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Não concorrência laboral

REDES SOCIAIS E IMPACTOS NAS CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA LABORAL

3. Não concorrência laboral

a. Não concorrência na pendência do contrato de trabalho

Não há dúvida nenhuma que na pendência de uma relação de trabalho, impende sobre o trabalhador uma obrigação de não concorrência como expressão do dever de lealdade6. Com efeito, nos termos do disposto no art. 128º, nº 1, al. g) do CT, o dever

de lealdade abrange, por um lado, a proibição do trabalhador não negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o seu empregador e, por outro lado, a proibição de divulgar informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

Perante este cenário, o art. 128º, nº 1 al. g) do CT ao estabelecer uma proibição geral de concorrência do trabalhador perante o empregador na pendência do contrato de trabalho, confere uma aparente cláusula de exclusividade no que toca à atividade efetivamente exercida. Quer isto dizer que o dever de lealdade impede que o trabalhador possa desempenhar qualquer atividade por conta de outra sociedade comercial que seja concorrente do seu empregador. Para este efeito, é irrelevante a natureza do vínculo contratual que sustenta esta atividade concorrente7. O que

5 Relembre-se, por exemplo, as questões cada vez mais mediáticas relacionadas com este ramo do Direito, como

a OPA da Sonae à PT ou os contratos celebrados entre as operadoras de telecomunicações e os clubes de futebol da I Liga.

6 Relativamente a este tema, temos alguma jurisprudência relevante. O Tribunal da Relação de Coimbra

entendeu que “durante a vigência do contrato de trabalho o trabalhador está obrigado ao dever de lealdade ao empregador – artº 20º/1, d), da LCT; 121º/1, e), do Código de Trabalho de 2003; 128º/1, f), do Código de Trabalho de 2009 – nele se compreendendo expressamente a proibição de negociar por conta própria ou alheia, em concorrência com aquele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios” (cfr. Ac. do TRC, de 05.11.2009, processo nº 129/08.7TTAGD.C1, disponível em www.dgsi.pt). Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça sustentou que “integra justa causa de despedimento, por violação do dever de lealdade, na dimensão da proibição de não concorrência, o comportamento do trabalhador que se torna sócio de uma sociedade comercial com objeto social idêntico ao do empregador e que prossegue a mesma atividade” (cfr. Ac. do STJ de 09.09.2015, processo nº 477/11.9TTVRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

7 Entendemos que esta concorrência pode ser praticada através de qualquer forma contratual, nomeadamente

interessa é que o trabalhador não exerça qualquer concorrência perante o seu empregador. Portanto, celebrar uma cláusula de exclusividade num contrato de trabalho pouco acrescentará ao vertido no art. 128º, nº 1, al. g) do CT8.

Deste modo, entendemos que o trabalhador não fica impedido de trabalhar por conta de outro empregador se este não desenvolver uma atividade concorrente. Não obstante, ainda assim o empregador pode procurar introduzir uma cláusula contratual no sentido de estabelecer uma exclusividade do exercício profissional do trabalhador, seja que para que atividade for. A validade de uma cláusula com este conteúdo dependerá da sua adequação e proporcionalidade.

Aqui chegados, conseguimos concluir que a proibição da concorrência do trabalhador perante o seu empregador é um elemento basilar em que se suporta uma relação laboral. De uma forma geral, o trabalhador só pode exercer uma atividade profissional em concorrência com o seu empregador se for expressamente autorizado para o efeito por ser uma solução que resulta ope legis. Por outro lado, a existência de uma eventual cláusula de exclusividade não é essencial para que o empregador possa exercer o seu direito de demandar o trabalhador para reparar os seus danos ou para promover um procedimento disciplinar.

Se esta limitação do trabalhador exercer uma atividade em concorrência com o seu empregador pode estar devidamente enquadrada na pendência do contrato de trabalho, o contexto é diferente no período posterior à cessação do contrato de trabalho.

b. Não concorrência após a cessação do contrato de trabalho

Os maiores problemas relacionados com o dever de não concorrência de um trabalhador perante o seu empregador só se colocam quando este dever produz efeitos após a cessação de contrato de trabalho. Isto porque, em determinadas circunstâncias, o recurso a este tipo de acordos pode colocar em causa o livre exercício da atividade laboral por parte do trabalhador, uma vez que se encontra vinculado a não concorrer com o seu empregador no período posterior à cessação do contrato de trabalho.

De uma forma geral, os ordenamentos jurídicos europeus aceitam a existência de acordos que limitem a prestação de trabalho do trabalhador por conta de um

8 Quanto a este ponto, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu já que “a obrigação de exclusividade,

eventualmente, consignada em cláusula acessória do contrato de trabalho, se referida a atividades concorrentes com a do empregador, não releva com autonomia, na perspectiva de restrição à liberdade de trabalho, por se tratar de obrigação inerente à relação laboral, por força do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 121º do referido Código [N. do A.: o acórdão refere-se ainda ao CT de 2003], como afloramento do dever geral de lealdade” (cfr. Ac. do STJ de 10.12.2009, processo nº 09S0625, disponível em www.dgsi.pt). Este acórdão refere ainda que “A licitude da cláusula de exclusividade que limite o exercício de atividades não concorrentes com a do empregador há-de ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efetivo interesse do empregador (atendendo, designadamente, ao sector económico em que a empresa se insere) correlacionado com a natureza das tarefas objecto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que podem reclamar disponibilidade total)”. Significa que a existência de uma cláusula de exclusividade terá de estar sempre a um interesse do empregador que seja verdadeiramente cuja tutela justifique a limitação a que o trabalhador fica sujeito.

concorrente do empregador anterior9. Por sua vez, os EUA têm uma grande variedade

de tratamento relativamente a estes pactos. Enquanto alguns Estados toleram os acordos de não concorrência celebrados entre trabalhadores e empregadores, outros consideram-nos expressamente ilícitos. Parece ser interessante dar aqui o exemplo da Califórnia onde os pactos de não concorrência não só são proibidos, como esta proibição é considerada como o motor do dinamismo da sua economia10.

Em Portugal, os pactos de não concorrência estão regulados no art. 136º do CT. Este artigo está incluído na subsecção II da secção VII relativa a cláusulas acessórias e diz respeito a cláusulas de limitação da liberdade de trabalho. No fundo, um acordo celebrado no sentido de garantir que um trabalhador não preste atividade por conta de um concorrente do seu anterior empregador traduz-se numa efetiva limitação da liberdade deste trabalhador procurar encontrar outro empregador.

Para poder ser considerada lícita, uma cláusula de não concorrência pós- contratual tem cumprir os seguintes requisitos: i) resultar de documento escrito; ii) a atividade desempenhada em concorrência poder causar prejuízo ao empregador; e iii) ser atribuído ao trabalhador uma compensação durante a sua vigência. O pacto de não concorrência pode ser celebrado diretamente no contrato de trabalho, na pendência do contrato de trabalho, no próprio acordo de revogação do contrato de trabalho ou até em data posterior11. Quanto à duração, está limitada a um período

máximo de 2 anos, salvo se estiver em causa um trabalhador que tenha desempenhado funções com uma especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência. Neste último caso, o pacto de não concorrência está limitado a 3 anos.

Como podemos ver, o legislador português não faz depender o pacto de permanência de uma especial complexidade na função desempenhada pelo trabalhador. Basta que o exercício de uma atividade concorrente possa causar prejuízo ao empregador. Apenas por este motivo é que faz sentido a extensão do prazo para 3 anos previsto no art. 136º, nº 5 do CT. Por esta razão, pode questionar-se em Portugal

9 Existem diversas soluções nos Estados membro da EU, mas quase todas vão no sentido de aceitar estas

cláusulas ou acordos. Existia alguma resistência nos países do Báltico na utilização cláusulas de não concorrência em virtude da influência do direito de origem soviética (na Rússia estas cláusulas ou acórdão são ilícitos). Acontece que os tribunais chegavam à mesma solução pela via dos tribunais comuns. Desta forma, as reformas laborais nos Estados do Báltico pendentes admitem esta restrição no direito ao trabalho do trabalhador. Por outro lado, ao longo de 2015, a Dinamarca também se debruçou sobre este tema limitando o acesso às cláusulas de não concorrência pós-contratual. Mesmo a Noruega (não membro da UE), apresentou no início do ano de 2016 uma reforma legislativa no sentido de limitar o acesso a este tipo de cláusulas.

10 Esta posição do Estado Califórnia é ainda mais relevante se tivermos em conta que muitas das empresas mais

importantes no sector das novas tecnologias estão aí localizadas, tal como nas cidades de Silicon Valley (Adobe Systems, Apple, Cisco Systems, Ebay, Facebook, Google, Intel, Netflix, Yahoo!, entre outras). Para um maior desenvolvimento sobre este tema, cfr. Lester, Gillian, Ryan, Elizabeth (2009), Choice of Law and Employee Restrictive Covenants, eScholarship, Institute for Research on Labor and Employment UC Berkeley, disponível em http://escholarship.org/uc/item/1596b2b8 e Hyde, Alan e Menegatti (2013), Legal Protection for Employee Mobility, draft, https://www.upf.edu/gredtiss/_pdf/2013-LLRNConf_HydexMenegatti.pdf.

11 Conforme sublinha Joana Vasconcelos, a solução legislativa prevista no art. 136.º, n.º 2, al. a) do CT resolveu

os problema interpretativos do CT anterior, uma vez que não deixa dúvidas que o pacto de não concorrência no contrato de trabalho ou no acordo de revogação [cfr. Vasconcelos, Joana (2013), Código do Trabalho anotado, 9.ª ed., Almedina, p. 351-352]. Por outro lado, podem surgir dúvidas se um pacto de não concorrência celebrado depois da cessação do contrato de trabalho tem a natureza laboral e se são aplicáveis as regras previstas no art. 136º do CT.

a pertinência deste regime perante a liberdade de escolha e de exercício de profissão e o direito ao trabalho consagrados nos arts. 47º e 58º da CRP. No entanto, o Tribunal Constitucional apreciou esta questão no sentido da sua conformidade com a CRP12.

Para este efeito reforçou essencialmente o balanço entre a restrição ao exercício da atividade laboral por parte do trabalhador e alguns interesses tuteláveis do empregador, nomeadamente o de evitar que um concorrente venha a utilizar informações de que o antigo trabalhador dispunha em virtude das suas funções13.

Importa aqui salientar que quando um trabalhador desenvolve uma carreira numa determinada área de atividade, é expectável que possa querer procurar novas oportunidades de trabalho onde faça valer a sua experiência. No fundo, a aquisição de skills profissionais é um valor relevante para o trabalhador em qualquer candidatura. Deste modo, não é difícil admitir que empregadores concorrentes vão procurar os mesmos candidatos a emprego. A experiência do trabalhador no âmbito de um concorrente é apetecível para um novo empregador. Todavia, este interesse pode não estar totalmente conectado com algum conhecimento particular sobre o concorrente, mas simplesmente porque a experiência adquirida numa determinada atividade pode ser relevante.

Deste modo, podemos concluir que o simples facto de um trabalhador iniciar uma relação de trabalho com um concorrente do seu empregador anterior, não produz necessariamente um prejuízo. Daí que é importante ter cuidado na interpretação do conceito de atividade concorrente e dos respetivos danos.

Este tema é, portanto, sensível tendo em conta os valores que tem de conciliar. No entanto, não nos podemos esquecer que é legítimo um trabalhador querer fazer valer a sua experiência para procurar melhor condições de trabalho. Uma restrição do trabalhador a procurar um novo empregador apenas pode ser admissível se for proporcional aos direitos protegidos do anterior empregador.

Por fim, devemos realçar que o facto de um trabalhador não ter celebrado um acordo de não concorrência com o seu empregador anterior ainda assim pode provocar danos com os seus conhecimentos adquiridos. A diferença é que neste caso o trabalhador pode ser demandado pelo seu ex-empregador nos termos gerais14.