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O retrato fotográfico e a pintura

Os primeiros retratos em estúdios fotográficos eram produzidos em sessões que duravam longos minutos devido às limitações relacionadas às descobertas de elementos fotossensíveis para o processo de fixação de imagem, necessitando que o cliente permanecesse imóvel durante todo o processo, o que nem sempre era possível, além de muito desconfortável. Involuntariamente, as pessoas fechavam os olhos ou algum fio de cabelo acabava voando. Segundo Chiodetto (2010), os primeiros estúdios especializados em retratos fotográficos na Europa nem sempre atingiam as expectativas dos clientes, acostumados com a representação do retrato por meio da pintura, e eles sentiam-se frustrados, pois “a fotografia se mostrava cruel, já que revelava todas as imperfeições do cliente” (CHIODETTO, 2010, p.5).

Para Chiodetto (2010, p. 6), o incômodo pela exatidão, a qual o autor se refere como um “realismo bruto” das imagens fotográficas, ocasionou a busca por elementos que pudessem suavizar possíveis imperfeições dos retratados. Em 1855, as fotografias eram pretas e brancas passando a serem produzidas em papel próprio, possibilitando os primeiros registros de técnicas para retocar fotografias,

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desenvolvidas pelo alemão Franz Seraph Hanfstaengl, que apresentou seu invento na Exposição Universal de Paris. Hanfstaengl evidenciou os benefícios do retoque nas imagens fotográficas. Estas primeiras técnicas de retoques nas fotografias incitaram outros pesquisadores a questionar as possibilidades de desenvolver outras técnicas para a intervenção, utilizando utensílios artísticos nas fotografias.

Flores (2008, p. 179) afirmou que, além das funções de retoque e de maquiar possíveis imperfeições, os processos de retoque possibilitavam “remendar” defeitos causados no papel fotográfico, como uma espécie de restauração. Ainda pelas limitações técnicas dos processos fotográficos ocasionavam falhas óticas e falta de detalhamento nas fotografias eram comuns, mas era possível ser corrigido por meio da pintura, cabendo ao retoque um sentido de aperfeiçoamento da fotografia.

Com a divulgação das técnicas de retoque para a fotografia, alguns críticos e fotógrafos se opuseram rigidamente à utilização desses procedimentos. Lembrando que críticos como Charles Baudelaire destacavam o papel da fotografia como auxiliar da memória, não devendo a esse meio penetrar o campo da arte, repudiando técnicas que pudessem alterar a realidade da imagem fotográfica. Simão (2008, p.28) exemplificou o caso do famoso retratista Gaspar Félix Tournachon (1820-1910), conhecido como Félix Nadar, que se recusava a utilizar as técnicas de retoque em suas fotografias. As fotografias não retocadas eram colocadas no patamar de “arte fotográfica pura”. Como retoque a autora refere-se a “apenas à correção de manchas acidentais”.

Havia também os fotógrafos que defendiam a utilização do retoque: “Achavam que o retoque era o ajuste necessário a conceder à fotografia um grau de ‘indeterminação’”, similar aos procedimentos técnicos da pintura. (Simão, 2008, p.28). Os críticos e pesquisadores que não se opunham à utilização de procedimentos de intervenção artística nas fotografias começaram a estimular os fotógrafos para que explorassem novas possibilidades na produção de imagens com mais “efeitos artísticos”, consequentemente, isso reduziria a noção de fotografia como uma imagem meramente mecânica.

Simão (2008) aborda a descoberta de processos relacionados à intervenção da imagem fotográfica desenvolvidos nas primeiras décadas de existência da fotografia como, por exemplo, a fotomontagem. O artista Oscar Gustave Rejlander (1813-1875),

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por meio de fotografias sobrepostas feitas separadamente, desenvolvia composições que manipulavam e uniam todas as fotografias transformando-as em uma cena única (Figura 14).

Pode-se perceber essas sobreposições por contornos luminosos evidentes conhecidos como “auréolas” nas figuras. Essas figuras também foram tratadas com inúmeros detalhes. Assim, valorizados, contribuíram para a inexistência de um foco único. O olhar passa pela composição. O procedimento consistia em partir de fotos tiradas com o foco fixo (e por isso dotadas de nitidez) para (na realização da montagem) multiplicar os focos...O espaço era construído de forma que permitia a coexistência de múltiplas dimensões (SIMÃO, 2008, p.27).

Figura 14 – Oscar Gustave Rejlander, As Duas Formas de Vida, 1857, Fotografia. Coleção The Royal Photographic Society

Fonte: <https://bit.ly/2LVxdd0>

As fotografias que até então, eram monocromáticas, traziam o questionamento de como introduzir as cores na imagem fotográfica. De acordo Chiodetto (2010), historiadores detectaram que a provável origem da técnica da fotopintura seria a criação dos cartões de visita pelo francês André Adolphe Eugène Disdéri (1819-1889), em 1863. O processo desenvolvido por Disdéri utilizava uma fotografia reproduzida em baixo contraste, e, posteriormente, fazia interferências por meio da pintura, possibilitando a utilização de cores na imagem fotográfica. Se a intenção era a obtenção de um retrato, a fotografia tornava-se um artifício facilitador na produção de retratos pintados, já que funcionava como uma espécie de “esboço”, não havendo a necessidade de que o cliente permanecesse longas horas para que o retratista o desenhasse.

O famoso cartão de visita de Disdéri foi o primeiro processo responsável pela expansão do consumo fotográfico no século XIX, e a técnica da fotopintura exercia

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um papel social muito importante, permitindo que a obtenção de retratos produzidos por meio do cartão de visita suprisse a necessidade de representação de uma grande parcela da sociedade naquela época, uma vez que, apenas a aristocracia, e parte da burguesia, tinham condições suficientes para encomendar seus retratos pintados ou fotografados.

O foto-retrato pintado representa historicamente uma democratização na obtenção de um autorretrato, no sentido de facilitar por seu baixo custo a aquisição de uma pintura em óleo, ou pastel nos moldes acadêmicos, antes privilégio exclusivo de uma pequena elite (RIEDL, 2002, p.111).

No final do século XIX surgem processos cada vez mais facilitados para a produção da fotografia, criados por George Eastman representando a popularização e massificação do uso da fotografia na sociedade. É nesse contexto, e já com a exploração das técnicas de interferência na imagem fotográfica, que surge, no início do ano 1890, um movimento chamado de pictorialismo, na Exposição do Kamera Club, de Viena. O movimento criticava a facilidade da reprodução de imagem. Segundo Rouillé (2009, p. 252) os pictorialistas manifestavam-se contra os supostos motivos da decadência fotográfica e da dificuldade de legitimá-la como arte “contra a industrialização e a democratização, contra a padronização e a vulgarização, contra a mercadoria. Tudo isso com a finalidade de reavaliar a fotografia, de passa-la do domínio das artes mecânicas para o domínio das artes como um todo”. A imagem fotográfica defendida como arte pelo pictorialismo desejava atingir o mesmo grau de relevância acadêmica da pintura, já que se utilizava de elementos técnicos e processos artísticos semelhantes aos desenvolvidos na pintura.

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