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O enigma do fetichismo da mercadoria: análise a partir de o capital de Karl Marx

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

O ENIGMA DO FETICHISMO DA MERCADORIA:

ANÁLISE A PARTIR DE O CAPITAL DE KARL MARX

NATAL/RN 2019

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MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

O ENIGMA DO FETICHISMO DA MERCADORIA: ANÁLISE A PARTIR DE O CAPITAL DE KARL MARX

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Serviço Social no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Rocha, Miliane Pinheiro da.

O enigma do fetichismo da mercadoria: análise a partir de O Capital de Karl Marx / Miliane Pinheiro da Rocha. - 2019.

81f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social, Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Andre Ramos Wellen.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Relações sociais - Monografia. 3. Fetichismo - Monografia. 4. Marx, Karl - Monografia. 5. Capitalismo - Monografia. I. Wellen, Henrique Andre Ramos. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 36:330.85

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MILIANE PINHEIRO DA ROCHA

O ENIGMA DO FETICHISMO DA MERCADORIA:

ANÁLISE A PARTIR DE O CAPITAL DE KARL MARX

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Serviço Social no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Aprovada em ____ de ___________ de 2019.

Banca Examinadora:

_____________________________________________________

Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen

(Orientador)

_____________________________________________________

Profa. Dra. Miriam de Oliveira Inácio

(Examinadora)

_____________________________________________________

Assistente Social Me. Ozileia Cardoso da Silva

(Examinadora)

NATAL/RN 2019

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À minha avó (in memorian), às minhas “Marias”, razões pelas quais cheguei até aqui, e aos meus maiores incentivadores, Antônio (in memorian) e Ricardo, meus pais.

A toda classe trabalhadora do país que não ocupa um espaço nas universidades, mas que contribui diretamente no conhecimento produzido nestas.

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AGRADECIMENTOS

Registro aqui dois lemas de vida, expressos em duas passagens breves, que muito me ensinam, e desejo que todos/as possam conhecer. A primeira, “devagar e sempre”, bastante nostálgica para mim, porque vivo assim há quatro anos. E a segunda “de degrau em degrau”, que demonstra o quanto é preciso resiliência para lidar com nosso próprio tempo, que de maneira alguma, deve ser comparado. Compreendo que o percurso está só começando, embora encerrando no âmbito da graduação. Tenho orgulho ao perceber que os passos dados, longos e curtos, me fizeram crescer. Mas crescer, não só academicamente, principalmente como ser humano.

Reconheço, assim, que tudo conquistado até o momento foi coletivamente. Por todas as vezes que encontrei motivos para desistir e encontrei forças físicas e espirituais. Por minha família, continuei e continuo. Pelos meus amigos de vida, minha imensa gratidão e amor. Pelo Deus, que nunca desistiu de mim, embora eu tenha, no caminho, me afastado e me perdido, ele ofereceu colo e proteção, eu agradeço.

À Minha Família, minha maior prioridade e responsabilidade, o meu amor e gratidão permanente por ser a minha força! Pelo reconhecimento de que “sair de casa” foi a melhor escolha que fiz, embora inicialmente não parecesse; pelo perdão nos momentos em que estive ausente.

À Alana, amiga de residência e de vida, que cuidou de mim como ninguém. O tempo que moramos juntas, com certeza, foi um dos melhores nas minhas diversas estadias durante esses quatro anos. Obrigada por cada conselho; palavra amiga; por ser sincera e verdadeira, em qualquer situação. Admiro-te como mãe, amiga e mulher.

À David, amigo de pouco tempo e muito amor. Obrigada por fazer com que eu me sinta abraçada a cada mensagem enviada diariamente. Eu amo estar com você, sorrir e me sentir incrível, aliás, não há infelicidade com sua companhia.

À Fernanda, minha irmã mais velha, muitíssimo obrigada pela confiança que depositou em mim, pelos sorrisos arrancados às 07h da manhã, pelos sonhos que compartilhamos e especialmente, pelo amor que tem a mim. Você é sinal de Deus em minha vida.

À Ingrid, verdadeira amiga. Todos os agradecimentos do mundo não seriam suficientes por tudo que você já fez por mim. Sinto-me privilegiada por ter ao lado uma

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pessoa de coração tão puro e grandioso como o seu. Obrigada por cuidar de mim e ser colo, sempre que preciso.

À Isabela, amiga de todas as horas. À você em nome de toda sua família, muito obrigada. Obrigada pelo primeiro “abrigo” e por estar sempre presente e prontamente feliz ao me receber.

À Jessica, amiga da universidade para vida. Obrigada por crescer comigo! Nós aprendemos juntas e crescemos também. Com você tudo se tornou mais leve e feliz em quatros anos. Obrigada por ser minha companhia e maior incentivadora, e principalmente, por permanecer.

À Laísa, do “estágio para a vida”. Obrigada por ser mais que uma dupla de estágio e se tornar meu anjo da guarda. Todo meu amor e admiração por quem você é; pela sua história; pela paciência comigo; por escutar minhas histórias e relembrar todas elas, e principalmente, por compartilhar aprendizado. Foi incrível compartilhar o estágio contigo e compartilhar os dias tem sido mais ainda.

A Mersinho, meu amigo e irmão de vida. Como digo constantemente, o meu “porto seguro”, o meu eu em outro coração. Com certeza esses quatro anos teriam sido mais leves se você estivesse perto de mim. Mas isso não foi empecilho. Obrigada por ser e estar presente, sempre! Você me agiganta.

À Nathaly, pela acolhida e afeto cultivados há nove anos, e especialmente, neste ano, por ser minha “família”.

À Rosivânia, amiga incrível que sonhou comigo a formação acadêmica que fora tão distante. Obrigada por ter orgulho de mim. Não há nada tão recíproco quanto nossa amizade, orgulho e amor um pela outra.

Sem vocês eu não teria chegado aqui, por isso, essa conquista nos pertence. Meu amor e gratidão a todos. Aos amigos/as conquistados ao longo desses quatro anos, dentro ou fora dos muros da Universidade, obrigada por de formas diferentes tornarem meus dias mais felizes; A todos/as que de alguma forma acreditaram em mim, de longe ou perto, e torceram pela minha formação, muito obrigada!

À Miriam, por todo carinho e confiança que sempre me ofereceu. És para mim um verdadeiro exemplo de humildade, respeito e resistência. Com certeza o Desso é privilegiado com sua gestão. A você, toda minha admiração, apreço e gratidão por num momento tão especial como o da defesa de monografia estar presente.

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À Ozileia, por ser abrigo, toda minha gratidão. A admiro de diversas formas. Seu trabalho e forma de ser me inspira e agiganta. Sou feliz por ter alguém tão gentil e amorosa como amiga. Obrigada pelo carinho, respeito, incentivo, e principalmente, pela confiança de partilhas.

A Henrique Wellen, orientador e amigo. A admiração construída por você ao longo da graduação, ainda está em andamento. Obrigada pela paciência, pelos ensinamentos diversos, pela empatia compartilhada, que se iniciaram em sala de aula e se estenderam à orientação do trabalho de conclusão de curso. Você sempre foi uma referência para mim.

À Ilka Lima, professora, supervisora e amiga que o Departamento de Serviço Social da UFRN me presenteou. Meu carinho, apreço e admiração a tudo que você é e representa! Mulher forte que me ajudou a ser também. Por isso tanto orgulho e admiração para contigo. Obrigada por ter sido ombro amigo; por cada conselho; por cada bronca (quase nenhuma); por cada ensinamento (dentro e fora da sala de aula); por em meio à sua rotina sempre estar disposta a me ouvir. Você é a minha melhor referência de profissional. Como sempre te digo, não vai se livrar de mim, nunquinha. Todo meu amor e admiração a você.

A todos/as professores/as do Departamento de Serviço Social da UFRN, que contribuíram com minha formação acadêmica e pessoal, muito obrigada! À Karla, meus agradecimentos pela paciência, gentileza e risadas compartilhadas em incontáveis vezes que compareci ao Desso. A todos/as colegas de turma, muito obrigada por tantos aprendizados compartilhados e pela sensatez com a qual defendemos nosso curso e profissão. A todos/as que nesses quatro anos me acolheram em suas casas, apartamentos, kitnets, a minha infinita gratidão.

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Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. ‖ (Bertolt Brecht).

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RESUMO

Essa monografia trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa. O objeto de estudo desse trabalho foi à análise de Karl Marx sobre o “Fetichismo da Mercadoria”, na obra O Capital. Os estudos realizados nesse trabalho buscaram alcançar o objetivo geral de analisar como Karl Marx apresenta, em O Capital, o Fetichismo da Mercadoria. Para isso, foram desenvolvidos três objetivos específicos. O primeiro envolveu a realização de uma biografia sobre Karl Marx; o segundo tratou de uma contextualização histórica e teórica da construção de O Capital, considerando a importância dessa obra para carreira do autor e principalmente porque o objeto de estudo dessa pesquisa está inserido nela; o terceiro explicou como Marx analisa a categoria do “Fetichismo da Mercadoria”, na referida obra. Sobretudo, esse trabalho almejou contribuir na discussão e apreensão do papel central da mercadoria nas sociedades em que predomina o modo de produção capitalista (MPC) e, principalmente, do caráter fetichista, que, as mercadorias assumem ao não expressarem objetivamente mais do que seus valores de troca.

Palavras-chave: Karl Marx. Mercadoria. MPC. Fetichismo. O Capital.

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ABSTRACT

This monograph is a bibliographical research with a qualitative approach. The object of study of this work was the analysis of Karl Marx on the "Fetishism of Merchandise", in the work The Capital. The studies carried out in this work sought to reach the general objective of analyzing how Karl Marx presents, in Capital, the Fetishism of Merchandise. For this, three specific objectives were developed. The first involved the making of a biography of Karl Marx; the second dealt with a historical and theoretical contextualization of the construction of O Capital, considering the importance of this work for the author's career and mainly because the object of study of this research is inserted in it; The third explained how Marx analyzes the category of “Commodity Fetishism” in this work. Above all, this work aimed to contribute to the discussion and apprehension of the central role of the commodity in societies in which the capitalist mode of production (MPC) predominates, and especially of the fetishist character, which the commodities assume by not objectively expressing more than their values exchange.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 MARX E A APROXIMAÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA ... 16

2.1 Jovem Marx: vida e obra ... 16

2.2 Marx e o encontro com a Economia Política... 29

3 MARX E A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA ... 34

3.1 Formação do pensamento econômico de Karl Marx ... 34

3.2 O Capital: história e obra ... 47

4 FETICHISMO DA MERCADORIA ... 57

4.1 Mercadoria, Valor e Trabalho ... 57

4.2 O Fetichismo da Mercadoria ... 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

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11 1 INTRODUÇÃO

A presente monografia buscou analisar como Karl Marx (1818-1883) apresenta, em O Capital, o “Fetichismo da Mercadoria”. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com natureza de abordagem qualitativa. Para alcance do objetivo geral, foi necessário analisar a Mercadoria e seus desdobramentos não evidenciados em sua objetividade. Essa necessidade advém do sentido que geralmente tratamos as mercadorias, ao percebê-las corriqueiramente como bens ou objetos materiais que satisfazem necessidades humanas, e não nas relações sociais que se realizam através do processo de produção, venda e troca de mercadorias. A realização desse trabalho foi motivada pela aproximação teórica da pesquisadora com os matizes marxistas discutidos ao longo do curso de graduação; pela inserção num curso de extensão intitulado “Introdução ao estudo de O Capital”, onde foi tomado conhecimento da existência da categoria “Fetichismo” e, especialmente, pela iniciação científica que despertou inquietações e necessidades subjetivas de conhecimento no que se refere ao autor clássico amplamente discutido no Serviço Social à figura de Karl Marx.

O objeto de estudo desse trabalho compreende a análise de Karl Marx sobre o “Fetichismo da Mercadoria”, na obra O Capital, definida como fonte de pesquisa desse trabalho. A problemática de pesquisa desenvolvida foi à análise do “Fetichismo da Mercadoria”, por Karl Marx, nessa obra. A categoria “Fetichismo da Mercadoria” se encontra no capítulo 01 de O Capital, e através desse capítulo realizamos nossa principal análise. De início, precisamos realizar uma breve biografia sobre Karl Marx, a fim de compreendermos como se desenvolveu seu desenvolvimento teórico, suas relações familiares, escolares, e como todos esses elementos influenciaram seus escritos juvenis e culminaram, anos mais tarde, na construção de sua principal obra – O Capital. Essa contextualização facilita a leitura e conhecimento sobre o pensamento econômico do autor, situando nossa análise na totalidade concreta e realidade social dos sujeitos, e essencialmente, do autor que buscamos estudar.

Para chegarmos à análise da problemática definida, perpassamos, sobretudo, pelo desenvolvimento do Marx juvenil ao adulto, evidenciando as diferentes formas e tratos que Marx teve com a Economia Política, para que posteriormente construísse sua teoria social crítica, e realizasse análises categoriais mais complexas que foram desenvolvidas em O Capital, considerada a principal obra do autor. Nesta obra, Marx discutiu o “Fetichismo da Mercadoria”, ratificado tema de pesquisa desse trabalho. Essa pesquisa demandou significativo empenho teórico de exposição para fundamento biográfico do autor e articulação

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de discussão entre os capítulos, para que sua estrutura facilitasse a compreensão do Fetichismo da Mercadoria. Desse modo, esse trabalho está organizado em três capítulos, onde cada um possui dois tópicos. O primeiro capítulo aborda uma biografia de Karl Marx e o seu encontro com a economia política. O segundo capítulo descreve a relação de Marx com a economia política até a construção de O Capital e o terceiro capítulo trata especificamente do objeto de estudo desse trabalho ao apresentar a análise de Marx sobre o Fetichismo da Mercadoria e a explicação desse fetichismo.

Constatamos, principalmente, que havia a necessidade de apreender as conexões e correlações existentes nas obras de Marx, desde seus primeiros manuscritos até o seu amadurecimento teórico em O Capital. No eixo dessa discussão, realizamos uma análise documental sobre o primeiro capítulo, dessa obra, explicitando o “Fetichismo da Mercadoria” como análise principal, porque se trata do tema de pesquisa. Não pretendemos, nesta análise, propor, tampouco indicar, uma superação teórica do “Fetichismo da Mercadoria” no cotidiano da análise da realidade social. Essa superação não pode ocorrer de forma teórica, seja pela compreensão do que trata o Fetichismo ou pela discussão generalizada sobre o tema. O fetichismo é um efeito inerente à sociabilidade capitalista e por isso só pode ser superado estruturalmente junto do rompimento com o modo de produção capitalista.

Assim, a finalidade dessa pesquisa está expressa, sobretudo, na apreensão do Fetichismo da Mercadoria para Marx. Para essa finalidade, tornou-se necessário inicialmente problematizar e discutir a Mercadoria e seu papel na sociedade capitalista, para que pudéssemos compreender e apreender como a mercadoria assume centralidade nas relações sociais dos sujeitos. O fetichismo, enquanto desdobramento da mercadoria assumiu um papel importante nas relações sociais sob o modo de produção capitalista, de forma que não ocorrera em outras sociedades.

Nesse contexto, os objetivos específicos dessa pesquisa precisaram estar correlacionados com a vida e obra de Karl Marx, no sentido de perceber a importância de sua formação pessoal e intelectual para compreender seu amadurecimento teórico ao longo dos anos e assim apresentar como ele chegou ao estudo da categoria “Fetichismo”, que foi elaborada e discutida em O Capital. Os objetivos específicos de organizaram da seguinte forma: Realizar uma biografia sobre Karl Marx; Contextualizar historicamente e teoricamente a obra O Capital e explicar como Marx compreende o Fetichismo da Mercadoria.

Como aponta Ernest Mandel (1982), nas sociedades primitivas, a produção dos homens estava voltada para a satisfação das necessidades das coletividades produtivas, não

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havendo, frequentemente, relações de troca dos produtos de trabalho, porque, aliás, a comunidade dispunha de poucos produtos.

Com o processo de divisão do trabalho, “o caráter privado do trabalho e a propriedade privada dos produtos do trabalho, e mesmo dos meios de produção, interpõem-se entre os membros da comunidade”, impedindo que as relações econômico-sociais anteriormente estabelecidas imediatamente entre os homens acontecessem. Essas mudanças na organização do trabalho configuraram aos homens as relações sociais por intermédio da troca dos produtos de trabalho, uma vez que não era mais permitida uma relação direta entre si. Assim, separados de suas terras e consequentemente dos meios de produção, as mercadorias (enquanto produtos do trabalho social) passaram a ser destinadas às trocas e não ao consumo direto pelos homens ou pela coletividade que eles faziam parte, havendo assim uma transição da pequena produção mercantil ao Modo de Produção Capitalista (MPC).

Para Marx (1996), a “Mercadoria” adquiriu uma centralidade no MPC como nunca aconteceu em outras sociedades e modos de produção em que não se predominava o Capitalismo. Essa constatação advém, inicialmente por uma assertiva realizada pelo autor quando definiu “a riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias, e a mercadoria individual como sua forma elementar” (MARX, 1983, apud NETTO; BRAZ, 2016, p. 91). Partindo disso, percebemos o quanto as mercadorias são objetos centrais e predominantes nas relações sociais que são estabelecidas na sociedade capitalista.

Buscamos, assim, apreender o que a mercadoria não expressa em sua objetividade, compreendendo-a não apenas como objeto que satisfaz necessidades humanas. Sabemos, ainda, que a contradição é inerente em nossa realidade, e que, ao mesmo tempo, em que estudamos e buscamos ir além de uma apreensão simplista, estamos, necessariamente, reproduzindo o processo de vida social, na medida em que trabalhamos para satisfazermos nossas necessidades através de mercadorias. Por isso, buscamos analisar como o “Fetichismo da Mercadoria” se destaca nas relações sociais estabelecidas sob o capitalismo.

Quando Netto explicitou a compreensão de Marx sobre a riqueza das sociedades, surgiram questionamentos sobre como essa riqueza atribuída à imensa coleção de mercadorias possui expressões subjetivas e objetivas na vida dos indivíduos, aludindo assim numa análise de totalidade sobre as mercadorias que não é amplamente conhecida. O “Fetichismo da Mercadoria”, enquanto tema deste trabalho, foi discutido por Marx no final do primeiro capítulo de O Capital, e antes de adentrarmos ao “Fetichismo da Mercadoria”, precisamos

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iniciar as análises sobre o MPC e as categorias advindas da Mercadoria, anteriormente à discussão propriamente dita do Fetichismo da Mercadoria, tendo em vista que para chegarmos à essa análise precisamos compreender o que a mercadoria oculta por trás de sua aparência.

Do ponto de vista das relações de trabalho desenvolvidas no MPC, compreendemos como definidas basicamente pela relação de compra e venda da força de trabalho dos seres humanos. A força de trabalho é a única mercadoria inerente aos homens e indispensável para sua própria subsistência, porque, através dela, eles inserem-se nos mecanismos de trabalho recebendo em troca um “salário” para sua sobrevivência. Através do trabalho, os homens são explorados pelos capitalistas a fim de produzir para estes uma riqueza, que embora construída socialmente, é apropriada individualmente pela minoria que é a classe capitalista. Esse modo de produção é caracterizado pelo assalariamento, distanciamento dos produtores dos meios de produção, pelo acúmulo de lucro (mais valia) e pela exploração do trabalho em suas mais variadas condições. O MPC, estrategicamente, separou os antigos produtores, como mencionamos acima, de suas terras e dos meios produtivos com o objetivo de distanciar e impossibilitar o conhecimento e domínio dos homens sobre os produtos de trabalho. Ressaltamos, ainda, que as relações de exploração no MPC acentuam-se e acirram-se de forma mais complexa se comparada à exploração direta e objetiva que acontecia nas sociedades antigas, como por exemplo, nas sociedades escravocratas e feudais. Isso ocorre porque no MPC a exploração do trabalho possui uma forma mais específica e complexa de compreensão, que evidenciamos nas análises desse trabalho (MARX, 1996).

Com isso, as relações sociais no capitalismo tornaram-se mercantilizadas, individualizadas e, principalmente, contraditórias. Entendemos essas características quando realizamos uma análise crítica, entendendo que os lucros gerados durante o processo de produção, ou seja, a mais-valia, não se destina aos trabalhadores, e sim aos empregadores, os capitalistas. Tudo isso confirma o quanto uma pequena parcela de homens são os detentores da riqueza, mesmo não tendo produzindo-a. Assim, a predominância das relações mercantis existentes no MPC reduzem todos os âmbitos e contextos da vida social dos indivíduos, sujeitando as esferas e dimensões da vida social primordialmente à dimensão econômica, onde se predominam as necessidades materiais. (MARX, 1996).

Em Marx (1996), a crítica do seu conhecimento acumulado consistiu em trazer ao exame racional, tornando conscientes os fundamentos, os condicionamentos e os limites – ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais. Ele empreendeu sua análise à sociedade burguesa, com o objetivo

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de descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica. Realizou críticas a muitas teorias de economistas ingleses da Europa Ocidental, como por exemplo, Adam Smith e David Ricardo, para que com o seu amadurecimento teórico pudesse reconsiderar e realizar suas análises a fim de construir sua própria teoria, partindo inicialmente da Mercadoria, porque Marx percebeu que nela estava concentrada toda a riqueza da sociedade, sendo nesse trabalho a categoria fundante para discussão do Fetichismo. Enquanto objetos materiais construídos numa organização social, conjuntural, política e histórica, as mercadorias, sob a sociedade capitalista vigente, são compreendidas superficialmente na maioria das vezes. Assim, com o intuito de possibilitar e/ou facilitar a compreensão sobre a Mercadoria e seus efeitos inerentes, nesse caso, especificamente o “Fetichismo”, construímos essa pesquisa bibliográfica e discutimos categorias indispensáveis para o Fetichismo da Mercadoria de forma “menos complexa” do que as análises próprias de Marx inseridas em O Capital. Assim, buscamos esclarecer desde as primeiras apreensões de Marx com a Economia Política até a construção de sua teoria social crítica, construída na obra O Capital.

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16 2 MARX E A APROXIMAÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA

O primeiro capítulo deste trabalho tratou de apresentar um panorama sobre o jovem Karl Marx1. Esse empenho se fez necessário à medida que objetivamos compreender historicamente e teoricamente O Capital, fonte de pesquisa dessa monografia. Além disso, desenvolvemos estudos categoriais de Marx que esclareceram o problema de pesquisa: Como Karl Marx apresenta, em O Capital, o “Fetichismo da Mercadoria?”. Devido ao escasso tempo da pesquisadora2 desse trabalho, a procedência de análise teve como elemento central a obra “Karl Marx – Vida e Pensamento” de David McLellan (1990), renomado marxista da Inglaterra, considerado um dos melhores escritores sobre o jovem Marx.

2.1 Jovem Marx: vida e obra

Nascido aos 05 de maio de 1818, em Bruckengasse, número 664, na Alemanha Ocidental, como aponta McLellan (1990), o cidadão Karl Heinrich Marx foi criado na cidade de Trier, localizada ao sul da Prússia Renana, no século XIX. Considerada a cidade mais antiga da Alemanha e com uma população de aproximadamente 15.000 habitantes, foi nela que Marx vivenciou a infância com seus irmãos. Essa província era considerada uma das partes mais privilegiadas da Alemanha, porque possuía muitas vantagens econômicas, principalmente às relacionadas aos transportes marítimos e ferroviários, bem como depósitos de carvão, ferro e outros metais. A cidade em que Marx viveu sua infância e parte de sua adolescência era conhecida pelas vinhas (plantação de videiras para produção de vinho), assim como pelas vegetações ricas e monumentos antigos (como as igrejas e prédios históricos) que caracterizavam e historicizavam a cultura da cidade. Essas características de forma direta ou indireta causaram influências sob o jovem Marx. Influências essas que repercutiram também na sua fase adulta. Além do mais, a forma como Marx foi criado e os costumes que cultivou na sua juventude foram muito importantes no desenvolvimento dos seus estudos de produção, de economia e religião. Somado a isso, Marx também desenvolveu uma paixão pela história e

1 Para McLellan (1990) retrata o adolescente que iniciou seus estudos na pequena cidade de Trier, na Alemanha

e aos quase 20 anos desenvolveu escritos sobre a realidade, através de um raciocinio crítico (diferentemtente do que ocorrera com a figura de Hegel) e também os embriões de compreensão do modo de produção capitalista. Ressaltamos, nesse sentido, que dentro da tradição marxista a compreensão sobre o jovem Marx e velho Marx não é consensual, portanto, em outros trabalhos essa análise pode variar.

2 Enquanto estudante de graduação em Serviço Social que em concomitância ao desenvolvimento do trabalho de

conclusão de curso estava participando de atividades acadêmicas externas e também do processo seletivo de mestrado em Serviço Social, não teve possibilidade de ampliar a discussão teórica neste trabalho.

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poesia que inicialmente partiram dos romances e costumes vivenciados na sua adolescência em Trier. De todo modo, essa formação juvenil muito influenciou Marx em toda sua vida e muitos costumes foram repercutidos até seus últimos dias de vida. (MCLELLAN, 1990).

Segundo David McLellan (1990), volvendo às décadas passadas, mais precisamente o século XIX, a família Marx, formada pelo jovem Marx, sua mãe, seu pai e seus irmãos, todos de origem rabínica, possuíam um reconhecimento muito significativo em Trier, Alemanha, cidade pequena, na qual Marx viveu sua infância e início de adolescência. Os rabinos naquela época eram muitos e estavam espalhados por toda a cidade. Embora os pais de Marx possuíssem traços com essa tradição rabínica, o jovem Marx não deixou de seguir a religião judia, pela qual foi batizado juntamente com seus irmãos no ano de 1824. Não obstante, a maioria dos rabinos de Trier do século XVI em diante foram ancestrais do jovem Marx. O judaísmo daquela época não era uma religião predominante na Alemanha, mas possuía raízes muito intensas em todos seus seguidores. Isso explica, portanto, a prevalência das raízes judaicas do jovem e velho Marx, em toda trajetória de sua existência. De acordo com o autor, em Trier, a família Marx vivia bem. Contava com o auxílio de duas empregadas e uma vinha próximo à casa em que moravam. Isso não significa dizer que possuíam uma vida luxuosa, com muitos gozos, mas sim que tinham dinheiro o bastante para viverem confortáveis. No entanto, as mudanças sistêmicas que Marx realizou, para fins de formação acadêmica, vieram a modificar essa estabilidade financeira que até então possuíam. Marx nasceu numa casa edificada com três andares, que acomodava 07 pessoas. Ele tinha oito irmãos, sendo o terceiro a nascer. Seus irmãos faleceram cedo por causa de uma tuberculose (o que futuramente também afetaria Marx), e isso o tornou o filho mais velho. Todavia, sobraram suas irmãs: Sophie, a quem ele foi mais próximo durante a infância, Louise e Emilie – que casaram cedo e durante a vida adulta perderam o contato com Marx.

Para McLellan (1990), certamente as vivências, passagens, família, escola e demais personagens que protagonizaram a vida de Marx, junto ao seu desejo pelo conhecimento foram determinantes para a formação do jovem renano. Isto porque Marx não queria se limitar em conhecer apenas sua cidade de origem e região. Ele sempre quis mais. E assim começou a prestar atenção nas disparidades existentes entre rico e pobre e o modo como cada um era tratado e visualizado na sociedade. Nesse intuito, Marx passou a olhar detalhadamente e criticamente a sociedade, empenho este que também derivou da sua condição na pequena cidade que morava, pois a sua origem judaica lhe excluía da integração completa na sociedade, porque nos ambientes comuns, o povo judeu era rejeitado. Essas particularidades

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nos mostram que mesmo incipiente, os embriões das análises críticas de Marx já revelavam a sua preocupação com o desenvolvimento da sociedade, a forma como ocorria os processos de produção e as diferenças existentes entre ricos e pobres. Assim, ele começou a questionar o que até então tinha sido naturalizado, principalmente, no que configurou a “exclusão social” daquela época.

Conforme McLellan (1990) descreve, Heinrich Marx, pai de Marx, nasceu em 1782. Foi considerado na pequena cidade de Trier um dos maiores líderes religioso da Alemanha. E para seu filho foi um grande conselheiro de vida e um amigo para todos os momentos. Heinrich muito se preocupou com a forma pela qual Marx era visto pela sociedade, principalmente por ser um judeu. O autor nos explica que embora houvesse um discurso de que os povos judeus tinham os mesmos direitos que os demais povos, isso não acontecia na prática. De outra maneira, as influências de Marx também vieram da sua mãe, que era uma mulher holandesa, filha de um rabino de Nijmegen. Seu nome era Henrietta Marx, e embora menos conhecida nas suas origens rabínicas, também tinha seus laços judeus permanentes, tendo sofrido junto de seu marido e seus filhos os preconceitos com o judaísmo. Mas, como trouxera Eleanor (filha de Karl Marx), era estranho demais o parentesco semi-holandês de seu pai ser tão desconhecido. As poucas descrições sobre Henrietta:

A retratam como uma mulher simples, sem instrução e trabalhadora, cujo horizonte era totalmente limitado a sua família e casa, muito inquieta, inclinada a se lamentar e moralizar sem senso de humor. É, portanto, bastante possível que Henrietta Marx mantivesse vivos na casa certos costumes e comportamentos judeus (MCLELLAN, 1990, p. 17).

Esses costumes e comportamentos judeus certamente influenciaram Marx desde sua juventude. Até os 12 anos de idade sua educação foi em casa. Na infância, frequentou a Escola Secundária em Trier. Os dois primeiros amigos mais particulares de Marx se chamavam Heine e Hess, um protestante e, o outro, um ateu confesso, respectivamente, que, assim como Marx, preservaram sua autoconsciência e costumes judeus até o fim de suas vidas. O intenso teor judeu de Marx nunca foi abandonado por ele, mesmo tendo enfrentado grandes dificuldades quanto à sua religião, que o colocou durante sua vida adulta em muitas polêmicas, donde sua origem judia foi arrastada ao debate. (MCLELLAN, 1990). Nesse sentido, McLellan (1990, p. 18), aponta que:

Alguns estudantes de Marx acreditam que encontraram a chave para todo o sistema de ideias de Marx em sua ascendência rabínica; mas mesmo que algumas de suas ideias – e até seu estilo de vida – tenham ecos da tradição profética, esta tradição em si é mais ou menos parte da herança intelectual ocidental; e seria muito simplista reduzir as ideias de Marx a um judaísmo secularizado.

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Sua principal influência na Escola Secundária foi o reitor Hugo Wyttenbach, professor de história e amigo da família Marx. Marx era conhecido na escola pelo seu acentuado deboche. Seus colegas de turma o temiam e o amavam “[...] porque ele estava sempre pronto para as brincadeiras de garotos e temido pela facilidade com que compunha versos satíricos contra seus inimigos e os ridicularizava” (McLellan, 1990, p. 22). O que acaba explicando o fato de Marx ter tido poucos amigos. Quando saiu dessa escola, tinha em torno dos vinte anos e os primeiros documentos que escreveu foram três ensaios para o exame final escolar alemão.

Marx fez um ensaio em latim sobre o imperador Augusto, um de religião e outro de composição alemã – que demonstravam mais individualidade na escrita. No ensaio de religião Marx demonstrou uma pequena herança cultivada de um Deus deísta semelhante às ideias e crenças do seu pai. Nesse contexto, muitos estudiosos de Marx evidenciaram que o embrião das ideias posteriores do velho Marx estava contido nas ideias e escritas daquele menino, e para McLellan (1990), isso é um erro convencional, porque esses ensaios iniciais foram criados por um adolescente de 17 anos, por isso, tentar “descobrir um embrião da ideia posterior de Marx sobre a “unidade entre teoria e prática” [...] novamente, isto é ler, no ensaio de Marx mais do que nele há, porque seus ensaios revelavam um idealismo puro, juvenil” (McLellan, 1990, p. 26). Além de demonstrar uma facilidade com a escrita, Marx expunha, ainda segundo McLellan, nesse período, um amor puro pela poesia, que foi demonstrado nos primeiros anos na Universidade. Essa paixão antiga de Marx foi incentivada pela sua amizade com o barão Von Westphalen, considerada a terceira maior influência ao jovem Marx, depois de sua família e escola que frequentou em Trier (MCLELLAN, 1990).

Como demonstra McLellan (1990), essa amizade fincaria laços no futuro de Marx sem que ele muito esperasse. O filho mais novo do barão, Ludwig von Westphalen, se tornou o sogro de Marx mais tarde, pois ele foi o pai de Jenny (a futura esposa de Marx). O pai de Marx e Ludwig ocuparam o mesmo serviço legal de advocacia em Trier e acabaram estreitando as relações entre as famílias ao tornaram-se amigos íntimos. Essa relação trouxe à tona a protagonista da vida de Marx, Jenny. Nesse período, Marx já demonstrava um afeto especial por Jenny, donde a inclinação pela poesia romântica se evidenciava em declarações e pelo seu relacionamento com ela. Marx estreitou a afeição e amizade pelo barão cada vez mais, e o tempo que este dedicou ao jovem Marx foi muito significativo, considerando que ele era um homem muito ocupado. Isso fez com que o pai de Marx depositasse uma confiança enorme nessa amizade, alertando seu filho quanto à sorte que ele tinha, porque:

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20 No primeiro período importante de sua vida você encontrou um amigo, e um muito digno, mais velho e mais experiente do que você. Será a melhor prova de seu caráter, espirito e coração, até de sua moral, se você puder conservar seu amigo e ser digno dele. (MCLELLAN, 1990, p. 28).

Após encerrar seus estudos em Trier, Marx se mudou para a cidade de Bonn, onde cursou a faculdade de Direito. A partir disso, os rumos da vida de Marx começaram a se distanciar da realidade vivenciada em sua cidade de origem. Nessa nova moradia, Marx gastava muito mais dinheiro do que sua família conseguia sustentar. Dois aspectos curiosos são o descuido e a desorganização de Marx com seus objetos pessoais e com o manuseio do seu dinheiro, e também as mudanças de comportamento do jovem que saiu de Trier. Em Bonn, Marx foi preso por perturbar o sossego noturno da vizinhança com barulho de bêbado. Ele passou a adotar hábitos que não eram de sua vivência, como por exemplo, a escrita de poesias baseando-se nas obras de Shakespeare, os duelos com seus colegas de faculdade, a ausência de notícias para sua família, o que muito preocupou seus pais e se tornou motivo de insatisfações constantes. Somado tudo isso e as dificuldades financeiras vivenciadas pela família Marx, Heinrich retirou seu filho da faculdade de Bonn, onde ele estudou apenas um ano, transferindo-o para a Universidade de Berlim. Chegando a Berlim, em 1836, Marx tratou de noivar formalmente com Jenny, mesmo que às escondidas da família dela. Em Berlim, a paixão de Marx pela poesia dobrou também com o noivado e a pressão do seu relacionamento que não possuía um futuro previsto. Esse noivado, que só era conhecido pelos pais de Marx e sua irmã Sophie, muito preocupou o jovem, no sentido de decepcionar seu fiel amigo (o barão). Por esse motivo, Jenny não se comunicava com Marx, e todas as notícias que ele tinha sobre sua noiva eram enviadas através de Heinrich, seu pai (MCLELLAN, 1990).

Nos estudos, Marx se debruçou, inicialmente, nas especulações filosóficas ao se deparar com a ideologia hegeliana de uma evolução racional na história, que evidenciava os aspectos libertadores e das questões sociais. “O longo período de intensa atividade intelectual em diversos campos, levando-o muitas vezes a trabalhar durante a noite, acabou num período de doença grave” (McLellan, 1990, p. 40). Pouco tempo depois de instalado, Marx precisou se mudar para Stralow, uma aldeia aos arredores de Berlim, onde ele continuou estudando e tentando compreender o idealismo de Hegel (1770-1831). Para isso, Marx passou a questionar e buscar as ideias no próprio real, o que era totalmente contrário e improvável de ser apreendido pelas concepções dos jovens hegelianos daquela época. Questionar tal filosofia foi um processo difícil para Marx porque em Berlim os ideais filosóficos de Hegel eram dominantes. Por isso, compreender e aderir à essa filosofia exigiu muitos esforços do jovem

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Marx, principalmente no sentido de sua crise espiritual (com o judaísmo) e com as ideias no plano do pensamento que eram defendidas por Hegel. Com a constatação de que não conseguiria discutir essa filosofia sem aderi-la para melhor compreendê-la, Marx fez uma adesão ao hegelianismo, marcando sua trajetória histórica com essa filosofia, sobretudo, com a finalidade de melhor compreendê-la, e assim poder através dessa fonte construir posteriormente suas próprias ideias (MCLELLAN, 1990).

Escreveu um diálogo de vinte e quatro páginas intitulado “ponto de partida e progresso necessário da filosofia (1837)”. Começou a se familiarizar com as ciências naturais, com a história e as obras de Schelling, deixando cada vez mais de lado seu idealismo romântico, que tanto lhe foi apaixonante. As leituras das obras hegelianas aconteceram individualmente e em grupo. Mas isso não era o bastante para o jovem Marx, porque ele pretendia elaborar seus pontos de vista sobre filosofia e sociedade, considerando sua insatisfeita e necessária adesão a filosofia de Hegel. Esses estudos, portanto, tomaram cada vez mais o tempo e a dedicação de Marx, o que ocasionou no seu distanciamento com a família. Com o falecimento do seu pai, em 1838, as relações familiares se enfraqueciam cada vez mais, porque além de não parar de estudar, Marx não recebia nenhuma ajuda de custo de sua mãe, uma vez que ela acabou se tornando a responsável pela renda familiar após o falecimento do seu pai. Assim, todas as despesas, dívidas e empréstimos feitos por Marx para permanecer na universidade o exigiam uma nova carreira, que de imediato lhe trouxesse alguma sustentabilidade, visto que não tinha quem o ajudasse (MCLELLAN, 1990).

Com a necessidade de sobrevivência, Marx decidiu prosseguir na carreira teórica. Sua estratégia inicial foi seguir a carreira de docência e como o pré-requisito para ser professor universitário era a existência de uma dissertação, assim, ele elaborou em 1839, uma tese, para conseguir um cargo de professor assistente de filosofia. Como aponta Sobreira Filho (2004, p. 18):

É um Marx com um pensamento político e filosófico ainda em construção e que recém concluíra – em 1841, aos 23 anos – a tese de doutoramento, iniciada dois anos antes e na qual o – ainda – jovem hegeliano buscava na filosofia grega o que esta tinha de aplicável e em que medida ela seria apta a compreender aquele século conturbado.

A elaboração de sua tese doutoral formalizou seu vínculo de professor assistente que até então tinha sido temporário, e com essa oportunidade de escrita, Marx refutou a ideologia de Hegel e dos semelhantes a este, colocando seu trabalho nos projetos polêmicos da época. Tanto a dissertação quanto sua tese tratou da filosofia de Hegel, pois Marx estava decidido a compreender e construir suas interpretações desta filosofia. Para esse feito, Marx contou com

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o apoio de Bauer, que nesse momento era um aliado e depois se tornou um adversário. Bauer era um hegeliano de esquerda, que liderava o Clube de Doutores, em Berlim, o qual Marx participava junto dele. Em polêmicas como essas, Marx colocou em risco toda sua carreira universitária que ainda estava em construção, e precisou com urgência encontrar outra forma de trabalho (MCLELLAN, 1990).

De acordo com McLellan (1990), em meados de 1842, Marx adotou o Jornalismo como carreira, com a finalidade de assegurar sua subsistência. Começou, portanto, a escrever vários artigos, apesar de ser conhecido por abandonar muitos projetos que havia iniciado, não concluindo nenhum destes. Nesse mesmo ano, Marx se mudou para Colônia com a intenção de escrever alguma coisa que fosse publicada e lhe garantisse alguma renda. Mas em colônia, isso não surtiu efeito. Insatisfeito, Marx retornou para Bonn com seu amigo Bauer, embora fosse este o único ano desses dois juntos. As visitas de Marx à Colônia eram constantes porque ele se envolveu num movimento de oposição liberal da cidade, de política prática que o afastou dos jovens hegelianos e o fez assumir o controle de um editorial chamado Rheinische Zeitung, no século XIX. Colocando cada vez mais expectativas com sua carreira de Jornalista, Marx passou a se interessar por questões sociais, pelos estudos das condições socioeconômicas da Renânia, a fim de evidenciar as dificuldades vividas pela população alemã nos seus artigos para publicação (o que futuramente lhe trouxe problemas). Ao passo em que realizava seus estudos socioeconômicos, Marx desagradava o governo, porque o desconhecimento majoritário dos indivíduos acerca das verdadeiras condições objetivas de vida que tinham era e atualmente ainda persiste como uma estratégia contundente para manutenção da dominação da classe trabalhadora, considerando que sem questionamentos e conhecimentos críticos a dominação de uma classe sobre a outra se torna mais fácil. Com publicações e obras que alteravam o significado dessas pré-condições de dominação do Estado sobre a sociedade civil, os artigos de Marx colocaram sua carreira de editor em risco, culminando em censuras de seus editorais e em seguida, extinção, porque seus trabalhos não atendiam nem favoreciam a classe burguesa e muito menos a dominação estatal.

Com a extinção do Rheinische Zeitung, mais uma mudança se fazia necessária na vida de Marx. Novamente, como alude McLellan (1990) nas suas passagens sobre o jovem Marx, ele precisou emigrar. Desta vez, Marx mudou-se para Paris/França, aonde chegou com preocupações imediatas de conseguir um emprego seguro para finalmente se casar. Ao conseguir uma estadia e dar continuidade ao seu trabalho como Jornalista, ele realizou seu casamento, na Igreja Protestante e no Cartório em Kreuznach aos 19 de junho de 1843. E foi

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em Paris, nesse mesmo ano, que ele se deparou com as Teses preliminares para a Reforma da Filosofia de Feuerbach. Marx já havia estudado Feuerbach na sua juventude, quando precisou elaborar sua tese doutoral, onde inicialmente já se encantou com o que lera. Mas ao estudar essas teses, ele se surpreendeu porque constatou que a sua percepção sobre a filosofia havia mudado, ao compreender que “a verdadeira relação entre pensamento e ser é a seguinte: o ser é sujeito, o pensamento é o predicado. O pensamento surge do ser; o ser não surge do pensamento” (MCLELLAN, 1990, p. 81). Apesar de animado e satisfeito com o que havia compreendido ao ler as teses de Feuerbach, McLellan (1990) aponta que Marx demonstrou nessas teses que o deixava insatisfeito, porque para Marx:

o caminho em frente era a política, mas uma política que questionava as concepções correntes da relação entre estado e sociedade. Foram as Teses de Feuerbach que permitiram que ele efetuasse sua inversão particular da dialética de Hegel (MCLELLAN, 1990, p. 82).

Ainda que pontuasse a forma como via o caminho em frente, a influência de Feuerbach, para Marx, não deixou de ser evidenciada em suas futuras obras. Na crítica que Marx elaborou à Filosofia Política de Hegel, em 1843, ele deixou claro que Feuerbach era um grande filósofo, mas não deixou de realizar suas inquietações e ponderações quanto à teoria feuerbachana. Marx e Feuerbach assinalaram que a filosofia de Hegel inverteu a relação correta da filosofia, porque ele colocou o pensamento como determinante da realidade, e não o contrário, que para ambos era o correto. Afinal, para Marx, se Feuerbach se referisse menos à natureza e mais à política, não haveria ressalvas de sua parte. Outro argumento utilizado por Marx para fundamentar sua crítica à filosofia política de Hegel foi a afirmação de que, através da realidade, o pensamento se concretizava. E que as especulações realizadas por Hegel classificavam seus estudos como especulativos e subjetivos, desconsiderando o fator predominante – o real. Afinal,

A crítica fundamental de Marx a Hegel era que os atributos da humanidade como um todo foram transferidos para um indivíduo ou classe particulares, que assim representava a universalidade ilusória da vida política moderna. (MCLELLAN, 1990, p. 86).

Na França, Marx viveu momentos diversos, desde os entusiasmos à escrita às preocupações econômicas. Sofreu, sobretudo, um impacto socialista porque frequentava a casa de um dos líderes da Liga dos Justos, o famoso Germain Maurer. E em concomitância a isso, escrevia para o editorial Deutsch-Franzosische Jahrbucher (1844). Para esse editorial, Marx elaborou artigos que tratavam sobre os contrastes das condições de vida entre a Alemanha e a França. Ele abordava principalmente o desenvolvimento das cidades, as

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condições de trabalho e de vida de ambas as populações. Esses artigos tinham o objetivo de ser publicados na Alemanha pelos seus colegas de jornal com o intuito da população alemã ficar consciente da situação de calamidade que vivenciavam. Pela sua condição de emigrante, Marx tinha muito conhecimento sobre a forma de vida de ambos os países, e isso lhe evidenciava que nenhuma classe da sociedade civil da Alemanha tinha a capacidade de realizar a emancipação universal, porque não existia uma vida intelectual entre os indivíduos, diferentemente da população francesa que tinha as condições de emancipação possíveis e passiveis de serem realizadas, embora o governo ainda impusesse dificuldades para a formação intelectual dos homens (MCLELLAN, 1990).

Esses artigos de Marx foram os resultados de longos anos estudando e questionando as condições de vida dos operários, da emancipação humana, do conhecimento e do desenvolvimento industrial. Sobretudo, Marx considerou que o proletariado que observara estava começando a existir, e a tendência era que a pobreza apenas aumentasse assim como a emigração dos homens para procurar melhores condições de vida e de trabalho nos grandes centros urbanos, uma vez que estas condições não eram oferecidas na Alemanha. Como de praxe, os artigos publicados por Marx incomodaram, tanto pela linguagem rebuscada quanto pela forma que ele evidenciava e realizava suas críticas ao governo. Esse feito culminou na ordem de prisão à Marx e aos seus amigos do jornal, Heine e Hess. Assim, Marx se tornou um refugiado político durante o resto de sua vida (MCLELLAN, 1990).

Em Paris, Marx se deparou com o Comunismo e isso fez com que ele mudasse seu estilo de vida boêmio. Além do modo de viver, Marx perdeu alianças amigáveis que lhe eram importantes, como, por exemplo, a sua amizade com o coeditor do Deutsch-Französische Jahrbücher, Arnold Ruge, que não suportava comunistas e ao descobrir que Marx se identificou com o Comunismo se afastou dele definitivamente. Como tantos acontecimentos que perpassavam a vida de Marx, houve um período de sua vida que ele se aproximou dos emigrantes aristocratas russos, principalmente com Bakunim. Também manteve contato com socialistas franceses, a exemplo, Louis Blanc (1811-1882) e Proudhon (1809-1865) que se tornara alvo de densas críticas quando Marx afirmou que Proudhon possuía concepções muito abstratas e contraditórias da realidade. Paris proporcionou a Marx o encontro com o amigo de sua vida, quando ele conheceu Friedrich Engels (1820-1895), aos 28 de agosto de 1844, no Café de la Régence, ponto de encontro diário para longas conversas, discussões e produções entre os dois amigos. Nesse mesmo ano, Marx escreveu muitas notas sobre a Economia Política. Essas notas foram mais tarde reorganizadas e imprescindíveis para elaboração de O

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25 Capital (MCLELLAN, 1990). Ficaram conhecidas como “Manuscritos de Paris (1844)”, e são organizados da seguinte forma:

[...] O primeiro – de vinte e sete páginas – consiste sobretudo de excertos de economistas clássicos sobre salário, lucro e renda seguido de reflexões do próprio Marx sobre trabalho alienado. O segundo é um fragmento de quatro páginas sobre a relação entre capital e trabalho. O terceiro consta de quarenta e cinco páginas e compreende uma discussão sobre propriedade privada, trabalho e comunismo; uma crítica da dialética de Hegel; uma secção sobre produção e divisão do trabalho; e uma secção curta sobre dinheiro. O quarto manuscrito, de quatro páginas, é um sumário do capítulo final da Fenomenologia de Hegel (MCLELLAN, 1990, p. 120).

Os manuscritos condensam todas as anotações que Marx realizava nesse período, mesmo que ele tenha parado e depois voltado a escrever. Sendo um refugiado político, Marx não tinha outra saída a não ser a emigração, e sempre que as ameaças de prisão lhe eram mais próximas, ele precisava sair de onde estava. Porém Marx não saiu refugiado solitariamente, também foram perseguidos seus amigos Heine e Hess, por terem contribuído com ele nas suas empreitadas. Depois de Paris, ele partiu para Bruxelas, capital da Bélgica, para ficar algum tempo a fim de escrever trabalhos e também produzir junto do seu fiel amigo, Friedrich Engels. Nesse período, Marx escreveu a Questão Judaica, publicada nos anais franco-alemães, e junto de Engels construiu a Sagrada Família. Antes de chegar à Bruxelas, Marx havia assinado um contrato com Karl Leske, editor conhecido de Paris, para produzir um livro intitulado “uma crítica da economia e política”, o que seria dado a sua atenção por longos anos de sua vida (MCLELLAN, 1990).

Em Bruxelas, Marx passou três anos, e desfrutou de seus maiores anos de sossego e felicidade, porque além de estar acompanhado de sua família (que crescia, pois Jenny estava grávida), ele possuía uma renda confortável para seu bem estar. Mas ainda assim, Marx se ausentou em alguns momentos para longa e intensa atividade intelectual, que embora já tivesse mérito próprio, agora se intensificava com o incentivo de Engels, que insistia para que Marx produzisse o livro que havia sido encomendado. Engels dizia a Marx que devia apressar na sua produção enquanto a “mentalidade do povo está madura e devemos malhar o ferro enquanto está quente” (MCLELLAN, 1990, p. 154). Com isso, Marx passou muito tempo escrevendo, conhecendo outros idiomas, e dedicando seus estudos ao conhecimento mútuo de diferentes assuntos. Assim, nos seus primeiros meses em Bruxelas, ele:

dedicou-se as leituras em francês sobre problemas econômicos e sociais, a fim de compreender plenamente a maneira de operar da sociedade burguesa, os fatores que determinavam o processo histórico geral e as possibilidades de emancipação proletária (MCLELLAN, 1990, p. 155).

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Ainda sob influência das teses de Feuerbach, Marx esboçou junto de seu fiel amigo muitas ideias que deram origem mais tarde A Ideologia Alemã, considerada atualmente uma de suas principais obras. Marx e Engels eram constantemente criticados por discípulos comunistas de Feuerbach, a exemplo, de Stirner, e por isso fizeram questão de elaborar A Ideologia Alemã, para que os desentendimentos que possuíam com as análises de Feurbach fossem explicitados “e também para tratar das últimas manifestações de um idealismo Jovem Hegeliano, o criticismo puro” (McLellan, 1990, p. 158) de Bauer (que foi um dos principais seguidores de Hegel) e o egoísmo de Stirner (que fazia parte dos jovens hegelianos que elucidavam a teoria filosófica de Hegel). Podemos assim perceber que Marx interrompeu seus escritos diversas vezes e por diferentes motivos. Com a sua “Economia e Política” não foi diferente, Marx queria, com essa obra, rebater as críticas pessoais e as refutações equivocadas feitas a seu respeito (MCLELLAN, 1990).

Um de seus maiores esforços com Engels desde o começo de 1846 foi encontrar alguém que publicasse “A Ideologia Alemã”, uma vez que esta obra foi recusada para publicação devido aos altos índices de censura que eram realizados, sejam pela política ou pela oposição dos editores às suas ideias. Além disso, incomodado pela impaciência do seu contratante e pelas cobranças de Engels, Marx continuou trabalhando em seu livro Economia e Política, que nesse ano já estava ameaçado de cancelamento, não podendo ser evitado em 1847, quando o editor quebrou o contrato. A relação de Marx e Engels foi de muito companheirismo, desde o primeiro momento em que se conheceram. Tanto na carreira política, teórica e pessoal, Engels manteve-se presente. Eles compactuavam com as ideias, almejavam escrever livros juntos e com muitos esforços assim fizeram a Miséria da Filosofia, em 1847, e o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, contando com o auxílio um do outro, em suas ideias que se correlacionavam como demonstra (MANDEL, 1968). No Manifesto (1845), Marx e Engels mostram o quanto a luta de classes é o “motor da história”, isto é, o que faz a sociedade se transformar constantemente. Essa constatação se deu quando realizou-se uma análirealizou-se sobre a evolução da história da humanidade e o advento do capitalismo que trouxe muitas modificações para sociedade (LE MARX, 2019). Por outro lado, a “Miséria da Filosofia (1847” foi um livro construído pelos dois amigos, que apareceu como uma resposta contrária à filosofia de Proudhon, onde eles elaboraram suas análises sobre a economia burguesa (MARX, 2010).

Após momentos tão intensos na vida de Marx, de pausas e recomeços, ele não imaginara que os próximos anos de sua vida seriam totalmente estáveis. Ao imaginar que sua

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estadia em Londres/Inglaterra seria uma passagem muito rápida, Marx estava completamente enganado, e para resumir esse equívoco em poucas palavras, McLellan (1990, p. 243) traz a seguinte frase “NADA, FOI DITO, dura como o provisório”. Quando chegou à Inglaterra, Marx não imaginou que esta se tornaria sua casa permanente. Junto a sua nova estadia, vieram também as dificuldades financeiras, vivenciadas desde as dívidas na universidade, e que se agravaram com o falecimento do seu pai, porque afinal, ele havia se tornado o responsável pela sua subsistência e de sua família. Apesar do pouco recurso, a família de Marx conseguiu passar muitos anos em Londres. Seus primeiros meses no país lhe exigiram atividades a favor dos refugiados alemães, na organização da Liga Comunista e nos seus esforços para criar um jornal mensal que lhe rendesse como o Neue Rheinische Zeitung havia feito (MCLELLAN, 1990).

Com o intuito de descansar e esquecer suas preocupações constantes, assim como os dilemas familiares que vivenciara, principalmente no quesito financeiro, Marx encontrou abrigo no Museu Britânico de Londres, nos anos de 1850 a 1851. Nesses anos, ele dedicou-se totalmente à retomada dos seus estudos econômicos que havia negligenciado desde sua saída de Paris. Presunçoso da vinda de uma crise comercial e financeira, a qual seria pré-condição para uma Revolução na Inglaterra, Marx procurou sinais dessa suposta crise no desenvolvimento industrial do país. Ao ser incentivado e cobrado por Engels, quanto aos seus estudos econômicos, Marx adiantou bastante sua Economia, mas ainda a deixou de lado quando sua estabilidade financeira e situação de pobreza se agravou. Foi necessário parar os estudos e voltar aos trabalhos com o Jornalismo para que pudesse sobreviver. Para ele, o Jornalismo havia se tornado um trabalho de sobrevivência, onde o pagamento imediato sanava suas dificuldades primordiais (MCLELLAN, 1990). Com isso, segundo McLellan (1990, p. 592), Marx relatou que o jornalismo o aborrecia, mas que era necessário trabalhar constantemente com ele, porque afinal era a forma mais rápida de sanar suas necessidades financeiras. Marx desabafou:

A contínua porcaria jornalística me aborrece. Toma muito tempo, dispersa meus esforços e, na análise final, não é nada. Por mais independente que se queira ser, ainda se é dependente do jornal e especialmente de seu público se, como acontece comigo, o pagamento é recebido em dinheiro. Obras puramente científicas são algo completamente diferente.”

Apesar dessa constatação, um tanto quanto surpreendente para nossa análise porque pensávamos que Marx havia sido um jornalista totalmente satisfeito, é relevante destacarmos o quanto a forma que Marx escreveu seus artigos foram elogiados pelo seu melhor amigo –

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Engels, apesar de sua utilização de palavras rebuscadas e o jeito modesto de posicionamento ter dificultado a compreensão, segundo Engels (MCLELLAN, 1990).

Nos anos 1860, a trajetória de Marx é marcada de forma silenciosa. Mas ainda assim, ele escreveu no período de 1857-63 alguns artigos importantes sobre a luta de classe, também elaborou os Grundrisse (1857), Crítica da Economia Política (1859), Salário, Preço e Lucro (1865) e outros textos (LE MARX, 2007). Além disso, a doença que matou seus irmãos - jovens falecidos, lhe perseguiu por um bom tempo e a tristeza pelo falecimento de sua esposa – Jenny Marx. O cansaço se fazia presente, e a disposição e agitação dos anos anteriores já não eram tão presentes. Nos anos 1870, Marx passou mais tempo em casa, e esta não era mais um local de reunião de refugiados ou encontro de boêmios, porque sua rotina havia se tornado bastante regular. Mas ainda assim, ele “gostava de trabalhar durante a manhã, andar depois do almoço, jantar as seis e receber amigos às noves” (MCLELLAN, 1990, p. 438). Não é de se estranhar que a visita mais frequente era feita pelo seu amigo de vida, Engels. Nessa condição, Marx passou mais tempo em casa e próximo à família. Apegado ao amor de sua esposa, seus filhos e netos, Marx chamava o neto mais velho de “a pupila dos meus olhos” e com ele brincava (McLellan, 1990, p. 440). Pai de cinco filhos (Franziska, que faleceu um ano depois do seu nascimento); Edgar Marx, Laura Marx, Jenny Marx e Eleanor Marx, cada um deles nascido em países diferentes, em condição da vida turbulenta do pai, Marx era, sobretudo, um homem íntegro, bom e admirado pelos filhos.

Os últimos anos de Marx, na década de 1880, foram marcados pela dura perda da sua esposa e da sua filha. Um período antes do falecimento de sua esposa, Marx teve uma agravação na sua doença, marcado por dois meses de cama com bronquite. Nesse período, Engels permanecia presente, e era um escudo para as filhas de Marx, que, junto dele, temiam a sua morte. Jenny, sua esposa, faleceu em 02 de dezembro de 1881, e Jennychen faleceu aos 11 de janeiro de 1883. Marx também “se sentia duplamente aleijado: “moralmente pela perda da minha esposa, e fisicamente pelo engrossamento da pleura” (McLellan, 1990, p. 475) e “irremediavelmente despedaçado pela morte de sua “primogênita, a filha que ele mais amava” (McLellan, 1990, p. 477)”. Um dia antes de sua morte, isto é, na manhã do dia treze de março de 1883, Marx tomou vinho, leite e sopa e quando Engels chegou para sua visita rotineira encontrou a cena mais triste, ao se deparar com as últimas horas do seu amigo.

“Resumindo seu desdém pela sociedade burguesa e seu internacionalismo, Marx morreu tanto sem testamento como sem pátria. Foi enterrado no cemitério Highgate aos 17 de março de 1883” (MCLELLAN, 1990, p. 478). Faleceu em Londres, aos 14 de março de 1883,

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com 65 anos. O que nos permite concluir que ele viveu intensamente cada fase de sua vida, desde sua formação até a constituição da sua família, não deixando de lado a dedicação primordial ao conhecimento das suas crenças, ideais e da sua formação política. Marx estava atento a tudo que acontecia, e não estava apegado a nada que não lhe fosse tão urgente como sua necessidade de sobrevivência, e por isso não pensou duas vezes quando precisou abandonar seus estudos para seguir com o trabalho. O que impediu Marx de terminar a obra de sua vida (O Capital) foi sua doença, que limitou a conclusão de sua mais grandiosa obra. Afinal, o que McLellan (1990) faz questão de enfatizar, na sua extensa biografia, é o caráter de Marx. Como ele descreve, Marx foi um homem carinhoso, apaixonado pela sua esposa e família, considerado um grande redator de gazeta, que participou assiduamente da Liga dos Comunistas e um dos fundadores da Primeira Internacional – organização de trabalhadores operários – que não se contentou com a naturalidade que os homens eram explorados (MCLELLAN, 1990).

Assim, com essa breve biografia, buscamos continuar a análise de Marx acerca da sociedade burguesa. Percebemos, até o momento, que os longos anos de vida de Marx foram marcados por sua dedicação quase total aos estudos e que seu amadurecimento e capacidade crítica percebida desde seus artigos até suas obras completas foram totalmente importantes para que ele chegasse à construção de “O Capital”. Além disso, apreender resumidamente a história de vida de Marx tratou também do alcance de um dos objetivos dessa pesquisa, quando consideramos importante apresentar a biografia de Karl Marx para que, em seguida, pudéssemos contextualizar teoricamente a obra O Capital e o “Fetichismo da Mercadoria”, definido como tema dessa pesquisa. Ressaltado isso, na continuidade desse trabalho desenvolvemos o encontro de Marx com a Economia Política e, necessariamente, os diferentes tratos que Marx deu à essa economia, que maiormente influenciaram sua carreira e construção de sua teoria social crítica, fundamentada na sua principal obra – O Capital.

2.2 Marx e o encontro com a Economia Política

A transitoriedade dos estudos de Marx sejam os relacionados à economia ou não, marca sua trajetória de vida. Os seus conhecimentos que sobrevieram, ao contrário do que muitos estudiosos podem equivocadamente acreditar, não foram construídos velozmente. Marx era um homem muito inteligente, e dedicou sua vida aos estudos com intuito de compreender a realidade. Por isso nunca parou de estudar, mesmo nos momentos mais

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atordoantes de sua vida. Realizou pausas em seus estudos em detrimento de suas condições objetivas e subjetivas de existência, mas nunca abandonou os estudos por completo.

O primeiro contato de Marx com a Economia Política (EP) aconteceu quando da elaboração e estudos críticos que ele estava realizando na filosofia Hegeliana, ao chegar a Berlim, em 1842 e no outono de 1843 sobre os economistas clássicos. Houve também algumas leituras na universidade e na produção dos seus artigos para publicação enquanto jornalista, que também tinham um pouco de economia. Instalado em Paris, austero para continuar sua crítica à filosofia política de Hegel, Marx escreveu muitas notas sobre economia clássica, comunismo e Hegel (os quais foram alvos de suas análises durante toda sua vida). As notas ficaram conhecidas como os “Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844”, justo período de escritas prolongadas e estudos que marcam o encontro direto de Marx com a EP. Nesses manuscritos de 1844, Marx demonstrou toda sua influencia adquirida com o humanismo de Feuerbach, e não à toa essa característica marcou suas anotações, tornando-se o elemento central delas. No primeiro manuscrito que realizou, sobretudo, econômico, ele passou a retirar extratos e trechos dos livros dos economistas clássicos para se debruçar nos estudos e realizar suas indagações. Na primeira seção destes manuscritos, ele baseava-se em Adam Smith, e assim pôde perceber que a dura luta entre trabalhador e capitalista que era determinante dos salários, era também a condição que reduzia o próprio trabalhador à categoria de Mercadoria (MCLELLAN, 1990). Nesse sentido,

[...] O trabalhador não podia ganhar: se a riqueza da sociedade estava diminuindo, era ele quem mais sofria; se estava crescendo, isso significava que o capital estava sendo acumulado e o produto do trabalho estava cada vez mais alienado do trabalhador (MCLELLAN, 1990, p. 121).

Marx afirmava que o trato que a EP dava aos homens, era o mesmo trato dado a uma casa, desconsiderando a realidade da existência dos homens, do seu tempo livre e utilizando de muitas abstrações para querer explicar o real. Por isso, seus questionamentos iniciais foram relacionados à evolução da humanidade, ao trabalho abstrato, a compreensão de quais os erros cometidos pelos defensores de uma reforma gradual e, portanto, necessária, para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Na segunda sessão, Marx definiu o capital “como o poder de exercer ordem sobre o trabalho e seus produtos; os meios pelos quais os capitalistas têm lucros tanto de salários como de matérias-primas avançadas; os motivos que inspiraram os capitalistas; e a acumulação do capital e competição entre capitalistas” (MCLELLAN, 1990, p. 122). Marx apresentou uma espécie de contraproposta positiva à alienação sofrida pelos homens, sob o MPC, em condição de operários, que ele denominou de Comunismo.

Referências

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