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A fotopintura, apesar de ter sido um ofício muito popular durante as décadas de 1940 a 1980, nunca foi uma profissão regulamentada. A produção da técnica tratava-se de um trabalho colaborativo com a participação de vários profissionais que executavam diferentes papeis. Júlio Santos (2010) explicou que o processo tradicional da técnica se dividia em etapas. A primeira etapa era de responsabilidade do vendedor. O autor destacou que muitas pesquisas sobre a técnica não atribuem o devido valor a esse profissional, e analisa a participação do vendedor no êxito comercial da fotopintura.

O vendedor captava as informações que os clientes gostariam que fossem representadas na imagem, por meio de um envelope onde eram preenchidas as informações de cunho estético, assim como a quantidade de pessoas que seriam colocadas na imagem. O vendedor viajava de cidade em cidade oferecendo a técnica,

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e servia como uma ponte entre os estúdios e os clientes das cidades de áreas rurais ou regiões periféricas. Cabia a esse profissional verificar quais as melhores épocas para oferecer a técnica aos clientes de áreas rurais, conhecendo o mercado local, e principalmente os períodos de safra. Dessa forma, o vendedor oferecia seus serviços naquelas épocas tendo assim a certeza de que o agricultor teria dinheiro suficiente para pagar o serviço.

Riedl (2002), em sua pesquisa sobre a técnica na região do Cariri, destacou que o vendedor oferecia a fotopintura evidenciando seu baixo custo e sua beleza artística. O vendedor encarregava-se de vários processos que iam desde a negociação do pagamento até a entrega da fotopintura. Ao vendedor cabia, também, o recebimento da fotografia original; necessário destacar que, em sua grande maioria, não eram produzidas nos estúdios de fotopintura. Essas fotografias recebidas pelos vendedores eram no tamanho 3x4 cm, bem como retratos antigos produzidos por fotógrafos lambe-lambe. No envelope também eram adicionadas informações sobre “tamanho do retrato desejado, as cores preferidas, corte de partes indesejadas, acréscimos, colagens, etc., além de eventuais comentários sobre a moldura escolhida” (RIEDL, 2002, p. 113). Os vendedores também aproveitavam essas longas viagens para vender acessórios como relógios e quadros de santos.

A segunda etapa se referia ao loteamento e à organização. Quando as fotografias chegavam ao estúdio de fotopintura, por intermédio dos vendedores, eram organizadas em lotes. Segundo Riedl (2002), havia, posteriormente, a participação do “puxador de telas”, a quem cabia à função da reprodução da fotografia que servia como base às intervenções futuras. O “puxador” ampliava o retrato original em um quarto escuro utilizando lâmpadas e produtos químicos. Nesse processo, havia a importância de recortar o rosto, apagando partes como roupa e fundo. Outro profissional que participa ativamente da produção da fotopintura era o que Riedl (2002) chamou de o “pintor de telas”. O pintor recebia as informações contidas no envelope passadas pelo vendedor, e executava as etapas técnicas relacionadas à pintura.

Era muito comum o acréscimo, como complemento da imagem fotográfica, de elementos como joias e trajes como paletó, vestidos e adereços de noiva às pessoas fotografadas. Além de outros elementos como mudanças estéticas, diminuição das rugas na imagem dos indivíduos fotografados, penteado e maquiagem. Todo o

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processo acabava acarretando na produção de uma fotografia como uma imagem idealizada por quem a encomendava. Além disso, para Riedl (2010), (em entrevista concedida a Chiodetto) “o caráter da pintura, para alguns dos clientes, era capaz de “enobrecer” a imagem, já que um retrato pintado, antigamente, era privilégio exclusivo de uma pequena elite” (RIEDL, 2010, p.22).

Júlio Santos (2010), conhecido como mestre Júlio, é um fotopintor cearense nascido em 1944, que trabalha com a produção da técnica desde os 13 anos, e destaca a divisão de funções nos processos relacionados à pintura de fotografias em seu estúdio, popularmente conhecido no Ceará como Estúdio Áureo. Os processos envolviam desde o retoque de marcas de expressão à pintura das roupas, acabamento final; etc. São eles:

1. Retoque: Nesta etapa era feita a primeira camada da pintura, na área do rosto e pescoço, delineando o formato dos olhos e da boca e retocando sombras, imperfeições da pele, cabelo e luzes. Etapa mais delicada e por isso se exigia que fosse realizada pelo profissional mais experiente do estúdio.

2. Colorir: Delineavam-se traços do rosto, são pintadas as maçãs do rosto, olhos e as sobrancelhas.

3. Roupa: Eram desenhadas as roupas seguindo as solicitações discriminadas no envelope da encomenda: paletó, vestido florido ou de noiva, joias como correntes e brincos. A gravata e o paletó normalmente eram feitos usando um molde previamente recortado.

4. Afinação: Trabalho de riscar o retrato ajustando pontos mais irregulares, para falhas, imperfeições ou pequenas manchas. Para isso, usava-se um lápis ou um estilete.

Santos (2010) afirmou que os processos técnicos utilizavam diversos materiais e diferentes tipos de suportes; os mais utilizados eram os papeis de fibra de celulose ou resina. Pelo fator de aderência, o papel de fibra permitia a utilização dos mesmos materiais de pintura de telas, como os pigmentos e a tinta a óleo, além de “tinta seca, látex, terra siena, pistola e esfuminho” (SANTOS, 2010, p. 69).

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Durante as décadas de 1940 a 1980, em que se popularizou no Nordeste do Brasil, a fotopintura foi utilizada de maneiras diversas. Em cemitérios é possível ver nas lápides, imagens dos falecidos reproduzidas por meio desta técnica. É comum encontrar, em casas de regiões rurais, uma fotopintura emoldurada na parede. A técnica também foi utilizada no retrato de pessoas mortas, principalmente de recém- nascidos. Chamados de “anjinhos”, os recém-nascidos que faleciam eram fotografados e, por meio das técnicas de retoque, se “abriam” os olhos da criança, possibilitando, por meio da fotopintura, que os familiares tivessem uma última imagem da criança como se estivesse viva.

A técnica da fotopintura, apesar de muito popular no Nordeste, fez parte da cultura de outras regiões brasileiras e de diversos países da América Latina. Segundo Santos (2010, p.22), havia diferenças regionais na produção de fotopinturas. Os processos desenvolvidos no Sudeste, a exemplo do Rio de Janeiro e São Paulo, usavam tinta a óleo, motivo pelo qual as imagens permaneciam com as cores praticamente intactas após décadas. Para o fundo dos retratos, no Rio de Janeiro, utilizavam-se técnicas com pinceladas de “artistas plásticos”, e, em São Paulo, o fundo das imagens era produzido com o uso de uma pistola, tendência que não era seguida no Nordeste, cujo fundo era feito utilizando uma técnica que usava tons claros e escuros provocando uma espécie de perspectiva e “moldura”. Além disso, havia o predomínio da utilização de cores saturadas no nordeste, tendência nem sempre popular em cidades do Sul e Sudeste, onde podem ser encontrados retratos usando tons mais neutros.

Chiodetto (2010, p. 10) explica que as cores fortes utilizadas para pintar as fotografias denotavam uma negação ao monocromatismo, que geralmente era interpretado como “triste e sem vida”. Era comum também a solicitação de que fossem retiradas as sombras das fotografias, que eram chamadas de “carvão” semelhante a Figura 16. Em entrevista a Chiodetto, Titus Riedl cita a retirada das sombras como um “aspecto hiper-realista que encontra ecos, por exemplo, nos personagens das pinturas muralistas mexicanas”. Os profissionais que trabalhavam com a técnica produziam os retratos em processos diferentes que apresentavam peculiaridades e diferenças estéticas, alguns retratos não chegavam a apresentar a fisionomia do retratado com fidelidade, mais parecendo uma “caricatura típica de desenho animado” (CHIODETTO, 2010, p.12).

49 Figura 16 -. Titus Riedl. Fotopintura. Acervo pessoal

Fonte: <https://bit.ly/2JudT8p>

O desenvolvimento e a popularização dos filmes coloridos nos anos 1990 tornaram a obtenção de uma fotografia colorida muito mais facilitada, rápida e econômica e, assim, a encomenda de um retrato utilizando a fotopintura passou a ser cada vez menos frequente. Posteriormente, com o advento da fotografia digital, nos anos 2000, a fotografia analógica e seus longos processos de revelação, deram espaço para outros processos mais instantâneos possibilitados por câmeras digitais. A criação de softwares de computador como o Photoshop, surgiu como uma alternativa rápida para o retoque e manipulação de imagem digital, abrindo espaço para a execução da técnica em versão digital, permitindo qualquer pessoa que tenha conhecimento da utilização desses programas possa produzir um retrato fazendo uso da técnica.

Mestre Júlio Santos, um dos grandes colaboradores nas pesquisas acadêmicas sobre a fotopintura, ainda trabalha na produção dos retratos, desenvolvendo a técnica em sua versão digital (Figura 17) por meio do programa Photoshop. Em seu livro, Júlio Santos – Mestre da Fotopintura, o autor fala sobre sua transição e adaptação à

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produção da técnica na plataforma digital, evidenciando que o Photoshop permite a utilização de ferramentas artísticas na produção da técnica da fotopintura. Um ofício praticamente em extinção, a fotopintura brasileira tem sido uma prática de grande interesse de curadores e pesquisadores internacionais. As obras de Júlio Santos destacam-se em exposições internacionais, como as obras selecionadas em 2010 para o Pingyao International Photography Festival, na China, e 23ª Bienal Europalia Arts Festival, em Bruxelas.

Figura 17 - Júlio Santos.Alexandre.2013. Fotopintura digital. Fonte: <https://bit.ly/2swjDVH>

51 3. TELMA SARAIVA

Neste capítulo serão analisados os autorretratos produzidos com a técnica da fotopintura, da artista cearense Telma Saraiva (1929-2015) que em suas produções assumia características visuais de atrizes e personagens do cinema.

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