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Análise de imagem dos autorretratos de Telma Saraiva

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

ANYLAN BEZERRA DA SILVA

ANÁLISE DE IMAGEM DOS AUTORRETRATOS DE TELMA SARAIVA

Natal 2018

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ANYLAN BEZERRA DA SILVA

ANÁLISE DE IMAGEM DOS AUTORRETRATOS DE TELMA SARAIVA

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Licenciada em Artes Visuais.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa.

Natal 2018

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ANYLAN BEZERRA DA SILVA

ANÁLISE DE IMAGEM DOS AUTORRETRATOS DE TELMA SARAIVA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Licenciada em Artes Visuais.

Natal, _____ de _________________ de _______.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa. (Orientadora)

______________________________________________________________ Prof. José Veríssimo de Sousa

______________________________________________________________ Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho

NATAL 2018

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Ana Yacy e Luiz Cláudio.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à minha família, em especial aos meus pais Ana e Cláudio por sempre apoiarem meus projetos e decisões, e que mesmo diante de situações adversas, me encorajaram a nunca desistir dos meus sonhos. Agradeço a minha avó Helena, pelos primeiros incentivos à busca pelo conhecimento no campo das artes. Meus tios e padrinhos Sérgio e Railene por todo suporte. A Rosineide Maria (Netinha) que sempre me incentivou a tentar ser uma pessoa melhor, e a Dida por sua companhia e amparo nos últimos anos.

A minha orientadora, Maria Helena Braga e Vaz, pela confiança, e por me auxiliar em toda elaboração deste projeto. Meus sinceros agradecimentos a todos os professores que me auxiliaram durante o decorrer do curso, principalmente os professores Artur Souza, Fernando de Paiva e Vicente Vitoriano que me incentivaram e contribuíram com sugestões para este trabalho. E ao professor Titus Riedl (da Universidade Regional do Cariri-URCA) por todo apoio e contribuição às pesquisas referentes à técnica da Fotopintura.

Um agradecimento aos meus colegas do curso de Licenciatura em Artes Visuais: Ana Beatriz Amorim, Aeverton Dantas, Andreza França, Evana Macedo, Elisiana Gomes, Fabrícia Luana, Ingrid Montinegro, Josivaldo Avelino, José Valter, Pedro Alberto, Lúcia Helena, Samir Costa, Valeska Lima e Veruza Ferreira que fizeram parte dessa trajetória, dividindo experiências e vivenciando momentos de descontração e conquistas. E aos amigos, Brenda Rocha, Eduardo Lopes, Flawber Freitas e Heron Bezerra, pelo apoio e incentivo.

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Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta.

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RESUMO

Este trabalho se constitui em uma pesquisa sobre a técnica da fotopintura, com o foco na análise de imagem dos autorretratos produzidos pela artista Telma Saraiva (1929-2015), e teve como objetivo a compreensão da produção de autorretratos, as etapas e a interpretação da mensagem visual de cada imagem. Para isto, discutiu-se o conceito de representação, por meio do processo de produção de retrato e autorretrato nos campos pictórico e fotográfico, e ainda as necessidades e as etapas da produção de uma fotopintura. Com base na metodologia de análise de imagem desenvolvida por Martine Joly (1994), foi realizada uma contextualização histórica, social e cultural das produções de Telma Saraiva, a seleção e a descrição de elementos plásticos e icônicos de cada imagem. A identificação desses elementos visuais, possibilitou a interpretação das obras, bem como do conjunto de obras selecionadas, evidenciando a complexidade da produção de cada etapa dos autorretratos de Saraiva. Esse trabalho também expõe uma ação pedagógica sobre a história do retrato e as etapas da fotopintura, evidenciando a importância desses temas para o contexto do ensino das artes visuais.

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ABSTRACT

This work results from a research on the technique of photopainting, with the focus on the analysis of the image of self portraits produced by the artist Telma Saraiva (1929-2015). The objective here is to understand the production of self portraits, in its production phases and the interpretation of the visual message taken from each image. So, the concept of representation has been discussed through the process of production of portraiture and self-portraiture in the pictorial and photographic fields, as well as the needs and stages of the production of a photopainting. Based on the image analysis methodology developed by Martine Joly (1994), a historical, social and cultural contextualisation of Telma Saraiva's productions was carried out, as the selection and description of plastic and iconic elements of each image. The identification of these visual elements allowed the interpretation of the works as well as the set of selected works, evidencing the complexity of the production of each stage of their self-portraits. This work had also developed a pedagogical practice on the history of the portrait and the stages of the photopainting, evidencing the importance of this study for the context of visual arts teaching.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - David Allan Scottish, A Origem da Pintura. 1745. Galeria Nacional da Escócia ... 16 Figura 2 - Maurice Quentin de La Tour, Retrato do Rei Luís XV. 1748. Museu do Louvre ... 19 Figura 3 - J. H. Gillespie Retrato da Senhora Gernian, 1815. Aquarela e goma arábica em papel. Coleção de Candice Hern... ... 19 Figura 4 - Albrech Durer, Autorretrato, 1500, Óleo em painel de Madeira. Alte Pinacoteca...21 Figura 5 - Rembrandt Van Rijn, Autorretrato como Apóstolo Paulo. 1661. Óleo sobre tela. Museu Rijs... ... 22 Figura 6 - Frida Kahlo, A Coluna Partida. 1944. Óleo sobre tela. Museu Dolores Olmedo ... 24 Figura 7 - Athanasius Kircher, Grande Câmera Obscura Portátil, 1646. Coleção Gernsheim. Centro de Pesquisas Humanitárias Harry Ransom. Universidade do Texas em Austin ... 25 Figura .8 - Joseph Niépce, 1826. Primeira Fotografia. Coleção Harry Ransom Center's Gernsheim, Universidade do Texas em Austin ... 27 Figura 9 - Antoine Fraçois Jean Claudet, Retrato de uma mulher, 1846. Fotografia. Coleção The Royal Photographic Society ... 30 Figura 10 - André Adolphe Eugène Disdéri, Impressão de negativo de Cartão de Visita, 1860. Coleção George Eastman House, Rochester, Nova Iorque ... 31 Figura 11 - Cartaz “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”, 1888. ... 33 Figura 12 - Hippolyte Bayard, O Afogado.1840. Autorretrato fotográfico ... 35 Figura 13 - Cindy Sherman, Untitled Film Still #21. 1978.Autorretrato fotográfico 37

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Figura 14 - Oscar Gustave Rejlander, As Duas Formas de Vida, 1857, Fotografia.

Coleção The Royal Photographic Society ... 42

Figura 15 - Júlio Santos. Fotopintura. Acervo pessoal ... 45

Figura 16 - Titus Riedl. Fotopintura. Acervo Pessoal ... 49

Figura 17 - Júlio Santos, Alexandre.2013. Fotopintura digital... 50

Figura 18 - Estampas Lever Astros Do Cinema (1940) ... 54

Figura 19 (a) - Revista A Cena Muda (1947)... 55

Figura 19 (b) - Revista A Cena Muda (1952)...55

Figura 20 - Autorretrato de Telma Saraiva. Fotopintura. Arquivo Pessoal...59

Figura 21(a) - Paletas de cores do plano primário referente a figura 20 ... 60

Figura 21(b) - Paletas de cores do plano secundário referente a figura 20 ... 60

Figura 22 - Autorretrato de Telma Saraiva. Fotopintura. Arquivo Pessoal ... 61

Figura 23(a) - Paletas de coresdo plano primário referente a figura 22 ... 62

Figura 23(b) - Paletas de cores do plano secundário referente a figura 22 ... 62

Figura 24 - Autorretrato de Telma Saraiva. Fotopintura. Arquivo Pessoal ... 63

Figura 25(a) - Paletas de cores do plano primário referente a figura 24 ... 64

Figura 25(b) - Paletas de cores do plano secundário referente a figura 24 ... 64

Figura 26 - Autorretrato de Telma Saraiva. Fotopintura. Arquivo Pessoal ... 65

Figura 27(a) - Paletas de cores do plano primário referente a figura 26 ... 66

Figura 27(b) - Paletas de cores do plano secundário referente a figura 26 ... 66

Figura 28 - Autorretrato de Telma Saraiva. Fotopintura. Arquivo Pessoal ... 67

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SUMÁRIO

Página

INTRODUÇÃO ... 13

1 REPRESENTAÇÃO: DA PINTURA À FOTOGRAFIA ... 15

1.1 O retrato pictórico ... 16

1.2 Autorretrato pictórico e a consciência de si ... 20

1.3 Da câmara escura à primeira imagem fotográfica ... 24

1.4 A imagem fotográfica como cópia da realidade ... 28

1.5 O desejo pelo retrato fotográfico ... 29

1.6 Autorretrato fotográfico: entre a identidade e a encenação ... 34

2 FOTOPINTURA ... 39

2.1 O retrato fotográfico e a pintura ... 40

2.2 Fotopintura no Brasil ... 43

2.3 As etapas da fotopintura ... 45

3 TELMA SARAIVA ... .51

3.1 Processo metodológico ... 51

3.2 Contextualizando a produção das obras ... 52

3.3 Análise dos autorretratos de Telma Saraiva ... 58

3.4 Interpretação do conjunto de obras ... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...73

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13 INTRODUÇÃO

Na atualidade lidamos com a produção e o consumo de imagens com grande naturalidade. A fotografia, como pertencente ao campo das imagens, é cada vez mais difundida, acompanhando a evolução tecnológica da câmera fotográfica que vem transformando a produção de fotografias em um fenômeno cada vez mais acessível. A acessibilidade e a facilidade na produção de uma imagem fotográfica abriram espaço para a discussão de outro fator, a manipulação de imagem.

A manipulação de imagens fotográficas tornou-se algo muito comum nos dias atuais, popularizada por softwares como o Photoshop. Essas manipulações das imagens levam ao questionamento da imagem fotográfica como imagem do real. Antes mesmo da criação de softwares de computador específicos, que auxiliam na manipulação de imagens, já existiam possiblidades de alteração de fotografias, por meio de retoques, acréscimo ou retirada de elementos na imagem.

Considerada uma criação de André Adolphe Eugéne Disdéri, em 1863, a técnica conhecida como fotopintura se popularizou no Brasil durante as décadas de 1940 a 1980, mas atualmente é um ofício quase em extinção. O gênero “retrato” destacou-se na técnica. Durante o período em que se popularizou, a fotopintura fez parte da vida de muitas famílias, pois muitos retratos individuais e retratos de famílias foram elaborados, tornando-se uma maneira de perpetuação artística de imagem deste ou daquele indivíduo ou desta ou daquela família.

O Nordeste brasileiro se apresentou como um terreno fértil para o desenvolvimento e a popularização da fotopintura. Em um tempo em que papeis fotográficos e os filmes coloridos eram de difícil acesso nas cidades do interior nordestino, a fotopintura tornou-se uma opção para a colorização das imagens fotográficas produzidas em preto e branco. Entendida como um diálogo entre fotografia e pintura, as fotopinturas exerceram um papel social muito importante. Diferentemente da fotografia documental, a fotopintura não esconde seu caráter de retoque e manipulação. A importância de seu papel social está principalmente ligada à questão do retoque proporcionado pela pintura. Era muito comum o acréscimo, como complemento da imagem fotográfica de alguém, de elementos como joias, trajes e adereços às pessoas fotografadas, além de outros retoques estéticos como, por exemplo, a diminuição das rugas na imagem dos indivíduos fotografados, alteração

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no penteado e na maquiagem, etc. Isso acarretava, na transformação da fotografia, numa imagem idealizada.

Na cidade do Crato, interior do Ceará, uma mulher, Telma Saraiva, destacou-se por destacou-seu trabalho de fotopintora. Telma Saraiva (1929-2015) começou a produzir fotopinturas na década de 1940. Filha de Júlio Saraiva, na época um dos fotógrafos mais renomados no Crato, Telma Saraiva aprendeu com o pai a técnica da fotografia e também o seu amor pelo cinema. Assinante da revista A Cena Muda, Telma Saraiva viu em uma das edições da revista, um anúncio de uma tinta americana específica para pintura de fotografia e a encomendou, começando a praticar a técnica nas fotografias produzidas por seu pai.

A técnica da fotopintura não exigia que o fotopintor fosse um fotógrafo profissional, pois a fotografia já era recebida do cliente, que normalmente a tinha adquirido dos fotógrafos de Lambe-Lambe ou fotógrafos ambulantes. Autodidata, Telma Saraiva além de exercer o ofício da fotopintura, provavelmente por uma forte influência do pai, tornou-se fotógrafa, e assim acabou por participar de todo o processo de produção de suas fotopinturas.

Telma Saraiva desenvolveu um trabalho que se diferenciava do de outros artistas do gênero. Paralelamente a um trabalho que produzia fotopinturas de noivas, debutantes e crianças, a artista fazia autorretratos também utilizando a técnica da fotopintura. A análise de suas obras apresentada nesse trabalho permite a investigação das especificidades da técnica, do seu processo de construção de cada autorretrato, além de abrir espaço para a discussão sobre os referenciais utilizados pela artista para a produção de imagens de si mesma, introduzindo elementos como vestimentas, acessórios e maquiagens utilizadas pelas atrizes do cinema hollywoodiano.

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15 1.REPRESENTAÇÃO: DA PINTURA À FOTOGRAFIA

Desde os primórdios da história da humanidade os seres humanos buscam explorar elementos na natureza com a intenção de registrar, marcar ou representar a si mesmo, compreendendo a pintura como uma arte de representação. Segundo Rudel (1950), princípio da pintura pode ser compreendido com as primeiras tentativas do homem de encontrar meios na natureza que possibilitassem a fixação da cor. Desde a utilização dos primeiros pigmentos extraídos de argilas e óxidos de ferro, na Pré-história ao desenvolvimento da pintura na atualidade, há o predomínio da cor como característica principal desta arte.

A pintura nem sempre foi compreendida como uma arte de deleite, mas sempre funcionou como uma espécie de vestígio, servindo como um símbolo que, ao se associar a determinados códigos, resulta numa tentativa de “representação do mundo natural”. Rudel defende que a pintura “assegura uma função mágica, é tomada do real que o pintor pôde evocar de maneiras diversas”. (RUDEL,1950, p.19)

Ainda segundo Rudel (1950, p.17), a pintura pode ser resumida no uso de quatro elementos: “um suporte, uma preparação, pigmentos e um líquido para diluir, fixar e algumas vezes proteger esses últimos”. A evolução da pintura ao longo dos anos possibilitou o desenvolvimento de diversos processos que vão desde os afrescos à pintura a óleo, podendo o pintor se expressar por diferentes técnicas e materiais.

De acordo com Dubois (1994), a essência da pintura estaria na necessidade de representação, o desejo de perpetuação de uma imagem, como uma maneira de garantir a possível presença de algo ou alguém. O autor destaca as ideias de Plínio, o Velho, no livro de número 35 da série intitulada História Naturalis, que por meio de uma fábula tenta delimitar a essência da pintura pela necessidade de representação:

Plínio conta-nos de fato a história da filha de um oleiro de Sícion, chamado Dibutades, apaixonada por um rapaz, que um dia tem de partir para uma longa viagem. Quando da cena de despedida, (Figura 1), (vê-se quanto essa história já é de imediato da origem da representação, da encenação, da narrativa, da ficção), os dois amantes estão num quarto iluminado por um fogo (ou por uma lâmpada) que projeta na parede a sombra dos jovens. A fim de conjurar a ausência futura de seu amante conservar um traço físico de sua presença atual, nesse instante preciosos, todo tenso de desejo e medo, à moça ocorre a ideia de representar na parede com carvão a silhueta do outro aí projetada: dessa maneira nasceu a pintura (DUBOIS,1994, p.118).

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16 Figura 1 David Allan Scottish, A Origem da Pintura. 1745. Galeria Nacional da Escócia.

Fonte:<https://www.nationalgalleries.org/art-and-artists/29630/origin-painting-maid-corinth>

1.1 O retrato pictórico

Segundo VIEIRA (2012, p. 39) as definições de retrato são amplas, mas pode-se definir espode-sencialmente, como uma imagem que pode pode-ser bi ou tridimensional. O autor considera o retrato como uma imagem “representativa da individualidade de uma pessoa ou de um personagem imaginário”, havendo também os retratos coletivos. No retrato convencional há uma busca por alcançar a maior semelhança dos traços fisionômicos do retratado, e são evidenciadas principalmente características físicas do rosto do indivíduo. Destaca-se como “signo essencial da identidade”:

[...] uma representação da individualidade do próprio autor, e, portanto, pressupõe-se que funcione como uma reflexão sobre o universo particular do mesmo (VIEIRA, 2012, p.39).

Para Simão (2005, p.26), a grande importância do retrato estaria na atribuição da “ilusão de que o retrato faz perpetuar o indivíduo”, sendo assim, pode-se entender que a pintura buscou, pela representação da imagem do homem, evidenciar as características fisionômicas na tentativa de garantir sua imagem para a eternidade,

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fazendo com que a pintura de retratos funcionasse como uma espécie de simulacro, uma evocação do retratado pela imagem.

Os rostos que carregam as expressões da alma, assim como as paisagens repletas de significados, sempre foram os modelos mais aclamados do universo pictural, por clamarem pelo resguardo do “sagrado” (Benjamin,1986, p.94), características que tende à espiritualidade e leva o homem a venerar a obra de arte (SIMÃO, 2008, p.26).

O rosto tem sido interpretado como elemento de identidade do sujeito é ao que Monteiro (2014, p. 36) refere-se como “índice da mente”, isto é, o rosto tem supostamente o poder de comunicar sobre a personalidade do retratado. A necessidade pela busca da verossimilhança dos traços fisionômicos exprime um valor de autenticidade do retratado, a evocação de sua verdadeira identidade. Apesar das prováveis pretensões de explorar características da personalidade do retratado, elementos como a pose são limitadores sobre a compreensão do eu do indivíduo retratado, já que, a pose surge como uma máscara, “da qual o indivíduo se encena, se cristaliza, se compõe para ser apresentado a outro, pelo qual pretende ser percebido e valorizado” (MONTEIRO, 2014, p.37).

A idealização do retrato se baseia na consciência da representação de si perante o outro, isto é, uma imagem que tem como função ser contemplada, ou analisada pelo olhar de outra pessoa. Assim, as produções dos retratos refletem as convenções estéticas da época, “fruto de uma tentativa de adequações a um código de comportamentos”(MONTEIRO, 2014, p.35):

Os retratos existem, portanto, como uma mediação entre a arte e a vida social, revelando na sua forma a tentativa de adequar a sua natureza estética às normas sociais, uma vez que tanto o artista quanto o retratado estão, necessariamente, envolvidos no sistema de valores de sua sociedade (MONTEIRO, 2014, p. 35.).

Segundo Santos (2010), os primeiros retratos registrados na pintura são conhecidos como retratos de Fayum, entre o século II e o século IV a.C. Esses retratos eram produzidos em painéis de madeira, e eram colocados na parte exterior do sarcófago, próximo do rosto do falecido, utilizados como forma de perpetuar a imagem de membros falecidos da nobreza. Já na Idade Média o papel da pintura de retrato estava em registrar as coroações de reis, e eram feitos em painéis, em grandes

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murais. Mas, para o autor, é no Renascimento, entre os séculos XVI e XVII que acontecem grandes transformações no gênero.

É na Renascença, que acontecem transformações de ordem sociais, econômicas e científicas. As mudanças possibilitadas pelo movimento humanista provocam novas concepções de como o homem se vê no mundo. O crescimento da burguesia comercial, promove maior interação das atividades econômicas entre as cidades europeias. No campo das artes, a pintura apresenta temas mais diversificados, grande desenvolvimento de técnicas de pintura à óleo, e a forte laicização das representações no campo das artes.

Segundo Machado (1984), é no Renascimento que o ser humano busca aparelhos que possibilitem uma “representação por meio de máquinas”, almejando uma imagem cada vez mais objetiva. Um outro fator importante é a descoberta de um sistema de representação chamado perspectiva artificialis que possibilitava a produção de uma imagem com maior fidelidade em relação ao mundo real visto. O autor afirma que essa perspectiva era um sistema que fornecia um forte “sugestão ilusionista de profundidade com base nas leis objetivas do espaço formuladas pela geometria euclidiana” (MACHADO,1984, p.63).

Perspectiva artificialis consistia num sistema de projeções geométricas destinadas a representar relações tridimensionais no plano bidimensional, - só que ela o fazia organizando todas as linhas perpendiculares ao plano da representação em torno de um único ponto, chamado ponto de fuga (MACHADO,1984, p.63).

A exploração de meios óticos, e a busca de uma imagem mais objetiva, caminha com a produção dos retratos, tornando a execução destes cada vez mais mecânica. A produção de retratos se destina a uma relação de representação ligada ao atestado de poder, de uma pequena parcela da sociedade: a nobreza. A produção deste torna-se uma maneira de demonstrar a importância social do retratado e, assim, o retrato propaga-se entre as famílias aristocratas, como forma de representação da linhagem familiar.

De acordo Fabris (2004) é somente durante os reinados de Luís XV (Figura 2) e Luís XVI que o retrato começa a ser produzido para membros da burguesia. Os anseios da sociedade burguesa por uma forma de representação pictórica se baseavam no interesse de afirmação de ascensão e crescimento econômica e social

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desta classe. Apesar do desejo de representação, semelhante aos meios oferecidos à aristocracia, o retrato burguês utiliza outros formatos, como o retrato de miniatura como na Figura 3, que era “regido pela idealização do rosto; pela silhueta, que consistia em recortar um perfil num papel” (FABRIS, 2004, p.28). A busca por uma imagem mais verossímil explorava meios de utilizar aparatos técnicos, afim de que fosse evidenciada a fidelidade dos traços fisionômicos no retrato pictórico, tendência presente até o século XIX, quando surge a fotografia.

Figura 2 Maurice Quentin de La Tour, Retrato do Rei Luís XV. 1748. Museu do Louvre. Fonte: <https://bit.ly/2JihEuu>

Figura 3 J. H. Gillespie Retrato da Senhora Gernian, 1815. Aquarela e goma arábica em papel. Coleção de Candice Hern.

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Para Bastos (2014, p. 129), o retrato que significou durante séculos “um ato simbólico que permitia indivíduos das classes sociais mais elevadas tornarem-se visíveis, sofre uma democratização”. Assim, à medida que a sociedade burguesa crescia economicamente, criavam-se novas técnicas para a produção e representação por meio do retrato.

O desenvolvimento e a difusão de outros meios pictóricos como a gravura, e desenvolvimento do uso de aparelhos óticos como a câmara escura, por exemplo, no contexto da Revolução Industrial, possibilitou o surgimento de um novo meio, a fotografia, que aparece como um meio “da representação e autorrepresentação do indivíduo em consequência da crescente necessidade de personalização da burguesia”, influenciando e alterando completamente o valor do retrato pictórico. (FABRIS, 1991, p. 28).

1.2 Autorretrato pictórico e a consciência de si

O ser humano tem mostrado uma forte tendência, na tentativa de se colocar no mundo, reproduzir sua imagem e também perpetuá-la. As definições e conceitos sobre o autorretrato são diversas. Segundo Canton (2004), o homem, desde a pré-história, pintava suas mãos em paredes das cavernas, deixando marcada sua própria imagem. O autorretrato também pode ser definido como um retrato do artista feito pelo próprio artista e considerado um subgênero do retrato.

Embora existam autorretratos datados desde os tempos mais antigos, foi no Renascimento, em meados do século XV, que os artistas começaram a retratar a si próprios com mais frequência. Para Botti (2005, p. 21) é no Renascimento que a produção de autorretratos se torna sistematizada, isto seria consequência da forte “laicização” da pintura com as figuras religiosas, tornando o ser humano o centro dessas representações.

Como gênero, o retrato tornou-se mais frequente nas produções artísticas, e era, na sua grande maioria, de figuras importantes da época. O autorretrato aparecia como uma maneira do artista também se representar. O autorretrato, como um subgênero do retrato, surgia como prática, conferindo ao artista uma importância que o distingue além de um mero artesão, revelando a consciência do artista sobre a

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importância de perpetuar sua própria imagem. Assim “ele passou a ser considerado alguém que valia a pena ser representado, afirmando socialmente sua importância através da autorrepresentação” (BOTTI, 2005, p. 21).

Figura 4 Albrech Durer, Autorretrato, 1500, Óleo em painel de Madeira. Alte Pinacoteca. Fonte: <https://bit.ly/2Jc4H9g>

Faz-se necessário recordar que é no Renascimento o momento em que há a exploração e o desenvolvimento de meios ópticos para diversos fins. Para Botti (2005, p. 21), outro fator que confere a exploração do subgênero autorretrato no período seria a propagação da utilização de espelhos, que “acompanham a necessidade social do indivíduo de debruçar o olhar sobre si mesmo” refletindo esse fenômeno no campo das artes e da ciência. A autora destaca que em várias culturas o espelho estaria relacionado a uma ideia de autoconhecimento, e de maneira metafórica, há uma agregação do sentido de autorretrato como um “espelho do artista”.

Nascido na Alemanha, Albrecht Dürer (1471-1528) foi um dos primeiros a realizar uma série de autorretratos. Segundo Pessoa (2006, p. 4), as produções de seus autorretratos são datadas de 1493 a 1500, sendo o último feito aos 28 anos

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(Figura 4), representando-se com uma “pose caraterística de Cristo”, como um “jogo de aparências em que a ilusão o despista dele mesmo e, ao mesmo tempo, dá um caráter icônico e divino em seu próprio retrato”. Mesmo se representando com semelhanças à imagem comumente propagada na pintura dessa época, como sendo de Cristo, Dürer revela em escrituras que se trata de uma pintura de si mesmo.

Outro artista que pode ser destacado é o holandês Rembrandt (1606-1669). Ele também desenvolveu inúmeros autorretratos, que eram elaborados mostrando diferentes períodos de sua vida. Segundo Avancini (2006, p.127) as produções dos autorretratos por Rembrandt podem ser divididas em três fases: juventude, adulto e idoso. Essa tendência por uma grande produção de autorretratos não era comum na época, o que pode ser interpretado como “uma busca solitária de autoconhecimento e de desvendamento do eu” (Avancini, 2008, p.121), antecipando uma tendência que viria a ser explorada posteriormente no romantismo.

Figura 5 -. Rembrandt Van Rijn, Autorretrato como Apóstolo Paulo. 1661. Óleo sobre tela. Museu Rijs.

Fonte: <https://bit.ly/1FPjfDO>

Segundo Avancini (2006, p. 127), na terceira fase, Rembrandt já idoso, são acentuadas características como as marcas de expressão no rosto, que eram na época uma maneira de enaltecer “uma personalidade intelectual de alguém ocupado com o pensamento e atividades da inteligência”.

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Em 1661, Rembrandt se representa por meio de um autorretrato com semelhanças à imagem do apostolo São Paulo, carregando um livro e uma espada (Figura 5). Apesar da pretensão de objetividade e mecanicidade prevalentes na pintura nessa época, Rembrandt fazia a utilização de elementos carregados de simbologia para compor seus autorretratos. Avancini (2006, p. 128) atesta a importância do artista como ícone para na produção pictórica de autorretratos:

Esse conjunto de imagens é o testemunho do percurso de um dos mais admiráveis e criativos pintores do ocidente, que soube aproveitar as lições da tradição que recebeu. Incorporar os ensinamentos dos artistas italianos de destaque em sua época e, também, ousar inventar soluções novas dentro das tradições recebidas, atingindo uma maestria incomparável no domínio técnico e abrindo caminho para uma pintura mais interpretativa dos anseios humanos em sua dimensão psicológica.

Avancini (2006, p. 124) ressalta que na época de Rembrandt, o autorretrato ainda não era reconhecido como um subgênero, mas como “Retrato de Rembrandt pintado por ele mesmo”. É somente no século XIX que esta ideia de modifica:

A concepção de autorretrato só aparece no século XIX com o romantismo, quando se torna usual na literatura e na cultura em geral, a dimensão interior do indivíduo e cresce o interesse pela subjetividade alicerçada na sensibilidade pessoal, fruto da educação e do refinamento dos comportamentos (AVANCINI, 2006).

As mudanças deste subgênero acompanham o desenvolvimento de técnicas e diversos processos artísticos. É no fim do século XIX, com o surgimento de uma nova forma de representação, a fotografia, que a autorrepresentação pictórica é atingida por grandes modificações. O surgimento da fotografia abre possibilidades para a criação de pinturas sem a idealização da perspectiva e verossimilhança tão exploradas durante séculos pela pintura.

Com o advento da fotografia, a pintura ficou liberada de sua missão de reproduzir fielmente a realidade, tanto no retrato, quanto em objetos e paisagens. Os artistas ficaram, então, livres para criar, usando à vontade formas e cores em seus quadros, tornando visíveis, dessa maneira, também suas emoções (CANTON, 2004).

Assim, já no século XX, artistas de vanguardas como Frida Kahlo, Salvador Dali e Picasso, também desenvolveram autorretratos. A artista Frida Kahlo que durante sua vida passou por uma série de tristes acontecimentos. Um deles foi quando sofreu um acidente de bonde que deixou marcas severas em seu corpo. No período de

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recuperação do acidente, Frida Kahlo produziu uma grande quantidade autorretratos (Figura 6), uma espécie de biografia de sua recuperação. Esses autorretratos, diferentemente dos de Rembrandt, não seguem as concepções de uma perspectiva idealizada pela busca da verossimilhança.

Figura 6 – Frida Kahlo, A Coluna Partida. 1944. Óleo sobre tela. Museu Dolores Olmedo. Fonte: <https://bit.ly/2qoQYRO>

1.3 Da câmara escura à primeira imagem fotográfica

O que viria a ser o princípio da criação da fotografia, denominado de câmera obscura ou câmera escura, é um aparelho ótico utilizado desde os tempos mais antigos. Thomaz Harrell (2005) destaca que não é possível dizer com precisão quando a câmara foi inventada, mas segundo o historiador alemão, Kalus op-tem Hoefel, seu princípio já era conhecido na Grécia antiga, por Aristóteles (384-322 A.C.), o qual descrevia o princípio da formação das imagens no momento da passagem de luz em pequenos orifícios. Porém, sua utilização prática é mencionada por Ibn Al Haitam para a observação de eclipses solares, na corte de Constantinopla no ano 1038. O interesse pelos princípios da câmara escura durante séculos promoveu avanços no aparato, que funcionava da seguinte forma:

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25 Originalmente, a câmara escura de orifício era uma caixa ou melhor, um quarto escuro (de onde o nome câmara), no qual uma das paredes possuía um pequeno orifício por onde passava um filete de luz. Este filete de luz penetrando pelo orifício projetava na parede oposta, uma imagem do que se encontrava do lado de fora (HARREL, 2005, p. 5).

Figura 7 -. Athanasius Kircher, Grande Câmera Obscura Portátil, 1646. Coleção Gernsheim. Centro de Pesquisas Humanitárias Harry Ransom. Universidade do Texas em Austin.

Fonte: <https://bit.ly/2JdPlRC>

Harrell (2005) aponta que os dois séculos que antecederam a criação da fotografia (XVII e XVIII) houve um intenso interesse pela natureza do funcionamento e dos princípios da câmara escura. Até o fim do século XVIII as câmaras escuras eram utilizadas para os fins mais diversos como “ampliar transparências”, e como aparato auxiliar para artistas fazerem desenhos e pinturas, como na Figura 7. Este período foi marcado por avanços no desenvolvimento de aparelhos ópticos aos que Harrell chama de “emergente voracidade do ver”: “As lunetas, os telescópios, os microscópios, a câmara escura, a gravura, as pinturas, representam uma crescente necessidade do homem de ver e de conhecer seu mundo desde o microcosmos até os macrocosmos” (HARREL,2005, p. 5).

O crescimento do uso de elementos óticos acompanha o ser humano desde o Renascimento. As imagens refletidas dentro da câmara escura impressionavam quem as via por sua fidelidade com o real e sua verossimilhança. Para Kubrusly (1983, p.22), a câmara escura foi um dos principais elementos para a construção da câmara fotográfica, apesar de não deter o poder de captação das imagens refletidas. Assim, “não era possível pegá-las nem podiam ser guardadas para serem depois

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contempladas” gerando desejo por encontrar materiais fotossensíveis que pudessem fixar os reflexos projetados, e poder guardá-los para o futuro.

No século XIX, os países da Europa e da América do Norte passam por um processo de transição, um período marcado por transformações sociais, econômicas e científicas. A fotografia desenvolve-se em plena Revolução Industrial. Com o advento da produção em larga escala, substitui-se o trabalho artesanal por processos mecânicos que modificavam o modo de produção e consequentemente as formas de ver e fazer imagem. Flores (2005, p. 101) destaca que as raízes dos processos fotográficos estariam baseadas numa necessidade gerada pela industrialização:

A câmara e a fotografia são produtos diretos da necessidade capitalista de um mercado de concorrência e consumo baseado na reprodutibilidade, no automatismo e na mecanicidade, estendido ao âmbito da produção de imagem.

Em relação à busca dos materiais fotossensíveis, Machado (1983) referiu-se como apenas um dos elementos para a efetivação dos processos fotográficos: “A descoberta da sensibilidade à luz de algumas substâncias, tais como o betume da Judeia ou compostos de prata, nos séculos XVIII e XIX, veio solucionar esse problema e representou o segundo grande passo decisivo na invenção da fotografia”. Machado ainda acrescentou que a fotografia é então, “o cruzamento de duas descobertas distintas no tempo e no espaço” (Machado,1983, p.38).

Nomeada como Point de Vue Du Gras, a Figura 8 é considerada a primeira fotografia da história, produzida pelo francês Joseph Niépce (1765-1833), no ano de 1826, na França. Segundo Harrell (2005), a imagem foi obtida a partir da utilização da câmara escura e fruto de uma série de experimentos desenvolvidos durantes anos e pesquisas sobre processos de reprodução de imagem comuns na época como a litografia (gravura em pedra); assim como a busca por materiais fotossensíveis e emulsões que pudessem auxiliar na fixação das imagens captadas. A primeira imagem fotográfica precisou de cerca de oito horas para sua captação, e foi feita da cópia de uma gravura em metal sobre vidro. A técnica foi chamada de heliografia.

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27 Figura 8 -. Joseph Niépce, 1826. Primeira Fotografia. Coleção Harry Ransom Center's

Gernsheim, Universidade do Texas em Austin. Fonte: https://bit.ly/2JewYIj

Ainda segundo Harrell (2005), a heliografia despertou o interesse de Louis Jacques Mandé Daguerre, um cenógrafo e artista francês que vivia em Paris. Por meio de correspondências, Niépce e Daguerre iniciam uma sociedade de dez anos na tentativa de desenvolver e avançar a heliografia. A sociedade chegou ao fim com a morte de Niépce, no ano de 1833. Daguerre, então, continuou as pesquisas e as tentativas na busca por processos para a redução do tempo de captação (das iniciais oito horas para 60 minutos) e por imagens mais nítidas. Em 1839, Daguerre patenteou e apresentou o aparato nomeado de Daguerreótipo à L’Acadêmie des Sciènces et Beaux Arts de Paris. Daguerre é considerado o inventor da fotografia por ser o primeiro a lançar e patentear o processo.

Como abordado anteriormente por outros autores, Harrell (2005) afirmou que a fotografia não foi um invento idealizado, mas fruto do desenvolvimento de pesquisas de muitos pesquisadores que paralelamente se interessaram por processos que fixassem as imagens vistas na câmara escura. O anúncio do daguerreótipo implicou em reinvindicações de outros estudiosos como o inglês Henry Fox Talbot (1800-1877) e o francês radicado no Brasil, Antonie Hercule Romuald Florence (1804-1879) pela invenção dos processos fotográficos. O processo desenvolvido por Fox Talbot se diferenciava do processo de Daguerre, pois utilizava um processo conhecido como positivo/negativo que se desenvolveu como uma alternativa vantajosa visto que era possível criar múltiplas impressões, (já que o processo de Daguerre só permitia a

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reprodução de uma imagem de tiragem única pois possibilitava a fotografia em série). Talbot chamou o processo de calotipia.

1.4 A imagem fotográfica como cópia da realidade

Flores (2005) argumenta que praticamente todas as definições iniciais sobre fotografia são pautadas por uma simples fórmula: “FOTOGRAFIA = câmara + luz + materiais fotossensíveis + processo no laboratório”. Para a autora, essas descrições são redutivas e explicavam a fotografia como técnica, não como meio para a produção da imagem fotográfica, entendendo–se que a fotografia é um produto direto de uma máquina. Essas definições se assemelham às primeiras explicações elaboradas pelos seus próprios inventores, como por exemplo, Niépce:

Minha invenção, batizada por mim de “heliografia”, consiste na reprodução automática, por meio da ação da luz, com suas gradações de tons do branco ao preto, das imagens obtidas na câmara escura [...]. Essa é, em poucas palavras, a base de minha invenção [...] (apud FLORES, 2005, p. 90).

Para os críticos e precursores da fotografia, a imagem não carregava o sentido de produção imagética, uma produção subjetiva como a pintura. Fox Talbot, como um dos precursores da fotografia, escreveu em seus livros sobre processos que descrevem seu interesse e desenvolvimento do processo denominado calotipia. Segundo Sontag (1994), Talbot, em seu livro The pencil of the nature (1844-6), registra que a inovação do seu invento estaria baseada na impessoalidade, no registro de uma imagem que ele define como natural, pois era feita somente pela ação da luz, sem a necessidade das habilidades artísticas e utilização de lápis ou pinceis.

De acordo com Dubois (1993), cabiam à pintura e ao desenho, até o século XIX, o papel da representação da realidade. Porém, com o surgimento da fotografia, essas representações passam a ser consideradas expressões subjetivas. Já a fotografia era considerada uma expressão objetiva, mera mimese e cópia da realidade. Colocada em polos de opostos a subjetividade como característica da pintura, e a objetividade sendo o elemento principal da fotografia, Dubois (1994) apud Baudelaire comenta: “A distribuição, portanto é clara: à fotografia, a função documental, a referência, o concreto, o conteúdo; à pintura, a busca formal, a arte, o imaginário ” (DUBOIS,1994 p. 32).

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29 1.5 O desejo pelo retrato fotográfico

Segundo Harrell (2005), o primeiro retrato fotográfico foi feito acidentalmente por Daguerre em 1838, em uma rua de Paris. A imagem mostrava um homem engraxando seus sapatos, captando apenas uma silhueta. O autor afirma que a expectativa por retratos com valor reduzido já era desejada, porém o tempo de captação das imagens fotográficas duravam entre 30 e 45 minutos, o que impossibilitava que as pessoas fossem retratadas, pois requeria a imobilidade total dos modelos para que a imagem resultasse em uma fotografia nítida. Os primeiros retratados utilizaram ganchos para segurar seu tronco e cabeça, não permitindo que eles se movimentassem durante o tempo de fixação da imagem, o que era extremamente desconfortável.

Para Kubrusly (1983), as limitações técnicas, devido aos longos períodos para a captação dessas imagens, deixaram os primeiros temas a serem registrados limitados às paisagens urbanas e naturais e à natureza morta. Para o autor, o avanço da fotografia também se deu em parte pela necessidade do ser humano de ser retratado.

Considerando que as primeiras manifestações relacionadas à imagem fotográfica a definiam como uma representação fiel da realidade, e a câmera era encarada como um aparato que servia para documentação e auxilio cientifico. Fabris (2004) destaca que nesse contexto a produção de um retrato fotográfico era considerada uma forma de registro mais fiel, uma possibilidade de representar a identidade do indivíduo com mais precisão, um documento sem a subjetividade. A autora ressalta que apesar dessa semelhança do indivíduo com a sua imagem, o retrato é produto de uma idealização, e o indivíduo na imagem é apenas exemplo de como se representava naquele instante.

A redução significativa do tempo de captação da imagem possibilitou a criação dos primeiros estúdios fotográficos que se popularizaram rapidamente nos grandes centros urbanos da Europa e das Américas. As imagens produzidas pelo daguerreótipo tinham um custo inferior se comparadas à pintura, porém ainda tinham um custo alto que não era acessível a uma considerável parcela da população. Esse

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fator fazia com que essas imagens produzidas pelo daguerreótipo fossem consumidas majoritariamente por membros da classe burguesa.

Os retratos fotográficos tinham uma função de afirmação para a burguesia, pois até então, a representação por meio do retrato restringia-se a membros da aristocracia. Segundo Fabris (2004, p. 25) esses primeiros retratos fotográficos burgueses continham características como pose e iluminação derivadas da pintura. “O daguerreótipo deriva suas modalidades de representação: o modelo está, em geral, sentado numa pose de meio perfil, recebendo uma iluminação difusa de uma claraboia ou de janelas laterais” e seguiam os mesmos formatos dos retratos pictóricos da burguesia, seguindo a tendência do retrato de miniatura. Eles eram cobertos por um vidro e colocados em caixinhas com molduras, e guardadas como verdadeiras joias. Na Figura 9 ilustra-se esse procedimento.

Figura 9 -. Antoine Fraçois Jean Claudet, Retrato de uma mulher, 1846. Fotografia. Coleção The Royal Photographic Society.

Fonte: <https://bit.ly/2JaONfu>

Verificando que o retrato fotográfico produzido pelo daguerreótipo era acessível somente à classe burguesa, André Adolphe Eugéne Disdéri (1819-1889) inventou um formato de fotografia chamado cartão de visita (Figura 10). Eram oito fotografias produzidas simultaneamente. Essa imagem fotográfica tinha um custo muito inferior em relação às imagens produzidas pelo daguerreótipo, o que provocou a possibilidade do proletariado perpetuar sua imagem. Patenteado por Disdéri em 1854, o cartão de visita provocou um chamado “efeito Disdéri”, suprindo a necessidade de uma grande

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camada da sociedade de obter seus retratos, sendo uma oportunidade do proletariado também atestar sua importância social por meio de uma imagem.

Figura 10 -. André Adolphe Eugène Disdéri, Impressão de negativo de Cartão de Visita, 1860. Coleção George Eastman House, Rochester, Nova Iorque.

Fonte:<https://bit.ly/2sGOKgb>

De acordo com Fabris (1991, p. 91), o retrato fotográfico significava uma forma de afirmação pessoal. O indivíduo retratado tenta oferecer o melhor de si, para que possa perpetuar sua imagem por meio de convenções pré-definidas, associadas a um “conjunto de normas” vigentes na época. O retrato não é simplesmente uma representação do sujeito, mas pode ser analisado com possibilidade de interpretação, inserindo-se no meio social. Houveram críticas ao cartão de visita, pois se fazia uso de elementos teatrais, os ateliês tinham telões pintados e decorações extravagantes, o modelo usava vestimentas que pudessem atestar seu possível “status”, sendo uma espécie de máscara do indivíduo retratado.

Apesar da idealização de cenários e a utilização de elementos cênicos, a encenação nos retratos não fazia com que a fotografia fosse encarada como produto da subjetividade e criação, continuando a enaltecer seu caráter objetivo, prevalecendo a ideia de ferramenta para a documentação. Em 1871, o retrato ganhou mais força

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com a utilização da fotografia pela polícia de Paris, na identificação e catalogação de retratos dos criminosos e da divulgação de suas imagens. Criou-se uma espécie de rede de informações dos centros policiais de diversas cidades francesas. Para Sontag,

Depois de inaugurado seu uso pela polícia parisiense, no cerco aos communards, em junho de 1871, as fotos tornaram-se uma útil ferramenta dos Estados modernos na vigilância e no controle de suas populações cada vez mais móveis. Numa outra versão de sua utilidade, o registro da câmera justifica (SONTAG,1994, p.9).

De acordo com Fabris (1991, p. 48), em 1851, o médico Hugh Welch Diamond começou a desenvolver um projeto com pacientes de um hospital psiquiátrico na Inglaterra. Em 1856, o trabalho foi apresentado como “a aplicação peculiar da fotografia no delineamento da insanidade”. Esses retratos ajudavam (a formular) o laudo dos pacientes, mostrando que o caráter científico da fotografia auxiliava com precisão na descoberta de doenças mentais. Em 1884, propôs a utilização da fotografia para a documentação de tipos de grupos étnicos em Paris. Outros estudiosos utilizaram o retrato fotográfico como forma de estudo sobre fisionomia, fortalecendo seu caráter como papel científico sugerido por Charles Baudelaire. E também a utilização de retratos nos documentos de identidade.

O segundo processo de popularização e massificação da fotografia aconteceu cerca de quarenta e nove anos depois de sua criação. O jovem industrial George Eastman, fundador da empresa Kodak, em 1888, revolucionou o mercado fotográfico com a utilização dos filmes fotográficos e a criação das primeiras câmeras portáteis utilizando o slogan: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto” (Figura 11). O processo criado por Eastman baseava-se no processo de calotipia desenvolvido por Fox Talbot, o negativo/positivo. A questão principal é que não era necessário que o fotógrafo tivesse conhecimento sobre os processos químicos para a revelação e fixação de imagem, já que a própria empresa se comprometia a revelar as imagens em papel, transformando a imagem fotográfica em algo cada vez mais acessível.

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33 Figura 11 – Cartaz Você aperta o botão, nós fazemos o resto,1888.

Fonte: <http://www.curious-eye.com/photography_pg9.php>

Essa facilidade na reprodução das imagens é, para Fabris (1991), um fator que classificava a fotografia como uma imagem de consumo para os críticos e acadêmicos que colocavam a imagem fotográfica no patamar de uma “arte baixa” ou popular, e considerava sua importância insignificante em relação às consideradas artes alta. Fabris cita a crítica de Walter Benjamin à fotografia “visto que era um meio reprodutível em massa e tendia a se tornar cada vez mais popular, quebrando com a ideia de unicidade e autenticidade da aura da obra de arte” (FABRIS, 1991, p.235).

A criação de novos processos fotográficos e o lançamento das câmeras fotográficas portáteis modificou totalmente a indústria fotográfica trazendo uma dependência por parte do público consumidor por essa imagem. A produção da fotografia de retratos no século XX já não depende mais de um fotógrafo profissional. Segundo Sontag (1994.p.10), as pessoas passaram a tratar o retrato fotográfico como algo cada vez mais natural, e menos engessado que os retratos do século XIX, valorizando a imagem fotográfica por um viés de afetividade, uma forma comum de atestar a importância a determinados momentos da família e amigos, na tentativa de “comemorar as conquistas” como aniversários, casamentos e formaturas. As fotografias passaram a ser colocadas em álbuns e traçam a linha do tempo de família de um indivíduo ou grupo.

Nos últimos tempos, a fotografia transformou-se num divertimento que se pratica quase tão amplamente como o ato sexual ou a dança - o que significa que, como toda manifestação artística de massa, ela não é praticada pela

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34 maioria das pessoas como arte. É sobretudo rito social, defesa contra a ansiedade e instrumento de poder (SONTAG,1994, p. 8).

Um passo crucial para a popularização da fotografia foi o surgimento da fotografia digital. Sendo resultado de pesquisas realizadas desde a década de 1970, a fotografia digital ficou disponível no mercado no começo dos anos 1990. Os primeiros processos da fotografia digital já mostravam as grandes diferenças em relação aos processos analógicos: os filmes negativos e elementos químicos passam a ser substituídos por pixels, computadores e sistemas de armazenamento digital. Os avanços tecnológicos modificaram e permitiram que a fotografia seja cada vez mais compacta. A fotografia encontra vários suportes para ser produzida, de celulares a computadores, transformando a produção de um retrato em uma experiência cada vez mais instantânea.

1.6 Autorretrato fotográfico: entre a identidade e a encenação

Como um subgênero do retrato, a produção do autorretrato adota as mesmas concepções e os elementos do próprio retrato, seja na pintura ou na fotografia. Para Dubois (1993), o processo de produção do autorretrato por meio da pintura era um processo restrito, pois ao mesmo tempo em que o artista pintava, ele também se retratava. Sendo assim, os movimentos do corpo eram limitados.

O sujeito poderá limitar tanto quanto quiser os movimentos de seu corpo, sempre haverá algo (seu olho, seu braço) que escapará a essa fixidez se ele quiser que a inscrição se constitua. A mão que desenha, em particular, jamais poderá desenhar-se se desenhando: para isso, ela deveria parar, para imobilizar sua sombra, mas, ao mesmo tempo, também deteria o próprio ato do desenho. Ou, por mais que corra atrás de si mesma, o mais depressa possível, jamais conseguiria se alcançar (DUBOIS, 1993, p. 124).

Ainda de acordo com Dubois (1993), a solução para o problema da autorrepresentação estaria numa forma de representação instantânea. A fotografia, então, viria como uma solução para esta limitação dos processos pictóricos. Além de que os autorretratos fotográficos seriam uma maneira mais acessível para a autorrepresentação. Qualquer pessoa que tivesse conhecimento técnico sobre fotografia poderia produzir um autorretrato.

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Em sua dissertação de mestrado, Mariana Botti, (2005) afirmou que o advento da fotografia possibilitou o crescimento da produção dos autorretratos, já que não se fazia mais necessário um fotógrafo ou artista para a produção da imagem. A autora acrescentou que, no contexto da criação da fotografia, no século XIX, a sociedade passou por grandes mudanças, que provocou alterações na maneira como o indivíduo vê a si mesmo, criando novas relações de autoconhecimento e construção de identidade. Sendo assim, a fotografia passou a ser um importante aliado que possibilitou que o sujeito moderno tivesse acesso a uma representação de si mesmo, como uma maneira de atestar sua importância na sociedade por meio da produção mecânica de sua imagem fotográfica.

Figura 12 – Hippolyte Bayard, O Afogado .1840. Autorretrato fotográfico. Fonte: <https://bit.ly/2LVMLO2>

Em outubro de 1840, Hippolyte Bayard (1801-1887), na França, realizou um dos primeiros autorretratos fotográficos da história intitulado O Afogado (Figura 12), no qual Bayard aparece como se estivesse morto. Não somente um símbolo do começo de uma nova forma de representação, este autorretrato representa o seu objeto (o próprio artista) numa situação fantasiosa, imaginária. Segundo Flores (2005), a fotografia que era até então, entendida como uma expressão mecânica e objetiva, mostrava aqui sua capacidade de criação de uma cena ficcional, assim como seu

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caráter subjetivo por meio do autorretrato, o que ironiza a credibilidade da imagem fotográfica como reprodução do real. A autora afirma que a fotografia, na época, funcionava como um testemunho da realidade. O afogado demonstra que a imagem fotográfica não é somente a representação de algo que aconteceu, mas também a possibilidade de algo que foi idealizado e criado; a autora refere-se à fotografia como um possível “antecedente visionário da performance e do autorretrato pós-moderno”. Botti (2005) destaca o autorretrato fotográfico como uma ferramenta para a representação feminina, sendo a fotografia um território muito mais flexível para a participação de mulheres. Os primeiros autorretratos femininos surgiram no fim do século XIX, e essas produções, segundo a autora, já trabalhavam com questões de identidade de gênero, antecipando tendências que posteriormente seriam exploradas pela pintura.

Apesar da democratização e das pretensões do sujeito moderno utilizar a produção de um autorretrato fotográfico para uma representação mais fiel, além de atestar uma importância social (por meio da imagem fotográfica) idealizando uma construção identitária pelas definições de características fisionômicas, Fabris (2004) destaca que essa formação de uma identidade por meio da imagem fotográfica é frágil, já que por meio da fotografia é possível que o retratado simule e crie cenários e encenações:

A aparência, desse modo deixa de estar conotada à ideia de algo que se mostra de imediato para assumir o significado de ilusão, de disfarce, de simulação. O sujeito nada pode nesse processo: o que ele tem a exibir é produto de um aparato que o transforma à sua revelia, conferindo-lhe uma identidade bem frágil, fruto de uma casualidade que continuará a imprimir alterações naquela que é considerada a marca distintiva de todo indivíduo: sua esfinge (...) (FABRIS, 2004, p.73).

Diferentemente do sujeito da Era Moderna, segundo Canton (2004), o sujeito contemporâneo não tem a pretensão de criar uma identidade definida, pois compreende que há uma noção de que as identidades são flexíveis, e isso reflete na maneira em que o indivíduo constrói seu autorretrato, e nessa autorrepresentação é possível identificar elementos que não dizem respeito somente à realidade do artista, mas do corpo como representação do outro:

Ao contrário, se ela se mantém como uma forma de reivindicar identidade, seu foco está na produção de um estranhamento, uma sensação de incomodo –

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37 aquela reminiscente à sensação de se olhar no espelho e não se reconhecer. Essas emoções estão ligadas a situação do ser humano contemporâneo, inserido numa sociedade de informação eletrônica e virtual, pressionado pela mídia, sufocado pelas imposições velozes de tempo e espaço que se configuram na realidade cotidianas da cidade (CANTON, 2004, p. 68).

O autorretrato se desenvolveu no campo da fotografia, tornando-se uma ferramenta muito utilizada por artistas contemporâneos. O americano Andy Warhol (1928-1987), por exemplo, teve grande importância como artista plástico e cineasta, tornando-se um dos maiores representantes da Pop Art. Ele utilizou o autorretrato como exercício e elemento importante para o seu trabalho, fazendo uso de técnicas como a pintura, a serigrafia e a fotografia.

Outra artista que se destaca na contemporaneidade por seu trabalho com autorretratos é a americana Cindy Sherman (Figura 13). Para a criação de seus autorretratos, Sherman utiliza recursos como maquiagem, perucas, acessórios, e até próteses. Um de seus projetos mais conhecidos, “Untitled Film Stills” mostra uma série de autorretratos produzidos durante a década de 1970 nos Estados Unidos. Nessa série, Cindy Sherman inspirou-se nos filmes Hollywoodianos e, também, em filmes “tipo B”, representando papeis femininos.

Figura 13 – Cindy Sherman, Untitled Film Still #21. 1978. Autorretrato fotográfico. Fonte: <https://mo.ma/2JbB6wT>

Essa série de fotografias é uma reflexão crítica sobre o papel da mulher nas produções cinematográficas e de como suas representações são estereotipadas.

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Nesses autorretratos, Cindy Sherman assume papeis diversos, representando de palhaços às atrizes de cinema. Fabris os define como “falsos autorretratos” já que caracterizavam a criação de um mundo próprio para as fotografias. Nessas imagens Sherman se despersonalizava. A encenação tem um papel que caracteriza múltiplas construções de identidades. (FABRIS, 1991, p. 60).

A produção de um autorretrato estaria inicialmente ligada ao reconhecimento de um indivíduo, tendo o rosto como principal elemento. O subgênero autorretrato ainda é presente na atualidade em produções artísticas, principalmente no campo da fotografia. Annateresa Fabris (2004) afirmou que o conceito de autorretrato na atualidade é muito mais amplo, chegando ao que a autora chama de autorretrato acéfalo, uma representação de si, mas que o artista não mostra seu rosto. Fabris mostra que o conceito de identidade do indivíduo contemporâneo se ampliou, e a dependência fisionômica na caracterização do retrato e do autorretrato passou para um segundo plano.

O autorretrato tem sido produzido por artistas diversos desde os tempos antigos, e encontra na fotografia um terreno fértil. Com o desenvolvimento da tecnologia, a fotografia passa a ser também digital, popularizando-se ainda mais e tornando-se cada vez mais portátil. A versatilidade e a leveza dos aparatos de comunicação, a disponibilidade das câmeras, celulares, computadores e tablets possibilitam um caráter mais instantâneo às produções fotográficas transformando a produção de autorretratos em um fenômeno muito comum, conhecido como selfies. Cada fotógrafo encontra motivação para a produção de seus autorretratos, seja no contexto histórico e social, seja no próprio exercício de sua técnica, no trabalho do seu autoconhecimento como artista ou, ainda, encara como uma forma de registrar sua própria imagem.

O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens. (KOSSOY, 2001, p.42).

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39 2. FOTOPINTURA

Os procedimentos de intervenção na fotografia estão presentes desde as origens das primeiras técnicas fotográficas. O grande fator que exclui esses procedimentos da História da Fotografia é que, por se tratarem de procedimentos artesanais, automaticamente se opõem ao caráter mecânico da fotografia característico do pensamento modernista. De acordo com Flores (2005, p.180) “o modo convencional de pensar exclui a possibilidade de considerar a mistura de técnicas”. A autora afirmou que somente com as vanguardas são ampliados os conceitos sobre os procedimentos híbridos da utilização de técnicas de pintura e gravura na intervenção da imagem fotográfica.

Diante das interferências na imagem fotográfica por meio da pintura, entende-se que haja uma imagem que resulta da evocação de dois meios diferentes: a pintura e a fotografia, sendo uma imagem essencialmente híbrida. O conceito de hibridismo é constante em obras de arte contemporânea. Para a palavra hibridismo encontram-se os significados: Que provém de espécies diferentes / Que encontram-se afasta das leis naturais / Composto de elementos provenientes de diferentes línguas, (falando-se de

um vocábulo). (Lat. hybrida) (Disponível em:

https://pt.thefreedictionary.com/h%C3%ADbrida)

Em seu livro Arte Híbrida: Entre o pictórico e o fotográfico (2008), Selma Machado Simão explicou que o desenvolvimento tecnológico influenciou, de maneira direta, a mudança de valores no campo das artes e propiciou “novas descobertas nos processos culturais” abordando as ideias de Charles Narloch (2008) o termo hibridismo pode ser analisado em três perspectivas: estética, científica e sociológica. Tratando-se da fotopintura e outras técnicas de intervenção artística na imagem fotográfica, estas podem ser analisadas pela perspectiva do hibridismo estético que tem “enfoque na interdisciplinaridade de meios e linguagens artísticas...” (Simão, 2008, p.10). A arte híbrida é o resultado de experimentações e do desenvolvimento e utilização de múltiplas expressões artísticas.

Consiste na produção de arte concretizada por meio das mais variadas técnicas, materiais e suportes, ligando linguagens artísticas e caracterizada pelo não pertencimento a uma única vertente ou categoria (SIMÃO, 2008, p.10).

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Simão (2008, p. 10) explica que nas obras consideradas híbridas os “espaços de criações se invadem e são invadidos, sem perder sua potencialidade original”. O estudo de Simão (2008) expõe processos técnicos da fotografia e da pintura em suas funções e circunstâncias originais, verificando possíveis pontos de onde os dois meios se confrontam ou se cruzam. Ao examinar o hibridismo que se estabelece entre a pintura e a fotografia, há uma dinâmica entre dois processos de natureza diferentes: o processo fotográfico, um registro analisado essencialmente como mecânico, de cunho documental e o processo da pintura que é desenvolvido por meio de utensílios como pincéis, tintas, pigmentos, que denotam uma essência criadora e imagética. Dessa maneira, o fator documental da fotografia é confrontado com a interferência subjetiva da pintura.

Na experiência realizada, a imagem hibridizada pela pintura e pela fotografia apresentou uma natureza perturbadora, em que a parte fotográfica exclui sua reprodução essencial (a gênese da técnica do referencial sempre certo da realidade) para explorar uma linguagem que se contrapõe ao próprio meio (SIMÃO, 2008, p. 14).

2.1 O retrato fotográfico e a pintura

Os primeiros retratos em estúdios fotográficos eram produzidos em sessões que duravam longos minutos devido às limitações relacionadas às descobertas de elementos fotossensíveis para o processo de fixação de imagem, necessitando que o cliente permanecesse imóvel durante todo o processo, o que nem sempre era possível, além de muito desconfortável. Involuntariamente, as pessoas fechavam os olhos ou algum fio de cabelo acabava voando. Segundo Chiodetto (2010), os primeiros estúdios especializados em retratos fotográficos na Europa nem sempre atingiam as expectativas dos clientes, acostumados com a representação do retrato por meio da pintura, e eles sentiam-se frustrados, pois “a fotografia se mostrava cruel, já que revelava todas as imperfeições do cliente” (CHIODETTO, 2010, p.5).

Para Chiodetto (2010, p. 6), o incômodo pela exatidão, a qual o autor se refere como um “realismo bruto” das imagens fotográficas, ocasionou a busca por elementos que pudessem suavizar possíveis imperfeições dos retratados. Em 1855, as fotografias eram pretas e brancas passando a serem produzidas em papel próprio, possibilitando os primeiros registros de técnicas para retocar fotografias,

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desenvolvidas pelo alemão Franz Seraph Hanfstaengl, que apresentou seu invento na Exposição Universal de Paris. Hanfstaengl evidenciou os benefícios do retoque nas imagens fotográficas. Estas primeiras técnicas de retoques nas fotografias incitaram outros pesquisadores a questionar as possibilidades de desenvolver outras técnicas para a intervenção, utilizando utensílios artísticos nas fotografias.

Flores (2008, p. 179) afirmou que, além das funções de retoque e de maquiar possíveis imperfeições, os processos de retoque possibilitavam “remendar” defeitos causados no papel fotográfico, como uma espécie de restauração. Ainda pelas limitações técnicas dos processos fotográficos ocasionavam falhas óticas e falta de detalhamento nas fotografias eram comuns, mas era possível ser corrigido por meio da pintura, cabendo ao retoque um sentido de aperfeiçoamento da fotografia.

Com a divulgação das técnicas de retoque para a fotografia, alguns críticos e fotógrafos se opuseram rigidamente à utilização desses procedimentos. Lembrando que críticos como Charles Baudelaire destacavam o papel da fotografia como auxiliar da memória, não devendo a esse meio penetrar o campo da arte, repudiando técnicas que pudessem alterar a realidade da imagem fotográfica. Simão (2008, p.28) exemplificou o caso do famoso retratista Gaspar Félix Tournachon (1820-1910), conhecido como Félix Nadar, que se recusava a utilizar as técnicas de retoque em suas fotografias. As fotografias não retocadas eram colocadas no patamar de “arte fotográfica pura”. Como retoque a autora refere-se a “apenas à correção de manchas acidentais”.

Havia também os fotógrafos que defendiam a utilização do retoque: “Achavam que o retoque era o ajuste necessário a conceder à fotografia um grau de ‘indeterminação’”, similar aos procedimentos técnicos da pintura. (Simão, 2008, p.28). Os críticos e pesquisadores que não se opunham à utilização de procedimentos de intervenção artística nas fotografias começaram a estimular os fotógrafos para que explorassem novas possibilidades na produção de imagens com mais “efeitos artísticos”, consequentemente, isso reduziria a noção de fotografia como uma imagem meramente mecânica.

Simão (2008) aborda a descoberta de processos relacionados à intervenção da imagem fotográfica desenvolvidos nas primeiras décadas de existência da fotografia como, por exemplo, a fotomontagem. O artista Oscar Gustave Rejlander (1813-1875),

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