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Crise econômica recente e a subutilização do trabalho nos mercados de trabalho carioca e metropolitano fluminense

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Academic year: 2021

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CRISE ECONÔMICA RECENTE E A SUBUTILIZAÇÃO DO TRABALHO NOS MERCADOS DE TRABALHO CARIOCA E METROPOLITANO FLUMINENSE

Resumo:

Esta investigação procurou avaliar os efeitos espaciais diferenciados da crise econômica recente nos mercados de trabalho carioca e metropolitano fluminense, num contexto de grave crise política fluminense, tomando como referência a evolução dos indicadores de subutilização do trabalho, tais como propostos pela 19ª CIET/OIT e disponíveis na PNAD Contínua do IBGE. Além da teoria econômica mainstream ser a-histórica e a-espacial, desconsiderando os impactos desiguais da política econômica em distintos territórios, e ignorar o fato de que o mercado de trabalho é uma relação de poder (OFFE; HINRICH, 1989), no qual a força de trabalho se desloca na direção do demandante de trabalho para sobreviver (GAUDEMAR, 1977), despreza também os efeitos que o uso de ferramentas monetárias que induzem à redução da atividade em momentos de crise causam para a oferta de trabalho. Como resultado do conjunto de ações de política econômica implementadas desde 2015 até 2017, as taxas de participação por grupos de idade se elevaram na maioria dos estratos, mas o nível de ocupação se reduziu, levando a que as taxas de desocupação e composta de subutilização do trabalho com relação às observadas em 2014 mais que dobrassem, na capital (de 5,0% para 12,3%, e de 7,5% para 15,8%, respectivamente) e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (de 6,2% para 14,9%, e de 8,7% para 18,5%, respectivamente). Estes resultados demonstram que a força de trabalho da periferia da capital, na qual as condições são mais precárias, sofreu os maiores impactos da política econômica, e que devem se agravar diante das mudanças trabalhistas aprovadas pelo atual governo.

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CRISE ECONÔMICA RECENTE E A SUBUTILIZAÇÃO DO TRABALHO NOS MERCADOS DE TRABALHO CARIOCA E METROPOLITANO FLUMINENSE

Helcio de Medeiros Junior*

1. Introdução

A relação existente entre trabalho e território no modo de produção capitalista, tendo por referência a corrente econômica adotada pelo governo (mainstream), é, em geral, desconsiderada, apesar dos fatos econômicos por ela tratados ocorrerem em um território produzido dialeticamente, de maneira histórica e socialmente conflituosa. Tal distanciamento reflete sua natureza a-histórica e a-espacial, e a perspectiva utilitarista adotada para o trabalho – um objeto de uso para o capitalista –, lhe é conveniente e premissa para nortear seus esforços para a reprodução do capital. Em seu benefício, e não por acaso, a teoria neoclássica/novo-clássica liberal-ortodoxa que baseia o pensamento econômico do governo (PAULA; SARAIVA, 2015b) ignora o fato de que o mercado de trabalho é uma relação de poder no qual a força de trabalho, por necessitar sobreviver, tem um diferencial negativo que beneficia o contratante (OFFE; HINRICH, 1989), e ao se deslocar na direção do demandante de trabalho (GAUDEMAR, 1977) o favorece. Além do demandante ter trabalhadores à disposição no exército industrial de reserva (MARX, 1996) em condições econômicas normais para reduzir o custo variável (salários) e extrair mais-valia, nos momentos de crise ocasionados pelo uso de ferramentas monetárias que levam à redução da atividade econômica e do emprego com aumento da oferta de trabalho, se aproveita para elevar ainda mais os lucros pela extração de mais-valia superior.

A cegueira neoclássica/novo-clássica liberal-ortodoxa em termos territoriais é ideologicamente conveniente para a reprodução do capital, mas socialmente desestruturante. Ao pôr em prática políticas econômicas a-espaciais que têm no espaço um meio de produção e bem de consumo (MINGIONE, 1977 apud DAVIDOVICH, 1980), privilegiando áreas nas quais há, dentre outros requisitos, maior acúmulo de investimentos públicos em infraestrutura que retornam maiores taxas de lucro e acumulação, perpetua e aprofunda as desigualdades socioespaciais, por levar

* Economista do Instituto Pereira Passos (IPP-Rio), Doutor em Planejamento Urbano e Regional

(UFRJ/IPPUR), Pós-doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano (Unifacs) e membro do Grupo de estudos urbanos e regionais-GERURB/CNPq. E-mail: hmedeirosjunior@gmail.com.

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3 a maior empobrecimento relativo os territórios menos estruturados e polarizados por outros melhor aquinhoados por indústrias, bens e serviços e renda. A ação liberal-ortodoxa, ao aliar interesses políticos e geográficos, “caracteriza a geografia específica do capitalismo” (SMITH, 1988, p. 16-17) com suas escolhas locacionais em benefício de territórios que ofereçam maiores retornos ao capital em detrimento de outros. Ao gerar ilhas de prosperidade num mar de incertezas, articuladas com áreas geográficas distintas por subordinação e interdependência (MASSEY, 1995), as escolhas locacionais provocam ritmos de desenvolvimento desigual e combinado como observou Léon Trotsky em sua teoria (TROTSKY, 1977).

Como resultado dos diferentes ritmos de desenvolvimento e dinamismo da atividade econômica, os residentes em idade produtiva dos territórios menos assistidos tendem a migrar em busca de oportunidades de emprego e renda (MARTINE, 1987), definitiva ou temporariamente, para locais mais dinâmicos. Dessa forma, a existência de atividade econômica com dinamismo inferior e a menor oferta de serviços e de alternativas laborais nos territórios periféricos polarizados por grandes cidades, são constrangimentos que se agravam em épocas de crise econômica, haja vista a redução de oportunidades. Em razão da menor dinâmica de geração de empregos, a oferta de trabalho na periferia se eleva mais rapidamente nestes locais na medida da carência crescente e exacerba o deslocamento em direção às áreas centrais,

onde grande parte dos habitantes das periferias exerceria suas atividades produtivas e buscaria os bens e serviços mais complexos necessários, porém, inexistentes ou pouco desenvolvidos em seus lugares de residência. (CUNHA, 1994, p. 52).

Assim, a deslocação da força de trabalho na direção do demandante de trabalho em busca de ocupação, que se dá por necessidade, ganha contornos de dramaticidade e eleva a desocupação na periferia, sendo esse o efeito socioespacial perverso da política econômica liberal-ortodoxa a-espacial que penaliza o trabalhador em maior grau do que a mobilidade pendular (CUNHA, 2012) por motivo de trabalho. Tendo em vista o exposto, e com o propósito de demonstrar os efeitos da crise iniciada em 2014 sobre a força de trabalho da cidade do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, bem como seus prováveis desdobramentos, este trabalho se organiza em três seções além desta introdução. Na segunda se farão considerações sobre a política econômica liberal-ortodoxa e a crise recente; na terceira se recorrerá às informações relativas à subutilização da força de trabalho para

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4 os dois recortes mencionados, com o intuito de demonstrar o resultado diferenciado das ações implementadas pelo governo federal, e; na quarta e última se farão considerações sobre a evolução dos indicadores utilizados e os efeitos adicionais que sobrevirão com a aprovação da reforma trabalhista

2. Política econômica e crise recente

A teoria liberal-ortodoxa na qual se baseia a política econômica governamental abrange o pensamento dos economistas clássicos1, neoclássicos2, monetaristas3 e,

mais recentemente, dos novo-clássicos4, e é composta por um conjunto de princípios

e propostas de ação que têm sido largamente utilizadas por governos dos países do centro do sistema capitalista, e dominado a política econômica em países dependentes da periferia, por meio de representantes formados em suas escolas que ocupam posições-chave nos governos nacionais.

Em termos práticos, as premissas dos economistas novo-clássicos não diferem em demasia da dos clássicos/neoclássicos no que diz respeito à capacidade dos mercados se equilibrarem via preços e os agentes (empresas e trabalhadores) se comportarem segundo seus interesses (maximizam suas funções de lucro e utilidade, respectivamente). Divergem apenas quanto às informações disponíveis, cujo acesso para os clássicos/neoclássicos é pleno e para os novo-clássicos, parcial. Para ambos, os trabalhadores têm características homogêneas e os indivíduos são racionais, concebendo o funcionamento da economia perfeitamente como se todos os cidadãos fossem laureados economistas, mas os novo-clássicos consideram que os indivíduos decidem com base nas informações que possuem.

O arcabouço sobre o qual os novo-clássicos, adeptos das expectativas racionais5, se baseiam para proporem ações de política econômica são a defesa da

independência do Banco Central (BC) e a existência de uma âncora nominal como as metas inflacionárias, que devem ser perseguidas e gerar menor custo em termos de produto. Quanto à primeira proposição, observa-se já há muito tempo a tentativa de aprovar a independência do BC no Congresso Nacional com vistas a tornar “técnica” a decisão quanto ao nível de taxas de juros, desconsiderando que há questões

1 Smith, Say, Ricardo e Mil (séculos XVIII e XIX).

2 Walras, Pareto, Marshall, Pigou, Schumpeter etc. (século XIX).

3 Friedman e Hayek (século XX).

4 Lucas e Sargent (século XX).

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5 políticas e territoriais envolvidas nessa decisão. Concorre para esta impossibilidade a dominância exercida pela presença classista deletéria à frente dos órgãos que tratam das decisões sobre mudanças na taxa Selic, uma vez que o Ministro da Fazenda e o presidente do BC são, ambos, oriundos do mercado financeiro. Sob o argumento de que possam haver “interferências políticas” no trato da política econômica, encobrem o interesse rentista subjacente.

Já quanto à segunda proposição, o Regime de Metas de Inflação (RMI) é a solução sugerida pelo Novo Consenso Macroeconômico (NCM), que junta elementos teóricos monetaristas, novo-clássicos, do ciclo real de negócios e novo-keynesianos6.

Nesta proposição, a política monetária torna-se o principal instrumento de política econômica, subordinando as demais políticas (fiscal, cambial etc.) à taxa de inflação baixa e estável para o crescimento de longo prazo, no qual postulam não haver escolha (trade-off) entre inflação e desemprego. O Brasil adotou o RMI em 1999, e desde então o utiliza para disciplinar os níveis inflacionários e, segundo suas premissas, reduzir a volatilidade do produto. Tais premissas, no entanto, não são consensuais teoricamente, principalmente para a realidade de países em desenvolvimento.

Uma das questões teoricamente sensíveis contra o RMI segundo os pós-keynesianos (CARVALHO et al., 2015) é a sua influência nas decisões de investimento, que afetam as variáveis reais da economia (produto e emprego) e o nível da demanda agregada, o que o NCM rejeita. Como resultado, o desemprego corrente e a taxa de desemprego de equilíbrio, elementos que baseiam a estrutura do NCM, se alteram. Além disso, em momentos em que o nível inflacionário é superior à meta de inflação, a operacionalização do RMI leva a que a desinflação seja drástica e não gradual, reduzindo a atividade econômica e aumentando o desemprego com efeitos perversos no curto, médio e longo prazos.

Para melhor entendimento das divergências teórico-práticas entre o NCM e a visão pós-keynesiana, a crise recente (2014/2017) é um bom exemplo. O Governo Federal estava ciente que a economia brasileira havia entrado em recessão no segundo semestre de 2014 conforme a avaliação do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da Fundação Getúlio Vargas (CODACE/FGV), e mesmo assim o BC optou deliberadamente por elevar os juros e enfraquecer mais ainda a atividade

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6 econômica, desconsiderando que preços administrados que haviam sido represados no primeiro governo de Dilma Rousseff foram liberados de uma só vez; o choque tarifário elevou os custos para empresas e famílias; os salários reais haviam se reduzido com o aumento da inflação, e as incertezas políticas associadas à condição externa de chineses e americanos desvalorizaram o real com efeitos inflacionários. Em decorrência dos fatos mencionados, haveria queda do PIB, aumento da inflação e mais desemprego, e mesmo assim a equipe econômica preferiu a terapia de choque, seguindo os preceitos do NCM e da operacionalização do RMI. Apesar do CODACE/FGV ter apontado a saída da recessão no início de 2017, os efeitos deletérios dos onze trimestres recessivos que se sucederam após a ação governamental ainda se manifestam nas contas públicas municipais, estaduais e federais em razão da queda da arrecadação de impostos, devido à atividade econômica sem dinamismo e com baixas taxas de investimento7, aquém aos níveis

alcançados antes de sua manifestação8. Em termos sociais, e resultante da situação

em curso, a taxa de desocupação e o número de desocupados aumentaram e se mantém em níveis elevados9, mas os responsáveis pela política econômica se

regozijam de terem levado a inflação a níveis inferiores ao da meta proposta pelo Conselho Monetário Nacional10 (CMN), do qual fazem parte.

As divergências teóricas também ganharam corpo nas análises de alguns de seus defensores. Fernando de Holanda Barbosa Filho, por exemplo, listou como determinantes da recessão a Nova Matriz Econômica (NME) posta em prática a partir de 2011/2012, que interviu na economia combinando política monetária expansionista (queda de juros) em momento de alta da inflação, política fiscal com elevação de gastos, concessão de subsídios, dirigismo no investimento em setores pouco produtivos e intervenção nos preços (BARBOSA FILHO, 2017). Sugeriu, resumidamente, como solução para a retomada do crescimento: 1) atacar o problema fiscal com geração de superávits primários para estabilizar a razão dívida/PIB, e

7 A formação bruta de capital fixo (FBKF) na série dessazonalizada das Contas trimestrais, se reduziu

21,9% entre o segundo trimestre de 2014, que antecedeu ao início da recessão, e o primeiro trimestre de 2018 (último dado disponível).

8 Tomando como referência a série dessazonalizada das Contas trimestrais, entre o segundo trimestre

de 2014 e o primeiro trimestre de 2018 (último dado disponível) o valor adicionado (PIB sem impostos líquidos de subsídios) acumulava uma queda de 4,2%.

9 A taxa de desocupação nacional do primeiro trimestre de 2018 (13,1%) era 6,3 pontos percentuais

maior do que a do segundo trimestre de 2014, e o número de desocupados entre os mesmos trimestres aumentou em 6.922 mil pessoas, em relação às 6.767 mil pessoas do segundo trimestre de 2014.

10 Instituído pela Lei 4.595 de 31/12/64, integram o CMN o Ministro da Fazenda (presidente), o

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7 elencou o teto de gastos e a reforma da previdência como meios de “sinalização externa” para a redução do risco-país; 2) flexibilização da política monetária com redução do juro real de longo prazo para que o BC baixe os juros e se elimine a capacidade ociosa para a recuperação da economia, e; 3) políticas que recuperem o crescimento da produtividade, tais como a flexibilização do mercado de trabalho, a permissão da terceirização, abertura comercial e incentivo à competição.

Já José Luís Oreiro menciona que antecedeu a recessão a flexibilização do tripé macroeconômico11 (meta de inflação, meta de superávit fiscal e câmbio flutuante)

em 2006, “com a eliminação da sistemática de metas declinantes de inflação, redução da meta de superávit primário e adoção de uma regra de valorização do salário mínimo” (OREIRO, 2017, p. 75), que levou a que o hiato do produto se tornasse positivo e resultasse em aceleração do crescimento com seus melhores resultados no começo de 2010. De 2011 até o segundo trimestre de 2012 houve desaceleração do crescimento e, então, entrou em cena a NME para tornar a impulsioná-lo, tendo como premissa que a perda de dinamismo era falta de demanda agregada devido à crise econômica internacional. A NME sustentou o crescimento até o começo de 2014, quando o ritmo entrou em colapso devido à queda do investimento (FBKF), das taxas de retorno sobre o capital próprio (ROE) das empresas não-financeiras, da margem de lucro e do aumento do custo unitário do trabalho (CUT). A queda da FBKF foi o estopim, mas o realinhamento de preços, a queda da renda real do trabalhador devida à aceleração da inflação e o ajuste fiscal implementado pelo Ministério da Fazenda, segundo ele, levaram à recessão. Sugeriu, em resumo: 1) redução do CUT na indústria pela revisão da regra de reajuste do salário mínimo e a eliminação dos mecanismos de indexação dos salários à inflação passada, e; 2) manutenção da taxa de câmbio em patamar competitivo.

As leituras das origens da crise recente e as sugestões mencionadas refletem as diferentes formas de abordagem e suas premissas teóricas: alinhada ao NCM e pós-keynesiana, respectivamente. Tendo em perspectiva a relação capital-trabalho em questão nesta investigação, e tendo explicitamente em vista cada sugestão relacionada a este olhar, a terceira de Barbosa Filho (2017) é claramente poupadora de mão de obra, destruidora dos ganhos alcançados pelos trabalhadores e garantia de precarização do trabalho, e a primeira de Oreiro (2017) comprometeria a elevação

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8 do salário real e estancaria o processo de recuperação da participação da renda do trabalho na distribuição funcional da renda, que após alcançar seu valor mais baixo em 2004 ganhou impulso a partir da flexibilização do tripé e a valorização do salário mínimo (PEREIRA, 2017).

Para além das divergências teóricas, quando consideradas as diferenças territoriais derivadas da distribuição da força de trabalho em áreas metropolitanas, e tendo em perspectiva a natureza do mercado de trabalho adotada neste exercício investigativo, os efeitos desumanos da política econômica liberal-ortodoxa se acentuam. A elevada concentração econômica e populacional na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) é marcada pela desigualdade socioeconômica intermunicipal12, com cidades do entorno ainda dependentes da

capital em termos de oportunidades laborais, haja vista parcela relevante dos residentes estarem nela ocupados13.

Além disso, os efeitos da política econômica liberal na crise sobre o mercado de trabalho foram o aumento da oferta de trabalho, a queda da ocupação em razão da redução da atividade econômica e a diminuição dos salários reais, haja vista que os empresários, ao procurarem se adequar à queda da demanda por bens e serviços, reduzem seu custo dispensando trabalhadores, o que demonstra que variações do nível de emprego refletem o que ocorre no mercado de bens e serviços (KEYNES, 1988), e não no mercado de trabalho. Portanto, em razão das decisões empresariais, a desocupação se eleva, de maneira mais impiedosa em territórios socioeconomicamente mais vulneráveis, tais como na periferia da capital fluminense.

2.1 Material e métodos

A fim de demonstrar os efeitos da crise econômica recente nos mercados de trabalho carioca e metropolitano fluminense, a caracterização dos mercados com base na evolução de indicadores da PNAD Contínua (PNADC) do IBGE segundo grupos de idade para as Pessoas em idade de trabalhar (PIT), as Pessoas na força de trabalho (PFT) e as Pessoas ocupadas (PO), permitirá avaliar como se comportaram a oferta de trabalho (taxa de participação), a absorção dos ofertantes tendo em vista

12 A taxa média de desocupação na RMRJ em 2010 era de 10,3%, enquanto na capital alcançava 7,2%.

13 Segundo o Censo Demográfico de 2010, do total de 2,4 milhões de pessoas residentes ocupadas

nos municípios da periferia, 25,1% trabalhava na Cidade do Rio de Janeiro (cerca de 605 mil), enquanto apenas 2,9% dos residentes cariocas estava ocupado fora da capital.

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9 a demanda de trabalho e o número de pessoas em idade de trabalhar (nível de ocupação), a taxa de desocupação e o rendimento médio real.

De maneira mais específica, far-se-á uso da série histórica das medidas de subutilização da força de trabalho conforme as recomendações contidas na resolução da 19ª Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho-CIET, promovida pela Organização Internacional do Trabalho-OIT (IBGE, 2016), cuja série histórica tem sido disponibilizada pelo IBGE na PNADC desde o 3º trimestre de 2016.

Já no que diz respeito à caracterização da diferença de comportamento entre os dois espaços territoriais tratados nessa investigação, uma vez que a cidade do Rio de Janeiro está inserida na RMRJ, se partirá da premissa que evoluções diferenciadas de ambas indicarão a prevalência do movimento em foco: se o crescimento (ou decrescimento) de alguma variável for maior em um dos territórios, este será aquele que determinou a mudança do fenômeno. Tal alternativa se apresenta em razão da opção em trabalhar com os agregados disponíveis na PNADC, e não com seus microdados.

3. Subutilização da força de trabalho e evolução desigual no centro e na periferia

As considerações teórico-práticas da seção anterior tiveram por objetivo demonstrar que, em que pese leituras divergentes sobre as causas (BARBOSA FILHO, 2017; OREIRO, 2017) que levaram à adoção de uma política econômica contracionista a partir de 2015, o resultado das ações governamentais foi a elevação da subutilização da força de trabalho expressa na taxa de desocupação, apenas uma de suas medidas. Considerando-se os recortes territoriais de que trata esse trabalho, a mudança de orientação da taxa de desocupação (de queda para elevação) ao longo daquele ano se deu, durante o segundo trimestre na RMRJ e a partir do terceiro trimestre na cidade do Rio de Janeiro (CRJ), com maior influência da redução da demanda de trabalho e da oferta de trabalho no primeiro recorte territorial do que no segundo, o que sugere que as fragilidades existentes na força de trabalho da periferia da capital tenham sido um impeditivo para sua adaptação às novas condições (MEDEIROS JUNIOR, 2017b). Estas evidências indicam, como se deseja demonstrar, que a força de trabalho reage às influências do cenário econômico de maneira diversa em territórios diferentes, negando a pretensa homogeneidade da visão neoclássica/novo-clássica no trato da realidade.

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3.1 Evolução dos mercados de trabalho da RMRJ e da CRJ na crise

A partir das médias anuais dos resultados da PNADC para o período 2012 a 2017, a Tabela 1 traz informações para a RMRJ e a CRJ das Pessoas em idade de trabalhar (PIT), das Pessoas na força de trabalho (PFT) e das Pessoas ocupadas (PO) por estrato etário, com o propósito de observar como evoluiu o mercado de trabalho.

Ano

PIT PFT PO PIT PFT PO PIT PFT PO

Região Metropolitana do Rio de Janeiro

2012 9.895 5.858 5.420 768 86 59 1.258 823 684 2013 9.982 5.826 5.448 752 71 52 1.228 775 652 2014 10.143 5.804 5.444 750 61 46 1.176 702 588 2015 10.278 5.868 5.459 684 50 35 1.221 717 583 2016 10.285 6.031 5.355 689 55 31 1.216 730 527 2017 10.436 6.237 5.309 670 56 26 1.306 831 551

Cidade do Rio de Janeiro

2012 5.335 3.198 2.973 370 43 30 653 430 361 2013 5.357 3.164 2.977 374 36 26 623 398 341 2014 5.462 3.152 2.996 375 27 22 596 349 305 2015 5.547 3.161 3.011 320 18 14 626 347 301 2016 5.535 3.244 2.983 337 23 15 614 337 261 2017 5.587 3.408 2.989 333 25 13 668 413 289 Ano

PIT PFT PO PIT PFT PO PIT PFT PO

Região Metropolitana do Rio de Janeiro

2012 2.715 2.232 2.068 3.254 2.322 2.224 1.901 396 386 2013 2.748 2.223 2.081 3.228 2.340 2.255 2.028 419 409 2014 2.764 2.256 2.126 3.302 2.376 2.284 2.152 409 401 2015 2.715 2.216 2.062 3.348 2.437 2.343 2.309 449 437 2016 2.714 2.234 1.985 3.378 2.539 2.355 2.288 474 457 2017 2.645 2.222 1.886 3.473 2.591 2.340 2.342 538 507

Cidade do Rio de Janeiro

2012 1.453 1.211 1.127 1.743 1.277 1.223 1.117 238 232 2013 1.469 1.215 1.142 1.711 1.268 1.227 1.180 247 241 2014 1.500 1.247 1.186 1.733 1.284 1.242 1.257 245 241 2015 1.458 1.207 1.146 1.779 1.328 1.293 1.365 262 258 2016 1.478 1.234 1.132 1.800 1.385 1.314 1.307 267 261 2017 1.435 1.234 1.078 1.832 1.418 1.307 1.320 318 303

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. (1) PIT

(2) PFT (3) PO

Tabela 1 - Estimativas de pessoas em idade de trabalhar (1), de pessoas na força de trabalho (2) e

de pessoas ocupadas (3) segundo grupos de idade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e na cidade do Rio de Janeiro - 2012-2017

25 a 39 anos (mil pessoas) 40 a 59 anos (mil pessoas) 60 anos e mais (mil pessoas) Total (mil pessoas) 14 a 17 anos (mil pessoas) 18 a 24 anos (mil pessoas)

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11 Tendo em vista o comportamento dos indicadores mencionados, pôde-se observar entre os anos de 2014 e 2017 que cobrem a crise econômica recente, resumidamente que: 1) a PIT se elevou mais na RMRJ do que na CRJ (2,9% contra 2,3%), com destaque para o grupo de idade de 60 anos e mais (8,8% contra 5,0%), sugerindo que maior pressão demográfica e de estratos envelhecidos estão mais presentes na periferia da CRJ; 2) a força de trabalho (PFT) se elevou mais na CRJ do que na RMRJ ao final do período (8,1% contra 7,5%), mas nos anos iniciais (2015-2016) prevaleceu maior incremento na PFT da RMRJ. Já o grupo de idade de 60 anos apresentou maior predomínio de ingresso na periferia (31,4% contra 29,9%), em linha com a prevalência de estratos mais envelhecidos, e; 3) a ocupação (PO) se reduziu mais fortemente na periferia do que na capital (-2,5% na RMRJ contra -0,2% na CRJ), e só foi positiva e predominante nos estratos de 40 a 59 anos na CRJ, e de 60 e mais na RMRJ.

Os efeitos da crise sobre a oferta de trabalho, como teoricamente já se mencionou estão expressos na Tabela 2 para os mesmos estratos etários. Tomando o ano de 2014 como referência, apesar de em alguns estratos a taxa de participação se manter a mesma ou reduzir-se em 2015, se eleva sistematicamente até 2017, demonstrando que os efeitos recessivos da política econômica liberal-ortodoxa levaram a que as pessoas se dispusessem a oferecer sua força de trabalho em resposta à mudança do ciclo. Comparativamente, excetuando-se a taxa do total dos estratos (+3,3 pontos percentuais, p.p., na CRJ contra +2,6 p.p. na RMRJ) e do estrato de 25 a 39 anos, cujo dinamismo foi superior na CRJ (+2,9 p.p., contra +2,5 p.p. na RMRJ), em todos os demais estratos a oferta na periferia superou a da capital.

Quando, no entanto, se considera a capacidade de absorção da oferta de trabalho a partir do nível de ocupação, percebe-se que apesar da crise ter afetado ambos os recortes espaciais a queda da atividade econômica impactou mais a força de trabalho da periferia da RMRJ, já que o nível de ocupação na CRJ se reduziu menos (-1,4 p.p. contra -2,8 p.p.). Dentre os estratos etários, por outro lado, o único que apresentou acréscimo e, portanto, absorção do contingente em ambos os recortes espaciais, foi o de 60 anos e mais (+3,7 p.p. na CRJ e +3,0 p.p. na RMRJ), o que indica que na crise o mercado de trabalho privilegiou a absorção de trabalhadores com maior experiência.

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3.2 Medidas de subutilização da força de trabalho

Durante longo tempo as estatísticas do mercado de trabalho contaram com somente um indicador de subutilização da força de trabalho (labour underutilization): a desocupação. A partir da 19ª Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho-CIET, promovida pela Organização Internacional do Trabalho-OIT em 2013, a percepção desta particularidade socialmente negativa, cada vez mais presente no sistema capitalista desde os anos 1980, passou a contar com outras medidas que permitem melhor observar a complexidade dos movimentos dos trabalhadores ao

Ano

Total 14 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos e mais Região Metropolitana do Rio de Janeiro

2012 59,2 11,2 65,4 82,2 71,3 20,8 2013 58,4 9,4 63,1 80,9 72,5 20,6 2014 57,2 8,1 59,7 81,6 72,0 19,0 2015 57,1 7,3 58,7 81,6 72,8 19,4 2016 58,6 7,9 60,0 82,3 75,1 20,7 2017 59,8 8,3 63,6 84,0 74,6 23,0

Cidade do Rio de Janeiro

2012 59,9 11,5 65,8 83,3 73,3 21,3 2013 59,1 9,5 63,8 82,8 74,1 20,9 2014 57,7 7,3 58,6 83,1 74,1 19,5 2015 57,0 5,6 55,4 82,7 74,7 19,2 2016 58,6 6,7 54,8 83,4 76,9 20,4 2017 61,0 7,4 61,9 86,0 77,4 24,1 Ano

Total 14 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos e mais Região Metropolitana do Rio de Janeiro

2012 54,8 7,7 54,4 76,2 68,3 20,3 2013 54,6 6,9 53,1 75,7 69,9 20,1 2014 53,7 6,1 50,0 76,9 69,2 18,6 2015 53,1 5,0 47,8 75,9 70,0 18,9 2016 52,1 4,5 43,4 73,1 69,7 20,0 2017 50,9 3,8 42,2 71,3 67,4 21,7

Cidade do Rio de Janeiro

2012 55,7 8,1 55,3 77,6 70,2 20,8 2013 55,6 7,0 54,7 77,7 71,7 20,5 2014 54,8 5,7 51,1 79,1 71,7 19,2 2015 54,3 4,4 48,1 78,6 72,7 18,9 2016 53,9 4,3 42,6 76,6 73,0 20,0 2017 53,5 3,8 43,2 75,1 71,4 22,9

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

Tabela 2 - Taxa de participação e nível de ocupação segundo grupos de idade na Região Metropolitana

do Rio de Janeiro e na cidade do Rio de Janeiro - 2012-2017

Taxa de participação (%)

(13)

13 longo dos ciclos econômicos. Para tanto, três componentes mutuamente exclusivos foram destacados para caracterizar a condição de subutilização da força de trabalho: 1) desocupados14; 2) subocupados por insuficiência de horas15, e; 3) força de trabalho

potencial16 (Figura 1).

Figura 1 – Medidas de subutilização da força de trabalho

Fonte: IBGE, 2016

14São classificadas como desocupadas na semana de referência as pessoas com 14 anos ou mais de idade, sem trabalho (trabalho que gera rendimento para o domicílio) nessa semana, que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se, também, como desocupadas as pessoas sem trabalho na semana de referência que não tomaram providência efetiva para conseguir trabalho no período de referência de 30 dias porque já haviam conseguido trabalho com início previsto para após a semana de referência e prazo limite para esse início de até 3 meses (IBGE, 2016).

15São as pessoas que, na semana de referência, atendem às quatro condições a seguir: 1) tinham 14 anos ou mais de idade; 2) trabalhavam habitualmente menos de 40 horas no seu único trabalho ou no conjunto de todos os seus trabalhos; 3) gostariam de trabalhar mais horas que as habitualmente trabalhadas, e; 4) estavam disponíveis para trabalhar mais horas no período de 30 dias contados a partir do primeiro dia da semana de referência (IBGE, 2016).

16A força de trabalho potencial é o conjunto de pessoas de 14 anos ou mais de idade que não estavam ocupadas nem desocupadas na semana de referência, mas que possuíam um potencial de se transformarem em força de trabalho. Este contingente é formado por dois grupos: I. pessoas que realizaram busca efetiva por trabalho, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar na semana de referência; II. pessoas que não realizaram busca efetiva por trabalho, mas gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência (IBGE, 2016).

Pessoas em Idade de Trabalhar (14 anos ou mais de idade)

Pessoas na Força de Trabalho Pessoas Fora da Força de Trabalho

Pessoas Ocupadas Pessoas Desocupadas

Subocupadas por Insuficiência de Horas

Trabalhadas

Pessoas Fora da Força de Trabalho Potencial Pessoas na Força de

(14)

14 Os dois primeiros componentes são integrantes da força de trabalho (PFT), sendo que o segundo é uma condição (ou particularidade) mais vulnerável dos ocupados e o terceiro está fora da força de trabalho (PFFT), mas tem interesse em trabalhar, e por essa razão é “potencialmente” integrante da força de trabalho.

Em decorrência da PFT potencial criou-se a PFT ampliada, que a ela adiciona a PFT já conhecida com o propósito de se agregar pessoas que podem mudar sua condição rapidamente e tornarem-se economicamente ativas. Esta nova medida (PFT ampliada) é que serve de referência para o cálculo da taxa composta de subutilização da força de trabalho, pois a ela são comparadas as três medidas de subutilização sugeridas na 19ª CIET/OIT. Portanto, tem-se agora, além da taxa de desocupação,

Ano

Total (PO) POsub (b)

Região Metropolitana do Rio de Janeiro

2012 5.858 5.420 206 438 154 6.013 7,5 13,3 2.158 2013 5.826 5.448 113 379 104 5.930 6,5 10,0 2.255 2014 5.804 5.444 69 360 83 5.887 6,2 8,7 2.199 2015 5.868 5.459 77 409 96 5.963 7,0 9,7 2.291 2016 6.031 5.355 67 676 115 6.145 11,2 13,9 2.328 2017 6.237 5.309 120 928 131 6.368 14,9 18,5 2.255

Cidade do Rio de Janeiro

2012 3.198 2.973 112 225 82 3.279 7,0 12,7 2.234 2013 3.164 2.977 57 186 55 3.219 5,9 9,3 2.352 2014 3.152 2.996 40 156 42 3.193 5,0 7,5 2.310 2015 3.161 3.011 32 150 36 3.197 4,8 6,8 2.427 2016 3.244 2.983 33 262 54 3.298 8,1 10,5 2.501 2017 3.408 2.989 69 420 61 3.469 12,3 15,8 2.409

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. (1) PFT.

(2) PO.

(3) POsub: integram as Pessoas Ocupadas. (4) PD.

(5) PFTpot: integram as Pessoas Fora da Força de Trabalho. (6) PFTampl.

(7) Com base nas informações do 4º trimestre de 2017.

Desocupa-ção (f=c/a) Composta de subutiliza-ção [g=(b+c+d) /e] Taxa (%) Rendimen-to real (R$)(7)

Tabela 3 - Pessoas na força de trabalho (1), pessoas ocupadas (2), pessoas subocupadas por insuficiência de

horas trabalhadas (3), pessoas desocupadas (4), pessoas na força de trabalho potencial (5), pessoas na força de trabalho ampliada (6), taxa de desocupação, taxa composta de subutilização da força de trabalho e rendimento médio na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e na cidade do Rio de Janeiro - 2012-2017

Pessoas na Força de Trabalho (mil pessoas) Ocupadas Total (PFT) (a) Desocupa-das (PD) (c) Potencial (PFTpot) (d) Ampliada (PFTampl) (e=a+d)

(15)

15 uma outra, a taxa de subutilização da força de trabalho, que reflete a vulnerabilidade dos trabalhadores no mercado de trabalho devido à sua condição inferior como ocupado, à sua impossibilidade de ingressar numa ocupação e à fragilidade de sua condição não economicamente ativa, prestes a se alterar por necessitar de uma ocupação. O IBGE ainda gera outros indicadores a partir do uso de um dos três elementos, ou de combinações de dois deles (IBGE, 2016).

A evolução das medidas propostas pela 19ª CIET/OIT para a RMRJ e a CRJ está expressa na Tabela 3, na qual se observa que entre 2014 e 2017 a taxa de desocupação, comumente acompanhada, aumentou 7,3 p.p. na CRJ e 8,7 p.p. na RMRJ, o que demonstra que a força de trabalho da periferia da CRJ enfrentou maior dificuldade de inserção laboral.

Já quanto às outras medidas, da mesma forma que na desocupação, em ambas o resultado foi pior para a força de trabalho da periferia da capital, tendo em vista que: a) o número de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas cresceu mais na RMRJ do que na CRJ (74,9% contra 72,0%), assim como o número de pessoas fora da força de trabalho que tinha potencial para se transformar em força de trabalho (Força de trabalho potencial), cresceu mais na RMRJ do que na CRJ (57,7% contra 46,1%), e; b) a taxa composta de subutilização da força de trabalho, que agrega os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, os desocupados e a força de trabalho potencial, em relação à força de trabalho ampliada (PFT + Força de trabalho potencial), cresceu mais na RMRJ do que na CRJ (9,8 p.p. contra 8,4 p.p.) e superou em 2,7 p.p. a da CRJ em 2017, o que corrobora a percepção de que há maior vulnerabilidade para a força de trabalho da periferia da capital. Outro aspecto a ser destacado refere-se à reação imediata à crise em 2015 na RMRJ, na qual as taxas de desocupação e composta de subutilização da força de trabalho se elevam enquanto na CRJ ainda se reduz, expressando a premência da necessidade de obtenção de recursos e renda.

O comportamento negativamente diferenciado para a força de trabalho da periferia da CRJ, portanto, demonstra que a pretensa homogeneidade da perspectiva liberal-ortodoxa é uma falácia, haja vista que espacialmente a desigualdade é a regra. O tratamento da dessemelhança, no entanto, impõe a necessidade do reconhecimento desta condição para que políticas territoriais distintas sejam propostas a partir de diagnósticos que a considerem, seja nos estudos sobre a população trabalhadora ou em outras áreas do conhecimento que se debruçam sobre

(16)

16 a evolução da realidade social. De certo, o que se sabe é que a força de trabalho dos municípios da periferia tem condição mais vulnerável do que a da capital, tal como o demonstra o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), que revela haver carência de ativos necessários para desenvolver suas habilidades e lograr inserção no mercado de trabalho em condição mais vantajosa (MEDEIROS JUNIOR, 2017a).

Tendo em conta que o principal ativo com o qual o trabalhador conta para exercitar sua cidadania é a renda, percebe-se o grau de diferenciação no rendimento médio real obtido em ambos os recortes espaciais (Tabela 3). Na RMRJ o retorno auferido é, na média do período 2012-2017, 5,2% inferior ao do recebido pela força de trabalho da CRJ, o que indica que a distância é superior, e poderia ser confirmada explicitamente caso as informações pudessem ser discriminadas entre capital e periferia com a base de dados agregada disponível. Uma vez que o número de trabalhadores dos municípios vizinhos ao da capital que se movimentam em sua direção é maior do que o número de residentes no núcleo que se dirige à periferia17,

pode-se cogitar que a atividade econômica carioca “consome” a força de trabalho da periferia pagando-lhe em média rendimentos inferiores aos percebidos por trabalhadores cariocas. Essa diferenciação cruel, no entanto, certamente agrada ao capital, uma vez que lhe permite extrair mais-valia superior dos trabalhadores de fora da CRJ em atividades semelhantes, favorecendo maior acumulação de capital e sua reprodução.

Por fim, há que considerar que as medidas postas em vigor pela reforma trabalhista (Projeto de Lei nº 4.330, que deu origem à Lei nº 13.467, de 13/07/2017), que entrou em vigor 120 dias após sua publicação (em 11/11/201718), tornará ainda

mais precária e vulnerável a condição social da força de trabalho e alargar a desigualdade territorial existente. Destaquem-se, para esse fim, as novas formas de contratação de trabalhadores tais como dos autônomos exclusivos e do trabalhador intermitente. No primeiro tipo, não há proteção prévia e, portanto, regras quanto à sua utilização, salário mínimo ou jornada, e no segundo tipo, não há renda fixa e previsibilidade de convocação, levando a que o trabalhador tenha sua vida refém à vontade do empregador (FILGUEIRAS; BISPO; COUTINHO, 2018).

17 Ver nota de rodapé número 13.

18 Em vista das reações aos termos da reforma, expresso em suas 967 emendas, o governo editou a

Medida Provisória nº 808/17 para rever alguns pontos do texto inicial, mas a comissão mista de deputados e senadores sequer se reuniu, e com a ausência de esforço do Congresso, a MP perdeu sua validade em 23/04/18, tornando o texto original válido na íntegra.

(17)

17 Apesar da reforma ter sido vendida politicamente como um passaporte para a modernidade ao flexibilizar a legislação trabalhista com a promessa de criar empregos, espera-se que, para efeito das estatísticas de subutilização da força de trabalho, os acréscimos de Pessoal ocupado (PO) que virão engordar as estatísticas e justificar o discurso governamental sejam mais dinâmicos em posições na ocupação precárias devido ao advento dos autônomos exclusivos (conta própria), e que o trabalho intermitente (ou o chamado contrato-zero hora) venha engrossar o contingente dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Já quanto à PFT potencial, virá aumentar em razão da necessidade de o trabalhador vender sua força de trabalho para sobreviver (GAUDEMAR, 1977), enquanto não decide ingressar na PFT e provavelmente elevar o já alto número de desocupados num cenário de atividade econômica desaquecida.

Para o bem dos defensores da política econômica liberal-ortodoxa, no entanto, novas absorções de trabalhadores nas categorias recém-estabelecidas pela reforma trabalhista resultarão em queda do custo do trabalho, decorrente de remunerações inferiores, e redução no volume de obrigações trabalhistas que virão fomentar o discurso do aumento do déficit previdenciário e a necessidade da reforma. Afinal, ações que elevem os lucros são julgadas necessárias em benefício de novos investimentos que consideram certos, mesmo com capacidade ociosa do parque produtivo e ausência de perspectiva de crescimento que os justifique. Para eles, que não têm o bem-estar do trabalhador em vista, mas apenas a sinalização externa como reflexo da inserção nacional subordinada no sistema financeiro internacional, não importa se suas ações deteriorem ainda mais as condições do tecido social, já bastante esgarçado pela subutilização recorde da força de trabalho.

4. Considerações finais

A análise dos indicadores demonstrou que as políticas postas em prática pelo governo federal atingem os mercados de trabalho de territórios diferentes de maneira distinta e peculiar, tendo em vista suas características estruturais, e em momentos de crise tornam mais severas as condições da força de trabalho que neles reside. Além disso, em territórios contíguos (metropolitanos) como os da CRJ e dos municípios de seu entorno, a mobilidade pendular por motivo de trabalho leva a maior pressão sobre o mercado de trabalho da capital, haja vista nela haverem melhores alternativas de inserção laboral.

(18)

18 Uma vez que a política econômica liberal-ortodoxa que baseia as ações governamentais desconsidera condições diferenciadas de vulnerabilidade da força de trabalho, como se pôde observar neste exercício investigativo, políticas sociais territoriais compensatórias são requeridas para contrapor a piora das condições decorrentes da crise promovida pela insensibilidade social do Governo Federal, que nada mais faz do que agir segundo os interesses empresariais (internos e externos), beneficiando seus lucros em detrimento do respeito à dignidade do detentor de força de trabalho. Tal propósito ficou explícito nas mudanças que conformaram a reforma trabalhista de 2017, que virá agravar o quadro de incerteza de inserção laboral ao qual estão sujeitos os trabalhadores, devido à fraca e titubeante atividade econômica resultante da crise econômica recente, e cujos efeitos as medidas de subutilização da força de trabalho apenas começam a mostrar.

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