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Entre a docência e a investigação: Os professores universitários e o burnout.

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Academic year: 2021

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MESTRADO

ECONOMIA E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

Entre a docência e a

investigação: os professores do

ensino superior e o burnout

Paula Calainho Teixeira

M

(2)

FA C U LD A D E D E EC O N O M IA

(3)

ENTRE A DOCÊNCIA E A INVESTIGAÇÃO: OS PROFESSORES DE

ENSINO SUPERIOR E O BURNOUT

Paula Calainho Teixeira

Dissertação

Mestrado em Economia e Gestão de Recursos Humanos

Orientado por

Prof. Doutora Sofia Alexandra Soares de Miranda Ferreira Cruz

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Nota Biográfica|

Paula Calainho é brasileira, natural do Rio de Janeiro e possui duas filhas, Giulia atualmente com 23 anos e Giovanna com 17. Graduou-se em Direito e pós-graduadou-se em Meio Ambiente pela COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e em Project Finance pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Realizou seu primeiro Mestrado em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ com bolsa, sendo investigadora, líder de projetos e formadora pelo Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção da COPPE/UFRJ na área de sustentabilidade. Foi formadora de profissionais de médias e grandes empresas e de consultores independentes no treinamento certificado da Global Reporting Initiative – GRI para elaboração de relatórios de sustentabilidade por oito anos. Participou pela COPPE/UFRJ do Projeto Brasil-Alemanha (PROBRAL) financiado pelo DAAD para intercâmbio de expertise, onde realizou apresentações no curso interdisciplinar em ciências ambientais da Technische Universität de Darmstadt e no Instituto de Pesquisas de Karlsruhe. Pelo projeto permaneceu na Alemanha por três meses para estudo comparativo Brasil-Alemanha sobre logistica reversa no setor automobilístico. Foi professora universitária por 9 anos na graduação e pós-graduação dos cursos de Direito e de Gestão. Possui 14 anos de experiência em consultoria em gestão e sustentabilidade, tendo sido analista de sustentabilidade da Gerência Executiva de Responsabilidade Social da Petrobras. Estudou coaching integral sistêmico e análise de perfil comportamental. É certificada para atuar no âmbito publico e privado (no Brasil e em Portugal) como mediadora de conflitos nas áreas empresarial, famíliar e comunitária, sendo coautora do livro “Mediação: Medo e Esperança” publicado pela Editora Cravo em Portugal. Publicou artigos em congressos e é oradora em conferências de sustentabilidade e de mediação de conflitos no Brasil e em outros países. Em 2018 veio para Portugal e está a finalizar seu segundo mestrado em Economia e Gestão de Recursos Humanos pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto - FEP. Em 2020 foi aceita para o doutoramento em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto - FLUP.

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Agradecimento|

Imigrar é sempre um desafio. Seja em que circunstancia for. São lágrimas de saudade misturadas com sorrisos de novas descobertas. São relações que nascem, outras que provam a força que tem. Corações que apertam. Foi um desafio ainda maior viver isso tudo e ainda ter de escrever... Mas, faz parte. J

Quero agradecer a Deus pela presença cada dia mais forte na minha vida. É o Seu suporte que me mantém.

Agradecer às minhas filhas pelo amor incondicional. Por estarem sempre comigo, por confiarem e torcerem. Espero que sintam orgulho de mais essa etapa. Giu, que um dia você venha e esse buraco no meu peito termine. Gio, que você não tenha medo de ir, por que a melhor parte de ir, é voltar. Estará tudo no mesmo lugar sempre que você voltar, principalmente o meu colinho. Que as duas voem alto, mas sempre voltem para casa, pois são a razão da minha vida. Se não for por vocês, nada faz sentido.

Agradecer à minha mãe por ter aceitado vir conosco. Por ter aberto mão de uma vida estável, uma casa linda, só para viver esse momento conosco. Por ser o nosso anjo da guarda e nosso alicerce. Espero que esta seja mais uma etapa de orgulho para você. Te amo mais do que tudo!

Sisi, como sinto a sua falta no dia a dia... Conversar, poder te agarrar e ouvir suas reclamações dos meus apertos e beijos...(rsrs) Sisi, Dinda, Paty e tio Rogério, vocês jamais entenderão a falta que me fazem. Mas ao mesmo tempo, o amor por/de vocês aquece o meu coração e me dá forças. Estou longe apenas fisicamente, pois de alma estou ai, pertinho. Espero que fiquem felizes e orgulhosos.

Agradecer ao João pelo carinho, atenção, companheirismo… Por cada dia que você compreendeu que a minha dedicação aos estudos era necessária. Por cada “conserto de coluna” depois de horas sentada. Por cada: “Não tem problema, amorzinho. Não estou chateado.” Mesmo quando era seu aniversário ou periodo de férias. Obrigada! Esse periodo vai gerar frutos.

Agradecer às amigas e aos amigos que ficaram no Brasil e sei que torcem e me apoiam, mesmo de longe. Mas agradecer também às que estão aqui e estiveram ao meu lado em cada momento dessa dissertação. Tia Lou, Teca, Liz e Érika, muito obrigada! O apoio de vocês foi crucial e certamente sem vocês teria sido impossível. Perdoem a ausência da amiga de vocês por tanto tempo, mas sou toda de vocês agora. Todas as

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caminhadas, sushis, gins e sambas nos esperam! Érika, nasce aqui nesse mestrado uma amizade para a vida. Tem sido apenas o início!

À minha querida orientadora, você foi um presente de Deus. Não tenho dúvidas que sem o seu suporte essa dissertação não teria saído. Sua calma, carinho, empatia e dedicação foram inigualáveis. Só posso agradecer sua incansável compreensão e entrega. Seus e-mails desejando muita energia positiva me faziam sorrir e acalentavam o meu coração. Muito obrigada! Você é um grande exemplo para nós!

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Resumo|

As significativas mudanças na organização do trabalho docente prolongaram a exposição a fatores estressores e favoreceram um ambiente laboral mais sujeito à ansiedade e ao stress (Penachi & Teixeira, 2020). A incidência de doenças psicossociais e burnout nas instituições de ensino superior (IES) foi potencializada e naturalizada (Fadel et al, 2019; Carlotto & Palazzo, 2006; Silva & Oliveira, 2019), sendo a carreira docente frequentemente reafirmada no mundo como uma das mais estressantes e afetadas pela síndrome (ILO, 2016; Leite et al., 2019; Cardoso et al, 2019; Sardinha et al, 2019; Pereira et al., 2019; Codo, 1999; Carlotto & Câmara, 2008). Singh e Bush (1998) defendem a importância da distinção das atividades de ensino e investigação nos estudos sobre a incidência da síndrome, neste sentido, definiu-se como objetivo deste trabalho analisar os níveis de burnout associados às atividades de docência e investigação em professores do ensino superior português, relacionando seu desenvolvimento à variáveis antecedentes e consequentes como género, vínculo contratual, pressão percebida, desequilíbrio entre esforço e recompensa, satisfação, desempenho, conflito trabalho-família e abandono da carreira. Utilizou-se como instrumento uma adaptação do Maslasch Burnout Inventory (MBI), denominada MBI – Docência/Investigação (MBI-D/I), sendo a recolha dos dados realizada por meio de inquérito por questionário. Contrariamente à literatura os resultados demonstraram um percentual maior de burnout associado à atividade de docência comparada à de investigação. Porém, os resultados da análise por dimensão apresentaram resultado inverso, além de não raro terem reafirmado a literatura em relação às variáveis analisadas. Este trabalho apoia a necessidade premente de uma política de saúde e segurança ocupacional nas IES, com constante acompanhamento da saúde e bem-estar docente, redução dos fatores de risco, além da revisão das estratégias e formas de gestão, com a subversão das práticas atuais, a fim de reestabelecer e garantir a plena dignidade da profissão docente.

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Abstract|

Significant changes in the organization of teaching work have prolonged exposure to stress factors and fostered a working environment more subject to anxiety and stress (Penachi & Teixeira, 2019). The incidence of psychosocial diseases and burnout in higher education institutions (HEIs) has been enhanced and naturalized (Fadel et al, 2019; Carlotto & Palazzo, 2006; Silva & Oliveira, 2019), with the teaching career often reaffirmed in the world as one of the most stressful and affected by the syndrome (ILO, 2016; Leite et al, 2019; Cardoso et al, 2019; Sardinha et al, 2019; Pereira et al, 2019; Codo, 1999; Carlotto & Câmara, 2008). Singh and Bush (1998) defend the importance of the distinction of teaching and research activities in the studies on the incidence of the syndrome, in this sense, the objective of this work was defined to analyze the burnout levels associated with teaching and research activities in portuguese higher education teachers, relating their development to antecedent and consequent variables such as gender, type of contractual link, perceived pressure, imbalance between effort and reward, satisfaction, performance, work-family conflict and career abandonment. An adaptation of the Maslasch Burnout Inventory (MBI), called MBI - Teaching/Research (MBI-D/I) was used as an instrument, with the data being collected by means of a questionnaire survey. Contrary to the literature, the results showed a higher percentage of burnout associated with teaching activity compared to research activity. However, the results of the dimensional analysis presented the opposite result, in addition to the fact that the literature was often reaffirmed in relation to the variables analyzed. This work supports the pressing need for an occupational health and safety policy in HEIs, with constant monitoring of teaching health and well-being, reduction of risk factors, in addition to the review of strategies and forms of management, with the subversion of current practices in order to reestablish and ensure the full dignity of the teaching profession.

Keywords: Higher education, teaching, research, Burnout Syndrome.

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Índice de Conteúdo|

Introdução| --- 1

Enquadramento teórico| --- 6

1. Trabalho saudável e riscos laborais --- 6

1.1. Riscos psicossociais --- 10

2. Burnout --- 14

2.1. Dimensões do burnout --- 15

2.2. Evolução das pesquisas sobre burnout --- 17

2.3. Fatores preditores do burnout --- 19

2.4. Consequências do burnout --- 23

3. Burnout em professores do ensino superior --- 27

3.1. Ensino superior português --- 28

3.2. Burnout docente --- 46

Metodologia| --- 55

1. Desenho metodológico --- 55

1.1. Objeto de estudo, objetivos e hipóteses --- 55

1.2. Caracterização da população inquirida --- 56

1.3. Instrumento utilizado --- 58

1.3.1. Validação do instrumento --- 60

1.4. Recolha de dados --- 62

1.5. Forma de compilação dos dados do MBI – D/I --- 63

Apresentação e discussão dos resultados| --- 65

1. Dimensões e níveis de burnout – Hipótese 1 --- 65

1.1. Exaustão Emocional --- 65

1.2. Realização Pessoal --- 67

1.3. Despersonalização --- 68

1.4. Níveis de Burnout --- 70

2. Género e níveis de burnout – Hipótese 2 --- 74

3. Tipo de vínculo e níveis de burnout – Hipótese 3 --- 76

4. Pressão percebida, desequilíbrio entre esforço e recompensa e níveis de burnout – Hipótese 4 --- 78

5. Conflito trabalho – família e níveis de burnout – Hipótese 5 --- 80

6. Breve nota sobre o resultado da influência da pandemia nas respostas --- 83

Conclusão| --- 84

Apêndices| --- 91

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Índice de tabelas, quadros e figuras|

Quadro 1: Fatores preditivos da síndrome de burnout --- 19

Quadro 2: Preditores organizacionais centrais --- 20

Quadro 3: Sintomas da síndrome de burnout --- 24

Tabela 1: Alunos matriculados pela 1a vez no ensino superior: total e por nível de formação --- 30

Tabela 2: Alunos matriculados no ensino superior: total geral, por subsistema e por tipo de ensino --- 30

Tabela 3: Estabelecimentos de ensino superior: total, por subsistema e tipo de ensino. --- 31

Tabela 4: Docentes do ensino superior: total, por subsistema e tipo de ensino --- 32

Tabela 5: Docentes do ensino superior: total por género e percentual de docentes mulheres por subsistema e por tipo de ensino --- 33

Tabela 6: Docentes do ensino superior: por grupo etário (total e percentual) --- 33

Tabela 7: Docentes do ensino superior público: por grupo etário (total e percentual) --- 34

Tabela 8: Docentes do ensino superior privado: por grupo etário (total e percentual) --- 35

Tabela 9: Índice de envelhecimento no ensino superior: total, por subsistema e por tipo de ensino --- 35

Gráfico 1: Número de publicações indexadas na Web of Science por milhão de habitantes nos vários países da UE: 2008 e 2018 --- 37

Tabela 10: Docentes gerais e de carreira integrados em unidades de I&D da FCT: por subsistema de ensino, total e percentual --- 39

Gráfico 2: Percentagem de docentes de carreira integrados em unidades de I&D da FCT: por categoria profissional e subsistema de ensino. --- 40

Gráfico 3: Percentagem de docentes de carreira integrados em unidades de I&D da FCT: por género e subsistema de ensino. --- 40

Gráfico 4: Percentagem de docentes de carreira integrados em unidades de I&D da FCT: por escalão etário e subsistema de ensino --- 41

Tabela 11: Variáveis sociodemográficas --- 57

Tabela 12: Variáveis relacionadas ao trabalho --- 57

Tabela 13: Teste de Confiabilidade MBI-D/I e MBI por dimensão --- 60

Tabela 14: Teste de Confiabilidade por Dimensão e Atividade --- 61

Tabela 15: Pontuações por dimensão para análise dos níveis de burnout --- 63

Tabela 16: Dimensão Exaustão Emocional por escala, atividade e por afirmação – média e desvio padrão --- 66

Tabela 17: Resultado percentual da dimensão Exaustão Emocional por atividade (EED e EEI) --- 67

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Tabela 18: Dimensão Realização Pessoal por escala, atividade e por afirmação – média e

desvio padrão --- 68

Tabela 19: Resultado percentual da dimensão Realização Pessoal por atividade (RPD e RPI) --- 68

Tabela 20: Dimensão Despersonalização por escala, atividade e por afirmação – média e desvio padrão --- 69

Tabela 21: Resultado da dimensão Despersonalização (DE) --- 69

Tabela 22: Resultado dos níveis de burnout por atividade --- 71

Tabela 23: Resultado dos níveis de burnout por atividade (em 3 e 2 dimensões) --- 71

Tabela 24: Comparação por pontuação (EE, RP e DE) --- 74

Tabela 25: Resultado da dimensão Exaustão Emocional proveniente da investigação (EEI) por género --- 74

Tabela 26: Resultado da dimensão Realização Pessoal proveniente da investigação (RPI) por género --- 75

Tabela 27: Resultado da dimensão Despersonalização proveniente da investigação (DEI) por género --- 75

Tabela 28: Resultado do burnout pela investigação (EEI+RPI+DEI) por género --- 75

Tabela 29: Resultado da dimensão Exaustão Emocional proveniente da investigação (EEI) por tipo de vínculo --- 76

Tabela 30: Resultado da dimensão Realização Pessoal proveniente da investigação (RPI) por tipo de vínculo --- 77

Tabela 31: Resultado da dimensão Despersonalização proveniente da investigação (DEI) por tipo de vínculo --- 77

Tabela 32: Resultado do burnout proveniente da investigação (EEI+RPI+DEI) por tipo de vínculo --- 78

Tabela 33: Resultado das variáveis desequilíbrio entre esforço e recompensa (D.ER) e pressão percebida (PP) na exaustão emocional proveniente da investigação (EEI) --- 78

Tabela 34: Resultado das variáveis desequilíbrio entre esforço e recompensa (D.ER) e pressão percebida (PP) na realização pessoal proveniente da investigação (RPI) --- 79

Tabela 35: Resultado das variáveis desequilíbrio entre esforço e recompensa (D.ER) e pressão percebida (PP) na despersonalização proveniente da investigação (DEI) --- 79

Tabela 36: Resultado das variáveis desequilíbrio entre esforço e recompensa (D.ER) e pressão percebida (PP) nos respondentes com alto nível de burnout provenientes da investigação (EEI+RPI+DEI) --- 80

Tabela 37: Resultado da variável conflito trabalho-família na atividade docente e de investigação --- 80

Tabela 38: Relação da variável conflito trabalho-família nas dimensões do burnout pela atividade de docência e de investigação --- 81

Tabela 39: Relação da variável conflito trabalho-família no burnout pela atividade docente e de investigação --- 82

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Tabela 40: Grau de influência da pandemia nas respostas --- 83 Apêndice: Tabela - Dados de endogamia: por género e categoria profissional docente ---- 91 Apêndice: Gráfico - Distribuição dos docentes de carreira doutorados de cada grupo etário, em 2015/2016, segundo a instituição em que se doutoraram. --- 91 Apêndice: Quadro - Afirmações do Maslasch Burnout Inventory - Docência/Investigação --- 92 Apêndice: Tabela - Exclusão de itens – média e alpha de Cronbach --- 93

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Índice de acrónimos|

CRP - Constituição da República Portuguesa

DGEEC - Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência DGS – Direção-Geral da Saúde

EAG – Education at a glance

ECDU- Estatuto da Carreira Docente Universitária

ECPDESP - Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico ECTS - European Credit Transfer System

EFTA - European Free Trade Association FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia I&D - Investigação e Desenvolvimento ICD - International Classification of Diseases IES - Instituições de Ensino Superior MBI - Maslach Burnout Inventory

MBI-D/I - Maslasch Burnout Inventory – Docência/Investigação MBI-ES - MBI-Educators Survey

MBI-GS - MBI-General Survey

MBI-HSS - MBI-Human Services Survey

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT - Organização Internacional do Trabalho

OMS - Organização Mundial da Saúde OPP – Ordem dos Psicólogos Portugueses

PNSOC - Programa Nacional de Saúde Ocupacional Português REBIDES - Registo Biográfico de Docentes do Ensino Superior RJIES - Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior SPSS - Statistical Package for the Social Sciences

UE – União Europeia

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Introdução|

O burnout é um dos principais exemplos de distúrbios laborais, constituindo-se em importante problema psicossocial (Leite et al., 2019; Carlotto, 2014). Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001, p.1), burnout é “uma resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho.” Silva e Oliveira (2019) reforçam essa visão ao descreverem a síndrome de burnout como proveniente de uma intensa tensão emocional crónica relacionada ao severo stress laboral e externalizada por meio da redução do idealismo, da energia, atitudes desfavoráveis, diminuição da satisfação e do comprometimento com o trabalho.

Em relação ao seu desenvolvimento, Leite et al. (2019, p.171) definem burnout como o “conjunto de sinais e sintomas relacionados às situações de estresse laboral crônico (...) um processo individual, de evolução duradoura, podendo perdurar por anos e/ou décadas, com surgimento paulatino, cumulativo e progressivo em severidade” e alertam que, frequentemente, os trabalhadores percebem o processo já em estágio avançado, pois se negam a acreditar que possam estar a ser acometidos pela síndrome (Leite et al., 2019; Carlotto, 2002).

Apesar da incidência do burnout também ser influenciada por fatores individuais, estes influenciam menos do que os fatores situacionais, o que mostra ser o burnout um fenómeno mais social do que individual (Maslach & Leiter, 2007; Neves et al., 2014). Ou seja, não é um problema do trabalhador, mas um problema procedente do ambiente social de trabalho, muitas vezes hostil em função de suas estruturas, formas de atuação, cultura e outros fatores organizacionais que ditam como as pessoas interagirão e realizarão suas atividades no dia a dia (Maslach, 2006; Sousa & Mendonça, 2006). Neste sentido, muito embora não seja considerada doença, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a Síndrome de Burnout na 11ª Revisão da International Classification of Diseases (ICD-11 - The global standard for diagnostic health information) como um fenómeno ocupacional prevendo-a na categoria “Problems associated with employment or unemployment” (WHO, 2019).

A profissão docente é reafirmada em inúmeros estudos como uma das mais estressantes e afetadas pela síndrome de burnout no mundo (ILO, 2016; Leite et al., 2019; Cardoso et al, 2019; Sardinha et al, 2019; Pereira et al., 2019; Codo, 1999; Carlotto & Câmara, 2008), sendo algumas vezes mencionada como de incidência maior que os profissionais de saúde, inclusive (Silva & Oliveira, 2019). Estudo com 150 docentes de

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ensino superior verificou que 35% encontravam-se em situação de stress (Fadel et al, 2019). Assim como, em pesquisa com 333 professores universitários do norte de Portugal, 73.1% consideraram a profissão altamente estressante e 22.7% moderadamente estressante.

Reconhece-se que as significativas mudanças na organização do trabalho docente prolongaram a exposição a diversos fatores estressores e a sentimentos de cobrança e pressão e que, as já intensas demandas inerentes às atividades de ensino e investigação foram somadas às novas, favorecendo um ambiente de trabalho mais sujeito a ansiedade e ao stress (Penachi & Teixeira, 2020). Esse cenário potencializou e naturalizou a incidência de doenças psicossociais e burnout nas instituições de ensino superior (IES) (Fadel et al, 2019; Carlotto & Palazzo, 2006; Silva & Oliveira, 2019).

Além da elevada carga de trabalho, o profissional docente ainda desempenha um papel social com uma imagem inerente que ao mesmo tempo que envaidece e satisfaz, também aumenta a responsabilidade e a carga emocional, com dose extra de stress. Segundo a UNESCO (1997), ensinar no ensino superior exige dos docentes não apenas “conhecimentos aprofundados e competências particulares, adquiridas e mantidas através de estudos e de investigações rigorosos e contínuos” (p. 4), mas também uma carga moral e de responsabilidade pessoal e coletiva, para a educação, bem-estar dos estudantes e da comunidade, atendendo padrões exigentes e normas profissionais rigorosas no estudo e na investigação, dependendo sua condição do seu comportamento e da qualidade do seu desempenho.

Para a eficácia do ensino, da investigação, do estudo e das atividades de extensão, cabe à instituição de ensino superior (IES) prover as condições de trabalho apropriadas, equitativas e isentas de discriminação de qualquer natureza. Para tanto, deve garantir um regime de vínculo permanente ou estável, a fim de permitir a liberdade acadêmica e a proteção contra decisões arbitrárias; uma carga horária justa e equitativa que permita o desempenho eficaz dos deveres e responsabilidades com os alunos, e das atividades de estudo, investigação e/ou gestão universitária; além de um ambiente profissional que não prejudique a saúde ou a segurança, beneficiando-se de medidas de proteção social (como subsídios por doença, invalidez e reforma) e de proteção à saúde e segurança, de acordo com os riscos previstos nas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT (UNESCO, 1997). Apesar disso, o cenário de elevado stress é constantemente confirmado pelas pesquisas, vivendo-se há algum tempo, segundo Sousa e

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Mendonça (2006), uma epidemia organizacional de burnout nas IES que não impacta apenas os professores, mas funcionários e alunos.

Neste contexto, Singh e Bush (1998) definem o fenômeno denominado research burnout e apontam para a importância de se distinguir as atividades de ensino e investigação nos estudos sobre burnout docente. Para os autores, num cenário onde as IES exercem grande pressão no corpo docente para publicação e geração de verbas para pesquisa, apesar frequentemente ignorado e com pouca literatura específica, o estudo sobre a influência da atividade de investigação no stress e na desilusão docente se torna cada vez mais importante (Singh & Bush, 1998; Singh et al., 2004; Arquero & Donoso, 2013). Nesta mesma via, Arquero e Donoso (2013) reforçam a posição dos autores e demonstram em pesquisa comparativa que 48,2% dos professores inquiridos apresentam níveis altos de burnout derivados da investigação, enquanto 16,2% derivado da atividade docente.

Tendo em vista a excassez de estudos a diferenciar a influência de cada atividade no stress e na incidência da síndrome e sua relevância para uma avaliação mais fidedigna das causas, consequências e possíveis soluções para a realidade global das IES descrita na literatura (Singh & Bush, 1998; Singh et al., 2004; Arquero et al., 2006; e Arquero & Donoso, 2013), decidiu-se questionar: no ensino superior português, entre a docência e a investigação, há influência maioritária da investigação no desenvolvimento da síndrome de burnout? Neste sentido, definiu-se como objetivo do presente trabalho analisar os níveis de burnout associados às atividades de docência e investigação em professores do ensino superior português, tendo como objetivos específicos: a.) avaliar as diferenças entre os níveis de burnout de acordo com as atividades de docência e investigação; b.) relacionar os níveis de burnout associados às atividades de ensino e de investigação com variáveis antecedentes pessoais, ambientais e organizacionais; c.) relacionar os níveis de burnout associados às atividades de ensino e de investigação com as consequentes mais comuns como baixa satisfação laboral, redução do desempenho, conflito trabalho-família e intenção de abandono da carreira.

Com base nos resultados e teorias descritas por Singh e Bush (1998), Singh, Dalal e Mishra (2004), Arquero et al. (2006) e Arquero e Donoso (2013), definiu-se como hipótese 1 que o nível de burnout associado à atividade de investigação é superior à atividade docente. Em relação ao género, tendo em vista que, ao distinguirem as atividades de investigação e docência, Arquero e Donoso (2013) encontraram níveis mais altos de burnout associado à investigação em mulheres, definiu-se como hipótese 2, que níveis altos da síndrome

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associada à investigação apresentam nestas maior incidência. Em relação aos vínculos, a literatura associa as relações precárias e sem estabilidade com a geração de maior stress, ansiedade, insegurança, exaustão (Chauí, 2003; Vale, 2019; WHO, 2018; ILO, 2017; Steven, 2006; EU-OSHA, 2014; DGS, 2015), neste sentido, estabeleceu-se como hipótese 3 que níveis altos de burnout associado à atividade de investigação apresentam maior incidência em docentes com vínculos contratuais mais precários. Dada a elevada correlação entre as variáveis antecedentes desequilíbrio entre esforço e recompensa e pressão percebida e o aumento da exaustão emocional (Fadel et al., 2019; Carlotto & Palazzo, 2006; Silva & Oliveira, 2019), sendo estas dois dos principais fatores para o desenvolvimento de burnout proveniente da investigação (Carlotto, 2002; Arquero & Donoso, 2013; Singh & Bush, 1998; Singh et al., 2004), definiu-se como hipótese 4 que níveis altos de burnout associado à atividade de investigação apresentam maiores graus de pressão percebida e desequilíbrio entre esforço e recompensa percebido. Além disso, tendo o burnout um efeito de transbordamento negativo do contexto laboral para o familiar, (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Cunha et al., 2016), definiu-se como hipótese 5, que níveis altos de burnout associados à atividade docente ou de investigação apresentam altos graus de conflito trabalho-família.

Para tanto, a fim de avaliar de forma marcadamente distinta as atividades de docência e investigação nos níveis de burnout, decidiu-se por utilizar como instrumento uma adaptação do Maslasch Burnout Inventory (MBI) criada por Arquero e Donoso (2013), denominada Maslasch Burnout Inventory – Docência/Investigação (MBI-D/I). A recolha dos dados foi realizada por meio de inquérito por questionário distribuído através de mailing lists institucionais (e-mails) e redes sociais. A amostra foi selecionada por conveniência, em função da disponibilidade e acessibilidade, sem qualquer base probabilística e intenção de generalização dos resultados e conclusões. Para compilação e análise dos resultados foi utilizado o Microsoft Excel e o software estatístico SPSS - Statistical Package for the Social Sciences, versão 26.0.

O presente trabalho divide-se em três secções. A secção 1 integra o referencial teórico, onde apresenta o conceito de burnout e sua incidência em docentes do ensino superior, a fim de integrar e compreender a literatura sobre o tema. A primeira parte traz algumas considerações sobre trabalho saudável e os riscos inerentes ao contexto laboral, dando maior ênfase aos psicossociais. Em seguida são discutidos os principais conceitos sobre a síndrome de burnout, incluindo suas dimensões, a evolução das pesquisas, seus

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fatores preditores e consequências. A terceira parte dispõe sobre a incidência do burnout em docentes, sendo iniciada com uma breve contextualização do ensino superior português. A secção 2 desenvolve o estudo empírico, com a descrição da metodologia utilizada na pesquisa não experimental, quantitativa e descritiva realizada, o detalhamento dos objetivos e hipóteses de estudo, a caracterização da população inquirida e a justificativa do instrumento escolhido para recolha dos dados. A secção 3 integra a apresentação e discussão dos resultados encontrados à luz da leitura científica. Segue-se a conclusão e a apresentação das limitações da pesquisa e das pistas para investigação futura.

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Enquadramento teórico|

Nesta secção apresenta-se o conceito de burnout e sua incidência em docentes do ensino superior, a fim de integrar e compreender a literatura sobre o tema. A primeira parte traz algumas considerações sobre trabalho saudável e os riscos inerentes ao contexto laboral, dando maior ênfase aos psicossociais. Em seguida discutem-se os principais conceitos sobre a síndrome de burnout, incluindo suas dimensões, a evolução das pesquisas, seus fatores preditores e consequências. A terceira parte dispõe sobre a incidência do burnout em docentes, sendo iniciada com uma breve contextualização do ensino superior português.

1. Trabalho saudável e riscos laborais

Grandes mudanças ocorreram no mundo do trabalho nas últimas décadas, o que trouxe muitas vezes cenários de trabalhos mais intensivos, inseguros e de reduzida autonomia (EU-OSHA, 2014; 2017; 2018a; Comissão Europeia, 2017). Esta realidade conduz a uma grave deterioração da saúde física e mental dos trabalhadores (DGS, 2015) e coloca em xeque a dignidade do trabalho e, consequentemente, do trabalhador.

De facto, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, “nomeadamente, as transformações socioeconómicas, o aumento do desemprego, o aumento da incerteza e da instabilidade laboral, os contractos precários, o aumento da carga e do ritmo de trabalho, a insegurança causada pela imprevisibilidade das mudanças e reestruturações nas empresas”, dentre outros motivos potencializaram os riscos psicossociais, com elevada influencia na saúde física e mental dos trabalhadores (OPP, 2018, p.2).

Muito embora outros fatores influenciem a saúde mental e o bem-estar dos indivíduos, não há dúvidas que o ambiente laboral contribua de forma extremamente relevante para isso. A garantia de dignidade e maior qualidade de vida, assim como fatores inerentes ao próprio ser (como sentimentos de inclusão social, identidade, desenvolvimento e confiança) estão diretamente relacionados a um ambiente laboral saudável e digno1 (EU-OSHA, 2013; EU-OSHA, 2018b).

1 O conceito de trabalho decente foi formalizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999 estando inserido em sua própria missão histórica de “promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.” O conceito firma-se em

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De forma garantista, a Constituição da República Portuguesa nos artigos 58o e 59o

assegura não só o direito ao trabalho, mas a um trabalho digno, em condições de higiene, segurança e saúde, retribuição justa e condições socialmente dignificantes, que permita a realização profissional e a conciliação com a vida familiar. A dignidade no/do trabalho é pressuposto da dignidade do indivíduo.

Desta forma, criar um ambiente laboral saudável que não prejudique a saúde psicológica ou física, a segurança ou o bem-estar dos trabalhadores é moralmente imperativo. Em uma perspectiva ética, a busca por um ambiente de trabalho seguro e saudável vai além das obrigações legais e deve constituir o entendimento de responsabilidade social2 das organizações (WHO, 2010; DGS, 2015), com um reflexo

positivo interno e, inevitavelmente, externo, nas famílias, comunidades e sociedade em geral (DGS, 2018).

A definição de local de trabalho saudável sofreu grande evolução nas últimas décadas 3. Parte-se de um olhar praticamente exclusivo para o ambiente físico do trabalho

(domínio da segurança e saúde ocupacional tradicional, lidando com riscos físicos, químicos, biológicos e ergonómicos) e passa a incluir fatores de prática de saúde (estilo de vida), fatores psicossociais (de organização do trabalho e cultura do local de trabalho) e um link com a comunidade, na certeza que cada um desses fatores, juntos ou separadamente, pode ter um impacto profundo na saúde (WHO, 2010).

Nesta perspectiva, a OMS propõe como definição de local de trabalho saudável (WHO, 2010):

“Aquele no qual trabalhadores e gestores colaboram para usar um processo de melhoria contínua para proteger e promover a saúde, a segurança e o bem-estar de todos os trabalhadores e a sustentabilidade

quatro dimensões: garantia dos direitos e princípios fundamentais do trabalho; promoção de emprego produtivo e de qualidade; extensão da proteção social e fortalecimento do diálogo social (OIT).

2 Fora o entendimento de responsabilidade social corporativa, a Directiva- Quadro 89/391/CEE sobre segurança e saúde dos trabalhadores em seu artigo 5 º prevê que: “o empregador tem o dever de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com trabalho.” Complementa em seu artigo 9 º que “a entidade patronal deve dispor de uma avaliação dos riscos para a segurança e a saúde no trabalho, incluindo os respeitantes aos grupos de trabalhadores sujeitos a riscos especiais”, a fim de permitir uma gestão eficaz (Directiva 89/391/CEE, 1989).

3 A OMS ressalta três pontos em relação às definições de local de trabalho saudável: a.) o entendimento de que “saúde dos funcionários” incorpora sua definição de saúde (física, mental e social) a qual é muito mais do que meramente a ausência de doença ou de fatores prejudiciais, mas uma abundância de fatores que promovam a saúde; b.) um local de trabalho saudável, em um sentido mais amplo, também deve ser uma organização saudável na perspectiva de como atua e alcança seus objetivos. A saúde dos empregados e a saúde corporativa estão intrinsecamente ligados; c.) um local de trabalho saudável deve incluir proteção e promoção da saúde (WHO, 2010).

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do local de trabalho, considerando, com base nas necessidades identificadas, o seguinte: preocupações com saúde e segurança no ambiente físico de trabalho; preocupações com saúde, segurança e bem-estar no ambiente psicossocial do trabalho, incluindo organização do trabalho e cultura do local de trabalho; recursos de saúde pessoal no local de trabalho; e, maneiras de participar da comunidade para melhorar a saúde dos trabalhadores, suas famílias e outros membros da comunidade.” (p.16)

Agrega-se ao conceito de trabalho saudável, os de inclusão ou diversidade (étnica, de gênero ou outras formas), entendendo unanimemente que um local de trabalho saudável deve oferecer um ambiente aberto, acessível e de aceitação (acolhimento) com pessoas de diferentes backgrounds, origens, competências e habilidades, garantindo a minimização ou eliminação de diferenças ou dificuldades especificas de indivíduos ou grupos, sem discriminações de qualquer natureza (WHO, 2010).

O Programa Nacional de Saúde Ocupacional Português (PNSOC 2018/2020) reforça o ambiente de trabalho seguro e saudável como direito fundamental, salientando que as mudanças impostas ao novo contexto do trabalho devem vir acompanhadas de avaliações e planos de ações preventivas de novos e emergentes riscos, a fim de garantir a saúde e segurança de todos os trabalhadores4, reconhecendo a urgência de melhorar e

reforçar a atenção e a intervenção em saúde ocupacional5 (DGS, 2015; DGS, 2018).

Uma fria análise económico-financeira dos indicadores de gestão de recursos humanos deveria ser suficiente para induzir o empregador a garantir um local de trabalho saudável (WHO, 2010), já que, além de um imensurável custo humano, a falta de saúde psicológica no trabalho traz um elevado impacto na empresa, na sociedade e na economia.

4 O Código do Trabalho prevê capítulo específico para a prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (artigos 281.º a 284.º). A regulamentação da matéria é feita pela Lei n. 102/99. Para proteção da segurança e saúde a lei divide as competências, cabendo ao Ministério da Saúde, através da Direção-Geral da Saúde – DGS, o domínio da Saúde do Trabalho e ao Ministério do Trabalho, através da Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT, o domínio da Segurança do Trabalho. As entidades devem atuar de forma articulada e definir suas políticas. Em alinhamento com a Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho, a Direção-Geral de Saúde cria o Programa Nacional de Saúde Ocupacional, o qual estabelece muitas das diretrizes nacionais sobre o tema (sem excluir a existência dos diplomas legais) (DGS, 2018).

5 Chama-se Saúde Ocupacional ou Segurança e Saúde do Trabalho, a área que tem como objetivo a prevenção dos riscos profissionais e a proteção e promoção da saúde do trabalhador, por meio de “estratégias de identificação, avaliação e controlo dos riscos existentes no local de trabalho, ou deles emergentes, de ações de vigilância da saúde dos trabalhadores e de promoção da saúde no local de trabalho”, utilizando-se de conhecimentos de diferentes disciplinas como a medicina e enfermagem do trabalho, a sociologia do trabalho, a psicologia do trabalho, a ergonomia, dentre outras (DGS, 2018, p. 4).

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Milhares de milhões de euros são perdidos pelos Estados e organizações, com trabalhadores menos produtivos e eficazes ou que se encontram ausentes por doença. A estimativa é de que 2 em cada 10 trabalhadores sofram com problemas de saúde psicológica e que faltem 1,3 dias por ano devido a esses problemas. Em termos de perda de produtividade, estima-se que possa custar às empresas €329 milhões por ano (OPP, 2018). Na Europa, o custo da depressão relacionada ao trabalho é de 617 bilhões de euros por ano6 (WFMH, 2017).

Outros dados estatísticos sobre saúde psicológica permitem um panorama da gravidade do problema em termos globais: a.) um percentual de 10% da população mundial empregada já esteve sem trabalhar por motivos relacionados a depressão, sendo perdidos em média 36 dias de trabalho por cada episódio depressivo. Metade das pessoas com depressão não são tratadas; b.) estima-se que 8% da população trabalhadora mundial tenha um distúrbio mental diagnosticável e cerca de 14% tenha problemas de saúde psicológica advindos do local de trabalho; c.) seis em cada dez pessoas afirmam que problemas de saúde psicológica afetam sua concentração no trabalho e estimativas indicam que cerca de 70 milhões de dias de trabalho são perdidos a cada ano no Reino Unido devido a problemas de saúde psicológica; d.) um em cada cinco portugueses tem problemas de saúde psicológica e 22,5% sofre de distress psicológico (ou sofrimento psicológico) (WFMH, 2017; OPP, 2018)

Neste cenário, cabe ao poder público e às organizações garantir de forma urgente e efetiva a saúde e a dignidade do trabalhador por meio de ambientes de trabalho saudáveis que evitem e/ou minimizem a exposição a fatores de riscos, incluindo os psicossociais, de forma a assegurar uma elevada qualidade de vida no trabalho e atingir altos níveis de conforto e bem-estar físico, mental e social a todos (DGS, 2018).

6 Inclui-se os custos para os empregadores de absenteísmo e presenteísmo (272 bilhões de euros), perda de produtividade (242 bilhões de euros), custos de saúde (63 bilhões de euros) e custos de assistência social sob a forma de pagamentos de benefícios por incapacidade (39 bilhões de euros). Entende-se como presenteísmo a presença do trabalhador no local de trabalho, porém sem foco e concentração nas tarefas, tornando-o improdutivo (WFMH, 2017).

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1.1. Riscos psicossociais

Entende-se como riscos psicossociais7 aqueles “riscos para a saúde mental, física e

social, originados pelas condições de trabalho e por fatores organizacionais e relacionais.” (DGS, 2015, p.4), sendo os mais frequentes: stress, burnout, assédio moral (bullying or mobbing) e assédio sexual (EU-OSHA, 2018b). São questões complexas e multidimensionais (Comissão Europeia, 2017) relacionadas com a gestão, a organização do trabalho e com o contexto social laboral capazes de impactar gravemente a saúde e o bem-estar dos trabalhadores (EU-OSHA, 2018a), assim como sua capacidade e produtividade, impactando consequentemente o funcionamento da organização (EU-OSHA, 2018b).

Os riscos psicossociais serão maiores, quanto mais intensos forem os fatores de risco nas organizações, ou seja, as condições “diretamente relacionadas com a organização, o conteúdo do trabalho e a realização da tarefa e que têm a capacidade para afetar tanto o desenvolvimento do trabalho como a saúde (física, psíquica e social) do trabalhador” (DGS, 2015, p.4).

Os seguintes fatores estão relacionados com os riscos psicossociais de maior impacto na saúde física e mental dos trabalhadores (OSHA, 2014; OPP, 2018, p.3; EU-OSHA, 2018b):

a) Tarefas laborais: conteúdo do trabalho sem significado e sem permitir ao colaborador aplicar seus conhecimentos e competências; carga de trabalho superior ou muito inferior à capacidade do colaborador; falta de autonomia, influência e controlo sobre as tarefas e a organização do trabalho; falta de envolvimento do trabalhador nos processos de tomada de decisão que o afetam; grau elevado de automatização e repetição das tarefas; realização de tarefas perigosas;

b) Organização do trabalho: horários de trabalho contínuos e excessivos (superiores a 8 horas diárias); horários por turnos; poucas pausas para descanso e com curta duração (mais de cinco horas de trabalho consecutivo); exigências superiores contraditórias e conflitantes;

c) Estrutura da organização: indefinição das funções e papel do colaborador; falta de comunicação interna; falta de suporte organizacional e social; conflitos e má relação

7 É importante distinguir risco e efeito. Segundo a Lei n.º 102/2009, risco é a “probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interação do componente material do trabalho que apresente perigo.” Efeito é o dano em si.

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entre os colaboradores e os diferentes departamentos da organização; falta de oportunidades de promoção e desenvolvimento profissional; baixo nível ou inexistência de recompensas ou compensações;

d) Outros: imagem social negativa da organização; grande distância entre a morada do colaborador e o local de trabalho; incerteza acerca do futuro do posto de trabalho; ambiente laboral de conflito; falta de apoio da administração e dos colegas; assédio e violência; trabalhar com pessoas, clientes e parceiros difíceis; dificuldade em conciliar os compromissos e equilibrar vida pessoal, familiar e profissional; stress ocupacional.

Muitos desses fatores de riscos foram intensificados pelas novas modalidades de organização do trabalho, inclusive pelas novas formas de contratação por meio de subcontratação e relações precárias, podendo gerar insegurança laboral e aumentar os níveis de stress e ansiedade no trabalhador (EU-OSHA, 2014; DGS, 2015).

O avanço tecnológico potencializou fortemente a exposição dos indivíduos aos riscos psicossociais, tendo em vista a intensificação dos meios de comunicação e ferramentas eletrónicas integradas (como e-mails, redes sociais, programas de gestão, aplicativos de reuniões em vídeo e outros), aumentando a necessidade e exigência de resposta imediata e conexão permanente do trabalhador como forma de demonstração de eficiência e bom desempenho (EU-OSHA, 2018a; OPP, 2018).

Essa nova realidade mantém os indivíduos a trabalhar fora do horário e local de trabalho, dificultando o estabelecimento e identificação das fronteiras entre trabalho e vida pessoal/familiar, o que contribui para o aumento dos conflitos entre as duas esferas e intensificação do stress e de outros problemas de saúde psicológica (OPP, 2018). Por essa razão, estudos acerca dos riscos psicossociais relacionados à ausência de limite para o trabalho e desequilíbrio entre vida pessoal/familiar e profissional têm ganhado relevância (EU-OSHA, 2018a).

Com a total extinção da atividade ou a substituição de uma abordagem tradicional para uma mais híbrida face à evolução da tecnologia, encontra-se o chamado “stress tecnológico”. Ou seja, um sentimento de ansiedade em relação à capacidade de utilizar eficazmente os meios tecnológicos ou um sentimento de frustração caso fracasse. O relatório The Changing Nature of Work (World Bank, 2019), reconhece que a tecnologia está a remodelar as competências essenciais para o trabalho, aumentando a necessidade dos trabalhadores desenvolverem habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais, bem como habilidades associadas a uma maior adaptabilidade.

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Para Christophe Dejours (Gerschenfeld, 2010), os fatores de riscos psicossociais foram intensificados pelas mudanças na organização do trabalho, principalmente por três pontos relacionados à gestão: novos métodos de avaliação do trabalho, em particular a avaliação individual de desempenho; técnicas ligadas à chamada qualidade total; e a precariedade trazida pelo outsourcing. Na perspectiva do autor, a avaliação individual estimulou a concorrência, o stress e o medo, principalmente quando vinculada a prémios, promoções ou ameaça de despedimento8 . Apesar desta realidade, os fatores de riscos

devem ser geridos de forma eficaz pelos empregadores a fim de definir ações prioritárias que efetivamente assegurem e/ou melhorem a saúde dos trabalhadores e evite efeitos danosos, entendendo-se como gestão dos riscos psicossociais “o conjunto de procedimentos e medidas implementado para fazer face aos riscos psicossociais” (EU-OSHA, 2018a, p.4).

A forma de gestão dos riscos psicossociais é diretamente influenciada por características organizacionais como o setor, a dimensão e o contexto nacional de atuação. Organizações de maior dimensão parecem possuir uma melhor gestão dos riscos psicossociais do que as pequenas e médias, o que pode estar ligado a maior capacidade orçamentária e ao maior conhecimento e conscientização sobre a existência e exposição à riscos para a segurança e a saúde do trabalhador9 (EU-OSHA, 2018a).

Em relação ao setor, é grande a correlação com determinados riscos psicossociais, como no caso do setor de educação, saúde e de serviços. Apesar disso, os setores se diferenciam na forma de gestão dos riscos e nível de apoio disponível por parte das organizações (EU-OSHA, 2018a; ILO, 2016).

Já em relação ao contexto nacional, em geral os países da Europa Central e Oriental apresentam níveis mais baixos de gestão de riscos psicossociais e os países do norte da Europa níveis mais altos10. Assim como para outros países, os riscos psicossociais também

8 O êxito dos colegas passou a ser uma ameaça, alterando profundamente as relações no trabalho e ensejando a sonegação de informação, boatos, sabotagens, destruindo paulatinamente os elos, a atenção, consideração, solidariedade e ajuda mútua (inclusive quando sofrem algum tipo de assédio no âmbito do trabalho).

9 Para alcançar as micro, pequenas e médias empresas há inúmeras iniciativas de informação e sensibilização, incluindo guias práticos. Pode-se citar o e-guide interativo (EU-OSHA, 2014) com orientações simples sobre

stress laboral e riscos psicossociais para pequenas e médias empresas que estão a iniciar a abordagem dos

riscos psicossociais e o Healthy workers, thriving companies - a practical guide to wellbeing at work. (EU-OSHA, 2018b) criado especialmente para micro e pequenas empresas.

10 Alguns Estados-Membros criaram exigências em relação à avaliações dos riscos psicossociais e outros impõem, inclusive, a realização das mesmas por especialistas (Comissão Europeia, 2017). A legislação portuguesa reconhece a importância, porém não define expressamente os riscos psicossociais do trabalho, nem mesmo os profissionais especializados, como o psicólogo do Trabalho (OPP, 2018).

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são um desafio para Portugal, já que, entre os países da UE-28 e da EFTA, mostra-se como o quarto país com menor gestão (EU-OSHA, 2018a). De acordo com o relatório Psychosocial risks in Europe: Prevalence and strategies for prevention (Eurofound and EU-OSHA, 2014), Portugal apresenta altos níveis de preocupação com questões psicossociais e uma prevalência acima da média de medidas para gerenciá-los, no entanto, os procedimentos são usados por um número abaixo da média de estabelecimentos. Apesar de mais de 90% dos empresários europeus reconhecerem a relevância da prevenção dos riscos psicossociais, mais de 90% assumem que implementam medidas de segurança e saúde ocupacional por obrigação legal (Eurofound and EU-OSHA, 2014).

Vale ressaltar que a gestão de riscos psicossociais não é algo estanque e eventual, é um processo constante que envolve várias fases e atividades, além de mudanças efetivas no ambiente de trabalho. Normalmente há maior êxito quando a organização já dispõe de uma gestão eficaz de saúde ocupacional em termos gerais (Eurofound & EU-OSHA, 2014). Neste processo de gestão, os principais motivadores ainda são o cumprimento das obrigações legais, o atendimento às expectativas dos trabalhadores, a manutenção ou aumento da produtividade e a preservação da reputação da organização (EU-OSHA, 2018a).

Na gestão dos riscos psicossociais, os obstáculos apresentam-se menos expressivos do que os impulsionadores11. Estudos mostram que o envolvimento da administração

aparece como o impulsionador mais forte, seguido do envolvimento formal dos trabalhadores (em conselhos de empresa e comités de segurança e saúde, como delegados sindicais ou representantes) e informal (p.ex. no relato da ocorrência, na criação e implementação das medidas mitigadoras após a avaliação dos riscos) (EU-OSHA, 2018a, EU-OSHA, 2017). Outros impulsionadores especialmente importantes são a promoção de uma efetiva comunicação sobre segurança e saúde, um ambiente laboral justo e respeitador e a oportunidade de debater formalmente questões organizacionais (EU-OSHA, 2017). A falta de conscientização da administração e a ausência de experiência ou suporte especializado em segurança e saúde, mostram-se os principais obstáculos (EU-OSHA, 2018a).

11 De acordo com a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA, 2017), quando existem maiores obstáculos apenas níveis elevados de gravidade e de exposição a riscos são considerados, como a violência e o assédio.

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Considerando a gestão dos riscos psicossociais esse processo vivo relacionado com a forma de realização e organização do trabalho, o envolvimento e a apropriação plena numa abordagem participativa e colaborativa de gestores e trabalhadores é pressuposto para reduzir as barreiras e aumentar a eficácia das mudanças necessárias12. Além disso, é a

única forma de garantir o acesso às informações relevantes e verdadeiras para uma efetiva avaliação organizacional (DGS, 2015), a fim de prevenir riscos psicossociais graves como o stress, o assédio moral, o assédio sexual e a síndrome de burnout,

No intuito de explorar de forma mais aprofundada o burnout como fenômeno, a seguir busca-se expor a origem dos estudos sobre a síndrome, suas dimensões, preditores e consequências, assim como sua relação com outros constructos como a depressão, a satisfação e o bem-estar.

2. Burnout

O burnout é um dos principais exemplos de distúrbios laborais, constituindo-se em importante problema psicossocial (Leite et al., 2019; Carlotto, 2014). Foi identificado por profissionais da área social antes de vir a ser tema de sistemáticos estudos acadêmicos em outras áreas (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001).

Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001, p.1) burnout é “uma resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho.” Silva e Oliveira (2019) reforçam essa visão ao descrever a síndrome de burnout como proveniente de uma intensa tensão emocional crónica relacionada ao severo stress laboral e externalizada por meio da redução do idealismo, da energia, atitudes desfavoráveis, diminuição da satisfação e do comprometimento com o trabalho.

Leite et al. (2019, p.171) definem burnout como o “conjunto de sinais e sintomas relacionados às situações de estresse laboral crônico (...) um processo individual, de evolução duradoura, podendo perdurar por anos e/ou décadas, com surgimento paulatino, cumulativo e progressivo em severidade.” Frequentemente os trabalhadores percebem o processo já em estágio avançado, pois negam-se a acreditar que possam estar a ser acometidos pela síndrome (Leite et al., 2019; Carlotto, 2002).

12 A adoção de medidas a fim de melhorar a gestão dos riscos psicossociais podem surgir da administração, dos trabalhadores (representantes), dos parceiros sociais e das organizações setoriais, porém as iniciativas nacionais através de campanhas de sensibilização e legislação que estimule o envolvimento dos empregados ainda se mostram importantes (EU-OSHA, 2018a).

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Apesar de não ser considerada como doença, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a Síndrome de Burnout na 11ª Revisão da International Classification of Diseases (ICD-11 - The global standard for diagnostic health information) como um fenómeno ocupacional prevendo-a na categoria “Problems associated with employment or unemployment”. De forma mais ampla do que a encontrada na ICD-10 (descrita apenas como “estado de exaustão vital”), o burnout é conceituado na ICD-11 como a síndrome (WHO, 2019):

“resultante do stress crônico do ambiente do trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões: sentimentos de esgotamento de energia ou exaustão; aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e redução da eficácia profissional.”

A diretriz ressalta que o burnout refere-se especificamente para fenómenos em contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida (WHO, 2019).

2.1. Dimensões do burnout

A exaustão é a dimensão do stress individual e a principal da síndrome, representando um sentimento de esmagadora extenuação e esgotamento dos recursos físicos e emocionais do trabalhador. A despersonalização, também chamada de cinismo, é a dimensão do contexto interpessoal do burnout e se caracteriza pela reação de insensibilidade ou distanciamento excessivo de vários aspectos do trabalho. Já a componente de reduzida realização pessoal, também chamada de ineficácia, representa a dimensão de auto-avaliação da sindrome e refere-se a sentimentos de incompetência, incapacidade, falta de realização e produtividade no trabalho (Maslach et al., 1997; Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Silva & Oliveira, 2019).

Silva e Oliveira (2019) explicam que na exaustão os sentimentos de desgaste físico e emocional identificados advêm da sensação de ser mais exigido emocionalmente do que se consegue aguentar. Por sua vez, a despersonalização é vista como forma auto-protetiva de lidar com o intenso stress emocional e com a sobrecarga de trabalho. Essa forte relação entre a exaustão e o cinismo é consistentemente encontrada nos estudos sobre burnout em diferentes configurações organizacionais e ocupacionais. (Silva & Oliveira, 2019)

O que se verifica, porém, é que moderar as relações por meio de um distanciamento emocional e cognitivo (preocupação desapegada) afeta a efetividade do

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trabalho. O desequilíbrio trazido pelo desapego excessivo e pela despreocupação, além de gerar a perda das características especiais e inerentes à natureza dos serviços humanos, possibilita uma reação negativa, insensível, indiferente e desumanizada com os clientes (Maslach et al., 1997; Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Silva & Oliveira, 2019).

Sendo a exaustão a característica central e a manifestação mais clara e intensa do burnout, alguns pesquisadores chegam a argumentar que as outras dimensões são incidentais ou desnecessárias (Silva & Oliveira, 2019). Maslach; Schaufeli & Leiter (2001) discordam, salientando não ser a exaustão emocional um critério suficiente por si só. O olhar apenas para a exaustão emocional perderia de vista o fenómeno em sua totalidade, refletindo sua dimensão do stress, mas sem captar os aspectos críticos do relacionamento das pessoas com o trabalho.

Em relação ao desenvolvimento das três dimensões no tempo há alguns modelos. Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) exemplificam com o modelo de fases de Golembiewski e Munzenrider (1988), o qual propõe que cada dimensão seja dividida em pontuações altas e baixas e as combinações possíveis resultem em oito padrões ou fases do burnout13. A

progressão entre as fases (baixo para alto burnout) está relacionada com a piora do trabalho e do bem-estar.

Segundo Carochinho (2018) o bem-estar subjetivo envolve avaliações baseadas em sentimentos, valores, expectativas e emoções que as pessoas fazem de suas vidas e experiências nas diferentes esferas de existência. Certo de que o trabalho exerce um papel central na vida dos indivíduos, o bem-estar laboral seria a predominância de emoções positivas e a percepção de que, em seu ambiente de trabalho, expressa e desenvolve plenamente suas capacidades e competências para alcançar suas metas de vida. Três dimensões compõem o bem-estar laboral: satisfação no trabalho, envolvimento e compromisso afectivo. Enquanto para alguns o bem-estar subjetivo antecede o bem-estar laboral, para outros, este é um subtipo do bem-estar subjetivo (Carochinho, 2018).

Outro modelo demonstra o desenvolvimento sequencial entre as dimensões, iniciando o processo com a dimensão da exaustão, passando pelo cinismo e, posteriormente, para a ineficácia14 (Leiter & Maslach, 1988 cit. in Maslach, Schaufeli &

13 Uma das alternativas seria a dimensão despersonalização como primeira fase do burnout, seguida da ineficácia e depois da exaustão; outra alternativa era que as dimensões se desenvolveriam simultânea e independentemente, podendo resultar em 8 fases distintas de burnout (Maslach et al., 2001).

14 Pesquisa com enfermeiras, demonstrou a seguinte sequencia (Leiter & Maslach, 1988 cit. in Maslach et al., 2001): (a) Interações estressantes com superiores aumentam a sensação de exaustão; (b) níveis mais altos de

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Leiter, 2001). O vínculo sequencial entre a exaustão e a despersonalização é claro, porém o mesmo não ocorre em relação à ineficácia, mostrando-se um pouco mais complexa. Para alguns autores a ineficácia é uma função da exaustão e do cinismo, para outros é uma combinação de ambos15 , podendo se desenvolver em simultâneo ao invés de

sequencialmente (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001).

2.2. Evolução das pesquisas sobre burnout

A primeira fase das pesquisas sobre burnout foi totalmente exploratória, não partindo da teoria, mas da percepção popular16 das complexidades do relacionamento das

pessoas com o trabalho, trazendo novos aspectos e questões. Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), o poder evocativo do termo “burnout” para trazer e capturar a realidade das experiências das pessoas no local de trabalho foi o que o tornou importante e controverso no campo da pesquisa.

Os primeiros artigos foram escritos por Freudenberger (em 1975) e por Maslach17

(em 1976) nos Estados Unidos ainda no intuito de descrever e nomear o fenómeno, de forma a mostrar não ser uma resposta incomum a sobrecarga de trabalho. Para isso, partiram das experiências de trabalhadores dos serviços humanos, os quais muito embora o objetivo seja ajudar e servir quem precisa, o núcleo do trabalho está recheado de estressores emocionais entre provedor e destinatário. O foco da pesquisa não estava apenas na percepção do stress individual como reação, mas nas transações relacionais do indivíduo com seus colegas de trabalho e familiares (contexto interpessoal, visto tanto como fonte de tensões e recompensas emocionais quanto como recurso para lidar com o stress), trazendo

exaustão levam ao cinismo, principalmente se não há suporte social dos colegas de trabalho; (c) persistindo o cinismo, reduzem os sentimentos de eficácia, muito embora o suporte social dos colegas possa desacelerar esse processo (Maslach et al., 2001).

15 Em um ambiente de trabalho majoritariamente de demandas que contribuem para a exaustão ou cinismo, provavelmente corroerão o senso de eficácia do indivíduo (Maslach et al., 2001).

16 Maslach et al. (2001) citam que enquanto a maioria das pesquisas no local de trabalho seguiam um modelo de abordagem denominado topdown onde parte-se da teoria para a experiência, a pesquisa sobre burnout seguia a abordagem inversa, bottom-up ou grass-roots, partindo diretamente das experiências das pessoas em seus locais de trabalho. Segundo os autores, essa origem popular do burnout, de linguagem do povo sem fundamento na teoria, trouxe no início mais responsabilidades do que vantagens, chegando inclusive, a ser ridicularizado como uma não acadêmica pop psychology.

17 Christina Maslach, psicóloga social, estudava emoções no local de trabalho. Por meio de entrevistas sobre

stress emocional laboral com indivíduos da área de serviços humanos concluiu que as estratégias de

enfrentamento influenciavam fortemente a identidade profissional e o comportamento no trabalho (Maslach et al., 2001).

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luz às emoções, motivações e valores subjacentes ao trabalho (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).

Herbert J. Freudenberger18, baseando-se em informações sobre o processo de

esgotamento emocional e de perda de motivação e comprometimento (vivido por ele e por outros), denominou o fenómeno como burnout, termo até então usado coloquialmente para os efeitos do abuso de drogas (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Sardinha et al., 2019).

Apesar de inicialmente o conceito não ser claro, havia consenso sobre o burnout ser uma síndrome psicológica em resposta a estressores interpessoais crónicos no trabalho com três dimensões principais: exaustão, despersonalização e distanciamento do trabalho, e ineficácia e reduzida realização; o que levou ao desenvolvimento de uma teoria multidimensional do fenómeno (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Maslach et al., 1997).

As várias pesquisas sobre burnout introduziram novas descobertas sobre o desenvolvimento da síndrome no indivíduo ao longo do tempo (pesquisas longitudinais ajudaram nas avaliações de formas de enfrentamento) e no âmbito da psicologia organizacional em geral (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001), criando relações do fenómeno com conceitos como a satisfação no trabalho, o compromisso organizacional e o turnover. (Cataraga et al., 2016; Neves et al., 2014)

A partir dos anos 80 cresceram as pesquisas de natureza quantitativa a fim de avaliar e medir o burnout, sendo alguns instrumentos propostos19. Em 1981, Maslach &

Jackson desenvolveram o Maslach Burnout Inventory (MBI), o qual avalia as três dimensões do burnout. (Maslach et al., 1997; Maslach et al., 2001) O MBI é reconhecidamente a escala com as propriedades psicométricas mais fortes e a mais usada nos vários países do mundo20. (Arquero & Donoso, 2013)

O MBI-Human Services Survey (MBI-HSS) foi a primeira versão da escala, tendo como foco os trabalhadores dos serviços humanos. A segunda versão, foi chamada

18 Herbert J. Freudenberger18, era psiquiatra e trabalhava em uma agencia alternativa de assistência médica. 19 Arquero e Donoso (2013) citam outros instrumentos criados além do MBI, sendo alguns mais antigos, como o Staff burnout scale for health professional de Jones (1980); o Teacher Stress Inventory de Petergrew & Wof (1981); o Tedium scale/Burnout scale de Pines, Aronson & Kafry (1981) e Pines & Aronson (1988) ou o Teacher

Attitude Scale (1984) e outros mais recentes, como o Questionário de burnout de professores de Moreno et al.

(2000).

20 No geral as versões do MBI em idiomas diferentes do inglês mantêm suas propriedades psicométricas e a medida das três dimensões do burnout. Apesar disso, na interpretação dos resultados Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) atentam para uma possível influência de valores e questões culturais nas avaliações dos indivíduos, mostrando por exemplo diferenças entre resultados europeus e americanos. Europeus apresentam níveis médios mais baixos de exaustão e cinismo do que os americanos, justificados talvez por diferentes comportamentos sociais, estilos de vida e formas de lidar com fatores estressores do trabalho.

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Tabela 2: Alunos matriculados no ensino superior: total geral, por subsistema e por tipo de  ensino
Tabela 4: Docentes do ensino superior: total, por subsistema e tipo de ensino
Tabela 5: Docentes do ensino superior: total por género e percentual de docentes mulheres  por subsistema e por tipo de ensino
Tabela 7: Docentes do ensino superior público: por grupo etário (total e percentual)
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Referências

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