• Nenhum resultado encontrado

2. Burnout

2.2. Evolução das pesquisas sobre burnout

A primeira fase das pesquisas sobre burnout foi totalmente exploratória, não partindo da teoria, mas da percepção popular16 das complexidades do relacionamento das

pessoas com o trabalho, trazendo novos aspectos e questões. Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), o poder evocativo do termo “burnout” para trazer e capturar a realidade das experiências das pessoas no local de trabalho foi o que o tornou importante e controverso no campo da pesquisa.

Os primeiros artigos foram escritos por Freudenberger (em 1975) e por Maslach17

(em 1976) nos Estados Unidos ainda no intuito de descrever e nomear o fenómeno, de forma a mostrar não ser uma resposta incomum a sobrecarga de trabalho. Para isso, partiram das experiências de trabalhadores dos serviços humanos, os quais muito embora o objetivo seja ajudar e servir quem precisa, o núcleo do trabalho está recheado de estressores emocionais entre provedor e destinatário. O foco da pesquisa não estava apenas na percepção do stress individual como reação, mas nas transações relacionais do indivíduo com seus colegas de trabalho e familiares (contexto interpessoal, visto tanto como fonte de tensões e recompensas emocionais quanto como recurso para lidar com o stress), trazendo

exaustão levam ao cinismo, principalmente se não há suporte social dos colegas de trabalho; (c) persistindo o cinismo, reduzem os sentimentos de eficácia, muito embora o suporte social dos colegas possa desacelerar esse processo (Maslach et al., 2001).

15 Em um ambiente de trabalho majoritariamente de demandas que contribuem para a exaustão ou cinismo, provavelmente corroerão o senso de eficácia do indivíduo (Maslach et al., 2001).

16 Maslach et al. (2001) citam que enquanto a maioria das pesquisas no local de trabalho seguiam um modelo de abordagem denominado topdown onde parte-se da teoria para a experiência, a pesquisa sobre burnout seguia a abordagem inversa, bottom-up ou grass-roots, partindo diretamente das experiências das pessoas em seus locais de trabalho. Segundo os autores, essa origem popular do burnout, de linguagem do povo sem fundamento na teoria, trouxe no início mais responsabilidades do que vantagens, chegando inclusive, a ser ridicularizado como uma não acadêmica pop psychology.

17 Christina Maslach, psicóloga social, estudava emoções no local de trabalho. Por meio de entrevistas sobre

stress emocional laboral com indivíduos da área de serviços humanos concluiu que as estratégias de

enfrentamento influenciavam fortemente a identidade profissional e o comportamento no trabalho (Maslach et al., 2001).

luz às emoções, motivações e valores subjacentes ao trabalho (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).

Herbert J. Freudenberger18, baseando-se em informações sobre o processo de

esgotamento emocional e de perda de motivação e comprometimento (vivido por ele e por outros), denominou o fenómeno como burnout, termo até então usado coloquialmente para os efeitos do abuso de drogas (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Sardinha et al., 2019).

Apesar de inicialmente o conceito não ser claro, havia consenso sobre o burnout ser uma síndrome psicológica em resposta a estressores interpessoais crónicos no trabalho com três dimensões principais: exaustão, despersonalização e distanciamento do trabalho, e ineficácia e reduzida realização; o que levou ao desenvolvimento de uma teoria multidimensional do fenómeno (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001; Maslach et al., 1997).

As várias pesquisas sobre burnout introduziram novas descobertas sobre o desenvolvimento da síndrome no indivíduo ao longo do tempo (pesquisas longitudinais ajudaram nas avaliações de formas de enfrentamento) e no âmbito da psicologia organizacional em geral (Maslach; Schaufeli & Leiter, 2001), criando relações do fenómeno com conceitos como a satisfação no trabalho, o compromisso organizacional e o turnover. (Cataraga et al., 2016; Neves et al., 2014)

A partir dos anos 80 cresceram as pesquisas de natureza quantitativa a fim de avaliar e medir o burnout, sendo alguns instrumentos propostos19. Em 1981, Maslach &

Jackson desenvolveram o Maslach Burnout Inventory (MBI), o qual avalia as três dimensões do burnout. (Maslach et al., 1997; Maslach et al., 2001) O MBI é reconhecidamente a escala com as propriedades psicométricas mais fortes e a mais usada nos vários países do mundo20. (Arquero & Donoso, 2013)

O MBI-Human Services Survey (MBI-HSS) foi a primeira versão da escala, tendo como foco os trabalhadores dos serviços humanos. A segunda versão, foi chamada MBI-

18 Herbert J. Freudenberger18, era psiquiatra e trabalhava em uma agencia alternativa de assistência médica. 19 Arquero e Donoso (2013) citam outros instrumentos criados além do MBI, sendo alguns mais antigos, como o Staff burnout scale for health professional de Jones (1980); o Teacher Stress Inventory de Petergrew & Wof (1981); o Tedium scale/Burnout scale de Pines, Aronson & Kafry (1981) e Pines & Aronson (1988) ou o Teacher

Attitude Scale (1984) e outros mais recentes, como o Questionário de burnout de professores de Moreno et al.

(2000).

20 No geral as versões do MBI em idiomas diferentes do inglês mantêm suas propriedades psicométricas e a medida das três dimensões do burnout. Apesar disso, na interpretação dos resultados Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) atentam para uma possível influência de valores e questões culturais nas avaliações dos indivíduos, mostrando por exemplo diferenças entre resultados europeus e americanos. Europeus apresentam níveis médios mais baixos de exaustão e cinismo do que os americanos, justificados talvez por diferentes comportamentos sociais, estilos de vida e formas de lidar com fatores estressores do trabalho.

Educators Survey (MBI-ES) e foi desenvolvida para uso em profissionais de educação. As três dimensões - exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal – refletem-se nas duas versões, sendo ambas direcionadas para ocupações com intensa interação humana (assistentes sociais, enfermeiros, policiais, professores e outros) (Maslach et al., 1997; Arquero & Donoso, 2013).

Tendo em vista a identificação do fenómeno em outras profissões não tão claramente orientadas para pessoas, foi criada uma terceira versão da escala denominada MBI-General Survey (MBI-GS). Nesta também avaliam-se as três dimensões, porém com uma leve revisão dos itens para torná-los mais amplos em relação ao trabalho e com menor foco nos relacionamentos interpessoais (Maslach et al., 1997; Arquero & Donoso, 2013).