... 216

5.2.2.3. Projeto de intervenção e curriculum vitae ... 217

5.2.2.4. Filiação ou conotação partidária ... 220

5.2.2.5. Equipa de gestão ... 220

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xiv

5.2.3.1. Corpo docente, não docente, alunos, pais e encarregados

de educação, autarquia e entidades cooptadas ... 221

5.2.4. Estratégias e alianças em contexto eleitoral ... 223

5.2.4.1. Campanha política ... 223

5.2.5. Previsibilidade do resultado ... 226

5.2.5.1. Reações ... 226

5.2.5.2. Impugnação ... 228

CAPÍTULO VI – Considerações finais ... 233

6.1. Conclusões ... 233

6.2. Limitações do estudo ... 239

6.3. Futuros estudos ... 240

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 241

(15)

xv ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Composição do conselho geral com o número máximo de elementos,

segundo o Decreto-Lei n.º 75/2008 ... 58

Figura 2 - Grelha de observação de candidatura para provimento do cargo de diretor ... 102

Figura 3 - Theoretical Background of the Political Model (Baldridge) ….……… 117

Figura 4 - Interesses organizacionais (Morgan) .………. 119

Figura 5 - N.º de alunos por nível de ensino, em 20010/2011, 2011/2012 e 2012/2013 ... 164

Figura 6 - Beneficiários do ASE, em 2010/2011 ... 167

Figura 7 - Beneficiários do ASE, em 2011/2012 ... 167

Figura 8 - Beneficiários do ASE, em 2012/2013 ... 167

Figura 9 – Cronologia da ação do CGT do Agrupamento de Escolas D. Leonor de Vilhena entre 2010 e 2012 ... 174

Figura 10 - Ação do CG do Agrupamento de Escolas D. Leonor de Vilhena relativamente ao procedimento concursal de 2011 ... 176

Figura 11 – Dimensões, categorias e subcategorias de análise ... 181

ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Evolução do n.º de alunos por ano letivo ... 165

Gráfico 2 - Distribuição dos alunos por estabelecimento de ensino do agrupamento, em 2010/2011 ... 165

Gráfico 3 - Distribuição dos alunos por estabelecimento de ensino do agrupamento, em 2011/2012 ... 166

Gráfico 4 - Distribuição dos alunos por estabelecimento de ensino do agrupamento, em 2012/2013 ... 166

Gráfico 5 - Taxa de insucesso por ano letivo ... 167

Gráfico 6 - N.º de professores por níveis de ensino, em 2010/2011 ... 168

Gráfico 7 - N.º de professores por níveis de ensino, em 2011/2012 ... 168

Gráfico 8 - N.º de professores por níveis de ensino, em 2012/2013 ... 168

Gráfico 9 - N.º de funcionários por categorias, em 2010/2011 ... 169

Gráfico 10 - N.º de funcionários por categorias, em 2011/2012 ... 169

Gráfico 11 - N.º de funcionários por categorias, em 2012/2013 ... 169

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Gráfico 13 - Vínculo laboral do corpo docente, em 2011/2012 ... 170

Gráfico 14 - Vínculo laboral do corpo docente, em 2012/2013 ... 170

Gráfico 15 - Vínculo laboral do corpo não docente em 2010/2011 ... 171

Gráfico 16 - Vínculo laboral do corpo não docente em 2011/2012 ... 171

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xvii ABREVIATURAS, ACRÓNIMOS E SIGLAS

A AE – Assembleia de Escola ASE – Apoio Social Escolar

C

CAP – Comissão Administrativa Provisória

CE – Conselho Executivo

CEF – Curso de Educação e Formação CG – Conselho Geral

CGT – Conselho Geral Transitório CNO – Centro Novas Oportunidades CP – Conselho Pedagógico

CPA – Código do Procedimento

Administrativo

CPCJ – Comissão de Proteção das

Crianças e Jovens

CQEP - Centro para a Qualificação e o

Ensino Profissional

CRP – Constituição da República

Portuguesa

CTE – Comissão Técnica Especializada CV – Curriculum Vitae

D

DGEstE- Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares

DR – Diário da República

DRE – Direção Regional de Educação DREN – Direção Regional de Educação

do Norte

E

EE – Encarregados de Educação

I

IPSS – Instituições Portuguesas de

Solidariedade Social

M

MEC – Ministério da Educação e

Ciência

MISI – Gabinete Coordenador do

Sistema de Informação do Ministério da Educação P PI – Projeto de Intervenção Q QA – Quadro de Agrupamento QE – Quadro de Escola

QZP – Quadro de Zona Pedagógica RI – Regulamento Interno

S

SWOT – Strengths, Weaknesses,

Opportunities, Threats

T

TAF – Tribunal Administrativo e Fiscal TEIP – Território Educativo de Intervenção Prioritária

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1 INTRODUÇÃO

A escola pública portuguesa, enquanto organização e instituição, acompanhou, ao longo dos tempos, a evolução histórico-social do país. Fruto das diversas políticas educativas que enformaram os sucessivos governos, os constantes e ininterruptos normativos legais testemunham uma apetência governamental pela ação reformista sobre a escola.

Nos nossos tempos, em pleno séc. XXI, mantém-se a vontade legisladora de adaptar a escola às novas exigência sociais, económicas, técnicas e culturais. Nesse sentido, os estabelecimentos de ensino viram a estrutura orgânica dos seus corpos diretivos ser, mais uma vez, alterada. O recente modelo de gestão e administração das escolas, instituído pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, centra na ordem do dia a temática dos órgãos de direção da escola pública portuguesa. Emerge uma nova perspetiva de gestão, agora centrada na figura do diretor, um órgão unipessoal, e no conselho geral, um órgão colegial, que o elege, o que configura um paradigma substancialmente diferente dos anteriores, designadamente na operacionalização dos princípios de democraticidade, colegialidade, participação e da representação dos docentes nos órgãos de administração e gestão da escola.

Com o referido normativo, é observável a emergência de um discurso político influenciado pelo contexto empresarial, onde as palavras-chave são a eficácia e a eficiência, numa perspetiva neoliberal e gerencialista. No seu preâmbulo, o Ministério da Educação do XVII Governo Constitucional define a necessidade de “promover a abertura das escolas ao exterior e a sua integração nas comunidades locais”, assegurando os direitos de participação de todos os agentes do processo educativo, no que “constitui também um primeiro nível, mais directo e imediato, de prestação de contas da escola relativamente àqueles que serve”. No cumprimento deste desiderato, e num anunciado reforço de democratização do ensino e da autonomia das escolas, o conselho geral assume-se como o órgão de direção estratégica, responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade das escolas. A sua composição garante a participação e a representação da comunidade educativa, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, sendo constituído por membros do corpo docente, corpo não docente, representantes da Associação de Pais/Encarregados de Educação, representantes dos alunos do ensino secundário, representantes da autarquia e representantes da comunidade local. O referido Decreto-Lei anuncia, ainda, a intenção de criar “condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes, para que em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável, dotado de autoridade necessária para desenvolver o projeto

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educativo da escola e executar localmente as medidas de política educativa”, constituindo-se um órgão unipessoal a quem poderão ser “assacadas as responsabilidades pela prestação do serviço público de educação e pela gestão dos recursos públicos postos à sua disposição”, características corporizadas na figura do diretor. O novo paradigma rompe, naturalmente, com a colegialidade que caracterizou décadas de gestão escolar, com a participação direta na eleição dos corpos diretivos por parte dos agentes que diariamente se encontram na escola, já que, agora, compete aos elementos que compõem o conselho geral eleger o diretor da sua unidade orgânica de acordo com o estatuído legalmente.

Na presente investigação, debruçamo-nos sobre as alterações instituídas pelo novo modelo de gestão, sobre o seu impacto na dinâmica organizacional quotidiana e sobre a perceção de todos os atores educativos relativamente à sua implementação. Centramo-nos no momento e no processo de eleição do diretor de uma escola pública portuguesa, procurando determinar as representações e racionalidades envolvidas por parte daqueles que o elegem no conselho geral e por parte dos restantes agentes, todos com diferentes interesses, motivações e perspetivas.

Cremos que a problematização de um acontecimento fulcral nas escolas e num aspeto ainda pouco estudado pode proporcionar um contributo válido para a compreensão da organização escolar, já que grande parte das atuais investigações, na área da administração e gestão educacional, se prendem mais com a caracterização da praxis do diretor na gestão quotidiana, no cumprimento do seu Projeto de Intervenção, na sua capacidade de mobilizar os atores educativos para a prossecução de fins comuns, nas suas relações com os órgãos de gestão intermédios, entre outros objetos de estudo, estando o fenómeno da eleição do diretor ainda pouco explorado.

Esta conjuntura conduz-nos, assim, à questão de partida para esta investigação: Quais os motivos apontados pelos elementos do conselho geral para a seleção e eleição do diretor da escola?

De entre os diversos paradigmas organizacionais que, no seu conjunto, permitem uma visão holística da escola, optámos por focalizar a nossa investigação a partir de uma dimensão política, considerando a relevância dos conceitos de democraticidade, participação e eleição que desenvolveremos ao longo do processo investigativo, debruçando-nos particularmente sobre a micropolítica, centrada no funcionamento interno da organização, onde confluem interesses, coligações, estratégias, conflitos, influências, poderes e negociações, numa imagem congruente com a arena política, nomeadamente quando se vivenciam atos eleitorais.

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Nesta abordagem da lógica da ação política no contexto escolar, ressalvamos que existem diversas facetas na organização, mas que uma das tarefas da análise política é, exatamente, descobrir quais são os princípios e orientações mais marcantes e de que forma condicionam os atores e os fins organizacionais.

Estabelecemos como principais objetivos do nosso estudo determinar os motivos que levam os membros do conselho geral a escolher o diretor da sua escola agrupada ou não agrupada de entre os diversos candidatos que se apresentam a concurso; compreender as dinâmicas políticas envolvidas no processo eleitoral do diretor; aferir do sentimento de legitimidade e democraticidade entre os atores educativos; e contribuir, no contexto da realidade educacional, para uma melhor compreensão sociológica do fenómeno diretivo nas escolas públicas portuguesas.

Focados no novo modelo de eleição do diretor, na ambiência politizada que se vive no interior da escola, no grau de participação dos atores educativos no procedimento eleitoral e nas diferentes racionalidades que determinam a seleção do diretor pelos membros do conselho geral, alvitrámos as seguintes possibilidades, que esperamos ver confirmadas ou infirmadas no final da nossa investigação:

Premissa A – O perfil pessoal do candidato é o motivo preponderante para eleger o diretor.

Premissa B – A proximidade ideológica e pessoal entre alguns conselheiros determina a eleição do diretor.

Premissa C - A influência externa representada pela autarquia e comunidade é determinante na eleição do diretor.

Premissa D – As dissensões no corpo docente inviabilizam a união em torno de um candidato comum.

Premissa E – Os atores educativos com presença diária na escola consideram-se excluídos do processo eleitoral.

A pertinência da presente investigação prende-se, portanto, com a atualidade do tema, com o número residual de estudos sobre o assunto e, ainda, com a polémica que tem envolvido a eleição de um órgão unipessoal, o diretor, por um órgão colegial, o conselho geral. Além destes fatores extrínsecos, acrescem fatores intrínsecos na escolha desta problemática, decorrentes da experiência pessoal do investigador na sua vida profissional, por ter participado, enquanto membro do conselho geral, num ato eleitoral com o propósito de eleger o diretor.

No estudo desta temática, optámos por uma investigação de natureza qualitativa, integrada numa abordagem de cariz interpretativo, pela assunção de que a realidade é subjetiva e socialmente construída, denotando-se uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito. Focando a nossa atenção quer nos elementos do

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conselho geral, que elegem o diretor, quer nos restantes membros da comunidade educativa, interessa-nos explorar e perceber comportamentos, perspetivas, experiências, racionalidades e representações dos indivíduos integrados no seu contexto natural, por forma a compreender o fenómeno no seu meio natural.

A nossa opção metodológica recaiu sobre um estudo de caso, por um lado, pela escassez de conhecimento específico sobre o ato eleitoral para o cargo de diretor da escola pública portuguesa, por outro, porque o fenómeno em apreço se situa num domínio sensível das relações humanas – a política, pelo que esta escolha nos parece ser a mais eficaz para efetuarmos um exame detalhado e completo ao nosso objeto de estudo. Desta forma, e considerando o reconhecido potencial desta estratégia metodológica para proporcionar a apreensão da complexidade e especificidade dos fenómenos, selecionamos um Agrupamento de Escolas, que cumpria o requisito de experienciar um procedimento concursal para provimento do cargo de diretor.

Relativamente à recolha de dados, selecionamos uma combinatória ampla, abrangendo várias técnicas capazes de garantir a informação pretendida. Assim, privilegiamos as técnicas de observação, da análise documental, das conversas informais e da entrevista semiestruturada, aplicada a 21 interlocutores privilegiados, representantes de toda a comunidade educativa, com e sem assento no conselho geral. A análise de conteúdo, sustentada na estruturação por categorias, é a técnica escolhida para o tratamento dos dados.

Assim, desenhamos um plano organizativo constituído por duas grandes etapas. Num primeiro momento, efetuamos um enquadramento teórico-concetual de suporte para um segundo momento de investigação empírica.

Começamos, por isso, pela contextualização histórica dos órgãos diretivos da escola pública portuguesa, particularmente, no sentido de perceber as diferenças e semelhanças no processo de recrutamento dos órgãos de direção, centrando-nos, posteriormente, no modelo em vigor (capítulo I), seguimos para a problematização dos conceitos de democracia, participação e eleição aplicados ao contexto escolar (capítulo II) e pelas dimensões estruturantes do modelo organizacional político, cada vez mais dominante nas escolas (capítulo III). Num segundo momento, expomos as bases metodológicas que nos permitirão a aplicação empírica do nosso processo investigativo (capítulo IV). A apresentação e análise de dados (capítulo V) dará origem às conclusões e considerações finais (capítulo VI) sobre as temáticas em apreço, procurando dar o nosso contributo sobre o novo modelo de gestão através das distintas perceções que os atores educativos manifestam e, ainda, lançando bases para futuros trabalhos investigativos na área da administração e gestão educacional.

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A quem poderá interessar a abordagem desta problemática? Encontramos resposta no vasto público ligado às questões da educação: desde logo professores de todos os ciclos e áreas curriculares (particularmente futuros candidatos ao cargo de diretor), estudantes universitários, investigadores, pais e encarregados de educação, organizações sindicais, profissionais ligados ao Ministério da Educação e Ciência, membros da autarquia e todos os que, muito legitimamente, manifestem interesse em discutir as grandes questões respeitantes à sociedade em que vivem.

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PARTE I - Administração e Gestão Escolares

– Evolução Histórica, Contornos

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CAPÍTULO I – Evolução histórico-legal do regime de gestão e administração da escola pública portuguesa

Recuar no tempo e fazer uma viagem com várias paragens pela escola pública portuguesa ao longo dos séculos permite-nos uma perceção da educação em Portugal única e esclarecedora do atual quadro legal, particularmente, no que diz respeito à administração e gestão dos estabelecimentos de ensino, objeto de estudo da presente investigação.

É lícito afirmar que a construção da escola enquanto instituição organizacional se desenvolveu a par da conjuntura histórica do país, apesar do seu caráter mais recente se a equipararmos a outras organizações como a igreja, o exército ou a prisão. Se nos primórdios, a função socializadora da educação era a mais óbvia, servindo como um complemento ao papel educativo da família, com o decorrer dos tempos acresceram outras funções, sendo vista como um meio de alcançar o desenvolvimento socioeconómico do país ou, ainda, de transmitir um ideário político-social capaz de perpetuar o regime vigente, conferindo-se ao estado um maior controlo sobre a educação das crianças e jovens.

Sabemos, pois, que a escola assumiu diferentes concretizações sócio-históricas, que vão desde a sua realização inicial como instituição familiar e como instituição militar, passando pela escola enquanto instituição religiosa para finalmente se transformar em instituição estatal (Ciscar e Uría, 1988). É por este caminho evolutivo que se pretende fazer uma breve incursão, no pressuposto de que o passado sempre explica o presente e nos aponta rumos para o futuro. Neste capítulo procederemos, assim, a uma retrospetiva histórica e legal que nos permita conhecer a evolução dos modelos de gestão e administração na escola pública portuguesa.

1. Continuidades e ruturas na gestão da escola pública 1.1. O domínio clerical na educação medieval

No quadro da Europa Ocidental, a escola assumiu uma forte dimensão religiosa durante grande parte da história da humanidade. A cultura era um atributo praticamente exclusivo da Igreja, traduzindo um dos grandes motivos da sua própria grandeza e influência.

É inegável a importância do monaquismo medieval no desenvolvimento cultural e educativo da Península, particularmente na promoção do ensino das primeiras letras, “numa época em que a sociedade tinha deixado de promover o ensino público,

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tiveram os monges de garantir eles mesmos o ensino e de criar escolas, ainda que fosse só para as necessidades internas” (Mattoso, 1997: 359).

Efetivamente, se recuarmos até ao período anterior à fundação da nacionalidade e atentarmos na Península Ibérica, observamos os primórdios do ensino ministrado nos mosteiros (escolas monásticas, monacais ou claustrais), dirigidos pelas poderosas ordens religiosas, inclusive as militares, ou em seminários (escolas episcopais ou escolas catedrais). As escolas monásticas ficavam situadas no próprio mosteiro ou junto dele, enquanto as episcopais funcionavam numa dependência da habitação do bispo ou numa dependência da catedral, sendo dirigidas pelos cónegos dos cabidos. Há testemunhos de colégios ou seminários dirigidos por perfeitos, escolhidos de entre o corpo clerical (Carvalho, 1986).

Os costumeiros1 ilustram a influência dos usos e costumes monástico-litúrgicos em mosteiros beneditinos portugueses, revelando com algum pormenor a rotina das aprendizagens, inclusive as horas das aulas. Os abades geriam a vida nos mosteiros, interferindo, por vezes, no processo educativo, particularmente quando lhes interessava o progresso intelectual de um qualquer oblato, criança oferecida ao mosteiro por seus pais para professar, mas, regra geral, as questões do ensino estavam reservadas aos gramatici, monges que tomavam conta das crianças. Como curiosidade, registe-se a similitude no processo educativo no que toca às monjas e abadessas (Mattoso, 1997).

Para quem vivia longe da cidade e da possibilidade de recorrer às escolas catedrais, as escolas monásticas eram também uma opção para os nobres que pretendiam ver os seus filhos instruídos, pese embora o reduzido número de interessados e a frequente relutância dos monges em manterem escolas para leigos (Mattoso, 1997). A este propósito, assinale-se a ‘primeira lição pública’, a 11 de janeiro de 1269, no reinado de D. Afonso III, na sequência de uma reforma levada a cabo pelo abade de Alcobaça (Carvalho,1986).

Considerando o elevado número de sés catedrais, mosteiros e igrejas fundadas no futuro território português até ao final do séc. XI, será lícito aferir que terão existido bastantes escolas2. Das ordens religiosas que mais terão contribuído para estas edificações são de salientar a Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e a Ordem de Cister, de S. Bernardo, a primeira afeta ao Mosteiro de Santa Cruz de

1

O costumeiro de Pombeiro, manuscrito de uma comunidade beneditina do séc. XIII, é dos mais referidos pelos estudiosos da cultura medieval portuguesa.

2

A primeira alusão a uma escola ocorre numa notícia de 1072 relativa à Sé de Braga, onde se dá conta de uma doação de Gonçalo Moniz à escola da sua catedral e se faz referência a quatro alunos. Um dos alunos da Sé de Braga foi Honorigo Guilhamundes, o primeiro professor de leigos de que há notícia em Portugal, numa escola daquela cidade (Carvalho, 1986).

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Coimbra e a segunda ao Mosteiro de Alcobaça, mosteiros reconhecidos durante séculos pela sua notável atividade pedagógica. Salienta-se, ainda, a existência da escola na Sé de Braga e de um colégio ou seminário de rapazes junto à Sé de Coimbra. No início do séc. XII, há referência a duas escolas, uma junto à Sé do Porto e outra no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

A partir da fundação de Portugal, a documentação coeva vai dando conta de algumas particularidades nas escolas. Por exemplo, no III Concílio de Latrão, em 1179, determinou-se que, além do bispo, cada catedral deveria ser provida de um “mestre-escola” para ensinar gratuitamente os rapazes pobres. No séc. XIII, a permanência do cargo de magister scholarum3 seria uma realidade nas sés catedrais. De realçar que a designação de “mestre” (mestre-escola, magister scholarum) indiciava aqueles que se tinham graduado em universidade estrangeira e tinham licença para ensinar, a licentia docendi (exercessem ou não a docência) ou que estavam ligados ao ensino, no presente ou no passado, em escolas públicas ou monásticas. O termo aparece documentado, por exemplo, em epístolas papais do séc. XIII, que concedem o título de mestre ou mestre-escola a clérigos portugueses (Caeiro, 1968).

A par das escolas episcopais funcionavam outras nas colegiadas (nome proveniente do latim collegium) também designadas escolas capitulares, igrejas que, à semelhança das Sés catedrais, possuíam um cabido de cónegos, mas que em vez de presidido por um bispo, era-o por um prior. Uma das exigências do IV Concílio de Latrão, em 1215, foi que também as colegiadas deveriam ter escolas. Admite-se também, durante este período, a existência de escolas paroquiais. Há que ressalvar, porém, que o conceito de escola era diferente do atual, sendo uma designação atribuída ao “conjunto dos meninos do coro, ou aos comensais e familiares de uma catedral, ou a qualquer outra corporação notável que aí se dispunha para o serviço e ministério dos altares, aplicando-se ao canto e primeiras letras. O capitular que tinha a inspecção geral sobre elas dizia-se ‘mestre-escola’ ou ‘escolástico’” (Carvalho, 1986: 38).

Não nos focando no ensino universitário, abramos apenas um parêntesis para registar que o séc. XIII fica conhecido, na Europa Ocidental, como o século da fundação das Universidades. Também este facto indicia o domínio clerical na

3

Registe-se, porém, o caráter polissémico da palavra magister, que surge nos documentos monacais para designar, além de mestre, o confessor e o notário. Sabe-se também que outras funções poderiam ser delegadas nos mestres-escola, como a distribuição de bens por via testamentária (Carvalho, 1986). São efetivamente vastas as diferentes aceções do vocábulo magister, na Idade Média, mas reconhece-se como verdadeiro o facto de o termo traduzir “um nível cultural mais elevado, reflectindo [...] uma mentalidade e [...] um saber superiores” (Caeiro, 1968: 6).

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educação, já que a criação da Universidade Portuguesa4, resulta da solicitação de um grupo de ilustres prelados ao papa Nicolau IV. Não é de estranhar, por isso, o horário das aulas marcado por referências clericais (“à hora de prima”, ”à hora de véspera”) ou o facto de a maioria, se não a totalidade, dos “escolares” e “estudantes” que o frequentavam pertencerem à classe eclesiástica ou com ela manterem qualquer relação. Os professores eram designados por mestres e doutores, não sendo evidente a diferença. Na hierarquia das faculdades que compunham a universidade, a figura máxima do corpo docente era o reitor, sendo que a documentação coeva faz referência não a um, mas a dois reitores por Estudo Geral. Também neste século se edificaram novas escolas nos conventos da responsabilidade das ordens religiosas de S. Francisco e de S. Domingos.

Em termos gerais, até ao séc. XIV, podemos constatar que o ensino organizado constituía um baluarte da Igreja, sendo ministrado, além da Universidade, em escolas catedrais ou episcopais, monásticas, colegiadas ou capitulares, conventuais, paroquiais, imbuídas por uma forte componente teológica e com fins maioritariamente eclesiásticos. O ensino encontrava-se a cargo de um mestre-escola ou magister, responsável pela lecionação dos curricula e pela vigilância dos exercícios, não interferindo na gestão dos espaços ou dos meios que envolviam a shcola, funções do mais alto responsável pela instituição eclesiástica à qual a escola estava afeta.

1.2. Os Descobrimentos e o advento da cultura renascentista e humanista: impacto das ordens religiosas no ensino

O Renascimento e a cultura antropocêntrica marcam uma rutura com a Idade Média e os ideais teocêntricos. O impacto faz-se sentir em todos os setores da sociedade, com incidência também no ensino. A escola perde o papel exclusivo na transmissão do saber, já que, no séc. XV, portugueses abastados contratavam precetores para os seus filhos, outros havia que os enviavam para o estrangeiro para terem aulas, em regime particular, com pedagogos e humanistas de renome. O que é de realçar é uma preocupação emergente por parte da classe nobre, em se instruir e valorizar pela cultura.

4 A petição para a criação de um “Estudo Geral” dirigida ao papa Nicolau IV, em 12 de

novembro de 1288, apenas foi aceite em 1290, apesar de haver indícios de que terá funcionado antes da autorização papal. Saliente-se, a este propósito, a distinção entre “Estudo Geral” (o edifício, a instituição com professores e alunos) e “Universidade” (corporação, assembleia, congregação de mestres e alunos, com personalidade jurídica), designação que viria a vingar com os dois significados. A Universidade de Lisboa seria transferida para Coimbra, em 1308, através de petição de D. Dinis e autorização papal de Clemente V, mas não seria uma transferência definitiva.

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Neste contexto, no reinado de D. João III, ocorreu uma reforma do ensino centrada no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. De entre as medidas instauradas, salientemos quatro: (i) a criação de Colégios em edifícios independentes, uns destinados à instalação de estudantes e outros para a lecionação de preparatórios, mantendo-se os estudos ministrados no próprio mosteiro; (ii) a separação entre o ensino de base, preparatório e o ensino superior (nas escolas medievais de Estudo Geral podia-se estudar desde as primeiras letras até ao ensino superior, embora se respeitasse a sequência de estudos predefinida); (iii) os curricula; (iv) a pedagogia dos mestres.

Interessante, do ponto de vista da administração, é a criação de uma nova figura de proa para gerir a atividade pedagógica do mosteiro, face a alguns constrangimentos sentidos na implementação da reforma joanina. Com efeito,

“[...] o desencontro entre duas autoridades, reitor e prior de Santa Cruz, era inevitável e D. João viu-se obrigado a criar um novo cargo cujo ocupante teria, por tarefa, a vigilância do funcionamento escolar do mosteiro e intervenção direta na actividade pedagógica, nos programas, nos exames, na escolha dos professores, na disciplina, etc.. O cargo foi criado em 1540, logo três anos depois da transferência da Universidade, e dele incumbido Luís Álvares Cabral, professor no curso de Artes” (Carvalho 1986: 219, 220).

Todavia, a reforma ficou muito aquém do previsto, muito pela dificuldade de quebrar amarras com o pensamento escolástico e a pedagogia medievais, mesmo da parte dos homens mais esclarecidos da época. Além disso, qualquer tentativa de modernização e de equiparação aos exemplos europeus esbarraria na parede erguida pela Igreja contra a Reforma que grassava pelos países do norte da Europa. Em 1539, o Infante D. Henrique é nomeado inquisidor-mor do reino e, em 1540, realiza-se o primeiro auto-de-fé em Lisboa. Como sabemos, em Portugal, o Tribunal do Santo Ofício estenderia a sua ação repressiva por três longos séculos, excedendo em muito a sua duração relativamente a outros reinos na Europa.

Conforme se disse, uma das medidas da reforma joanina foi a criação de colégios, equiparados a escolas secundárias, com o duplo objetivo de cumprir a sua finalidade e de servir de preparatório para o ingresso na universidade, separando, assim, o ensino médio do superior, tornando-os independentes. Em 1547, ainda por ação de D. João III, funda-se, em Coimbra, o Colégio das Artes que, a par das Escolas Gerais e dos conventos, se responsabilizava pelo ensino, dividido, na época, por um primeiro ciclo de instrução primária, um segundo ciclo linguístico e literário, com as tendências humanísticas de vanguarda, e um terceiro ciclo de matérias filosóficas.

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Desta fundação se faz menção pela referência ao corpo diretivo e à hierarquia aí estabelecidos. O rei elegeu um principal do colégio e um subprincipal; ao primeiro atribuía-se-lhe completa autoridade sobre os mestres, com poderes para os suspender ou substituir. Apenas o rei5 e o principal eram responsáveis pela gestão do colégio, estando este independente do reitor da Universidade, situação que se inverteria anos mais tarde.

O célere desenvolvimento económico do séc. XVI aumentou a procura do ensino das primeiras letras, de forma que as escolas já não se podiam confinar às paredes das catedrais e mosteiros, contando-se cerca de 30 estabelecimentos na segunda metade do século. Carvalho (1986) denuncia oportunistas da época que se autonomearam mestres sem as devidas competências, mas que emergiram neste contexto de procura de ensinamentos que completassem a formação do homem renascentista.

A expansão da reforma protestante e a sua ação contaminadora abalou profundamente o status quo, levando ao Concílio de Trento (1545-1563). Em Portugal, erguiam-se vozes indignadas nos púlpitos das igrejas e nas cátedras das escolas. D. João III tomou conhecimento da nova Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loiola (1491-1556) e pensou em enviar missionários jesuítas para o Oriente em serviço de evangelização. Não tendo cumprido, pelo menos na totalidade, esta promessa, proporcionou-lhes um edifício em Lisboa e, mais tarde, em Coimbra, onde fundaram o Colégio de Jesus, a 2 de julho de 1542, com o objetivo de preparar futuros missionários. O primeiro reitor do colégio foi um jesuíta espanhol, Diogo Mirão. A ascendência e prosperidade dos jesuítas facilmente se comprovam pela incumbência de assegurarem o ensino das letras e da fé cristã ao príncipe D. João, então com nove anos. A sua expansão e influência no ensino ultrapassaram, certamente, as suas próprias expectativas, pois

“o êxito surpreendente da actuação dos jesuítas nos locais em que se iam instalando fez-lhes considerar a conveniência de eles próprios criarem as suas escolas públicas, ou seja, escolas suas onde fosse permitida a frequência de

5

A correspondência assídua de D. João III com as pessoas responsáveis pelo ensino bem como documentos de Estado coevos denunciam a educação como uma prioridade do rei, que chegava ao ponto de se interessar por casos individuais de alunos, como ilustra um alvará de 1539: “Sou informado que um estudante dessa universidade que se chama Araújo é homem que não vive honestamente nem estuda como deve fazer e dispende mal o que lhe seu pai dá, e porque isto além de ser perda para ele é mau exemplo para os outros, encomendo que o mandeis chamar e admoestai e aconselhai que se emende e estude como bom estudante deve fazer, por que, não se emendando, eu proverei nisso como houver por bem e mandarei que não esteja no estudo nem na cidade” (Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, I, 478, citado por Carvalho: 1986: 220).

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estudantes não jesuítas, nas quais eles, jesuítas, fossem os mestres“ (Carvalho, 1986: 292).

Em 1551, Inácio de Loiola manda criar o ensino público em várias cidades de Portugal, com incidência nas cidades de Lisboa e Évora, cumprindo um vasto plano de educação e de ensino com impacto em todos os lugares onde a Companhia se ia instalando. Como resultado, as escolas públicas com orientação pedagógica da Companhia de Jesus cresceram extraordinariamente, não só no continente e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, mas também nos territórios ocupados no Oriente e em África.

Em termos de administração, o reitor, jesuíta nomeado pela própria Companhia, ocupava-se das tarefas de caráter pedagógico e didático, como a criação dos curricula, e elaborava e executava as normas de orientação e funcionamento dos Colégios. Em 1598, foi promulgado o Ratio Studiorum, documento de referência onde constavam as normas pedagógicas a serem seguidas por todas as escolas da Companhia e que estaria em vigor até 1832.

Efetivamente, a insinuação dos jesuítas na corte, desenvolvendo estratégias de aproximação ao rei e seus próximos, permitiu-lhes dominar, em completa segurança, o ensino em Portugal, durante dois séculos, coexistindo, é certo, com um também crescente número de escolas particulares. Aliás, o monopólio da instrução pública é confirmado pela bula de Paulo V, publicada em 29 de maio de 1568, que impede o próprio rei de interferir na recente fundação da Universidade de Évora da responsabilidade dos jesuítas. Todavia, a crescente procura do ensino e o mais que significativo aumento do número de alunos não pode ser associado simplesmente à influência apostólica dos jesuítas, mas entendido no contexto da excitação dos Descobrimentos, do interesse pelos negócios e da promoção do homem do Renascimento. Porém, é inegável que a Companhia de Jesus viu e usou o ensino como uma arma de influência e transformação social, capaz de moldar mentalidades e combater, à época, as heresias provenientes das crescentes contestações religiosas.

Mesmo a ocupação castelhana e a perda de independência no séc. XVII não abalaram o papel de relevo da Companhia de Jesus e da sua ação pedagógica na nação, o que se compreende pelo facto dos curricula não incluírem qualquer noção de pátria, aprendendo-se no reino o que se aprenderia em qualquer outra escola jesuítica da Europa.

Em síntese, constata-se que, particularmente ao longo dos séc.s XVI e XVII, a organização da instrução se manteve apanágio dos educadores religiosos, com destaque para as Ordens dos jesuítas, dos oratorianos e mesmo dos jansenistas

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(Marques, 1980). Assim, durante séculos, apenas uma minoria privilegiada tinha acesso a aulas de ler e escrever, ensinamentos transmitidos, a título particular, pela família, por precetores ou mestres em regime domiciliário e individual6, em aulas coletivas em escolas clericais, ou, a título público, em colégios destinados ao ensino secundário e nas Universidades de Coimbra ou Évora.

1.3. Protagonistas educativos durante a monarquia absolutista e o Iluminismo – A reforma pombalina

No séc. XVIII, a megalomania de D. João V procurou aproximar o reino de uma Europa francamente mais avançada em termos filosóficos, culturais e científicos. É neste século que a Companhia de Jesus enfrenta a concorrência de outra ordem religiosa, a da Congregação do Oratório, com uma ação pedagógica modernizada relativamente às doutrinas filosóficas e ideológicas lecionadas, e que contava com o apoio do rei, muitas vezes, em prejuízo dos jesuítas. Todavia, o grande opositor à Companhia seria Luís António Verney, um iluminista que estabeleceu como missão urgente transformar a mentalidade portuguesa ainda tão imersa no obscurantismo do passado. Para este efeito, o caminho apontado era uma reforma no ensino a todos os níveis, com incidência nos métodos pedagógicos, nos compêndios, nos programas, na própria preparação dos mestres. Esta reforma teria impacto não só nas escolas baixas, que corresponderiam, na atualidade, às escolas dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, mas também nas escolas altas, correspondendo ao ensino superior. Neste contexto é impresso O Verdadeiro Método de Estudar7, obra de referência do ensino em Portugal, que potencia a ação reformista do ensino, e que ilustra o pensamento modernista do seu autor.

O sucessor de D. João V, o déspota esclarecido D. José, procurou adaptar as estruturas administrativas às exigências da época das “luzes”, tomando medidas que, necessariamente, abalariam as forças e interesses instalados, nomeadamente dos nobres e da Companhia de Jesus. Nesta conjuntura, emerge uma figura incontornável na história do ensino em Portugal: Sebastião José de Carvalho e Melo, comummente conhecido como o Marquês de Pombal. Apesar do Gabinete Ministerial criado por D. José I ser composto inicialmente por três secretários de estado: Negócios do Reino,

6

Estes pressupostos de mestres de ler e escrever pagos pelo Estado comprovam-se, por exemplo, na leitura da Carta de Lei de 10 de novembro de 1772.

7 Luís António Verney negou, durante décadas, a autoria d’ O Verdadeiro Método de Estudar,

manifesto epistolar publicado em 1746, receoso, certamente, de represálias da Companhia de Jesus, que, apesar de debilitada, poderia ainda fazer sentir as consequências de tão grande afronta à pedagogia vigente.

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Negócios do Ultramar e Marinha e Negócios Estrangeiros e Guerra, rapidamente Carvalho e Melo, inicialmente nomeado para a última pasta, as assegurou a todas, destacando-se como um estadista de craveira. Numa tentativa de modernizar o país, os seus vinte e sete anos de governo (1750-1777) foram pródigos em reformas nos setores vitais da sociedade portuguesa, incluindo o sistema educativo.

O ideário iluminista está bem patente no ímpeto reformador e visionário deste político, que “adiantando-se, nesse domínio, a quase todas as nações da Europa, criou um sistema de ensino estatal e laico” (Gomes, 1989: 7,8). Uma das medidas mais profundas prende-se, exatamente, com a laicização do ensino por força da expulsão dos jesuítas do reino8, ordem religiosa que, como vimos, conservava o monopólio da educação, particularmente do ensino secundário, já que detinha, à época, cerca de quatro dezenas de colégios. É o Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que dá conta desta nova política consubstanciada na proibição explícita de os jesuítas exercerem o ensino bem como na extinção de todas as classes e escolas a seu cargo em Portugal e restantes territórios coloniais, terminando assim com duzentos anos de atividade pedagógica ininterrupta. A crítica feroz denota-se pela imputação à Companhia de Jesus de responsabilidades no atraso cultural e científico do país9.

A “geral reforma” do ensino, contendo em si o embrião do atual modelo centralizado, contempla também a criação da “Directoria Geral dos Estudos”, departamento que esteve na origem do atual Ministério da Educação e Ciência. Pela primeira vez, na história do ensino em Portugal, se institui uma entidade, subordinada ao poder vigente, responsável pela gestão e orientação do ensino elementar e médio. O Diretor-Geral era o responsável pelo cumprimento de toda a legislação referente ao ensino. A Carta Régia de 6 de julho de 1759 nomeia o prelado D. Thomaz de Almeida “Director dos Estudos” do Reino, sendo-lhe “todos os professores subordinados”. A seu cargo ficava a nomeação e colocação dos professores de Gramática Latina, Grega, Hebraica e de Retórica, que deviam responder às “Instruções” metodológicas definidas para a sua lecionação. Deveria, ainda, nomear os comissários, responsáveis por regular, com o auxílio de governadores e bispos, o funcionamento das aulas, constando, ainda, das suas obrigações o envio de relatórios anuais ao rei. A Carta determina, ainda, que para cada bairro de Lisboa se estabelecesse um professor de Gramática Latina com “classe aberta e gratuita”, ou ainda que para cada uma das vilas

8

Sentença da Junta da Inconfidência de 12 de janeiro de 1759.

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Convém, porém, referir que esta expulsão dos jesuítas resultou mais de um plano político-económico amplo e centralizador do que um plano educativo para o reino, já que as matérias de ensino ainda não tinham merecido particular atenção do ministro nos seus nove anos de governo. Acresce que, sem os jesuítas, o ensino mergulhou numa situação verdadeiramente calamitosa, o que obrigou Carvalho e Melo a dedicar atenção a este setor.

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da Província se estabelecessem um ou dois professores da mesma disciplina, os quais seriam eleitos após um “rigoroso exame feito por Comissários delegados pelo Director-Geral”. No recrutamento dos professores régios foram incluídos os Padres do Oratório da Casa de N. Sr.ª das Necessidades, o que revela que a Igreja ainda permanecia, de alguma forma, ligada ao ensino, mas este facto também poderia ser justificado pelo escasso número de professores disponíveis, após a expulsão dos jesuítas. Aos docentes autorizados a ensinar eram concedidos os privilégios dos nobres, patenteados, por exemplo, nos “trezentos mil réis de ordenado […] e mais cem mil réis para casas”, medida que pretendia aumentar o número de interessados no magistério. Todavia, no relatório de 23 de setembro de 1763, o Diretor-Geral queixa-se da falta de professores sentida em todo o país, já que os habitantes, vivendo pobremente, não dispunham de rendimentos capazes de pagar o salário ao mestre, pelo que não enviavam sequer os filhos para as escolas (Carvalho, 1986).

A legislação coeva denota a preocupação de garantir o acesso ao ensino de todos os habitantes quer do reino quer dos territórios além-mar. O Alvará Régio de 17 de agosto de 1758 estabelece em cada povoação do Pará e Maranhão, no Brasil, duas escolas públicas, referindo-se aos seus responsáveis como “um mestre e uma mestra, que devem ser pessoas dotadas de bons costumes, prudência e capacidade, de sorte que possam desempenhar as importantes obrigações de seus empregos”. Também no Reino se inova, por exemplo, com a criação da “Aula de Comércio”10, presidida por “um ou dois mestres, dos mais peritos que se conhecerem, determinando-lhes ordenados competentes e obrigações que são próprias de tão importante emprego”. Não existindo referências concretas às ‘obrigações’, somos levados a crer que os mestres acumulariam as funções de gestão e lecionação, estando sujeitos ao cumprimento das diretivas emanadas da referida “Directoria Geral dos Estudos”, que seria extinta em 1771, sendo transferida para a Real Mesa Censória11 “toda a administração e direcção dos Estudos das Escolas Menores destes Reinos e seus Domínios, incluindo nesta administração e direcção, não só o Real Colégio de Nobres, mas todos e quaisquer outros colégios e magistérios que eu for servido mandar erigir para os estudos das primeiras idades” (Gomes, 1989: 14). À Real Mesa Censória cabia a responsabilidade de fiscalizar as escolas públicas e a

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Decreto de 30 de setembro de 1755, que aprova os Estatutos da Junta do Comércio.

11

O alvará de 5 de abril de 1768 determina a criação da Real Mesa Censória, organismo orientador, dirigente e executivo, com jurisdição exclusiva sobre a censura literária. Cabia à Real Mesa Censória examinar, aprovar e autorizar a publicação de todos os livros em circulação no Reino de Portugal e suas possessões. As suas funções, porém, alargar-se-iam significativamente nos anos seguintes.

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administrar completamente os Estudos Menores, não tendo, por isso, jurisdição sob a Universidade de Coimbra.

Os anos que se seguiram ao Alvará de 1759 são assinalados como o nascimento da escola pública em Portugal e territórios colonizados. Todavia, mesmo com a regulamentação minuciosa, que criava uma rede escolar pública padronizada, a reforma dos Estudos Menores sofreu, na sua primeira fase (1759 a 1772), sérias dificuldades de concretização, evidenciadas pelos problemas visíveis na educação dos cidadãos do reino, senão vejamos: as inovações institucionais (criação do Colégio dos Nobres e instituição da Aula de Comércio) limitaram-se praticamente a Lisboa; apesar de se terem criado escolas para o sexo feminino, em Lisboa, em 1790, só 25 anos depois teriam principiado a funcionar; não havendo registos estatísticos da percentagem de analfabetismo, sabe-se que um século mais tarde, por volta de 1864, rondava os 88,3% da população.

Fruto de uma exposição sobre o estado do ensino em Portugal, em 3 de agosto de 1772, a Real Mesa Censória apresenta um plano para fazer frente ao “estrago causado nas Escolas Menores deste Reino pela negligencia e educação positivamente má dos jesuítas a que elas foram confiadas, e não se havendo reparado até o presente quanto era necessário”. Adequando-se a um organismo estatal, a ação proposta sistematizava pioneiramente um quadro de Escolas Menores12, abrangendo o continente, Ilhas e territórios colonizados em África, Ásia e América, com a sua localização exata e o número de mestres envolvidos. À época, coexistiam os termos “mestre”, designando os que ensinavam a ler, escrever e contar (supõe-se que cada escola menor dispunha de um mestre), e o termo “professores” para os restantes docentes das disciplinas de Humanidades, equivalente ao ensino secundário. A Carta de Lei de 6 de novembro de 1772 reveste-se de grande importância por consagrar um sistema de ensino nacional e estatal, sistematizado e organizado, pese embora o facto de não abranger a totalidade da população (algo impraticável nas condições económicas e ideológicas do séc. XVIII) nem todos os graus de ensino. Além de instituir o ensino público, criar escolas e lugares de professores, definir métodos e matérias a ensinar, previa, ainda, no seu artigo 6, visitas às escolas, de quatro em quatro meses, por inspetores da Real Mesa Censória que tinham como função observar os progressos ou irregularidades, confirmar o exame das habilitações dos professores, colocá-los nas escolas e analisar os relatórios que cada um era obrigado a enviar sobre os discípulos a cargo. Todos os que exerciam a docência seguiam,

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Este quadro encontra-se documentado num anexo de uma Lei datada de 6 de novembro de 1772, designada “Lei por que V. Mag.de

é servido ocorrer aos funestos estragos das Escolas Menores, fundando-as de novo, e multiplicando-as nos seus Reinos e todos seus Domínios debaixo da Inspecção da Real Mesa Censória” (Carvalho, 1986: 453, 454).

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assim, as diretrizes emanadas primeiro pela Diretoria-Geral e, depois de extinta, pela Real Mesa Censória. É também de referir que a reforma pombalina no ensino denuncia a morosidade estatal, já que, entre a expulsão da Companhia de Jesus até à apresentação do mapa das escolas menores, decorrem treze anos. De qualquer forma, é inquestionável a ação pioneira do Marquês de Pombal, pois

“...foi ele quem, pela primeira vez na nossa história, planeou uma rede de escolas primárias públicas que, de certa maneira, faria a cobertura das principais povoações do País. Como é evidente, muito antes do Marquês, já se ensinavam no nosso País as primeiras letras. Estava, porém, muito arreigada a ideia de que a obrigação de ensinar (sobretudo as primeiras letras) competia à família e à Igreja, e só supletivamente ao Estado. Aliás, até ao séc. XVIII, não é fácil distinguir a acção da Igreja e a acção do Estado no que diz respeito ao ensino...” (Gomes, 1989: 14, 15).

A laicização do ensino representa indubitavelmente o primeiro passo para a concretização do controlo estatal sobre a educação, circunstância que só poderia ser efetivada tendo em conta as dimensões organizacionais do processo educativo, isto é, através da implantação de um novo tipo organizacional, concretizado na escola pública. A partir deste momento, o Estado passa a “controlar a educação, através de uma administração fortemente centralizada que, ao contrário de muitas escolas criadas pelo Marquês de Pombal, extintas poucos anos depois, permaneceria como um dos traços mais característicos da Administração Pública e da administração da educação em Portugal” (Lima, 1998: 42).

A ideia da secularização do ensino encetada pelo ministro de D. José pode, todavia, ser questionada, já que se confunde, não raras vezes, a Igreja com a Companhia de Jesus. Com efeito,

“Pombal retirou o ensino das mãos da Companhia de Jesus mas a Igreja continuou a dominar superiormente o ensino. As autoridades pedagógicas, ao mais alto escalão, eram, em grande parte, eclesiásticas, como o foi D. Tomás de Almeida, Director-Geral dos Estudos, como o foram a chefia e os deputados da Real Mesa Censória, como o foram o novo reitor da Universidade de Coimbra, D. Francisco de Lemos, membro da Junta de Providência Literária, e outros membros dela, como Cenáculo. Muitos professores de Latim da nova vaga eram sacerdotes, e as várias Ordens religiosas, como a dos Oratorianos, colaboraram, com os seus mestres, nas reformas do ensino” (Carvalho, 1986: 467).

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Comprova-se, assim, que as medidas pombalinas não eliminaram, por completo, a ação pedagógica da Igreja, que permaneceu ativa quer através de ordens religiosas que não tinham caído em desgraça, como os Oratorianos, quer através da ação de frades e sacerdotes disseminados por todo o território.

Em termos gerais, poderemos destacar os já referidos Alvará de 28 de junho de 1759, que institui o equivalente ao ensino secundário, e a Carta de Lei de 6 de novembro de 1772, que institui a instrução primária oficial. Estes dois documentos não pormenorizam, porém, o funcionamento das escolas, centrando-se em “questões de acesso (de alunos e de professores), criação e localização de escolas, controlo público do ensino particular e doméstico (principalmente através de exames prévios aos professores particulares), regulamentação geral de horários lectivos mínimos, férias, procedimentos disciplinares, substituição de professores, etc. e, sobretudo, nos métodos de ensino” (Lima, 1998: 43). A literatura da especialidade mantém-se frugal no que respeita à direção dos (poucos) estabelecimentos de ensino a funcionar em Portugal. Relativamente à direção dos colégios mantêm-se os cargos de reitor e vice-reitor, todavia assinale-se que no Colégio Real dos Nobres, estes cargos inicialmente exercidos por portugueses13 foram, mais tarde, da responsabilidade de estrangeiros, mais do agrado do Marquês de Pombal.

Sabemos que, por força da reforma pombalina dos Estudos Menores, nomeadamente do aumento de escolas por todas as aldeias, vilas e cidades do reino, houve necessidade de encontrar mestres seculares em número suficiente para preencher o espaço vazio deixado pela expulsão dos jesuítas, o que levou à diminuição do peso da Igreja, numa fase particularmente importante para a formação moral e social dos educandos. Com a morte do Marquês de Pombal e após a subida ao trono de D. Maria I, a Igreja reassume o seu domínio, através da reforma decretada em 16 de agosto de 1779. Além das escolas espalhadas pelo território português continental, insular e ultramarino, registam-se, à época, aulas de estudos menores lecionadas em mosteiros, cujos mestres seriam membros das respetivas ordens e de estudos médios em conventos.

Recordemos que o primeiro passo para a criação de um organismo estatal responsável pela administração e orientação dos estudos fora tomado pelo Marquês de Pombal, aquando da criação da Direção-Geral de Estudos, em 1759, substituído, em 1771, pela Real Mesa Censória. A 21 de junho de 1787, D. Maria I extingue o último organismo e funda a Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros com funções mais amplas de coordenação dos estudos Menores do reino e

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O primeiro reitor do Colégio dos Nobres foi José do Quental Lobo e o vice-reitor João Egas de Bulhões e Sousa, mas a maior parte dos mestres eram estrangeiros.

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Figura 1 - Composição do conselho geral com o n.º máximo de elementos, segundo o Decreto- Decreto-Lei n.º 75/2008
Figura 2 - G RELHA  D E  O BSERVAÇÃO  D E  C ANDIDATURA  P ARA  P ROVIMENTO  D O  C ARGO  D E  D IRETOR
Figura 3 – Theoretical Background  of the Political Model (Baldridge, 1971: 19) An outline of the Political Model
Figura  4 - Interesses organizacionais   (Morgan, 1996: 154)
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Referências

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