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3. Burnout em professores do ensino superior

3.1. Ensino superior português

A Lei de Bases (Lei n.º 46/86) regulamenta o sistema educativo português, o qual divide-se em três níveis de ensino: básico, secundário e superior. De acordo com a UNESCO (1997, p.2), são designados como de ensino superior:

“os programas de estudos, de formação ou de formação para a investigação assegurados a nível pós-secundário por estabelecimentos universitários ou outros estabelecimentos de ensino reconhecidos como estabelecimentos de ensino superior pelas autoridades competentes do Estado e/ou em virtude de sistemas reconhecidos de homologação.” A Lei n.º 62/2007, dispõe sobre o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) e seu artigo 2.º, d, define como objetivo principal do ensino superior a alta qualificação dos portugueses, a geração e a transmissão do conhecimento.

Em Portugal o ensino superior pode ser oferecido por instituições públicas (instituições estatais ou fundações instituídas pelo Estado) ou privadas (instituições pertencentes a entidades particulares e cooperativas), sendo sempre, porém, reconhecido como serviço de interesse público30.

Tanto as IES públicas quanto as privadas possuem autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar em relação ao Estado. (artigo 11.º da Lei n.º 62/2007). Muito embora reconheça-se a autonomia das IES, este fato não as isenta da tutela e fiscalização do Estado, nem da

30 Em contraponto crítico (desassociado da visão jurídica) para muitos a educação superior deixou há tempos de ser vista como serviço de interesse público e passou a ser privado, como uma mercadoria sujeita às regras de mercado (Barreyro, 2018).

acreditação e avaliação externa31 nos termos da lei. A fim de permitir uma autonomia

científica e pedagógica efetiva, as IES devem criar quadros permanentes de docentes e investigadores com contratos por tempo indeterminado e reforçada estabilidade, de acordo com o previsto nos estatutos das carreiras e no RJIES.

O ensino superior subdivide-se em universitário e politécnico (sistema binário), de acordo com sua natureza e objetivos. O ensino universitário é direcionado para a criação de conhecimento para investigação e saber científico e cultural. Já o ensino politécnico está direcionado para a criação de um conhecimento aplicado, de natureza prática voltada para a atividade profissional.32

Após a implementação das mudanças advindas do processo de Bolonha (introduzidas em 2006 e implementadas em sua totalidade no país no ano letivo de 2009/2010) o ensino superior português passou a ter uma estrutura com 3 ciclos de estudo conferentes de graus académicos - licenciatura, mestrado e doutoramento - e a seguir a previsão dos ECTS33 - European Credit Transfer System (The Bologna Declaration, 1999).

A política de educação de ensino superior definida por Portugal para aumentar a população com nível superior e contínuo aprendizado é nítida e mostra um aumento gradual de alunos matriculados no ensino superior. Com exceção dos anos de 2012 a 2014, nos quais houve redução de alunos matriculados (provavelmente devido à crise financeira vivida no país entre os anos de 2010 e 2014), os anos posteriores retomaram a tendência de aumento de matrículas, como pode ser parcialmente verificado na tabela abaixo (PORDATA, 2020).

31 A avaliação institucional é obrigatória e realiza-se no quadro do sistema europeu de garantia da qualidade no ensino superior. A avaliação externa é realizada pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) com o intuito de avaliar a qualidade de desempenho da IES em termos globais e por unidades orgânicas autónomas e garantir o cumprimento dos requisitos mínimos necessários ao seu reconhecimento oficial (A3ES, 2017).

32 O ensino politécnico divide-se em um ciclo de estudos curto (curso técnico superior profissional) não conferente de grau académico e outro ciclo de estudo mais longo conferente do grau académico de licenciado e mestre, podendo ser oferecido pelos institutos politécnicos ou por outras instituições de ensino politécnico. 33 Alterações previstas no Decreto-Lei n.º 42/2005 - Princípios reguladores de instrumentos para a criação do espaço europeu de ensino superior e Lei n. 49/2005 - Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo e alteração à Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior.

Tabela 1: Alunos matriculados pela 1a vez no ensino superior: total e por nível de formação

Anos

Nível de formação

Total Licenciatura 1.º ciclo Integrado Mestrado Mestrado Doutoramento

2017 113.915 59.684 11.583 28.432 4.920

2018 122.811 64.869 12.021 31.085 5.277

2019 126.345 64.318 12.469 33.184 5.363

Fonte: PORDATA. Fontes de Dados: DGEEC/ME-MCTES - DIMAS/RAIDES

Embora uma proporção relativamente alta de jovens se matricule no ensino superior (cerca de 41% dos jovens de 19 a 20 anos, número maior que a média de 37% da OCDE), a conclusão dos programas de ensino superior continua sendo um desafio em Portugal. Apenas 30% dos estudantes que ingressam na licenciatura se formam dentro dos três anos previstos (a média da OCDE é de 39%). Esse percentual sobe para 65% (sendo a média da OCDE de 67%) quando aumenta-se o prazo de formatura para seis anos. (OECD, 2019b)

Tabela 2: Alunos matriculados no ensino superior: total geral, por subsistema e por tipo de ensino

Anos

Subsistema e tipo de ensino

Total Público Privado

Total Universitário Politécnico Total Universitário Politécnico

2017 361.943 302.596 192.201 110.395 59.347 43.013 16.334 2018 372.753 308.489 195.199 113.290 64.264 46.036 18.228 2019 385.247 316.189 199.388 116.801 69.058 48.479 20.579

Fonte: PORDATA. Fontes de Dados: DGEEC/ME-MCTES - DIMAS/RAIDES

A parcela de estudantes do ensino superior que cursa um mestrado em Portugal é relativamente alta. Em 2017, cerca de 33% de todos os alunos do ensino superior no país estavam matriculados em um curso de mestrado, mais que o dobro da média da OCDE de 16%. A proporção de estudantes de nível superior matriculados em programas de doutoramento também está bem acima da média da OCDE, sendo de 6% em Portugal e 2% em média nos países da OCDE (OECD, 2019b).

Em 2017, cerca de 2.100 estudantes de doutoramento se formaram em Portugal. Cerca de 55% mulheres (em comparação com 47% em média em todos os países da OCDE) e 23% estudantes internacionais (sendo a média da OCDE 25%). Embora os estudantes em Portugal tendam a ingressar na licenciatura e no mestrado relativamente cedo, no doutoramento o mesmo não se verifica, sendo a idade média de ingresso de 34

anos, acima da média da OCDE de 29 anos. No total, 0,8% dos adultos em Portugal possuem doutoramento (sendo a média da OCDE 1,1%) (OECD, 2019b).

A fim de garantir o acesso ao ensino superior, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP), cabe ao Estado criar uma rede de instituições de ensino capaz de satisfazer as necessidades do país (artigo 76o da CRP) (Presidência da República, 1976).

Numa política de otimização da rede, em 2019 existiam 287 estabelecimentos de ensino superior, considerando universitário e politécnico, público e privado (PORDATA, 2020). Tabela 3: Estabelecimentos de ensino superior: total, por subsistema e tipo de ensino.

Total Público Privado Universitário Politécnico 2018 2019 2018 2019 2018 2019 2018 2019 2018 2019

290 287 184 183 106 104 125 123 165 164

Fonte: PORDATA. Fontes de Dados: DGEEC/ME-MCTES

O quadro docente permanente das universidades é composto por professores nas categorias de professor auxiliar, professor associado e professor catedrático. Fora do quadro permanente, a universidade poderá contratar a prestação de serviços de docentes nacionais, nas categorias de professor convidado ou assistente convidado, e docentes de instituições estrangeiras na categoria de professor visitante, desde que com reconhecida competência científica, pedagógica ou profissional e que sua colaboração seja de interesse e necessidade inegáveis para a IES (Artigo 2o do Decreto-Lei n.º 448/79 - Estatuto da

Carreira Docente Universitária – ECDU).

No caso das instituições politécnicas o quadro docente permanente é composto pelas categorias de professor adjunto, professor coordenador e professor coordenador principal e, assim como nas universidades, podem ser contratados docentes para a prestação de serviços, que atuarão como professores coordenadores convidados ou professores adjuntos convidados e, em caso de professores de IES estrangeiras, professores visitantes (Artigo 2o do Decreto-Lei n.º 185/81 - Estatuto da Carreira do Pessoal Docente

do Ensino Superior Politécnico - ECPDESP).

De acordo com os artigos 25o e 26o do Estatuto do Ensino Superior Particular ou

Cooperativo (Decreto-Lei n.º 16/94) aos docentes do ensino superior particular é assegurada uma carreira paralela à dos docentes do ensino superior público, porém sem desrespeitar as regras previstas nos estatutos dos estabelecimentos onde prestam serviço, o que inclui a forma de avaliação e progressão na carreira. Caso o docente do ensino superior particular migre para o ensino superior público, será garantida a contagem do tempo de

serviço docente para efeitos de progressão na carreira e aposentação em igualdade de circunstâncias.

Em 2018 existiam 35.283 professores no ensino superior português (incluindo universitário e politécnico, público e privado, e todos os tipos de vínculos contratuais). Apesar do incremento gradual e constante do número de professores a acompanhar a política de ensino e o crescimento da demanda de alunos, também se verifica uma redução no número de professores entre os anos de 2012 a 2014, retomando a tendência de aumento a partir de 2015 (PORDATA, 2020).

Tabela 4: Docentes do ensino superior: total, por subsistema e tipo de ensino

Anos

Subsistema e tipo de ensino

Total Público Privado

Total Univers. Politéc. Total Univers. Politéc.

2008 35.380 24.728 14.466 10.262 10.652 6.519 4.133 2009 36.215 25.092 14.803 10.289 11.123 6.899 4.224 2010 38.064 26.410 15.506 10.904 11.654 7.195 4.459 2011 37.078 25.849 15.538 10.311 11.229 7.030 4.199 2012 35.482 25.528 15.563 9.965 9.954 6.388 3.566 2013 33.528 24.745 15.348 9.397 8.783 5.704 3.079 2014 32.346 24.493 15.140 9.353 7.853 5.061 2.792 2015 32.580 25.142 15.704 9.438 7.438 4.779 2.659 2016 33.160 25.699 15.914 9.785 7.461 4.664 2.797 2017 34.227 26.579 16.390 10.189 7.648 4.695 2.953 2018 35.283 27.279 16.653 10.626 8.004 4.942 3.062

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES)

O ensino superior privado, universitário e politécnico, apresentou redução significativa no número de professores em função da crise financeira (2010 a 2014). Apenas em 2016 o número começa a subir novamente (PORDATA, 2020). Na observação dos dados dos subsistemas publico e privado, deve-se levar em conta as diferenças próprias nas autonomias e na forma de gestão, o que impacta, por exemplo, nos formatos de ingresso e saída, exigências académicas, vínculos empregatícios, dentre outros fatores.

Em termos de género, apesar do percentual de mulheres doutoradas em 2017 ter sido maior do que o de homens (55% de mulheres) (OECD, 2019a), o número de professores homens ainda é maior do que o de mulheres. Entretanto, vê-se uma tendência crescente de mulheres docentes com uma pequena variação percentual de um ano para o outro. A contextualização das questões de género e etárias dos docentes portugueses faz-se importante para a análise de diversidade do quadro e seus impactos (PORDATA, 2020).

Tabela 5: Docentes do ensino superior: total por género e percentual de docentes mulheres por subsistema e por tipo de ensino

Anos

Total de docentes por género (Indivíduos)

Percentual de docentes mulheres por subsistema de

ensino (%)

Percentual de docentes mulheres por

tipo de ensino (%)

Total M F Total Público Privado Univ. Politéc.

2016 33.160 18.478 14.682 44,3 43,9 45,6 42,0 48,0 2017 34.227 18.907 15.320 44,8 44,4 45,9 42,6 48,2 2018 35.283 19.368 15.915 45,1 44,7 46,4 42,9 48,6

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES)

Em termos etários, a tabela abaixo demonstra um número menor de professores na faixa etária entre 30-39 anos ao longo dos anos, o que é esperado devido a idade média de término do doutoramento no país, tendo em vista a idade média de ingresso ser de 34 anos. (OECD, 2019a) A faixa subsequente, de 30 a 39 anos, apresenta um aumento substancial comparada à primeira, saindo de um percentual médio de 3,9 para 19,2%. As faixas entre 40 e 59 anos possuem maior número de docentes, possuindo 62,7% do total de docentes em 2018. Na faixa de mais de 60 anos o número de professores reduz novamente para 15,1% do total de docentes em 2018. Na comparação entre os anos de 2016 a 2018 esta faixa etária apresenta um aumento gradual, saindo do 12,6% para 15,1%, movimento contrário à faixa etária de 30 a 39 anos que reduz de 20,1% para 18,3% entre esses anos (PORDATA, 2020).

Tabela 6: Docentes do ensino superior: por grupo etário (total e percentual)

Anos

Total de docentes do ensino superior por grupo etário

Total (%)

Total - de 30 30-39 40-49 50-59 60 ou +

2016 33.160 1.307 (3,9%) 6.660 (20,1%) 10.926 (32,9%) 10.083 (30,4%) 4.184 (12,6%) 2017 34.227 1.314 (3,8%) 6.576 (19,2%) 11.110 (32,5%) 10.533 (30,8%) 4.694 (13,7%) 2018 35.283 1.365 (3,9%) 6.462 (18,3%) 11.459 (32,5%) 10.672 (30,2%) 5.325 (15,1%)

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES)

Ao analisar os perfis etários dos tipos e subsistemas de ensino, pode-se verificar algumas diferenças e similitudes. No ensino superior público, tanto universitário quanto politécnico, a faixa etária com menor número de docentes é a de menos de 30 anos e as com maior número de docentes são as faixas de 40 a 59 anos. O aumento gradual na faixa de mais de 60 anos e a redução gradual na faixa de 30 a 39 anos também pode ser visto nos dois tipos de ensino superior público. Em termos percentuais duas faixas etárias divergem.

Enquanto no ensino universitário público a faixa etária de mais de 60 anos apresenta um percentual de 18,7% em 2018, no politécnico esse percentual é bem menor (9,2%). De forma inversa, na faixa etária de 40 a 49 anos o ensino universitário apresenta um percentual bem menor (28,4%) comparado ao politécnico (38,1%). O foco de cada tipo de ensino deve justificar este resultado (PORDATA, 2020).

Tabela 7: Docentes do ensino superior público: por grupo etário (total e percentual)

Anos Tipo de ensino e grupo etário Universitário Total - de 30 30-39 40-49 50-59 60 ou + 2016 15.914 702 (4,4%) 2.577 (16,2%) 4.796 (30,1%) 5.394 (33,9%) 2.445 (15,4%) 2017 16.390 727 (4,4%) 2.613 (15,9%) 4.748 (29%) 5.538 (33,8%) 2.764 (16,9%) 2018 16.653 743 (4,5%) 2.565 (15,4%) 4.736 (28,4%) 5.495 (33%) 3.114 (18,7%) Anos Politécnico Total - de 30 30-39 40-49 50-59 60 ou + 2016 9.785 362 (3,7%) 2.374 (24,3%) 3.650 (37,3%) 2.716 (27,8%) 683 (7%) 2017 10.189 351 (3,4%) 2.307 (22,6%) 3.839 (37,7%) 2.885 (28,3%) 807 (7,9%) 2018 10.626 395 (3,7%) 2.201 (20,7%) 4.044 (38,1%) 3.010 (28,3%) 976 (9,2%)

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES)

Já no ensino privado universitário e politécnico a faixa etária com menor número de docentes continua sendo a de menos de 30 anos e as faixas de 40 a 59 anos as com maior número de docentes. Mantem-se também o aumento gradual na faixa de mais de 60 anos e a redução gradual na faixa de 30 a 39 anos. Em termos percentuais a única faixa etária com maior diferença entre o ensino universitário e o politécnico é a de mais de 60 anos, a qual apresenta um percentual de 18% em 2018 no ensino universitário e 11,3% no politécnico. As outras faixas etárias não apresentam grandes diferenças percentuais entre os dois tipos de ensino, mostrando números mais equânimes no ensino privado do que no público (PORDATA, 2020).

Tabela 8: Docentes do ensino superior privado: por grupo etário (total e percentual)

Anos

Tipo de ensino e grupo etário Universitário Total - de 30 30-39 40-49 50-59 60 ou + 2016 4.664 149 (3,2%) 997 (21,4%) 1.566 (33,6%) 1.177 (25,2%) 775 (16,6%) 2017 4.695 143 (3,0%) 963 (20,5%) 1.531 (32,6%) 1.257 (26,8%) 801 (17,1%) 2018 4.942 138 (2,8%) 998 (20,2%) 1.624 (32,9%) 1.293 (26,2%) 889 (18%) Anos Politécnico Total - de 30 30-39 40-49 50-59 60 ou + 2016 2.797 94 (3,4%) 712 (25,5%) 914 (32,7%) 796 (28,5%) 281 (10%) 2017 2.953 93 (3,1%) 693 (23,5%) 992 (33,6%) 853 (28,9%) 322 (10,9% 2018 3.062 89 (2,9%) 698 (22,8%) 1.055 (34,5%) 874 (28,5%) 346 (11,3%)

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES

Outra forma de demonstrar o aumento de docentes mais velhos é por meio do índice de envelhecimento, o qual calcula o número de docentes com 50 anos ou mais por cada 100 docentes com menos de 39 anos. Na análise do índice de envelhecimento é possível verificar um aumento em ambos subsistemas e tipos de ensino superior, sendo porém ainda maior no ensino universitário público (PORDATA, 2020). Esse resultado pode demonstrar uma maior intenção de permanência, por parte dos profissionais mais experientes o que gera uma menor renovação do corpo docente (Chauí, 2003; Magalhães, 2006; Vale, 2019).

Tabela 9: Índice de envelhecimento no ensino superior: total, por subsistema e por tipo de ensino

Anos

Subsistema e tipo de ensino Total

Público Privado

Total Univ. Politéc. Total Univ. Politéc. 2016 179,1 186,8 239,1 124,2 155,2 170,3 133,6

2017 193,0 200,0 248,6 138,9 170,9 186,1 149,5

2018 204,4 213,3 260,2 153,5 176,9 192,1 155,0

Fonte: PORDATA. Fonte de dados: DGEEC/ME-MCTES – Inquérito ao registo biográfico de docentes do ensino superior (REBIDES)

Dentre outros, dois fatores devem ser levados em conta na análise da permanência docente: o tempo de chegada no topo da carreira e a diferença remuneratória. Em Portugal, considerando uma idade média de 34 anos para início do doutoramento (OECD, 2019b) e uma média de 35 anos para alcançar o topo da carreira (CNE, 2019), é possível compreender a maior permanência e o aumento de docentes na faixa etária de mais de 60

anos. Além disso, os acréscimos remuneratórios mais relevantes ocorrem no período final da carreira docente, o que gera uma diferença significativa entre a remuneração no início e no topo da carreira e corrobora para uma maior permanência (CNE, 2019).

Em termos de funções exercidas pelos docentes, os estatutos das carreiras docentes universitária e politécnica (artigo 4o do Decreto-Lei n.º 448/79 e artigo 2o-A do Decreto-

Lei n.º 185/81) preveem: a.) realizar atividades de investigação científica, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico/experimental; b.) prestar o serviço docente que lhes for distribuído e acompanhar e orientar os estudantes; c.) participar em tarefas de extensão, de divulgação científica e tecnológica e de valorização económica e social do conhecimento; d.) participar na gestão das respectivas instituições; e.) participar em outras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da atividade de docente do ensino superior.

A execução dessas funções nem sempre estão claras e bem distribuídas na carga de trabalho do professor, principalmente as atividades de docência e investigação. Rowe, Bastos e Pinho (2013) salientam a importância e a interdependência entre as atividades de ensino e investigação. De um lado o docente conquista o espaço académico por meio da produção e transmite conhecimento através do ensino, de outro lado a segurança e a forma de avaliação do docente é composta pela produtividade em pesquisa e habilidades letivas. Segundo os autores, essas interdependências trazem peculiaridades que desafiam as análises sobre os possíveis impactos dos múltiplos comprometimentos no desempenho do professor.

Em relação à investigação, vê-se um desenvolvimento da produção científica em Portugal, tendo o número de publicações indexadas na Web of Science por milhão de habitantes passado de 757 em 2008 para 1629 em 2018. Dentre os países europeus, Portugal é o 5o país com maior taxa média (8%) de crescimento anual entre 2008 e 2018 em

publicações indexadas na Web of Science por milhão de habitantes, atrás de Malta (13,1%), Luxemburgo (11,9%), Chipre (11,5%) e Letônia (10,2%). Muito embora Portugal tenha aumentado a produção científica em várias áreas, humanidades e artes foi a com maior crescimento (12%) (DGEEC, 2020).

Gráfico 1: Número de publicações indexadas na Web of Science por milhão de habitantes nos vários países da UE: 2008 e 2018

Fonte: (DGEEC, 2020)

O mesmo aumento vê-se na base de dados Scopus, passando de menos de 500 publicações indexadas por milhão de habitantes em 1996 para mais de 2000 publicações em 2017 (DGEEC, 2019). Para a UNESCO (1997) a publicação e a divulgação das investigações devem ser encorajadas e facilitadas pelas IES, sendo os docentes livres em relação ao seu conteúdo e local de publicação, tendo como objetivos o merecido reconhecimento da excelência do trabalho realizado e o avanço da educação, ciência e cultura, respeitando a colocação de seus nomes e garantidos seus direitos de autor.

A produção académica com colaboração internacional também cresce, resultante do estímulo à internacionalização do ensino e da cooperação académica. A percentagem de publicações portuguesas em coautoria com instituições de outros países, passa de 43% em 2008 para 55% em 2018. Além da política de cooperação da UE, o aumento de temas de interesse internacional e a maior valorização de trabalhos com dados comparativos e perspectivas de diferentes países corroboram para os avanços científicos e para os resultados apresentados. Apesar do olhar positivo para a cooperação internacional, não se deve desconsiderar possíveis fatores negativos como o aumento da concorrência entre as IES e a maior pressão dos docentes para produções académicas inovadoras (DGEEC, 2020).

Num contexto mundial onde cresce a importância e dependência das investigações tanto para a carreira do docente quanto para os processos de avaliação, acreditação, financiamento e ranquiamento das IES, o conflito entre as atividades de ensino e investigação fica cada vez mais acentuado. Realidades como o subfinanciamento crónico, a não abertura de concursos, a não aposentação e várias outras razões somadas à

possibilidade legal de contratação de docente extraquadro a termo certo permite desvirtuamentos e potencializa a precariedade das carreiras docente e de investigador34

(carreiras de funções intrinsecamente ligadas).

Uma dinâmica de vínculos precários com uma multiplicidade de contratos e bolsas de investigação35 acaba por muito contribuir (ou condicionar) para o aumento da produção

científica. Enquanto o processo se torna inexorável, docentes e investigadores veem potencializadas as exigências e as dicotomias (Chauí, 2003; Magalhães, 2006; Vale, 2019). Para Magalhães (2006, p.15), “Num certo sentido, o ensino superior esteve sempre em crise, mas, presentemente, está a confrontar-se com dilemas com que porventura antes jamais se havia tão radicalmente confrontado.”

As peculiaridades da relação entre as atividades de ensino e investigação podem ser analisadas de várias formas e perspectivas e devem ser discutidas. Estudo realizado pela DGEEC (2017a) busca apresentar a população docente36 que, em simultâneo com a

atividade letiva em uma IES, são membros de unidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Apesar da FCT não ser a única, é a principal entidade financiadora em Portugal e representa um bloco significativo de entidades executoras de I&D (sobretudo no ensino superior37), podendo

ser considerada como um primeiro indicador da intensidade das atividades de I&D do corpo docente das IES.

Verifica-se nos resultados um percentual bem maior de docentes integrados em unidades de I&D financiadas pela FCT no ensino superior universitário do que no politécnico. A natureza distinta dos dois tipos de ensino (mais direcionada para a criação de

34 Para Vale (2019, p.3) “as carreiras universitárias perderam a sua solidez e estão tão líquidas quanto a sociedade líquida de Bauman: os mais novos são precários, alguns de facto já não tão novos assim e muitos, seguramente, já estão a meio da sua carreira segmentada por muitos contratos e bolsas; muitos dos que estão na carreira comme il faut não progridem e são eternos professores auxiliares; outros são reformados e continuam a ocupar os mesmos lugares de sempre.” (...) Ter-se consciência que, por melhor que se faça, isso não parecer ser determinante para a estabilidade profissional.”

35 A fim de reduzir a precariedade e garantir alguns direitos sociais, o Decreto Lei n. 57/2016 e a Lei n. 57/2017 preveem a substituição das bolsas de investigação dos doutorados por contratos de trabalho após 6 anos. Além da investigação, a docência também apresenta suas precariedades, com investigadores que lecionam gratuitamente (por currículo ou na expectativa de um contrato futuro) ou como professores extraquadro (Chauí, 2003; Vale, 2019; WHO, 2018; ILO, 2017).

36 Vale considerar que, não foram incluídos no estudo os docentes de IES militar ou policial e as bases de