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Direito e informação na sociedade em rede : atas

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IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e Informação

17 e 18 de março de 2016

Organização

Luísa Neto

Fernanda Ribeiro

DIREITO E INFORMAÇÃO NA

SOCIEDADE EM REDE

ATAS

Porto

Faculdade de Direito e Faculdade de Letras da Universidade do Porto

2016

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Ficha técnica:

Título: Direito e Informação na Sociedade em Rede: atas Autor: IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e Informação Organização: Luísa Neto e Fernanda Ribeiro

Edição: Faculdade de Direito da Universidade do Porto Faculdade de Letras da Universidade do Porto

ISBN 978-989-746-101-9; ISBN 978-989-8648-81-5 Formatação e arranjo gráfico: Gil Silva

Nota: não foi seguido o Acordo Ortográfico, dada a variedade de grafias seguidas pelos autores, as quais se mantiveram na íntegra.

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Sumário

Programa Geral ... viii

Apresentação ... 1

Conferência inaugural ... 3

Keynote Speakers | Textos... 14

TEMA 1: Open data ... 73

TEMA 2: Organização da informação para a gestão do conhecimento ... 231

TEMA 3: Administração electrónica ... 313

TEMA 4: Mudança de paradigma na organização e pesquisa de informação ... 456

Índice de Autores ... 529

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IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e Informação, Direito e Informação na Sociedade em Rede: atas

17 e 18 de março de 2016

Organização

Faculdade de Direito da Universidade do Porto Faculdade de Letras da Universidade do Porto

CETAC.MEDIA – Centro de Estudos das Tecnologias e Ciências da Comunicação Universidade Federal Fluminense

Comissão Organizadora

Armando Malheiro da Silva (Universidade do Porto - Faculdade de Letras, Portugal) Fernanda Ribeiro (Universidade do Porto - Faculdade de Letras, Portugal)

Luísa Neto (Universidade do Porto - Faculdade de Direito, Portugal) Ricardo Perlingeiro (Universidade Federal Fluminense, Brasil)

Comissão Científica

Alexandre Dias Pereira (Universidade de Coimbra - Faculdade de Direito, Portugal) Alexandre Sousa Pinheiro (Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito, Portugal) Ana Lúcia Terra (Instituto Politécnico do Porto, Portugal)

Ana Maria Martinho (Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito, Portugal) Juliana Coutinho (Universidade do Porto - Faculdade de Direito, Portugal) Lucivaldo Barros (Universidade Federal do Pará, Brasil)

Marial Manuel Borges (Universidade de Coimbra - Faculdade de Letras, Portugal) Maria Raquel Guimarães (Universidade do Porto - Faculdade de Direito, Portugal) Olivia Pestana (Universidade do Porto - Faculdade de Letras, Portugal)

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Apresentação

Iniciados em 2011, os Colóquios Luso-Brasileiros dedicados às relações entre o Direito e a Ciência da Informação surgiram no âmbito do acordo de cooperação assinado entre a Universidade do Porto e Universidade Federal Fluminense. São encontros científicos que congregam especialistas, portugueses e brasileiros, das áreas do Direito e da Ciência da Informação, e que procuram estreitar as relações académicas, científicas e profissionais entre as duas áreas, discutindo problemáticas de interesse mútuo e que possam ser vistas numa perspetiva interdisciplinar.

A organização do IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e Informação, desta vez subordinado ao tema Direito e Informação na Sociedade em Rede, esteve a cargo, tal como os anteriores, das Faculdades de Direito e de Letras da Universidade do Porto e do centro de investigação CETAC.MEDIA, e contou também com a colaboração do Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa (PPGJA-UFF) e do Núcleo de Ciências do Poder Judiciário (Nupej), da Universidade Federal Fluminense. Desta vez, a Comissão Organizadora decidiu abandonar o modelo anteriormente seguido, que se baseava na formulação de convites a especialistas para apresentarem trabalhos, e passou para uma outra modalidade, baseada em call for papers, tendo-se criado quatro subtemas que pretendiam focar problemáticas de grande atualidade e que fossem ao encontro das preocupações e interesses dos potenciais palestrantes. As comunidades académica e profissional, quer da área do Direito, quer da área da Ciência da Informação, responderam de forma muito positiva, tendo sido recebidas 55 propostas de comunicações, de autores portugueses, brasileiros e também espanhóis. Avaliadas pela Comissão Científica, numa base de blind review, foram aprovadas 46 comunicações.

Deste volume de atas constam apenas os textos que a Comissão Organizadora recebeu para publicação, incluindo o da conferência inaugural e os dos conferencistas convidados. Embora não tenha sido possível compilar os contributos de todos os palestrantes, o número de textos que constitui este e-book é, sem dúvida, muito significativo e resultou num extenso volume que muito prestigia todos quantos quiseram participar no Colóquio e proporcionar um debate profícuo de ideias e perpetivas entre as comunidades científicas do Direito e da Ciência da Informação, cumprindo assim o objetivo que, desde 2011, tem servido de leit motiv para a organização dos Colóquios Luso-Brasileiros.

As Organizadoras Luísa Neto

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Conferência inaugural

PARTICIPAÇÃO SÓCIO CULTURAL E MUNDOS DIGITAIS:

novas oportunidades, novos constrangimentos

JOÃO TEIXEIRA LOPES

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Portugal

jlopes@letras.up.pt

1. Nota introdutória

Nem apocalípticos, nem integrados: com esta sábia sentença, Umberto Eco distanciava-se quer das visões pessimistas e fatalistas que viam na emergência da cultura de massas uma espécie de decadência inexorável da condição humana (à semelhança de Adorno e Horkheimer), quer dos apologistas ingénuos ou interesseiros que proclamavam o advento de uma redentora democratização.

Creio que o mesmo lema se poderá aplicar, mutatis mutandis, aos discursos dominantes sobre a aceleração sem precedentes da chamada “sociedade da informação” e que encontra no ciberespaço e nos seus usos um estrondoso indicador. Uns, cépticos, realçam a disseminação de uma iliteracia digital em que os agentes sociais não conseguem decifrar as torrentes caudalosas de informação, incapazes, por isso, de a transformar em conhecimento e em práticas de mudança. Outros, ufanos, proclamam as mil e uma possibilidades de auto conhecimento e de emancipação que as novas tecnologias proporcionam.

Pela minha parte, gostaria tão-só de restituir aos usos da sociedade da informação, particularmente aos que se desenrolam sob a égide da internet, a modesta designação de práticas sociais: enraizadas num determinado espaço social, mediadas por contextos e quadros sócio-culturais e circuitos de significação, protagonizadas por agentes com origens, trajectórias e projectos assentes em graus desiguais de recursos.

Esta é a hipótese que tentarei demonstrar neste texto.

2. Espaços híbridos ou esfera dissociada

São já um lugar-comum da vulgata sociológica as teses de Anthony Giddens (1992) sobre descontextualização/recontextualização da acção humana através da separação entre espaço e lugar mediante a proliferação das interacções à distância. O espaço, diz o autor inglês, torna-se fantasmagórico porque descolado dos cenários físicos de interacção face a face.

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Todavia, a inoperância desta divisão salta à vista. Não faz sentido, analiticamente, insistir na dicotomia real/virtual mas sim na existência multifacetada e cruzada de um real-real e de um real-virtual. Nas práticas sociais rotineiras, na transição entre mundos da vida, na estruturação dos seus repertórios e no desempenho de papéis sociais cada vez mais diferenciados e interligados, os agentes sociais articulam as esferas do real-virtual e do real-real. Atentemos, por exemplo, na utilização dos telemóveis e nos usos sociabilitários da net: mais do que dividir esferas de existência, articulam-nas: quarto e rua, interior e exterior, sala de aula e vida juvenil, fugindo ao estabelecimento de fronteiras e aos variados controles institucionais, reconfigurando a própria noção de espaço público, criando uma espécie de esfera pública juvenil assente na relação e não na anomia.

Aproximo-me, desta forma, da noção de espaços híbridos insinuada por Castells (1998), que prova empiricamente que o uso da Internet não diminui a sociabilidade. O modelo da cumulatividade e não o da soma-zero parece bem mais adequado a estes cruzamentos, nomeadamente ao transporte das sociabilidades do real para o real-virtual e vice-versa.

Olhemos para as configurações dos novíssimos movimentos sociais (Indignados na Europa; occupy Wall Street; movimento “passe livre” no Brasil e Chile; Islândia e a wikiconstituição; “geração à Rasca” em Portugal; movimento das praças, na Grécia…):

 um discurso centrado na denúncia do sistema económico e na captura das instituições e agentes políticos pelo poder financeiro;

 a exigência de “mais” ou de uma “verdadeira” democracia;

 a juventude precarizada como catalisador de lutas sociais mais amplas;  uma certa recusa da delegação e um cepticismo mais ou menos

ressentido com a ação institucional;

 a produção de novas referências plásticas e estéticas;  a ocupação transgressiva do espaço público;

 valorização da diversidade de expressão nos protestos de rua.

Em suma, o uso intensivo das redes sociais não emerge como esfera dissociada da vida, antes como nó de uma rede com tripla referência: metáfora identitária (indivíduo enquanto rede de papéis sociais), modo de organização, dispositivo ou ferramenta de mobilização. (Pereira, 2009; Soeiro 2013; Hughes, 2011; Pinto, 2011; Taibo, 2011; Writers for the 99%, 2011; Pickerill e Krinsky, 2012).

3. O que nos dizem os indicadores em Portugal

Se atentarmos no quadro I, somos levados a realçar a rápida disseminação da internet de banda larga nos lares portugueses.

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Quadro I – Acesso à internet: 2002/14

Fonte: Pordata

Contudo, uma análise mais fina, por grupos etários, faz sobressair um abismo entre gerações: em 2002, o grupo 16-24 anos ascende a 55,2% contra o grupo 65-74 que se queda pelos 2,6%. Em 2014, é quase universal nos mais jovens (98%), mas mantém-se residual nos mais velhos:23%.

Certamente que por detrás deste abismo geracional está a estrutura de qualificações da sociedade portuguesa.

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Quadro II – utilização do computador e da internet por nível de escolaridade

Anos

Utilização de computador por nível de

escolaridade Utilização de Internet por nível de escolaridade Total Ensino

Básico Secundário Ensino Superior Ensino Total Ensino Básico Secundário Ensino Superior Ensino

2002 27,4 15,0 71,6 81,6 19,4 8,5 56,9 68,6 2003 36,2 22,2 81,3 89,9 25,7 12,6 66,5 77,6 2004 37,2 21,9 83,3 91,9 29,3 14,5 72,7 84,2 2005 39,6 24,1 85,8 90,2 32,0 16,4 77,0 85,1 2006 42,5 26,8 86,9 91,0 35,6 19,5 80,3 86,9 2007 45,8 30,3 87,9 93,5 39,6 23,9 80,9 89,5 2008 45,9 30,2 90,0 92,5 41,9 25,7 86,9 90,5 2009 51,4 35,5 91,2 95,1 46,5 30,1 86,8 92,6 2010 55,4 39,7 94,3 97,0 51,1 34,3 92,2 95,7 2011 58,2 40,9 95,4 95,4 55,3 37,3 93,3 94,8 2012 62,4 44,6 95,8 95,8 60,3 42,1 93,9 95,4 2013 64,0 45,4 95,7 95,8 62,1 43,1 94,0 95,3 2014 66,0 46,0 96,0 97,0 65,0 45,0 94,0 97,0 2015 69,2 49,9 95,7 98,4 68,6 49,0 95,6 98,4

Fontes/Entidades: INE, PORDATA Última actualização: 2015-12-04

Os recursos em capital escolar são fortemente mobilizadores do uso de computadores e de internet, clivagem que certamente se associa com as diferenças etárias. De certa forma, este indicador funciona como revelador de um sistema de desigualdades sociais em que se cruzam assimetrias várias.

O estudo Lazer, Emprego, Mobilidade e Política: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada, de Abril de 2015, revela-nos, de igual modo, destrinças interessantes. Se é verdade que entre os jovens (15-34 anos) a percentagem que afirma

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nunca aceder à internet é relativamente baixa (5,6%), um zoom sobre os não-utilizadores permite detetar um perfil socialmente vincado: são os que vivem com mais dificuldades económicas (17,9% dos jovens que declaram viver muito dificilmente com os seus rendimentos), os que têm baixos níveis de escolarização (11% dos que têm apenas até ao 9º ano de escolaridade) e os desempregados (9,7%) que mais declaram nunca aceder à internet.

Por outro lado, a dimensão social da net surge realçada: a utilização de redes sociais aparece destacada um primeiro lugar (76,9%), à frente de outras atividades como “enviar e receber emails” (69,6%) e “procurar informações sobre eventos, produtos, ou serviços” (57,4%).

Uma vez mais, o grupo etário dos jovens (15-24) destaca-se em relação à faixa dos jovens adultos (e a todos os escalões etários sucessivos) em termos da incidência de atividades de carácter comunicativo como “comunicar em tempo real” (+13,3% do que os jovens adultos) ou “usar as redes sociais (+6,6%); acesso a conteúdos lúdicos como “fazer download de filmes, música ou séries de televisão” (+18,9%), “ouvir rádio ou música” (+12,9%), “ver filmes ou programas de televisão em tempo real” (+10,6%), e “jogar jogos de computador” (+10,2%).

Os jovens adultos, por sua parte, são aqueles que, face a todos os outros grupos etários, mais utilizam a internet de forma utilitária para procurar informação sobre eventos, produtos ou serviços (66%), comprar ou encomendar produtos ou serviços (25,7%), e vender produtos ou serviços (10,3%). São também o escalão etário que mais produz conteúdos para websites ou blogs (13,6%).

De igual modo, há diferenças que remetem para padrões de socialização de género: constata-se que há atividades com uma maior incidência entre a população feminina, sendo que as mulheres destacam-se face aos homens nas atividades de pesquisa e leitura.

Os homens, por sua vez, sobressaem nas finalidades de acesso a alguns conteúdos lúdicos, nomeadamente “fazer download de filmes, música ou séries de televisão” (40,7% vs. 35,6%), “ver filmes ou programas de televisão em tempo real” (35,8% vs. 28,9%), mas sobretudo “jogar jogos de computador” (61,8% vs. 45,7%).

Finalmente, constatam-se distinções consoante a condição perante o trabalho: os trabalhadores possuem maior poder de compra do que estudantes e desempregados, destacando-se, assim, face aos restantes jovens nas atividades de acesso à informação, em particular no upload de conteúdos e na utilização da internet para a compra e venda de bens.

Mas a própria ideia de que os territórios seriam planos, aparece desmentida pelos dados:

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Quadro III – Proporção de agregados domésticos privados com pelo menos um indivíduo com idade entre 16 e 74 anos e com ligação à Internet em casa através de banda larga (%) por Grau de urbanização

Fonte: (Eurostat 2011); Anual - INE, Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas Famílias

A densidade populacional apresenta uma correlação positiva com a ligação à internet. Os territórios não são “planos”. Ao invés, surgem como “enrugados”, cristalizando e sedimentando recursos desigualmente distribuídos pelo espaço, fazendo sobressair as constelações urbanas que concentram oportunidades, muito mais rarefeitas em áreas pouco povoadas. Estes efeitos locativos revelam uma intensa competição entre territórios para a captação de vantagens comparativas, nomeadamente nas infraestruturas de conexão à sociedade em rede.

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4. Dualização em rede

O observatório que o estudo “Sociedade em Rede” nos oferece, permite ir ainda mais longe e falar de uma forte tendência para a dualização social sob o prisma do acesso às práticas sociais e culturais no ciberespaço (Cardoso, Costa, Coelho e Pereira, 2015).

Assim, quem afirma viver confortavelmente com o rendimento atual lê mais blogues 39,5%) e produz mais conteúdos próprios que dissemina on-line (28,4%) do que quem diz viver com muita dificuldade com o seu rendimento: apenas 20,3% lê blogues e só 10,4% produzem conteúdos.

Também a ideia mirífica de que a participação sócio cultural se poderia furtar, sob o resgate do ciberespaço, à distribuição desigual de recursos e aos percursos longos de socialização, merece ser refutada.

Nuno Nunes (2013)) realça, através de uma análise secundária de dados do European Social Survey, a importância quer das posições sociais (escolaridade, rendimento, categorias socioprofissionais), quer do grau de confiança interpessoal e institucional, quer das práticas de sociabilidade, quer ainda dos recursos organizacionais e da estabilidade no emprego.

Em suma, não participa quem quer mas sim quem se move em contextos que mobilizam e ativam disposições interventivas. A reflexividade não é um recurso intrínseco, nem independente das condições e contextos envolventes. Ao invés, sabemos bem como é uma competência necessária (embora não suficiente) para a prática política e cívica.

Mas, mesmo em termos gerais, o nível de participação on-line em Portugal é fraco, tal como acontece com o que se passa na esfera off-line.

A grande variável explicativa será muito mais a débil acumulação de capital social que se verifica em Portugal, a par de uma matriz profundamente desigualitária, induzindo uma perceção de distância subjetiva face ao poder e de inutilidade dos intuitos transformadores.

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Quadro IV – Proporção de indivíduos com idade entre 16 e 74 anos que utilizaram Internet nos primeiros 3 meses do ano (%) por Tipo de actividades efectuadas na Internet (participação cívica e política ); Anual - INE, Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas Famílias

Fonte: INE, 2015, Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas Famílias

5. Nota conclusiva

As novas tecnologias da informação e da comunicação não são, como algum pensamento angelical proclama, isentas de desigualdades na sua apropriação. Nem tão-pouco dispensarão uma análise crítica dos mecanismos e condições da sua produção, disseminação e incorporação.

Importa conhecer, por isso, os volumes de utilização dos dispositivos, mas também os usos, as representações e os significados contextuais que os agentes lhes atribuem, assim como as instituições e organizações que enquadram os diferentes papéis sociais.

De igual modo, urge superar a ilusão da neutralidade do meio e da técnica, como se bastasse o fascínio pela performance infinita. Na verdade, nenhuma prática social é etérea ou se processa num vazio. Prudentemente, há que conhecer as posições dos agentes (que produzem, distribuem e usam estas tecnologias) no espaço social, bem como os contextos sociais que mobilizam ou inibem disposições (como as de participação política) e ainda os projetos identitários por que pretendem guiar-se nas suas trajetórias.

Uma breve análise secundária de dados disponíveis sobre a população portuguesa mostra clivagens acentuadas nas práticas sociais on-line e no acesso ao ciberespaço consoante a idade, o capital escolar, a condição perante o trabalho, o género, o rendimento ou o território, intersertando-se e acumulando-se mutuamente.

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Em exercício tenso, não esqueceremos, todavia, a especificidade nem a materialidade das técnicas e dos meios, pois sabemos que existem como objetos socialmente construídos que abrem ou fecham possibilidades. Os discursos on-line, por exemplo, exercitam gramáticas multimédia e hipertextuais, numa navegação flutuante, que desafia cânones fixistas em termos da tradicional autoria única ou da clássica partição em géneros.

Mas não é na complexidade que se move a análise social? Não é mais profícuo heuristicamente procurar a articulação e o vaivém do que o pensamento linear e determinista?

Referências

Cardoso, Gustavo, et al. (2015). A Sociedade em Rede em Portugal: uma década de transição. Coimbra: Almedina.

Castells, Manuel (1998). Espacios públicos en la sociedad informacional. In Ciutat real, ciutat ideal: significat i funció a l’espai urbà modern. Urbanitats, nº 7, Barcelona: Centro de Cultura Contemporánea de Barcelona, 7 (1998).

Giddens, Anthony (1992). As Consequências da Modernidade. Oeiras: Celta.

Hughes, Neil (2011). Young people took to the streets and all of a sudden all of the political parties got old: the 15M movement in Spain, Social Movement Studies, Journal of Social, Cultural and Political Protest, 10 (4), p. 407-413.

Lobo, Marina Costa; Ferreira, Vítor Sérgio; Rowland, Jussara (2015). Emprego, mobilidade política e lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspectiva comparada. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, file:///C:/Users/Utilizador/Documents/projeto%20ORQUESTRA/Roteiro sdoFuturo_EstudoJovens2015.pdf

Nunes, Nuno (2013). Desigualdades sociais e práticas de ação coletiva na Europa. Lisboa: Mundos Sociais.

Pereira, Inês (2009). Movimentos em rede: biografias de envolvimento e contextos de interacção. Lisboa: CIES-ICSTE- IUL.

Pickerill, Jenny; Krinsky, John (2012). Why does occupy matter?. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, 11(3-4), p. 279-287.

Pinto, Ana Filipa (2011). À Rasca: retrato de uma geração, Lisboa, Booket.

Soeiro, José (2013). Portugal no novo ciclo internacional de protesto. Sociologia, 2014. Taibo, Carlos (2011). El 15-M en sessenta perguntas, Madrid, Catarata.

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Writers for the 99% (2011). Occupying Wall Street: the inside story of an action that changed America, New York: Haymarket Books.

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Textos

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CONTRIBUTOS E CONVERGÊNCIAS DA CIÊNCIA DA

INFORMAÇÃO E DAS CIÊNCIAS JURÍDICAS PARA UM

ADEQUADO PROCESSO DE BUSCA DE INFORMAÇÃO EM

JURISPRUDÊNCIA

LUCIVALDO VASCONCELOS BARROS

Universidade Federal do Pará, Brasil Ministério Público Federal, Brasil

lucivaldobarros@gmail.com

Resumo: Faz uma reflexão sobre a importância e a necessidade de uma maior aproximação entre a Ciência da Informação e as Ciências Jurídicas, de modo a integrar conceitos e aportes teóricos desses dois campos do conhecimento, com a finalidade de estabelecer meios e estratégias de buscas, adequados à obtenção de informações e argumentos contidos em decisões judiciais, úteis à sustentação de teses e fundamentação de estudos jurídicos. Demonstrar-se-á também que o tema "recuperação da informação jurídica" necessita abrir diálogos com outras áreas relacionadas à atividade de pesquisa jurisprudencial, tais como Filosofia, Linguística, Comunicação, Informática, etc.

Palavras-chave: Comportamento informacional. Recuperação da informação jurídica. Jurisprudência.

Abstract: Reflects on the importance and necessity of greater confluence between information science and jurisprudence, allowing the integration of the fundamental concepts of each discipline to establish effective and efficient legal research strategies. Effective strategies pinpoint the information and arguments within judicial decisions required to develop the theories and fundamentals of the science of jurisprudence. Demonstrates that the subject of uncovering and discovering judicial information requires exchange with other disciplines such as philosophy, linguistics, communication, information technology, etc.

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Este trabalho faz uma reflexão sobre a necessidade de interface entre a Ciência da Informação e as Ciências Jurídicas, a partir da conexão de conceitos e aportes teóricos oferecidos por esses dois campos do conhecimento humano, com vistas a aplicação de procedimentos relacionados à organização e à procura de informações contidas em decisões judiciais, como pressupostos indispensáveis à sustentação de teses, fundamentação de estudos e outras necessidades informacionais por parte daqueles que atuam ou exercem qualquer papel na área do Direito.

Insere-se também nesse contexto, a busca de diálogos com outras áreas, como Filosofia, Linguística, Comunicação e Informática, tendo em vista que os estudos e os processos de intervenção dos profissionais no âmbito da recuperação da informação jurisprudencial assentam-se como atividades de natureza interdisciplinar. A informação jurisprudencial representa uma das mais relevantes formas de manifestação do pensamento jurídico e ao mesmo tempo se reconhece que a busca desses conteúdos tem apresentado dificuldades de ordem prática, lógica, técnica e procedimental, motivos pelos quais estudiosos começam a despertar interesse pelo assunto.

Se outrora já foi difícil acessar decisões judiciais, por estarem restritas a processos, compêndios e repositórios impressos, hoje se enfrenta um novo desafio, já que as informações encontram-se disponíveis em número exponencial, acessíveis a um clique de distância por qualquer utilizador plugado na Internet.

Embora o operador do Direito se preocupe com a seleção de informações, hoje disponibilizadas em múltiplos meios e formatos, essa preocupação não faz parte do corpus das Ciências Jurídicas. Cabe à Ciência da Informação emprestar parâmetros teóricos à documentação jurídica para indicar pressupostos no âmbito da organização da informação e apresentar-lhes instrumentais técnicos na consecução de resultados mais satisfatórios no momento da busca de informações qualificadas, para, na medida do possível, atender interesse dos utilizadores do Direito. Mas esse trabalho, sem dúvida de utilidade prática, deve ser pautado também no rigor científico.

Sobre a pesquisa de informação jurisprudencial no contexto brasileiro, não faz muito tempo que essa atividade significava um verdadeiro calvário ao profissional jurídico. De início, ela só podia ser realizada por meio de diários oficiais da justiça, repositórios autorizados, livros, revistas e demais compêndios de Jurisprudência, comprados em livrarias ou locais especializados, ou, ainda, mediante assinatura de periódicos oferecidos pelas empresas do ramo.

De acordo com Pontes, Felício (“comunicação pessoal”, 12 de fevereiro de 2016), há tempo atrás, podiam-se observar pelo menos quatro fatores que influenciavam diretamente na busca e recuperação da informação em Jurisprudência: 1) preço e escassez; 2) indexação; 3) limitação de fonte e 4) tempo.

Em relação ao preço e escassez, muitos utilizadores procuravam uma alternativa para ter acesso à informação jurídica. Era comum ver profissionais, em início de carreira, folheando as obras jurisprudenciais em bibliotecas jurídicas.

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Mas o preço não era o único obstáculo a ser superado. A indexação dessas obras, apesar de ser pautada fortemente por padrões técnico-científicos de indexação, não havia instrumento capaz de integrar tais registros para fornecer uma informação mais precisa. Geralmente o profissional possuía sobre sua mesa coletâneas de julgados, mas a busca de fundamentos para a defesa de sua tese era algo que não lhe dava a segurança necessária. Normalmente, liam-se as ementas de vários volumes até encontrar o aresto desejado. Na pesquisa jurisprudencial, podia-se considerar sorte quando o documento era encontrado no primeiro volume consultado.

Outra característica era o que pode ser chamado de limitação de fonte. Em outras palavras, os compêndios de Jurisprudência eram circunscritos aos julgados dos tribunais superiores e, quando muito, dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. As obras continham raros arestos de outros tribunais do país. O profissional que se deparasse com um tema incomum nessas cortes, em razão, por exemplo, das peculiaridades regionais, sobretudo do Norte e do Nordeste do país, quase sempre não lograva êxito em sua pesquisa. Portanto, as fontes onde se buscavam os arestos eram extremamente limitadas, levando em consideração as especificidades locais de um país continental como o Brasil.

Por sua vez, as dificuldades encontradas com a limitação das fontes influenciavam no fator tempo. Não raras vezes a peça jurídica estava pronta, faltando apenas o julgado que confirmaria a tese ou o argumento necessário para a consolidação do ato. Logo, a busca pela Jurisprudência certa poderia levar mais tempo do que a redação da peça em si, incluindo-se, aí, a pesquisa da lei e da doutrina.

Nesse sentido, preço, escassez, indexação, limitação de fonte e tempo eram os principais obstáculos do profissional do direito na tarefa de pesquisa jurisprudencial. O tema deste evento, intitulado Direito e informação na sociedade em rede, é oportuno para recordar que todas essas dificuldades começaram a ser superadas, no Brasil, a partir da década de 1970, com o sistema de informação do Congresso Nacional – PRODASEN e em particular na década de 1990, quando os tribunais de todos os estados brasileiros iniciaram o processo de criação de bancos de dados, permitindo o acesso a seus julgados. A Internet se torna popular e a velocidade de conexão intensifica de modo surpreendente o compartilhamento dessas decisões.

O uso da rede mundial de computadores permitiu que milhares de julgados ficassem à disposição dos operadores jurídicos, com seus respectivos conteúdos informacionais. Dessa forma, o que era caro, escasso, com baixo impacto da atividade de indexação e demorado, torna-se: 1) barato e difuso; 2) com revalorização da indexação; 3) circular e 4) rápido.

Porém, a abundância de arestos a um clique do pesquisador levou a outro problema: a necessidade de ler dezenas, ou centenas, de julgados, até se encontrar a jurisprudência almejada. Muitas informações disponibilizadas de forma inadequada, sem tratamento técnico, maximizou-se o grau de dificuldade para encontrar a informação relevante. Dito de outra forma, informação em quantidade demasiada não significou necessariamente qualidade suficiente no seu conteúdo.

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O fato é que a falta de informação dos séculos anteriores foi substituída pela ansiedade de tanta informação do século atual. Hoje, o mesmo profissional se depara com outra realidade, diametralmente oposta, pois necessita ler, geralmente na tela de seu computador, no celular ou outros aplicativos computacionais, dezenas, ou centenas, de ementas, pela abundância de arestos ao seu dispor, de acesso livre, com textos na íntegra e sem barreiras físicas para consumi-los.

O investigador contemporâneo se vê diante de um constante frenesi das pesquisas on line, em "busca febril do último artigo e do último acórdão" (Fábrica, 2006, p. 60). No campo da valorização da organização informacional, chega-se ao século XXI sem ter resolvido os problemas dos séculos passados.

Portanto, dentre os fatores citados anteriormente, os aspectos relacionados à escassez e à dificuldade de acesso às fontes estão hoje quase resolvidos pela abundância, gratuidade e facilidade de acesso. Entretanto, os fatores tempo e indexação continuam sendo dois dos problemas não solucionados.

A pesquisa de informação jurisprudencial continua demorada por diferentes razões. Da mesma forma se verifica pouca valorização da organização e representação temática do conteúdo informacional da jurisprudência por parte de profissionais de áreas fora da Ciência da Informação, em particular pelos operadores do Direito. Esses dois fatores interferem decisivamente na qualidade da informação.

Sobre isto, enfatize-se o importante papel exercido pela Ciência da Informação, a qual se assenta em três pilares interdependentes: produção; organização e representação; e comportamento informacional.

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de Silva (2013), com adaptações

O tema também começou a ser discutido por estudiosos do Direito, que atribuíam fatores como dinamismo do Direito, proliferação legislativa; revogação da legislação; ementismo jurídico; linguagem jurídica, ambiguidade, vagueza; lacuna da Lei; causas judiciais semelhantes; decisões repetitivas, como causas que interferem na consolidação da jurisprudência no país.

Entretanto, deve-se reconhecer que em espaços de atuação especializada, não há, per si, apontamento individualizado na solução de problemas. A atividade de

Produção da informação Organização e representação Busca de informação Comportamento informacional

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recuperação da informação jurisprudencial requer, em especial, um esforço interdisciplinar conjunto entre Ciência da Informação e Ciências Jurídicas.

Atualmente esse tema é de vital importância para o profissional do Direito no Brasil, pois o país é reconhecido como possuidor de um sistema de precedentes à brasileira. Ou seja, um país de civil law que utiliza instituto da common law (Jurisprudência). Isso demonstra o valor da pesquisa em jurisprudência, como atividade relevante não apenas para o profissional da informação, mas, sobretudo, para o profissional jurídico, como uma das mais importantes fontes, pois é, em última análise, quem vai utilizar a informação e aplicar o Direito.

Com a recente aprovação do novo Código de Processo Civil brasileiro (CPC), não se tem dúvida de que o uso do precedente jurisprudencial, na sua forma organizada, sistematizada, indexada, encontrável, compreensível e de aplicação racional, será cada vez mais frequente entre nós.

Espera-se com isso, que os bancos de dados e demais recursos para pesquisa de Jurisprudência cresçam exponencialmente em número e qualidade, proporcionando, de forma efetiva e eficaz, a busca de informação, de modo a agregar valor ao produto final dos operadores jurídicos (peça, manifestação, petição, sentença, acórdão etc.).

Fica evidente a necessidade urgente de integração entre a área jurídica e a informacional. Os profissionais jurídicos, como destinatários finais da informação, sentem dificuldade na sua busca. A avaliação geral sobre os serviços de busca da informação jurisprudencial está longe de atingir o ideal, ou seja, longe de um nível adequado de aceitação por parte dos seus usuários.

De todas essas percepções, a que mais tem aproximado as duas áreas é a representação temática da informação jurisprudencial, na visão de pesquisadores da Ciência da Informação, ou ementismo jurídico para o estudiosos do Direito.

Campestrini (1994) demonstra que a ementa é precioso instrumento para o operador jurídco, mas vê pouco avanço no seu aperfeiçoamento, dilema acentuado com o uso da informática nos trabalhos, "copia-se muito e reflete-se pouco" (p. 2). A responsabilidade na feitura da ementa aumenta na medida em que ela é amplamente divulgada e sistematicamente empregada como meio de convencimento.

Como contributo, a Ciência da Informação tem apresentado algumas abordagens no campo do comportamento e recuperação da informação:

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Abordagens sobre necessidade versus comportamento do usuário na busca da informação

MODELO / ABORDAGEM AUTORIA

Comunicação interpessoal Grogan (1995)

Domínios de ação Nassif, Venâncio e Henrique (2007) Teoria da informação e percepção estética Moles (1978)

Sense-making Dervin (1983) Teoria da polirepresentação da recuperação cognitiva de

informação Allen (1978), Byström e Javerlin (1995), Byström (1999), Javerlin e Ingwersen (2004), Chang e Lee (2000) Processo de busca de informação Kuhlthal (1991-1993)

Análise de domínio Hjørland e Albrechtsen (1995), Hjørland (2003) Processo de busca de informação Taylor (1986), Wilson e Walsch (1996)

As 5 leis da Biblioteconomia Ranganatan Necessidade de informação e recuperação Chaumier

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de Grogan (1995), Nassif, Venâncio e Henrique (2007), Silva (2010), com adaptações

Já no campo das Ciências Jurídicas, algumas conceituações convergem ao tema em estudo, conforme sistematizadas no quando adiante.

Ainda sob o olhar das Ciências Jurídicas, Alexy (2001), chama atenção que uma lide colocada em discussão num tribunal compõe-se de interesses conflitantes. Cria-se nesCria-se ambiente um palco propício ao exercício plurifacetado dos profissionais do Direito, onde o mundo da lei se move diante do embate entre advogados, juristas, magistrados, promotores e demais partes do processo em que evidenciam seus conhecimentos e técnicas jurídicas. Esse é outro ponto convergente com a Ciência da Informação, sob a importância de se considerar estilos individuais de decisão quando da necessidade de informação peloutilizador da área do Direito.

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Conceituações jurídicas que se relacionam com a busca da informação

TEÓRICOS

(ESCOLA) SÍNTESE/CONVERGÊNCIA/CONTRIBUTO

Kelsen, Hart (positivistas)

Ao interpretar o discurso contido na linguagem jurídica e quando há indeterminação do Direito, o juiz tem total liberdade para escolher entre as diversas possibilidades de interpretação.

Carrió, Bobbio (realistas)

Tanto nos casos de penumbra quanto nos casos claros, o foco deveria se centrar na aplicação dos textos, tendo em vista que as características deles (potencialmente vagos, imprecisos) não justificariam a atenção do pesquisador.

Engisch, Andrade (pós-modernos)

Convive com a ideia de conceitos indeterminados e cláusulas gerais, tema que passou a fazer parte do ensino do Direito.

Recaséns Siches (lógica do razoável)

Busca de outros mecanismos que supram os espaços deixados pela insuficiência do pensamento analítico, rompendo com os critérios estritamente lógicos de subsunção.

Perelman, Habermas (novas retóricas, teoria da argumentação, ação

comunicativa)

O positivismo não oferece respostas aceitáveis aos problemas jurídicos atuais e que os limites por ele impostos devem ser revistos. Já para Habermas, um ser racional aquele indivíduo capaz de fundamentar suas manifestações ou emissões nas circunstâncias apropriadas.

Koch, Rüssmann, Engisch (teoria do limite do

wording de uma lei)

Os limites semânticos permitem a separação de duas formas de aplicação do Direito, isto é, a interpretação e o desenvolvimento ulterior do Direito. Cada aplicação de uma lei dentro do escopo do significado possível de seu wording é interpretação [...]. Cada aplicação, além disso, é um desenvolvimento ulterior do Direito.

Friedrich Müller

(teoria estruturante do direito) portanto, não pode restringir a interpretação. Seu ponto central é que o significado de uma norma não é um padrão pré-interpretativo, e,

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de Mendes (2014), Klatt e Souza (2010), com adaptações.

Por comportamento informacional, entende-se as várias atividades:

“desencadeadas por uma necessidade de informação, ou seja, a busca, a comparação das várias informações acessadas, a avaliação, a escolha, o processamento cognitivo e a utilização da informação para suprir a necessidade primeira, incluindo a própria identificação desta necessidade” (Bartalo e Marcondes, p. 2009).

Já a necessidade informacional é quando o indivíduo reconhece vazios em seu estado de conhecimento e em sua capacidade de dar significado a uma experiência concreta (Choo, 2003).

Nesse particular, o contato da Ciência da Informação com as Ciências Jurídicas pode gerar resultados úteis para ambas às áreas.

A Ciência do Direito se dedica ao estudo do conteúdo dos documentos jurídicos (sic), mas não com o enfoque da organização da informação. Cabe à Ciência da Informação aprofundar o conhecimento sobre essa documentação, com o objetivo de gerar conhecimento que subsidie as metodologias de organização da documentação jurídica (Torres e Almeida, 2013, p. 43).

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CIÊNCIAS JURÍDICAS

Dedica-se ao estudo do conteúdo dos documentos jurídicos PROFISSIONAL DO DIREITO

Preocupa-se em “dizer o Direito”

- - - CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Tem foco na organização da informação contida nos documentos jurídicos PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO

Fornece informação para o profissional jurídico “dizer o Direito”

Na visão de Meirim (1985), para o Direito, “pela força da argumentação jurídica que exerce a jurisprudência, o correto, completo e rápido acesso às decisões dos tribunais traria benefício à prontidão da justiça e proporcionaria estudo mais profundo do direito aplicado” (p. 197).

Nesse viés, a aplicação do Direito depende precisamente de processos discursivos e institucionais sem os quais ele não se torna realidade. O texto normativo ou dispositivo legal, pensado e discutido pelo legislador e materializado numa norma jurídica, constitui apenas a matéria bruta utilizada pelo intérprete no processo pedagógico do “fazer o Direito”, isto é, uma mera possibilidade de concretizar o Direito no âmbito de um contexto real:

A transformação dos textos normativos em normas jurídicas depende da construção de conteúdos de sentido pelo próprio intérprete. Esses conteúdos de sentido, em razão do dever de fundamentação, precisam ser compreendidos por aqueles que os manipulam, até mesmo como condição para que possam ser compreendidos pelos seus destinatários (Ávila, 2010, p. 24).

Interpretar normas significa dar vida ao sentido explícito ou implícito nos textos, pois “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” (Ávila, 2010, p. 30). Portanto, lei não é propriamente o texto inserido em um documento, é, sobretudo, o conteúdo a ser interpretado em um dado contexto. Pode-se dizer, ainda, que a lei é texto e contexto, ou simplesmente, como diz Carnelutti (2012) "uma folha de papel impresso", (p. 66) que vai ganhar vida quando sofrer uma interpretação.

Nessa linha de raciocínio, a Ciência da Informação tem contribuído de forma significativa para o aprofundamento do debate em torno da interpretação e da significação da informação, como matéria-prima contida nos textos das normas e, também, o sentido, a expressão de seus conteúdos tácitos ou explícitos.

A atividade do intérprete – quer seja um julgador, um estudioso ou cientista – consiste em construir os significados previamente existentes dos dispositivos contidos no texto legal e não apenas descrever tais significados. Assim, ao interpretar um texto

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normativo, o utilizador da informação jurídica não apenas constrói, mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso linguístico e construídos na comunidade do discurso.

Para Maximiliano (2002), a lei escrita é estática e com o trabalho executado pela função interpretativa, o Direito passa a ser dinâmico.

O executor ou utilizador da informação jurídica normativa tem como tarefa primordial promover a relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, ou simplesmente aplicar o Direito.

Na sua dimensão criadora do Direito, a Jurisprudência tem interface com todas as outras fontes, exercendo um papel de circularidade na construção do conhecimento jurídico. Esse movimento circular confere um grau de mudança no estado dos acontecimentos e com isso influencia, faz originar e também potencializa a renovação de institutos jurídicos, atribuindo-lhes nova roupagem, ou, pelo menos, dando-lhe novo sentido ou sentido diverso daquele observado anteriormente.

Como se vê é possível extrair dessa representação uma pedagogia construtivista no trabalho do juiz, pois ele exerce uma margem de poder criador, inovando em matéria jurídica e ao aplicar a lei dá sentido ao texto criado anteriormente pelo legislador, ajudando a compor o caso concreto que a jurisdição lhe confere.

E nessa tarefa, vislumbra-se como imprescindível uma integração entre as Ciências Jurídicas e Ciência da Informação, com propósito de estabelecer bases conceituais para um modelo de procura de informação jurisprudencial.

Evidencia, assim, a importância da aproximação entre a Ciência da Informação e as Ciências Jurídicas, com a integração de conceitos e aportes teóricos, com as vistas ao estabelecimento de estratégias de buscas adequados à obtenção de informações e argumentos contidos em decisões judiciais, úteis à sustentação de teses e fundamentação de estudos jurídicos.

Referências

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Ávila, H. (2010). Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed. rev. São Paulo: Ed. Malheiros.

Bartalo, L.; Marcondes, S. M. (2009). O Comportamento informacional na gestão acadêmica de uma universidade pública. Actas do Congresso de Arquivologia do Mercosul, Montevideo, Madrid, 8º, 1461-1471. Disponível em: http://ebookbrowse.com/br-bartalo-marcondes-pdf-d126714877. Acesso em: 31 out. 2011.

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Campestrini, H. (1994). Como redigir ementas. São Paulo: Saraiva. Carnelutti, F. (2012). Metodologia do direito. São Paulo: Editora Pillares.

Choo, W. C. (2003). A Organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado. São Paulo: SENAC.

Fábrica, L. (2006). O Utilizador da informação jurídica: perfis e necessidades de informação. Anais do Encontro Nacional de Bibliotecas Jurídicas: Direito e informação, Lisboa, 1, 51-60.

Grogan, D. (1995). A Prática do serviço de referência. Brasília: Briquet de Lemos.

Klatt, M.; Sousa, F. O. (2010). Normatividade semântica e a objetividade da argumentação jurídica. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, 2 (2) jul./dez., 201-213. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/424/2059. Acesso em: 25 ago. 2015.

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Mendes, E. A. M. (2014). A Necessidade de justificação argumentativa: vagueza e ambiguidade. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, 7 (1), 1-25. Disponível em:

http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/10790/8392. Acesso em: 24 ago. 2015.

Nassif, M. E.; Venâncio, L. S.; Henrique, L. C. J. (2007). Sujeito, contexto e tarefa na busca de informação: uma análise sob a ótica da cognição situada. Datagramazero: Revista de Ciência da Informação, 8 (5) out. Disponível em: http://www.datagramazero.org.br/out07/Art_04.htm. Acesso em: 16 out. 2007.

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Silva, A. M. (2013). Ciência da Informação e comportamento informacional: enquadramento epistemológico do estudo das necessidades de busca, seleção e uso. Prisma.com: Revista de Ciências e Tecnologias de Informação e Comunicação do

CETAC.MEDIA, 21. Disponível em:

http://revistas.ua.pt/index.php/prismacom/article/view/2659/pdf_1. Acesso em: 6 jul. 2015.

Torres, S.; Almeida, M. B. (2013). Introdução ao estudo da documentação jurídica: a caracterização do documento jurídico. Saarbrüken: Novas Edições Acadêmicas.

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DADOS ABERTOS:

partilhar uma estratégia sistémica para desenvolver valor

MARIA INÊS CORDEIRO

Biblioteca Nacional de Portugal icordeiro@bnportugal.pt

Resumo:São apresentados os fundamentos e objetivos da orientação atual para a disponibilização de dados abertos no contexto mais geral do acesso aberto à informação online. Abordam-se aspetos políticos, legais e técnicos do acesso a dados abertos, exemplificando com a prática atual com conjuntos de metadados produzidos por bibliotecas, sublinhando o seu valor em termos funcionais de integração, interoperabilidade e construção da web semântica, assim como o seu potencial para investigação, especialmente em áreas de ciências sociais e humanas. Apresenta-se o panorama dos dados abertos em Portugal e o caso dos serviços de acesso aberto aos dados da Biblioteca Nacional de Portugal.

Palavras-chave:Dados abertos. Diretiva PSI. Setor cultural.

Abstract: The paper presents the framework and objectives of the current trend in making data openly available online, within the more general context of open access to information. Policy, legal and technical aspects of open data are approached exemplifying with the current practice with metadata sets produced by libraries, stressing its value in functional integration terms, interoperability and semantic web construction as well as their potential for research, especially in areas of social and human sciences. It presents the panorama of open data in Portugal and the case of open data services provided by the National Library of Portugal.

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1. Introdução

Dados abertos são dados que podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa e sujeitos, no máximo, à exigência de atribuição da fonte e à partilha segundo as mesmas regras. Esta definição base, dada pela OKF1,

pode hoje encontrar-se em múltiplos contextos em que se advogam, prescrevem ou estudam as questões dos dados abertos através de orientações de política, planos de ação e requisitos legais e técnicos, estudos de impacto, etc.

A literatura sobre o tema tem-se multiplicado muito rapidamente2 decorrendo

sobretudo de iniciativas transversais de governos nacionais (ver, por ex., UK Government, 2012, 2013, 2015), da Comissão Europeia (Comissão Europeia, 2011, 2011a, 2013); de iniciativas intergovernamentais (G8, 2013; OGP Open Data WG, 2016); de grandes organizações internacionais que passaram a disponibilizar portais com dados abertos, como o Banco Mundial3, a OCDE4 ou a União Europeia5. E,

ainda, de uma pleiade de organizações não lucrativas que não pára de crescer como a Open Data Foundation6, o Open Data Institute7, o Center for Data Innovation8, a

Open Data Research Network9.

O tema dos dados abertos desenvolve-se simultaneamente com outro também emergente – big data – sublinhando ambos o valor potencial dos acervos de dados para lá dos objetivos e finalidades para que são criados, e em grandes agregações. No entanto, a natureza dos dois temas é diferente, como explica Kitchin (2014, cap. 3-4). Enquanto no tema big data a ênfase vai, entre outros aspetos, para o potencial da crescente capacidade computacional para explorar grandes volumes agregados de dados de múltiplas fontes, de grande variedade e granularidade, e muitas vezes altamente dinâmicos, nos dados abertos o foco é o acesso e a possibilidade legal e técnica da reutilização de cada conjunto de dados independentemente da sua natureza, ou do seu volume.

1 Open Knowledge Foundation (hoje apenas Open Knowledge), fundada em 2004 por R. Pollock, é uma

organização não lucrativa com implantação internacional cuja rede possuía, em 2015, 9 secções nacionais oficiais, e grupos em 49 outros países, um dos quais em Portugal (http://pt.okfn.org/). Mais informação em: https://okfn.org/.

2 Ver a bibliografia disponibilizada pela Open Data Research Network desde 2013, em:

http://bibliography.opendataresearch.org/index.html.

3 The World Bank Data Catalogue: http://datacatalog.worldbank.org/. 4 OCDE Data: https://data.oecd.org/.

5 European Data Portal: http://www.europeandataportal.eu/.

6 Fundada em 2006, está baseada nos EUA e dedica-se à promoção de normas, metadados e soluções abertas

para a gestão e uso de dados estatísticos. Mais informação em: http://www.odaf.org/.

7 Fundado em 2012, com apoio da agência de inovação britânica (Innovate UK) e da Omidyar Network. Mais

informação em: http://opendata.institute/.

8 Fundado em 2013, pela ITIF (Information Technology and Innovation Foundation). Mais informação em:

https://www.datainnovation.org/.

9 Iniciado em 2013, é um projeto colaborativo coordenado pela Web Foundation e o International

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Fig. 1 – The data spectrum (Fonte: Open Data Institute, https://theodi.org/data-spectrum)

Nesta perspetiva, como se mostra na Fig. 1, é importante compreender as diferentes “zonas” que existem no universo de dados, em termos de acesso e abertura, e também, por outro lado, que a evolução dos dados abertos é essencial ao movimento big data.

A amplitude do tema dos dados abertos, em que se intersetam diversos aspetos de políticas públicas, estratégias organizacionais, de gestão de dados e tecnologias, requer uma abordagem orientada pelo contexto de um domínio específico, neste caso o das bibliotecas. Uma abordagem enquadrada por uma leitura geral da evolução do acesso à informação que interprete o sentido e a oportunidade dos dados abertos para o avanço das atividades desse domínio e da sua relação com outros, e não como mera exibição tecnológica de um desiderato político.

Ou seja, uma abordagem que não reduza o tema ao relato da experiência prática de aplicação de um receituário técnico já bem definido, e a mais uma apologia das virtudes potenciais dos dados abertos, profusamente defendidas na literatura oficial que está na ordem do dia e que promete automaticamente transparência, inovação, revitalização da economia e cidadania fortalecida. Que pode ser isso ou, como referem alguns críticos face ao saldo dos programas em que se confunde governo aberto e dados abertos (Yu e Robinson, 2012), apenas uma bolha política – um conjunto simplista de ideias que se auto-reforçam, alimentado em grande parte pelos media – sem grande transformação da realidade (Pelet, 2013) e consubstanciando um fenómeno ainda muito pouco analisado (Gray, 2014).

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2. Dados abertos - por uma filiação não administrativa

O conceito de dados abertos popularizou-se nos últimos anos, sobretudo desde 2009, com a conjugação de vários fatores: i) o movimento dos governos abertos (ver principais marcos evolutivos em Davies, T., 2010, cap. 2.1, 2.2; e em Davies, A. e Lithwick, 2010); ii) a “descoberta” do potencial da informação do setor público para a inovação e crescimento económico (Dekkers, et al., 2006; Fitzgerald, ed., 2010; Shakespeare, 2013; Vickery, 2013); e iii) o reconhecimento das limitações da sua disponibilização muitas vezes parcial e apenas intermediada em sítios web sem acesso aos dados em modo que permita a sua livre reutilização por máquina (ver, por ex., Malamud, et al., 2007; Stephenson, 2009; Robinson, et al., 2009).

Estes fatores de popularização dos dados abertos não são desligados de outros movimentos e conceitos precedentes, designadamente os do software livre e do acesso aberto, mas têm, a nosso ver, um pendor diferente. Enquanto a ênfase nos dados abertos assenta sobretudo em valores reclamados pelas administrações abertas – como a transparência, a responsabilização, a eficiência do serviço público, a participação democrática, o crescimento económico – os movimemtos anteriores, amadurecidos mais lentamente e acompanhando a evolução da Internet e dos seus meios tecnológicos, criaram uma nova “cultura do acesso”10 que não foi programada

e que emergiu socialmente. Essa cultura, baseada nas potencialidades do trabalho colaborativo e no conhecimento como bem comunitário (knowledge commons), orienta-se pela partilha livre e voluntária, alimentando uma noção de bem público que orienta-se opõe ao controlo privado da ciência e tecnologia (Lessig, 2001, cap. 2-3).

Segundo Willinsky (2006, 9), um “bem público, em termos económicos, é qualquer coisa considerada benéfica e que pode ser distribuída a quem dela necessite sem que o uso diminua o seu valor”. E, neste sentido, recorre a Machlup para sublinhar que o conhecimento é um bem público quase perfeito: enquanto procurar, criar, adquirir ou distribuir conhecimento envolve custos, reutilizar o conhecimento já existente pode ser gratuito. Esta noção, conforme nota Chignard (2013) a propósito da história dos dados abertos, aproxima-se da que Merton (1942, 1973) preconizava, muitas décadas antes da Internet: um ethos da ciência moderna assente em quatro normas, ou imperativos institucionais, morais e técnicos: ‘comunismo’ (i.é., produção e partilha comuns dos bens do conhecimento científico), universalismo (ciência aberta, sem preconceitos de raça, religião, cultura, género), isenção (face a interesses particulares ou privados) e ceticismo organizado (ciência com resultados expostos, sujeitos a escrutínio).

Estes príncípios são próximos do quadro de referência em que floresceram os movimentos do software livre, sobretudo a partir do final dos anos 90 (Waliszewski, 2002), e do acesso aberto a conteúdos, especialmente desde a Budapest Open Access Initiative, em 200111. É um quadro de referência que valoriza o acesso com base na

livre difusão com renúncia a direitos protegidos (controlo do conhecimento), tornando resultados de investimentos privados em bens públicos; e na ação e

10 Em parte, os parágrafos seguintes são recuperados de Cordeiro (2007).

11 Para uma cronologia ver Timeline of the open access movement. Open Access Directory, em:

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autoregulação coletivas, com vantagens para a inovação, angariando formas de retorno não tradicionais para os inovadores (Von Hippel, 2005, cap. 6).

Esses movimentos surgiram em reação aos obstáculos não só económicos, mas também legais e técnicos que limitavam o potencial da comunicação direta e a natureza não controlada da Internet (Vaidhyanathan, 2004), entendida como uma espécie de domínio público de conhecimento e ideias (Lessig, 2004). Nesse contexto, são vistos como um renascimento de valores comunitários, “um regime social para gerir recursos partilhados e ao mesmo tempo forjar comunidades de valores e objectivos” que constituem “insurgências” relativamente às premissas da doutrina tradicional do mercado livre (Clippinger e Bollier, 2005).

Foram essas insurgências que fizeram evoluir o software livre e o acesso aberto a conteúdos em torno de dois aspetos que são hoje essenciais para o alcance dos dados abertos. Por um lado, criaram alternativas a aspetos regulatórios como o copyright, fazendo emergir novas formulações alternativas às tradicionais para os direitos de propriedade intelectual e o licenciamento12, alargando as opções e mostrando que

havia caminho para modelos não convencionais de retorno na economia da informação. Por outro, aprofundaram a noção de infra-estrutura – nas perspetivas organizacional, técnica e de serviço – que, direta ou indiretamente, foi moldando a realidade da rede, hoje muito mais sistémica do que antes: os sucessos já alcançados no acesso aberto a conteúdos não deixam margem para dúvidas.

É nestas duas perspetivas – a da descoberta de modelos não convencionais de retorno e a de melhorar infraestruturas reforçando a integração numa realidade sistémica - que entendemos a oportunidade dos dados abertos. Mas, ao defendemos uma perspetiva sistémica que sublinha o valor da emergência natural e da interação simultânea a vários níveis com o meio envolvente, não podemos ignorar as orientações normativas sobretudo quando elas já são resultado de uma evolução do ambiente informacional.

3. Um novo quadro normativo para a informação do setor público

Em 2013, foi aprovada a 2013/37/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que altera a Diretiva 2003/98/CE, de 17 de dezembro, relativa à Reutilização de Informações do Setor Público. Na redação de 2003, a Diretiva estabelecia uma harmonização mínima de regras aplicáveis à informação do setor público dos estados membros prevendo princípios gerais, âmbito de cobertura e a existência de prazos e vias de recurso em caso de indeferimento dos pedidos de acesso.

A Diretiva visava, então, essencialmente documentos das administrações públicas, excluindo, entre outros, os documentos na posse de instituições culturais

12 Fundada no contexo destes movimentos, em 2001, a Creative Commons (http://creativecommons.org/) é

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como museus, bibliotecas e arquivos, e a sua transposição, em Portugal, recaiu no âmbito da Lei do Acesso a Documentos Administrativos13.

As alterações aprovadas em 2013 consideram expressamente os desenvolvimentos nacionais e internacionais ocorridos nas políticas de administração aberta, implicando a necessidade de aprofundar do nível de harmonização, e a Diretiva passa a ser não só mais abrangente como mais exigente:

 Dados - os dados passam a estar explicitamente abrangidos, designadamente pelos considerandos preambulares, embora a sua definição não se encontre em separado mas antes implícita na definição de documentos. A este respeito, as intenções já eram, anteriormente, claras (European Commission, 2011, 2011a, 2013) e foram posteriormente melhor especificadas (Comissão Europeia, 2014);  Princípio geral - o princípio geral de acesso foi revisto, não fazendo

depender a reutilização de uma autorização prévia, para todos os documentos não abrangidos por uma das exceções previstas;

 Cobertura - passam a estar abrangidos os documentos na posse de instituições culturais públicas como as bibliotecas, incluindo as universitárias, museus e arquivos sobre os quais não recaiam direitos de propriedade intelectual ou outras restrições legais;

 Vias de recurso - Em caso de indeferimento, são melhor detalhadas as possibilidades de vias de recurso a implementar pelos estados membros.

 Formatos abertos - tanto os documentos como os respetivos metadados devem ser disponibilizados em formatos abertos;

 Transparência de custos – em caso de serem cobrados emolumentos por reutilização, os mesmos devem corresponder a custos marginais de reprodução, disponibilização e disseminação, com algumas exceções; os emolumentos devem ser pré-publicados e justificados. Ver recomendações complementares em Comissão Europeia (2014);  Licenças – alteração apenas editorial. No entanto, são dadas

recomendações complementares em Comissão Europeia (2014);  Não discriminação – mantêm-se as mesmas disposições,

designadamente, as que preveem a não discriminação para uso comercial ou não comercial; no entanto, existem impactos consideráveis, sobretudo para o setor cultural, dado o alargamento do âmbito da Diretiva.

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A Diretiva previa a sua transposição pelos estados membros até 18 de julho de 2015, o que ainda não aconteceu em Portugal. A menos de um mês da data limite, a situação era idêntica para uma grande parte dos países da UE (Pekel, Fallon e Kamenov, 2014, p. 17).

O período até à aprovação das alterações foi gerador de um considerável conjunto de estudos, iniciativas de análise e discussão, tanto a nível internacional como no seio de alguns países, sobre as potencialidades dos dados abertos para a inovação e a economia, incluindo no que se refere ao setor cultural, especialmente visado nas alterações à Diretiva.

Um caso exemplar tem sido o do Reino Unido, onde a transposição da Diretiva foi conduzida pelo Arquivo Nacional, num processo que envolveu consulta pública e estudos de impacto (National Archives, 2013), bem como elaboração de diretrizes sobre diversos aspetos de implementação e interpretação, que complementam a própria transposição (National Archives, 2015, 2015a).

Um dos aspetos mais debatidos no setor cultural tem sido as reconhecidas características e tradições próprias das instituições que não facilitam, ou opõem visões diferentes, quanto à disponibilização da informação/dados públicos sem distinção entre fins comerciais e não comerciais, especialmente por receio de perda de receita (Hanappi-Egger, 2001; Davies, R., 2009; Dietrich e Pekel, 2012; Vickery, 2013, p. 8, 12; Janssen e Hugelier, 2013).

Esta constatação aplica-se não só aos dados mas também, e sobretudo, aos conteúdos das coleções das instituições culturais já no domínio público onde, como é o caso nos arquivos e museus, a tradição não tem sido a da reutilização livre, sem descriminação e sem compensação. No entanto, como notam Verwayen, Arnoldus e Kaufman (2011), esse posicionamento parece estar a mudar.

4. Dados abertos em Portugal

Em Portugal, a transposição da Diretiva não só não foi efetuada como não foi objeto, até ao momento, de discussão pública. O tema dos dados abertos, por seu lado, praticamente não recolhe literatura, profissional ou académica, em Portugal14.

Em relação com as matérias expostas na Diretiva existem, em Portugal, disposições legais que visam a adoção de normas abertas que facilitam, entre outros aspetos, a interoperabilidade e, assim, a potencial universalidade de acesso e utilização da informação digital da administração pública15.

14 Na pesquisa efetuada para esta comunicação apenas foi encontrado um estudo (Soares, Batista e Lima, 2015). 15 Lei 36/2011, de 27 de junho. Estabelece a adoção de normas abertas nos sistemas informáticos do Estado;

e Resolução do Conselho de Ministros nº 91/2012, de 8 de novembro, que estabelece o Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital (RNID).

Imagem

Fig. 1 – The data spectrum (Fonte: Open Data Institute, https://theodi.org/data-spectrum)
Fig. 3 – Sítio web dos dados abertos da BNP (http://opendata.bnportugal.pt/)
Fig. 4 – 7R data value framework (Kaschesky e Selmi, 2014)
Fig. 1 – As licenças do Creative Commons em três camadas

Referências

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